Tunbridge Wells
Um exemplo de erro de interpretação foi o que ocorreu em Tunbridge Wells em 1908-1909. Alguns que conhecem o incidente acreditam que as ações que a assembleia tomou, primeiramente ao silenciar C. Strange (1903) e mais tarde ao excluí-lo (1908), teriam sido injustas. Acreditando que o modo de lidar com C. Strange foi injusto e sem base bíblica, eles acharam que Tunbridge Wells havia por isso perdido seu status de uma assembleia verdadeiramente congregada ao nome do Senhor. Tal ideia equivocada é erroneamente sustentada por W. R. Dronsfield em seu livro “The Brethren Since 1870”, na página 33, onde diz: “Se dois ou três estiverem verdadeiramente reunidos ao nome do Senhor, qualquer decisão que tomarem deve ser correta para que seja reconhecida como tal nos céus. Todavia, a recíproca também é verdadeira, ou seja, que se aqueles reunidos chegarem a uma decisão injusta, eles não podem estar reunidos ao nome do Senhor”. Assim, alguns acharam que as ações daquela assembleia não poderiam ser reconhecidas como ações com respaldo dos céus. Como consequência, decidiram não se sujeitar àquela decisão.
Ora, fica claro a partir dos fatos envolvendo o caso em questão que a assembleia de Tunbridge Wells agiu de forma meio confusa. Além disso, as relações subsequentes entre muitos dos que estavam em Tunbridge Wells revelou um espírito hostil que certamente nunca se deveriam permitir. Mas a grande pergunta é: “Teria sido uma decisão da assembleia?”. Ambas as partes concordam que era, exceto os simpatizantes de Lowe em Londres, que acreditavam ter sido uma decisão injusta da assembleia, e portanto, resolveram não se submeter a ela. Todavia, o fato de alguns irmãos de Londres (o partido de Lowe) achar que a ação era injusta e sem fundamento bíblico não muda ou torna nula a ação. A outra pergunta é: “A assembleia em Tunbridge Wells tinha ou não autoridade para agir em nome do Senhor?”. Se não, quando foi que ela perdeu sua autoridade de agir? Vimos nas páginas anteriores que uma assembleia não perde sua posição de estar biblicamente congregada ao nome do Senhor por individualmente acharmos que tomou uma decisão errada! Devemos nos lembrar de que a decisão foi tomada em Nome do Senhor por uma assembleia congregada ao Seu Nome, e, portanto, revestida de autoridade para agir em questões administrativas. A assembleia em Tunbridge Wells decididamente tinha autoridade para agir em Nome do Senhor. Portanto, sua decisão foi ligada nos céus e to-dos deveriam se submeter a ela. Isso teria evitado a divisão.
Já que a decisão em Tunbridge Wells não pareceu aos seguidores de Lowe (e aos do continente europeu) fundamentada em graça, eles não a consideraram como uma decisão legítima da assembleia (“Report by Bros. Brockhaus, Donges, e al.” p. 25). O grande erro ali foi achar que só se deve submeter a uma decisão de uma assembleia quando for uma decisão correta e tomada de uma maneira piedosa. A ideia de se sujeitar até mesmo se acharmos que a decisão é errada nem sequer foi cogitada. Aquilo foi certamente um desvio da verdade bíblica que os irmãos tinham ensinado até então. Foi tornar as decisões da assembleia dependentes da condição moral da assembleia — determinar que a assembleia precisa estar em boas condições antes que suas decisões sejam capazes de “ligar”, antes de nos sujeitarmos a elas. Mais uma vez isso é confundir autoridade com infalibilidade. Uma boa condição moral, evidentemente, é desejável, mas não é isso o que concede à assembleia sua autoridade. Como já demonstramos, é o Senhor no meio que dá à assembleia a autoridade necessária para ela agir. Se os seguidores de Lowe achavam que a assembleia em Tunbridge Wells estava em erro, deviam ter se submetido à decisão “prima facia” (“evidência aparente”), ao menos para o momento, e então buscar tocar a consciência daquela assembleia quanto ao erro. Isso teria preservado a ordem e a unidade. Apesar de alguns terem se dirigido aos irmãos em Tunbridge Wells neste sentido, isso não foi feito em um espírito de indagação, mas de condenação. Entre muitos em Londres não havia a percepção do fato de que os irmãos locais conhecem melhor o modo de ser das pessoas, e que deviam se sujeitar a tal julgamento. Ao contrário, N. Noel, em seu “ History of the Brethren ”, assinala que os irmãos em Londres e arredores julgaram que a decisão não era bíblica e, portanto, era injusta. Então simplesmente a desprezaram! Eles permitiram que C. Strange continuasse a partir o pão com eles! Aquele foi um ato de total contenda para com a decisão tomada na assembleia de Tunbridge Wells onde o Senhor estava no meio. O partido dos seguidores de Lowe manifestou um espírito que dava a entender que eles estavam acima da autoridade do Senhor delegada à assembleia em Tunbridge Wells, o que é extremamente sério. Aquilo foi uma afronta ao Senhor. Foi só depois que as assembleias de Londres (que haviam seguido Lowe) haviam quebrado “a unidade do Espírito” ao receberem C. Strange que tinha sido excomungado em Tunbridge Wells, que a assembleia em Tunbridge Wells emitiu sua declaração (1909) de não estar mais em comunhão com aqueles que não reconhecessem a decisão que eles tinham tomado em nome do Senhor. Esta foi também uma decisão tomada por uma assembleia reunida ao Nome do Senhor e deveria ter sido acatada por todas as outras assembleias. [Ver nota]
[Nota: Mais uma pergunta chama nossa atenção. Deveria C. Strange ter sido colocado fora? Ambos os lados concordam que ele era um homem obstinado. Cremos que o Senhor deixou claro a Sua vontade acerca da questão. Após o partido dos seguidores de Lowe ter defendido C. Strange e continuado em comunhão com ele, no período de um ano metade deles acabaram tendo a embaraçosa experiência de precisar colocá-lo fora de sua comunhão divergente, por causa de sua maneira de ser, tomando assim a mesma decisão que Tunbridge Wells havia tomado! Ressaltamos que nem a história de N. Noel, nem a de W. R. Dronsfield, apoiadores do partido de Lowe, registraram este fato em seus relatos daquela triste divisão!]
Concluindo, gostaríamos de dizer que o que havia no cerne de toda aquela questão relacionada à decisão tomada por Tunbridge Wells era um grosseiro equívoco de que só se deve submeter à decisão de uma assembleia quando ela estiver correta. Mais uma vez, trata-se de uma simples questão de confundir autoridade com infalibilidade. Grande parte dos irmãos da Europa se desviou ao tentar discernir que posição tomar avaliando a condição moral dos dois lados. Eles achavam que o partido dos seguidores de Lowe era mais humilde, e por isso correto em sua decisão. Assim fizeram do estado moral da assembleia o critério para decidirem a decisão da assembleia, ao invés de se basearem na autoridade do Senhor no meio daqueles que Ele reuniu. Aqueles que seguiram o partido de Lowe agiram sobre essa falsa premissa, e foi o que os levou à divisão.
As escrituras ensinam que o estado moral pode ser baixo naqueles que estão no terreno divino, e que eles podem agir de forma rude em determinadas questões, mas isso não altera o fundamento da reunião sobre o qual estão e a autoridade do Senhor em seu meio. É o que vemos no caso de Roboão (1 Rs 12). Ele agiu de maneira péssima para com os que pertenciam às dez tribos, indo contra o conselho dos anciãos, e suas ações precipitaram a divisão do reino. Apesar de não justificarmos suas ações, isso não muda o fato de que ele e todo Judá continuavam no centro divino dado a Israel (Jerusalém) onde a autoridade de Deus havia sido delegada. Se a condição moral fosse o critério para decidir onde o Senhor estava naquela questão, seríamos obrigados a dizer que Ele estava com Jeroboão e as dez tribos, e que Deus estaria estabelecendo Seu centro divino entre eles. Já observamos que o Senhor não faria isso: a partir daquele ponto Ele já não estava com as tribos do norte de Israel (2 Cr 25:7).
O que aconteceu em Tunbridge Wells trouxe à tona o fato de que um desvio da verdade dos princípios que regem a assembleia esteve em desenvolvimento entre os irmãos por alguns anos. Bastou este incidente para que ficasse manifesto. W. M. Sibthorpe chamou a isso de um “sistema”. Depois de tomada a decisão em Tunbridge Wells de excomungar C. Strange (1908), seguida de sua decisão de não mais continuar em comunhão com as assembleias que desafiaram a autoridade do senhor ao receberem C. Strange (1909), muitos acharam que deviam se posicionar quanto àquele assunto. [Ver nota]
[Nota: Fica evidente a partir dos relatos históricos das várias divisões que culminaram no incidente de Tunbridge Wells que tal ideia tinha ficado escondida no pensamento de muitos. Citamos um trecho de “The Brethren Since 1870”, de W. R. Dronsfield: “Todas as assembleias, uma a uma, decidiram se deveriam apoiar Bexhill ou Londres... Em poucos meses cada crente nas assembleias foi forçado a decidir, tivesse ele pouco ou muito conhecimento, fosse ele iniciante ou experiente” p. 22-23.]
Este é também um falso princípio. Não era necessário que todas as assembleias espalhadas pela Inglaterra e pelo continente europeu decidissem, pois a decisão já tinha sido tomada em Tunbridge Wells em nome das assembleias como um todo. O que precisava era submissão à decisão tomada em Nome do Senhor. Tal atitude honra a Deus e demonstra que reconhecemos a autoridade do Senhor do modo como ela é delegada à assembleia local. Isso teria evitado a divisão.
Na verdade cada divisão ocorre quando uma assembleia toma uma decisão contra alguém, excomungando uma ou mais pessoas, e um partido formado por simpatizantes dessas pessoas se recusa a submeter-se àquela decisão, alegando não ter sido uma decisão legítima da assembleia. Por detrás de cada caso uma coisa fica bem evidente: o não reconhecimento de uma decisão da assembleia como estando revestida da autoridade do Senhor.
Como costuma ocorrer, por trás de todas as divisões que aconteceram entre os irmãos, o Senhor estava peneirando aqueles que haviam abandonado os princípios bíblicos relacionados à assembleia.