“Destes” e “Com os que”
O crente tem diante de si um duplo exercício: primeiro, dissociar-se, depois associar-se. Isto é indicado pelas palavras “destes” (vers. 21) e “com os que” (vers. 22). (N. do T.: No primeiro caso a versão Almeida Corrigida usa “destas coisas”, mas a tradução literal é “destes”). O crente deve se separar dos vasos que estão todos misturados na casa, e seguir “com os que, com um coração puro, invocam o Senhor”. Esta ordem é consistente em todas as Escrituras (Is 1:16-17, Romanos 12:9, 13:12, Salmos 34:14, 3 Jo 11). Os estudiosos nos informam que o termo “destes” é no grego o genitivo plural, o que significa que sua aplicação é ampla e poderia incluir tanto pessoas, como princípios e coisas. Ou seja, toda a mistura de coisas existentes na casa — todos os vasos na mistura, bons e ruins, verdadeiros e falsos. Isto significa que o crente fiel deve se dissociar de tudo aquilo que é contrário à verdade de Deus; de tudo o que negue aquilo que é a verdadeira igreja sob a Cabeça, que é Cristo; e de tudo o que negue ao Espírito Santo o Seu lugar de direito como Guia. Ao fazer isso, o crente se torna um “vaso para honra, santificado”.
O que esta passagem está ensinando é que o crente fiel não deve se satisfazer em apenas andar corretamente diante de Deus na sua vida pessoal, mas deve também se separar de qualquer associação com o misturado estado de coisas (pessoas, doutrinas e práticas corruptas) existente na casa. Isto significa que ele irá se separar de alguns verdadeiros crentes que não estão preocupados por estarem associados com o erro e a confusão. Somos chamados a nos separarmos da desordem existente na casa, portanto se outros crentes verdadeiros estão contentes em seguir adiante em comunhão com a confusão, não nos resta escolha senão nos separarmos também deles. Isto é doloroso e um verdadeiro teste para revelar o quão decididos estamos em agir sobre os princípios das Escrituras. É natural nos sentirmos mal com isso, já que estaremos nos separando de crentes verdadeiros. Por sermos irmãos, existe um vínculo de amor entre os membros do corpo. Todavia, o chamado do Senhor tem precedência sobre o amor por nossos irmãos. Na verdade, a prova de nosso amor para com nossos irmãos é vista em nossa obediência a Deus. “ Nisto conhecemos que amamos os filhos de Deus, quando amamos a Deus e guardamos os seus mandamentos” (1 Jo 5:2). Mesmo assim, devemos nos manter aten-tos contra qualquer atitude que nos leve a pensar que somos mais espirituais do que aqueles de quem nos separamos. A atitude correta, ao nos separarmos da mistura de vasos existente na casa, inclui o julgamento próprio, e não a justiça própria.
É só depois que o crente dá este primeiro passo que o Senhor irá guiá-lo à comunhão “com os que”, onde poderemos praticar toda a verdade de Deus (como é o caso da verdade do um só corpo). Todavia, isso acontecerá em um remanescente. Repare também que o exercício de dissociar-se é a primeira coisa apresentada ao crente. O caminho da associação “com os que, com um coração puro, invocam o Senhor” não será encontrado antes de agirmos na luz que tivermos para nos separarmos daquilo que sabemos estar errado e inconsistente com as Escrituras. Somente então o Senhor irá nos dar mais luz e nos guiar no caminho.
A exortação para seguirmos “com os que” nos sugere que separar-se para o isolamento não é a solução para a ruína existente na casa de Deus. Algumas pessoas ficam frustradas quando veem a total ruína da igreja e acabam se resignando a seguirem adiante sozinhas. Mas a separação não deveria nos levar ao isolamento. Devemos sempre nos lembrar da exortação que diz: “Não deixando a nossa congregação, como é costume de alguns” (Hb 10:25). Repare também que a passagem não diz para seguirmos “os que”, pois isto significaria seguirmos meros homens. A passagem diz para seguirmos “com os que”, o que implica que eles próprios já estão seguindo, e devemos seguir “com os que”, para obedecermos ao Senhor e aos princípios da Sua Palavra. Cremos que o Senhor irá dirigir os passos daquele que estiver realmente exercitado. O versículo 22 mostra que o Senhor irá prover alguns com os quais possamos caminhar na prática da verdade. Não será possível fazê-lo com todos os membros do corpo, mas sim em um testemunho remanescente.
Seguindo a Justiça, a Fé, o Amor, e a Paz Nesta senda, o julgar-se a si mesmo é algo que não deve ser negligenciado. Paulo acrescenta: “Foge também das paixões da mocidade”. Não se trata de uma exortação apenas para os jovens, mas também para os velhos que tenham a mesma luxúria dos jovens. Ao separar-se da mistura de vasos devemos seguir “a justiça”, que é procurar fazer o que é certo em todas as áreas da vida. Isto é importante, pois se nos tornarmos descuidados quanto à nossa maneira de agir para com as pessoas, seja nos negócios ou na vida em geral, poderemos facilmente falsificar a posição que temos de separados da iniquidade, e assim ridicularizar o terreno que assumimos.
Depois deve existir um “segue... a fé”, que é a energia interior da confiança da alma em Deus. Trata-se de algo muito necessário nestes dias difíceis, quando podemos ser facilmente desencorajados pelo pequeno número de pessoas que têm o desejo de praticar a verdade. Se a nossa fé desmoronar e formos tomados pelo desencorajamento, provavelmente abandonaremos a senda que trilhamos.
Então devemos também seguir “o amor”. Este seria o “amor para com todos os santos” (Ef 1:15, Colossenses 1:4). Apesar de termos de nos separar de muitos deles, continuamos a amá-los. Existe o perigo de nosso amor se estreitar, passando a se concentrar apenas naqueles com quem andamos em separação. Mais que isso, nosso amor para com aqueles com os quais caminhamos poderia esfriar. Os que preferem manter distância dos irmãos costumam esfriar e se distanciar da posição de remanescente. Por isso é importante permanecermos no amor de Deus (Jd 21) e no calor da comunhão de nossos irmãos, que “com um coração puro, invocam o Senhor”.
Finalmente, devemos seguir “a paz” procurando nos manter concordes com aqueles com quem caminhamos (1 Cr 12:33), a fim de que exista uma feliz unidade entre todos os que estão identificados com o testemunho remanescente.
Há muito trabalho para ser feito nesta posição de caminhar com aqueles que “com um coração puro, invocam o Senhor”. Depois de nos desvencilharmos, passamos à condição de alguém “ idôneo para uso do Senhor e preparado para toda a boa obra”. Isto não significa que aqueles que permanecem associados com a confusão existente na casa não possam ser usados pelo Senhor em Sua obra; o ponto aqui é que o servo pode agora ser usado “para toda boa obra”. No serviço para o Mestre devemos começar partindo da comunhão com aquele testemunho remanescente e então procurarmos ser de bênção para todos. Um importante trabalho é procurar “instruir com mansidão” aqueles irmãos que continuam misturados à confusão existente na casa e que “resistem” à verdade de Deus. “Porventura Deus lhes dará arrependimento para conhecerem a verdade”. Isto é algo que aqueles que procuram servir ao Senhor, e ao mesmo tempo permanecem em comunhão com a confusão existente na casa, não poderão e nem irão querer fazer. Procurar desembaraçar outros crentes da confusão exige gentileza e paciência. Devemos vigiar a nós mesmos para não cairmos em contendas, pois “ao servo do Senhor não convém contender, mas sim, ser manso para com todos, apto para ensinar, sofredor” (2Tm 2:23-24).