É necessária uma obra interior da graça? Como posso ter certeza de que a obra da graça de Deus e meu arrependimento foram suficientemente profundos e reais?

O Espírito de Deus não nos ocupa com a sua obra em nosso íntimo, mas volta nossos olhos para Cristo e sua obra consumada a nosso favor. É verdade que se não houvesse um trabalho de graça em nossas almas, jamais nos preocuparíamos em participar dos frutos do que o Salvador fez por nós na cruz. Mas a paz não repousa sobre a nossa satisfação no que descobrimos quanto à operação do Espírito em nossos corações, e sim sobre a satisfação de Deus na obra de Cristo na cruz. Se pudéssemos apenas obter paz quando estivéssemos satisfeitos de que a obra interior da graça fosse suficientemente profunda, não haveria um crente sincero que pudesse tê-la neste mundo. Seu clamor continuaria sendo: "Senhor, aprofunda a tua obra de graça em minha alma; e cada dia sucessivo seria uma repetição do anterior: Mais fundo, Senhor, mais fundo ainda".

Um bebedouro público foi colocado por um bondoso benfeitor em uma certa praça. Você ficaria olhando para aquela fonte perene de água, imaginando se a sua sede era suficientemente forte, embora soubesse que queria beber? De modo algum, a sua sede o leva até ela, mas é a água que sacia a sua sede quando está ali. Se compreender de fato a necessidade de sua alma, de tal modo que o grito de seu coração seja: "Preciso de Cristo!", tenha a certeza de que Ele o acolherá de braços abertos. "A quem tiver sede de graça lhe darei da fonte da água da vida"(Ap 21.6). "E quem tem sede, venha, e quem quiser, tome de graça da água da vida" (Ap 22.17).

Como esses últimos convites são simples, animadores e cheios de amor, convites ao sedento nas últimas páginas das Sagradas Escrituras!

"Darei" - "DE GRAÇA".

"Tome" - "DE GRAÇA".

O arrependimento é o juízo daquilo que somos, e o que fizemos de acordo com o que Deus é. Ele é o resultado da obra da graça de Deus em nós. O viajante que cai num fosso sujo na escuridão da meia-noite pode ter pelo menos uma idéia de sua sujeira quando a lua lança seus raios sobre ele, por trás das nuvens; e, à medida que amanhece gradualmente, terá conhecimento mais claro e crescente de sua verdadeira condição. Assim também o pecador, pela "luz do alto", é levado ao arrependimento; e quanto mais ele anda com Deus, e se aproxima da luz do "dia perfeito", tanto maior sua sensação de indignidade. Ele jamais poderá afirmar que seu arrependimento é suficientemente real, ou seu sentimento de indignidade suficientemente profundo. Pode, no entanto, declarar, "Quanto mais avanço, tanto mais descubro que sou mau o bastante para necessitar deste Salvador, e tanto mais me admiro da graça que pode descer à esse mundo para interessar-se por um pecador!

Tenho dúvidas porque não posso fixar o dia exato da minha conversão.

Essa é uma questão insignificante comparada ao fato de você ter-se voltado para Deus, deixando seu caminho errado, que confiou em Cristo e está agora procurando servi-lo. O fato de Paulo não ter dito, ao escrever a seu filho Timóteo, sei quando cri (embora sem dúvida ele soubesse), mas "sei em quem tenho crido", foi comentado muitas vezes. Como alguém já disse, posso não saber o momento exato em que acordei esta manhã, nem o que me despertou, mas sei que estou acordado. Deus não quer que tenhamos fé em nossa conversão, mas em Cristo. "O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito" (Jo 3.8). Quando o Espírito começa sua obra graciosa na alma, Ele não me ocupa com seu trabalho, mas com a minha necessidade da obra de Cristo. Curvo-me perante Deus como um crente arrependido. Meu desejo ardente é ter Cristo, todavia sinto-me tão vil que temo não ser aceito por Ele. Jamais penso Na ocasião que tudo isto é fruto de uma obra eficaz da graça em minha alma; e, na minha ignorância, posso até datar minha bênção a partir do dia em que encontrei Cristo e, confiando no seu sangue, encontrei a paz; no entanto, o trabalho da graça teve início no dia em que o Espírito operou de tal forma em mim que levou minha alma a buscá-lo. na parábola do filho pródigo, a obra começou quando ele "caiu em si" no país distante e disse, "Levantar-me-ei e irei ter com meu pai" (Lc 15.18 ), e não quando o pai "lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou" (Lc 15.20) . Ela começa quando a sede espiritual é criada e não quando ela é saciada.

Não amo a Deus como deveria. Se pudesse apenas encontrar em mim mais do fruto do Espírito sentiria alguma satisfação em dizer, espero estar salvo.

Quase cinqüenta por cento de todas as dificuldades das almas ansiosas resultam da confusão entre a obra do Espírito que não terminará enquanto estivermos neste tabernáculo, e a obra de Cristo consumada Na cruz.

As pessoas lêem que "o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, longanimidade" etc., e se pudessem descobrir esses frutos em si mesmas, imaginariam que haveria pelo menos alguma justificação para se considerarem cristãs.

Elas julgam, além disso, que a presença do Espírito Santo deveria fazê-las sentir-se muito bem e quando se sentem justamente o oposto, ficam certas de que "não têm nada a ver com o assunto".

Este é um enorme erro.

Ouça —

"Ele não faz a alma dizer, Obrigada, Deus, por sentir-me tão bem; Mas leva os olhos a ver, A Jesus e o seu sangue também".

Moisés não se ocupou de seu rosto brilhante, nem Estêvão fez isso, embora outros vissem a glória refletida em ambos. E os frutos do Espírito serão produzidos mais eficazmente em nós quando nos envolvermos mais com o que Cristo é para nós, e o que Ele fez e está fazendo por nós. Será quando nossos corações estiverem tão fixados em Cristo que não pensemos absolutamente em nosso "eu" bom ou mau, mas somente nEle. É ao "contemplar" a sua glória que somos "transformados de glória em glória Na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor" (2 Co 3.18).

Ouvimos falar de uma senhora cristã que ficou tão ocupada com seu amor por Cristo que acabou chegando à conclusão de que não possuía amor algum. Um amigo crente, procurando em vão consolá-la, deixou finalmente seu lugar ao lado da cama e foi até a janela, escrevendo num pedaço de papel estas palavras:

Não amo o Senhor Jesus Cristo, e entregando o papel, junto com um lápis, para a mulher perturbada, lhe disse tranqüilamente: "Quer assinar seu nome aqui?" Com grande energia, ela imediatamente replicou: "Preferia ser cortada em pedaços, primeiro!"

Como aconteceu isso? Por que mudou de idéia tão de repente? A verdade é que ela tanto cria em Jesus como o amava, mas estivera refletindo mais no que ela era em relação a Ele do que naquilo que Ele era isoladamente, em seu valor pessoal.

A medida do nosso amor por Cristo é a mesma que nossa apreciação do seu amor por nós (2 Co 5 .14 ; 1 João 4.19).