DOIS MORRERAM POR MIM
NOSSOS CORAÇÕES tinham sido atingidos pela dor, quando, acima do ruído do temporal, soaram aos nossos ouvidos os apitos aflitivos, através das águas turbulentas, que nos deram a compreender, sem sombra de dúvida, que algum barco, ou barcos, estavam lutando com as ondas e que muitos estavam em risco de perder a vida naquele mar bravio.
Ao amanhecer dirigi-me para a praia; já cessara a tempestade e o sol brilhava reluzente; o mar cintilava e os pássaros cantavam alegremente; pelo que o furioso temporal da noite e o horror que o acompanhava, poderiam parecer ter sido apenas um pesadelo medonho, se não fosse a cena que se contemplava na praia. Ali não faltavam sinais de naufrágio e de ruína.
Com o espírito pesaroso, contemplei a cena desejosa de saber quantos homens teriam conseguido salvar-se da morte que os ameaçara. Enquanto assim meditava, percebi que havia se aproximado de mim um marinheiro. Voltei-me para ele e pedi-lhe informações sobre os acontecimentos da noite. Contou-me de tentativas heroicas para salvar os náufragos, que em parte haviam sido bem sucedidas; e depois, ao lastimar eu a sorte dos que haviam perdido a vida, disseme em tom de sincera solicitude: — Senhora, peço licença para lhe fazer uma pergunta. A senhora está salva, ou ainda perdida? Quero dizer — acrescentou — conhece o Senhor Jesus?
Muito me agradou aquela pergunta, pois podia responder-lhe que o seu Salvador era também o meu Salvador. E, conversando nós um pouco acerca daquele tão querido aos nossos corações, dei-lhe um fraternal aperto de mão, e perguntei há quanto tempo conhecia o bendito Salvador, e como se convertera a Ele.
— Há quase cinco anos que salvou o meu corpo de morrer afogado e a minha alma do lago de fogo — disse ele. — Nunca poderei esquecer o que sucedeu, pois dois morreram por mim.
— Dois? — perguntei muito surpreendida.
— Sim, minha senhora, dois — respondeu. — O meu Salvador morreu por mim há mais de 1.800 anos, na cruz do Calvário, e o meu companheiro morreu por mim há cinco anos, e foi isso que me atraiu para o meu Salvador.
Vendo que eu manifestava interesse, continuou: — Foi uma noite tal como a noite passada que o nosso barco encalhou numa rocha. Pedimos socorro por meio de sinais e disparando tiros. Não tardou para que homens corajosos tripulassem o barco salva-vidas e se fizessem ao mar. Duvidávamos que pudessem resistir ao furor das grandes ondas, mas arriscaram-se, e Deus os auxiliou. Com dificuldade transferimos para o salva-vidas as mulheres e crianças, e este chegou à praia. Mais uma vez, com nova tripulação, o barco salva-vidas voltou e foram salvos os passageiros de nosso navio. Então compreendemos que seria impossível salvar-nos a todos, pois na terceira viagem do barco salva-vidas não caberiam todos os restantes, e o nosso navio afundaria antes que o barco pudesse vir pela quarta vez. Assim, lançamos sortes, para decidir quem iria ficar. Coube a mim ficar no navio prestes a afundar. Que horrorosas as trevas que se apoderaram de mim!
“Condenado a morrer e ir para o inferno!”, murmurei, e me vi passando em revista todos os pecados de minha vida. Não dei sinal que pudesse ser notado pelos companheiros, mas o que se passava entre a minha alma e Deus era terrível!
— Eu tinha um companheiro que amava o Senhor Jesus. Ele muitas vezes havia me falado do que importava para a felicidade de minha alma, mas eu respondia-lhe, zombando, que estava resolvido a gozar a vida. Agora, porém, embora ele estivesse ao meu lado, não tive a coragem de sequer lhe pedir que orasse por mim, mas, por um momento, admirei-me de que me não falasse do Salvador. Fui compreender depois. O seu semblante, quando por um momento o contemplei, manifestava calma e serenidade, como se estivesse iluminado por uma estranha luz. Com amargor, pensei, “Ele bem pode estar satisfeito; tem a sorte de ir no salva-vidas e ser salvo”. Querido James, como podia eu estar tão enganado a seu respeito? Bem, minha senhora, o salva-vidas aproximou-se de novo, e, um após outro, embarcaram nele os homens a quem tocara a sorte. Chegou a vez de James, mas ao invés de ir, empurrou-me para frente e disse: “Vai você no salva-vidas em meu lugar, Thomas, e tenha a certeza de me encontrar no Céu! Não morra agora para ir parar no inferno; quanto a mim, não se preocupe”. Eu não quis que ele se sacrificasse assim, mas os outros me levaram adiante deles. O que estava atrás de mim, ansioso por entrar no salva-vidas, empurrou-me. James sabia muito bem que isto iria acontecer, e foi por esta razão que nada me havia dito do que tencionava fazer. Dentro de poucos segundos, encontrava-me no salva-vidas. Dali a momentos, mal nos havendo afastado, o navio afundou-se, e nele James, meu querido amigo James, se foi! Sei que foi para Jesus; mas, minha senhora, ele morreu em meu lugar! Morreu por mim! Não disse com verdade à senhora, que dois morreram por mim?
Thomas ficou calado por um momento, os olhos molhados de lágrimas que não tentou disfarçar. Eram um tributo ao amor de quem sofrera a morte em seu lugar. Quando consegui vencer a emoção, limitei-me a dizer: — E então?
— Então, minha senhora — disseme ele em seguida, — quando vi aquele navio afundar, disse a Deus de todo o meu coração: “Se eu chegar à terra a salvo, James não terá morrido em vão. Se Deus quiser, vou encontrá-lo no Céu. Decerto que o Deus de James é digno de que eu O conheça, pois James morreu para me dar mais uma chance de conhecê-Lo”.
— Demorou para você se encontrar com o Salvador? — perguntei.
— Não houve grande demora, embora a mim parecesse haver então. Não sabia qual o primeiro passo a dar. Quer estivesse dormindo ou acordado, tive sempre na memória a cena do navio afundando, e de James, com o calmo sorriso que havia visto em seu rosto; a recordação não me abandonava nunca. A princípio pensava mais em James do que no Senhor. Depois, lembrei-me de que deveria adquirir uma Bíblia, pois tinha visto James muitas vezes lendo este livro que ele tanto amava; e, antes de começar a ler, fiz uma pequena oração. Eu era muito ignorante, o que contei ao Senhor, e contei também que não conhecia o caminho para o Céu, e lá desejava encontrar-me com James, pelo que Lhe pedi que me indicasse.
— E Ele assim fez?
— Fez, sim, minha senhora. Não sabia onde havia de começar a leitura da Bíblia, mas pensei que seria bom iniciar no Novo Testamento, e ler sempre seguido, até descobrir como poderia me salvar. Mas, ai! As primeiras leituras foram para mim terríveis. Quando cheguei aos capítulos cinco, seis e sete de Mateus, cada linha parecia condenar-me, e disse a mim mesmo: “Não vale a pena, Thomas, você não tem chance. Você tem sido muito mau”. E fechei o livro. Mas então me voltaram à memória aquelas últimas palavras de James: “Tenha a certeza de me encontrar no Céu!”. E achei que evidente que James julgara ser possível que eu fosse salvo, pois ele conhecia bem a Deus e a Bíblia, bem como conhecia a minha vida e sabia muito bem como ela tinha sido. Por isso tornei a abrir o livro, e continuei a ler mais e mais, e cada vez mais, sempre que podia dispor de alguns minutos.
— Finalmente cheguei onde se conta de dois malfeitores, um dos quais foi salvo pelo Senhor, e pensei: “Aqui está um homem quase tão mau como eu”. Coloquei de lado a Bíblia, prostrei-me de joelhos e disse: “Senhor, eu sou tão mau quanto aquele malfeitor; rogo-Te que me salves, tal como salvaste a ele”. A minha Bíblia tinha ficado aberta, e, quando abri os olhos, após ter proferido esta oração, deparei-me logo com estas palavras: “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23:43). Aceitei-as como a resposta de Deus à minha oração. Não julgava estar prestes a morrer; tinha quase esse desejo; mas pensei que Jesus tinha dirigido essas palavras para comunicar-me que havia me perdoado. Assim, ajoelhei-me novamente, agradecendo-Lhe. Claro está que ainda ignorava muitas coisas, mas pouco a pouco vim a conhecer o caminho de salvação: como Jesus morrera em meu lugar lavando-me de todos os meus pecados no Seu precioso sangue, pois “o sangue de Jesus Cristo, Seu Filho, nos purifica de todo o pecado” (1 João 1:7). Agora estou ansioso para encontrar o Senhor, mas também para ver James brilhando lá no Céu.
Agora, querido leitor, permita-me fazer-lhe a mesma pergunta que aquele marinheiro fez no princípio de sua história: VOCÊ JÁ ESTÁ SALVO, OU AINDA ESTÁ PERDIDO? CONHECE O SENHOR JESUS?