CAPÍTULO 4 - O SUBSTITUTO PARA UMA RAÇA DE PECADORES

(Romanos 4)

DEVEMOS ter em mente que não estamos tratando aqui da justiça diante dos homens. Para tratarmos disso teremos que nos voltar para a epístola de Tiago. Ali encontramos a questão da justificação de um ponto de vista completamente diferente. Um homem não é justificado diante de seu próximo pela fé, mas pelas obras, que provam a genuinidade de sua fé. (Veja Tiago 2:18-26.) Pode ser que agora alguém pergunte: Se toda a raça humana foi achada culpada diante de Deus, judeus e gentios, sobre que princípio alguém poderia ser justificado? É claro que ninguém poderia ter sido justificado sobre o princípio da lei, aquilo que condena o culpado, e dois dos mais marcantes casos são citados como prova disso: ninguém menos do que Abraão, o próprio pai dos judeus; e Davi, o doce cantor de Israel. Um foi justificado quatrocentos e trinta anos antes da lei ter sido dada; o outro, cerca de quinhentos anos depois, e isso quando merecia sua maldição por uma terrível transgressão.

No que se refere a Abraão, se existisse alguém que pudesse ser justificado por obras, certamente seria ele; e se fosse diante dos homens, como está em Tiago, ele teria de que se gloriar, "mas não diante de Deus". (Rm 4:2) Trata-se ainda da solene questão do homem diante de Deus. Bem, o que diz a Escritura acerca desse homem, antes que a lei tivesse sido dada a ele ou a qualquer um? "Creu Abraão a Deus, e isso lhe foi imputado como justiça." (Rm 4:3) Esta é a resposta da Escritura e o princípio sobre o qual um homem pode ser justificado sem as obras da lei. Abraão creu em Deus, e isso (sua fé) lhe foi imputado como, e não para, justiça.

Uma grande parcela da compreensão depende do verdadeiro significado da palavra que é traduzida como "imputado" neste capítulo. No original, significa "reconhecido como tal", ou "estimado como tal". O significado não é simplesmente o de "imputado" ou "colocado em conta" de uma pessoa; a palavra que tem este significado é encontrada somente duas vezes no Novo Testamento, em Romanos 5.13: "Mas o pecado não é imputado, não havendo lei". Não é colocado em conta da pessoa como sendo uma transgressão da lei, quando nenhuma lei foi dada para que pudesse assim ser transgredida. Ela é traduzida melhor e mais corretamente em Filemon 18: "Se te fez algum dano, ou te deve alguma coisa, põe isso à minha conta", ou seja, impute isso a mim. Vamos dar uma ilustração das duas palavras. Uma coisa é quando dizemos que determinada pessoa depositou um certo valor na conta de outra; foi colocado na conta dela. Outra, quando um nobre se casa com uma mulher pobre. Será ela considerada pobre depois disso? Ela não tem um centavo de si mesma, mas é considerada, ou reconhecida como, tão rica quanto seu marido; ela é judicialmente reputada assim, ou reconhecida assim. Abraão creu em Deus, e isso foi reconhecido como justiça. Talvez isto possa ser visto confirmado em Abel. "Pela fé Abel ofereceu a Deus maior sacrifício do que Caim, pelo qual alcançou testemunho de que era justo, dando Deus testemunho dos seus dons", etc. (Hb 11:4) Em ambos os casos o princípio da fé é o mesmo. Abel creu em Deus, e trouxe o sacrifício. Abraão creu em Deus. Ambos foram considerados como justos. E isto não sobre o princípio das obras, não sobre o terreno do que Abraão ou Abel eram para Deus, mas Deus imputou-lhes a fé como justiça. "Mas aquele que não pratica, mas crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe imputada como justiça." (Rm 4:5) Outro dia encontrei um homem idoso, com cabelos brancos como a neve, e disse-lhe: "Você professou a Cristo, de um modo ou de outro, por muitos anos, e mesmo assim não sabe se tem vida eterna; você não tem certeza se está justificado e, se morrer, não tem a certeza de que vai partir para estar com Cristo."

Seu idoso semblante descaiu; ele respondeu-me: “Isto é totalmente verdade.”

Permita-me, então, que lhe diga a razão disso. Você nunca chegou a ver o ponto de partida de Deus. Você tem se esforçado por todos esses anos, de um modo ou de outro, para ser piedoso, crendo que Deus justifica aquele que é piedoso. Você nunca chegou a crer que Deus justifica o ímpio, e é aí que está o ponto de partida. A piedade virá depois. "Mas aquele que não pratica, mas crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada como justiça." (Rm 4:5)

“Eu nunca antes enxerguei a coisa assim” Disseme o velho homem. Pergunto agora a você, leitor, algo bem solene: Você já tinha visto isso antes, e crido em Deus que justifica o ímpio?

Talvez você tenha estado se esforçando há muito tempo para ocupar o lugar de um homem piedoso diante de Deus pelas ordenanças dos homens, e pelas assim chamadas boas obras, tentando por todos os meios falsificar esta passagem das Escrituras. Sim, com frequência leva-se toda uma vida de fracasso para fazer uma alma chegar a este verdadeiro ponto de partida de graça. Certamente deve ser baseado em algum princípio diferente da lei o fato de Deus poder justificar o ímpio. Não àquele que pratica, mas ao que crê.

Vamos ver agora a explanação inspirada, dada por Davi, a respeito deste assunto. "Assim também Davi declara bem-aventurado o homem a quem Deus imputa a justiça sem as obras, dizendo: Bem-aventurados aqueles cujas maldades são perdoadas, e cujos pecados são cobertos. Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa o pecado" (Rm 4:6-8); ou, "a quem o Senhor jamais imputará pecado". (Rm 4:8 -- Almeida Versão Atualizada) Não é que sejam considerados justos aqueles que nunca pecaram, pois todos pecaram; mas aqueles cujos pecados são cobertos, cujas maldades foram perdoadas. Nem se trata de somente os seus pecados passados terem sido cobertos pela morte expiatória de Cristo, mas temos esta declaração adicional da infinita graça, e isto em perfeita justiça, que é: "O Senhor jamais imputará pecado". Certamente isto é maravilhoso, e está, ao mesmo tempo, em perfeita harmonia com toda a Escritura. Tal é a eficácia daquele único sacrifício; tal é o valor do sangue de Jesus, que nos purifica de todo o pecado. Não há mais necessidade de sacrifícios pelos pecados -- mais nenhum; e Deus não se lembra dos pecados, os quais foram removidos de uma vez para sempre. (Hb 10; 1 João 1:7.) Assim, no que diz respeito a imputar a culpa, ou os pecados, aos justificados, eles são considerados justos, tão justos como se nunca tivessem pecado. No que diz respeito à sua posição diante de Deus, o pecado não é de modo algum imputado ao homem justificado; ele é, assim, verdadeira e continuamente bem-aventurado. Acaso um amor como esse, uma salvação eterna como essa, iria fazer com que aquele que dela desfruta ficasse descuidado e dissesse: Continuemos, então, no pecado para que a graça possa abundar? Vamos tratar disso mais adiante. Mas acaso não é exatamente esta a verdade revelada aqui? Era completamente impossível para Deus ter justificado o ímpio deste modo sobre o princípio da lei; mas a propiciação, por intermédio do sangue do Filho eterno de Deus, explica a justiça de Deus em, dessa forma, não imputar os pecados àquele que crê.

Pode-se ainda perguntar: Será que aquela propiciação aplica-se ao futuro tanto quanto ao passado? É exatamente isto o que as Escrituras ensinam, e, por estranho que possa parecer, o conhecimento disto nos é dado para que não pequemos. "Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo, para que não pequeis: e, se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai. Jesus Cristo, o Justo. E Ele é a propiciação pelos nossos pecados." (1 João 2:1,2) E em outro lugar, falando acerca dos crentes: "(Cristo), levando Ele mesmo em Seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro". (1 Pd 2:24) E mais uma vez: "Havendo feito por Si mesmo a purificação dos nossos pecados, assentou-Se à destra da majestade nas alturas". (Hb 1:3) Oh, tremenda graça -- livre graça!

"Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa o pecado." (Rm 4:8) Ele não o fará -- não poderá fazê-lo -- não poderá, em justiça, nos imputar pecado. Veremos isto ainda mais amplamente explicado à medida que seguirmos adiante.

Leitor: Você crê realmente em Deus? Sim, esta é a questão, enquanto lemos estas páginas das riquezas de Sua graça, cremos em Deus? Lembre-se de que estamos ainda só na porta de entrada do próprio evangelho de Deus. Acaso esta bem-aventurança vem somente sobre os que estavam debaixo da lei, isto é, os circuncisos, ou sobre os incircuncisos? Bem, tratava-se de algo evidente, que os judeus em Roma não poderiam negar, que a fé havia sido imputada como justiça a Abraão quando ele era ainda incircunciso, bem antes da lei ter sido dada. Que argumento arrasador, portanto, de que tudo deve ser por graça e não pela lei! E note bem, ele recebeu o sinal da circuncisão, um selo da justiça da fé que tinha quando era ainda incircunciso. Isto é, a circuncisão era uma marca de sua separação para Deus: ele era a primeira pessoa, o pai dela; mas, note bem, a circuncisão nada tinha a ver com sua justificação -- ele foi considerado justo primeiro, totalmente aparte de todas as obras ou da circuncisão. E não dá-se o mesmo com todo crente? Sua separação para Deus e uma vida santa são um sinal de que ele já foi considerado justo primeiro, aparte da lei e das obras. Pois Deus o chama e o justifica enquanto ímpio. Quer dizer, é ali que Deus começa com o homem. Será que foi assim que Ele começou com você, ou você está procurando ser justificado por obras quando se tornar piedoso?

Há agora outro princípio de grande importância que nos é apresentado. A promessa depende claramente só de Deus, e esta foi dada a Abraão muito tempo antes da lei; portanto não poderia ser pela lei, mas pela justiça que vem da fé. O concerto do monte Sinai estava em direto contraste com a promessa: ali a bênção dependia da obediência do homem, e ele fracassou totalmente em guardar o concerto. O homem podia fracassar sob o concerto, e assim perder o direito de qualquer reivindicação com base nas obras; e certamente ele fracassou.

Mas Deus não poderia fracassar, portanto a promessa continuou sendo fiel para todo aquele que crê. "Portanto é pela fé, para que seja segundo a graça, a fim de que a promessa seja firme a toda a posteridade..." (Rm 4:16) Assim Abraão creu na promessa de Deus, porque Deus não poderia falhar. "E não duvidou da promessa de Deus por incredulidade, mas foi fortificado na fé, dando glória a Deus; e estando certíssimo de que o que Ele tinha prometido também era poderoso para o fazer. Pelo que isso lhe foi também imputado como justiça." (Rm 4:20-22) Ele não atentou para o seu próprio corpo. Agora, uma confiança como essa em um concerto de obras teria sido confiança em si mesmo, o que não teria sido fé, mas presunção. Sua fé tem a ilimitada confiança em Deus somente: na promessa de Deus. Portanto a fé foi imputada como justiça. Ele, o próprio Abraão, foi justificado pela fé, considerado justo diante de Deus. Isso foi escrito depois de Abraão, ou seja, para nós. Pois, por mais bendito que tenha sido para Abraão crer na promessa de Deus, há algo ainda mais bendito, para nós, "a quem será tomado em conta; os que cremos naquele que dos mortos ressuscitou a Jesus nosso Senhor; o qual por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação". (Rm 4:24,25) Abraão creu na promessa de Deus. Nós cremos nestes dois fatos de Deus: na promessa, e que ela se cumpriu. Somos assim considerados justos diante de Deus.

Mas talvez alguém possa perguntar: Não há ainda muitos que confiam a salvação de suas almas às promessas? Eu pergunto: O que você acharia de uma mulher que descansasse na antiga promessa de seu marido como uma evidência de ser ela hoje sua esposa? Isto não mostraria que ela estaria ainda em dúvida se o matrimônio houvera sido realizado ou se seria válido; ou, pelo menos, que ela não estaria compreendendo o matrimônio? E não acontece algo semelhante quando tentamos descansar nas promessas? Haverá necessariamente alguma dúvida ou falta de entendimento acerca desses dois fatos já consumados diante de nós. Certamente há muitas promessas preciosas sobre as quais fazemos bem em descansar. Mas, o assunto que estamos tratando já não é mais uma promessa! A justiça nos é imputada, crendo naquele que ressuscitou a Jesus nosso Senhor de entre os mortos. Ela nos é imputada: não é uma promessa. Não, se somos crentes, a justiça de Deus está sobre nós. Somos considerados justos. Isto porque a ressurreição de nosso Senhor não é agora um assunto de promessa. Deus já ressuscitou Jesus de entre os mortos. E se não o fez, então não há evangelho, e nós continuamos em nossos pecados. (Leia 1 Coríntios 15:14-17.) Vamos agora prosseguir com muita atenção. Deixe-nos antes apenas assinalar que ocorre uma mudança na linguagem. Já não se trata da morte de Cristo vista sob o aspecto do propiciatório, como no capítulo 3.22-26. Ali, essa morte glorificou primeiramente a Deus. Estando o sangue diante dEle, Sua justiça é mantida, estabelecida sobre o Seu trono, o propiciatório; e, por conseguinte, há misericórdia disponível para todos sem que isto venha a comprometer a justiça de Deus. Porém aqui, no capítulo 4.24,25, Cristo é o Substituto de Seu povo, cumprindo o papel do segundo bode da expiação. Os pecados de Israel eram transferidos para aquele bode -- colocados sobre ele e levados embora. É o que temos aqui. "O qual por nossos pecados foi entregue." (Rm 4:25) Será que Ele foi entregue pelos pecados do mundo todo, como seu Substituto, para levá-los embora? Se assim fosse, os pecados todos teriam sido levados embora, uma vez que Deus aceitou o Substituto, o que é verdade por Deus O ter ressuscitado de entre os mortos. Todavia, isto seria ensinar o erro fatal da redenção universal. É por isso que devemos cuidadosamente notar que estas palavras estão distintamente limitadas aos crentes. "Os que cremos." (Rm 4:24) Abraão creu em Deus, e isto foi imputado a ele como justiça. Cremos em Deus, que Ele "dos mortos ressuscitou a Jesus nosso Senhor; o qual por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação". (Rm 4:24,25) O capítulo seguinte também irá mostrar que isto deve estar limitado aos crentes. "Sendo pois justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo." (Rm 5:1) Tentar aplicar estas palavras a todas as pessoas é procurar destruir o seu efeito sobre todas elas, sendo o mesmo que ensinar falsamente que todos serão salvos.

Vamos então juntar os fatos por sua ordem. Deus nos está falando aqui. Cremos nEle, que Ele ressuscitou Jesus de entre os mortos? Só isto não seria suficiente, pois os demônios sabem que assim é, e há muitos inconversos que não duvidariam desse fato. Mas repare bem no que vem a seguir: "O qual por nossos pecados foi entregue". (Rm 4:25) Se fosse dito "nossas transgressões", então não incluiria os gentios, os quais não se encontravam sob a lei, porém esta é uma palavra que abrange todos os nossos pecados -- daqueles sob a lei, como sendo transgressões, ou daqueles sem lei.

Então, será que você crê realmente que Jesus foi entregue nas mãos cruéis de homens, sim, pregado numa cruz, e esteve ali para receber, e recebeu, a ira de Deus devida aos seus pecados, aos pecados pertencentes a você mesmo, leitor? Antes de ler outra linha, suplicamos a você que responda a esta pergunta diante de Deus. Será que você pode olhar para trás e ver o Santo de Deus carregando os seus pecados, leitor, tão verdadeiramente como se não houvesse nenhuma outra pessoa além de você, cujos pecados Ele levou sobre a cruz? Oh, que cena você pode contemplar: o seu Substituto!

E, se podemos nos expressar assim, Sua morte não só executou o infinito pagamento que a infinita justiça exigia, mas Ele "ressuscitou para nossa justificação". (Rm 4:25) Deus demonstrou, assim, a sua aceitação pelo resgate -- a morte de nosso Substituto; mas Ele não poderia, de maneira nenhuma, ter demonstrado de forma mais clara o eterno alívio de nosso fardo, do que ressuscitando o Substituto para nossa justificação. Oh, quão tremendo é! Ele foi ressuscitado de entre os mortos para que, crendo em Deus, pudéssemos justamente ser considerados, reputados, por justos diante dEle; tendo sido nossos pecados verdadeiramente levados, para nunca mais serem imputados a nós, como se nunca tivéssemos pecado -- justificados, considerados justos diante de Deus, e por Deus, nosso Pai.

emos, assim, mais do que uma promessa -- tudo é um fato consumado. Todos os nossos pecados -- pois eram todos igualmente futuros então -- foram levados por Jesus. "O qual por nossos pecados foi entregue." (Rm 4:25) Deus O ressuscitou para nossa justificação. Crendo em Deus, somos justificados, considerados justos.

Note bem: "Ressuscitou para nossa justificação" não poderia nunca significar que ressuscitou porque fomos justificados; um tal pensamento põe a fé totalmente de lado. Trata-se, evidentemente, de ter ressuscitado "para", com o objetivo de, com o propósito de nossa justificação; isto é, quando, por graça, cremos. "Sendo pois justificados pela fé" -- sendo considerados justos sobre o princípio da fé -- "temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo." (Rm 5:1) Muitas almas estão angustiadas com a dúvida acerca de estarem tendo o tipo certo de fé -- "justificados pela fé". Se separarmos este versículo do final do capítulo anterior, acabaremos ocupados com a fé como sendo um assunto abstrato; e acabaremos fazendo da fé algo que, de um modo ou de outro, mereça a justificação, passando, então, a ser uma questão de ficarmos examinando nossos próprios sentimentos. Alguém poderá dizer: Mas não houve "muitos" que, "vendo os sinais que fazia, creram no Seu nome. Mas o mesmo Jesus não confiava neles, porque a todos conhecia"? (Jo 2:23) É verdade; mas em que foi que eles creram? Sem dúvida creram nele como o Messias, quando viram os milagres que fez. Mas tratava-se de algo bem diferente daquilo que temos diante de nós aqui.

Bem, poderá você dizer, estou certo de que almejo ter paz com Deus, mas não tenho certeza de tê-la conseguido. Como pode ser isso? Você me diz que, em parte, é porque eu fico perguntando a mim mesmo se tenho o tipo certo de fé, mas o que acontece na realidade é que meus horríveis pecados e iniquidades erguem-se diante de mim e me oprimem, até que quase chego a concluir que não tenho parte alguma em Cristo. E minha consciência também confirma que assim é.

Acaso não foi Jesus, o Santo, o Santo de Deus, entregue por essas mesmas iniquidades? Você crê que Deus O ressuscitou de entre os mortos -- Ele, "O qual por nossos pecados foi entregue"? Trata-se de algo bem diferente de milagres, não importa quão importantes eles sejam no seu devido lugar. Note bem que aqui trata-se de uma real substituição -- Cristo, o Substituto do Seu povo e do crente, entregue. Não podemos confundir isto com a propiciação, a qual não foi apenas por nós, mas por todo o mundo. Deus está glorificado acerca do pecado, portanto o perdão gratuito é pregado a toda criatura -- a todos os homens. Vamos usar de um tipo, ou figura, disto, a que esta própria passagem se refere. Depois que o sangue de um bode era espargido sobre o propiciatório de ouro diante de Deus, demonstrando a justiça de Deus atendida pelo sangue de Jesus sob as vistas de Deus -- "então fará chegar o bode vivo. E Aarão porá ambas as suas mãos sobre a cabeça do bode vivo, e sobre ele confessará todas as iniquidades dos filhos de Israel, e todas as suas transgressões, segundo todos os seus pecados: e os porá sobre a cabeça do bode, e enviá-lo-á ao deserto, pela mão dum homem designado para isso. Assim aquele bode levará sobre si todas as iniquidades deles à terra solitária; e enviará o bode ao deserto". (Lv 16:21) Compare agora isto com outra passagem: "Mas Ele foi ferido pelas nossas transgressões, e moído pelas nossas iniquidades: o castigo que nos traz a paz estava sobre Ele, e pelas Suas pisaduras fomos sarados. Todos nós andamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo seu caminho: mas o Senhor fez cair sobre Ele a iniquidade de nós todos... Ele levou sobre Si o pecado de muitos". (Is 53:5-12) As Escrituras não ensinam que Ele tenha levado os pecados de todos; mas, como Substituto, levou os pecados de muitos; e isto em contraste com a perdição daqueles que O rejeitam, e devem, portanto, ser julgados. Sim, note bem o contraste. "E como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo, assim também Cristo, oferecendo-Se uma vez, para tirar os pecados de muitos, aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que O esperam para a salvação." (Hb 9:27,28) Portanto, fé não é crer no que sinto, ou no que creio. Você crê neste maravilhoso fato, que Deus O ressuscitou de entre os mortos; a Ele que foi, como seu Substituto, entregue por nossas ofensas? Esta é a primeira questão que diz respeito todas as suas iniquidades. Foram elas transferidas para Cristo; foram elas colocadas sobre Ele? Não apenas os pecados de um ano, como acontecia com Israel no dia da expiação, mas todos os seus pecados e iniquidades tendo sido colocados ali, antes mesmo que você tivesse nascido. Assumiu Ele a total responsabilidade por esses pecados, em conformidade com os justos requisitos de Deus? Terá Ele vindo, e sido entregue, exatamente para esse propósito? Terá sido por estar suportando a ira de Deus contra os pecados que pertenciam a você, que Ele clamou: "Deus meu, Deus meu, por que Me desamparaste"? (Mt 27:46) Oh, um amor tal que vai muito além das palavras ou do pensamento! Terá Ele fracassado? Não, absolutamente; escute Suas palavras: "Está consumado". (Jo 19:30) Sim, aquela obra que Ele veio cumprir está consumada. Deus está glorificado. Nossas iniquidades foram colocadas sobre Ele, transferidas para Ele, levadas por Ele; não apenas alguns de nossos pecados, mas todas as nossas iniquidades foram postas sobre Ele. O Senhor Jeová as colocou sobre Ele. E está consumado. Oh, minha alma, pondere bem nisto -- "Está consumado!" Ele já fez a sua paz com Deus por Seu próprio sangue. E agora o que é que Ele diz a você? "Paz seja convosco." (Jo 20:19) Será que você diz: Oh, mas e os meus horríveis pecados? Ele responde que foram todos colocados sobre Ele; "paz seja convosco". Ele mostra Suas mãos e Seu lado. Mas, diz você, eu Te tenho negado, Senhor, nas horas em que mais deveria ter confessado a Ti. "Paz seja convosco."

Será que agora que Deus já julgou em Seu Filho todos os nossos pecados, todas as nossas iniquidades, poderá, em justiça, julgá-las em nós novamente? Talvez você diga: Em momento algum duvido que Jesus morreu na cruz como meu Substituto, e levou meus pecados sobre Seu próprio corpo no madeiro; todavia, ainda assim não tenho a bendita certeza de estar justificado, e de ter paz com Deus; não sinto a alegria que deveria sentir. Será que esta passagem, ou qualquer outra, diz que estamos justificados e que temos paz pelo que sentimos? Será que diz que devemos olhar para nossos sentimentos em busca de evidência de que estamos justificados? Deus fez algo para dar à fé a certeza de nossa justificação, e esse algo que Ele fez exatamente para esta finalidade, tem sido grandemente ignorado. Jesus não somente foi entregue por nossas ofensas, mas lemos que "ressuscitou para nossa justificação". (Rm 4:25) Sim, Deus O ressuscitou de entre os mortos, não porque estávamos justificados, mas para o expresso propósito de, uma vez crendo nEle, pudéssemos ser justificados. Assim, se Cristo não ressuscitou, estamos enganados e continuamos em nossos pecados. (1 Co 15:17.) Mas Ele ressuscitou; para a fé a questão toda está resolvida.

Acaso você diz: Mas será que não devo aceitar a expiação de meu Substituto?

Não, neste caso foi Deus Quem mostrou que já aceitou o único sacrifício por nossos pecados, ressuscitando Jesus de entre os mortos, e dando a Ele um lugar acima de todos os céus. E agora, no que diz respeito aos nossos pecados, querido leitor, onde é que eles estão? Foram transferidos para nosso Substituto. Bem, eles não poderiam estar sobre você e sobre Ele ao mesmo tempo. Não. Onde estão eles, então? Estarão eles sobre Cristo? Não. Mas devem estar sobre Ele, se é que devem estar sobre alguém, já que Ele tomou toda a responsabilidade deles diante de Seu Deus. Mas não estão sobre Ele. E portanto não podem tampouco estar sobre você. Oh, que tremenda graça! Deus diz que nunca mais se lembrará deles. E se lembrasse, teria que fazê-lo como estando sobre Cristo, o que é impossível. Cristo está claramente na presença de Deus na luz. Você, portanto, está justificado de todas as coisas -- e não espera estar. Será que poderia haver algo que desse mais certeza do que descansar nas próprias palavras de Deus? Acaso não entregou Ele o Seu Filho amado exatamente com este objetivo, de que pudéssemos ter irrestrita paz com Ele? E então por que deveríamos duvidar dEle?