CAPÍTULO 3 - DIAGNÓSTICO E ANTÍDOTO

(Romanos 3)

O JUDEU possuía os oráculos de Deus, assim como você. Que imensa vantagem é possuir a própria Palavra inspirada de Deus! E os oráculos de Deus haviam sido entregues a eles.

Vemos, no versículo 3, de que forma notável a fé é mais uma vez apresentada. A justiça de Deus sempre repousou sobre o princípio da fé. "Pois quê? Se alguns foram incrédulos, a sua incredulidade aniquilará a fidelidade de Deus?" (Rm 3:3) No entanto, o grosso da nação não creu, e até aqui nem a sua incredulidade, nem a sua injustiça mudaram a Deus -- Ele permanece o mesmo; Ele continua leal aos imutáveis princípios de certo e errado; de outro modo, como poderia julgar o mundo? Ao deixar-se de lado a lei como meio de se obter justiça, isto pode ser distorcido, como alguns o fizeram e afirmaram que o apóstolo ensinava que devemos praticar o mal para que disto provenha o bem. Isto é energicamente condenado; a justiça de Deus permanece no julgamento de todos os que praticam o mal. O apóstolo apela agora para as próprias Escrituras dos judeus, e prova, a partir delas, que todos eram culpados: "Como está escrito: Não há um justo, nem um sequer" Não há ninguém que entenda; não há ninguém que busque a Deus". (Rm 3:10,11) Não podemos ignorar o fato de que as palavras do versículo 19 foram escritas para aqueles que estavam sob da lei. E que terrível descrição esta do homem sob a lei! Toda boca é, assim, fechada, e todo o mundo é culpado diante de Deus. Sim, repare bem que não se trata daquilo que o homem é diante de seus semelhantes, mas do que ele é diante de Deus. E se todos os que estão debaixo da lei, e todos os que não estão debaixo da lei, são culpados, o que pode a lei fazer pelo culpado? A própria perfeição da lei, como uma regra perfeita para o homem, pode tão somente condenar o transgressor da lei. Se um comerciante usa uma balança enganosa em sua loja, o que mais poderá fazer o teste de peso, executado pelas autoridades, senão condená-lo? O peso usado como padrão irá demonstrar o quão fora do padrão ele está; e se ele está fora do padrão, o teste de peso não poderá demonstrar que sua balança é justa. A lei não podia ir além disso, "porque pela lei vem o conhecimento do pecado". (Rm 3:20) Portanto, são todos culpados, evidentemente, "por isso nenhuma carne será justificada diante dEle pelas obras da lei". (Rm 3:20)

O homem é, assim, posto de lado, bem como todos os seus esforços e pretensões à justiça pelas obras da lei. "Mas agora se manifestou sem a lei a justiça de Deus, tendo o testemunho da lei e dos profetas." (Rm 3:21) Trata-se de algo completamente novo e distinto de tudo o que provém do homem. Não se trata da justiça do homem, pois ele não a tem em qualquer medida. Que tremendo fato, que em todo este mundo não tenha sido encontrado um só justo! Não, nem mesmo um. Trata-se da justiça de Deus, em sua totalidade e aparte da lei -- daquilo que Deus é em Si mesmo, e do que Ele é para o homem. Deus não poderia ter sido justo em justificar o homem por meio da lei, pois a lei podia tão somente condená-lo. O homem era culpado. Certamente Deus sempre foi justo em Seu proceder para com o homem -- perfeitamente coerente com Sua própria glória. Mas agora a justiça é manifestada aparte da lei, embora testemunhada pela lei e pelos profetas. É esta, portanto, a revelação, "isto é, a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo para todos e sobre todos os que crêem; porque não há diferença, porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus". (Rm 3:22,23) Com que clareza a fé em Jesus Cristo toma agora o lugar da lei, e isto para todos, tanto judeus como gentios!

Portanto, a justiça de Deus diz respeito ao que Ele é em Si mesmo, e ao que Ele é para nós. E isto aparte da lei; pois não há, e nem poderia haver, uma lei ou mandamento para Deus. Isso tudo provém totalmente de Deus. Ele amou de tal maneira a ponto de dar Seu Filho amado para que, por meio de seu sacrifício na cruz, pudesse ser eternamente justo em nos justificar, ou em nos reputar por justos.

"Sendo justificados gratuitamente pela Sua graça." (Rm 3:24) Sim, reputados por justos graciosamente, sem nada que pudesse provir de nós, exceto crermos nEle -- e até mesmo a fé é um dom de Deus: provém de Sua graça, Seu livre favor. Mas como pode Deus ser justo em nos justificar gratuitamente por imerecido favor, "pela redenção que há em Cristo Jesus"? (Rm 3:24) Não meramente justificados de toda acusação de pecado, por mais bendito que isto possa ser; não meramente abrigados do juízo, como Israel foi protegido, no Egito, pelo sangue do Cordeiro; mas redimidos, totalmente libertos, pela redenção que há em Seu precioso sangue.

Mas, dirá você, tudo isso é muito bendito, mas como saber se posso desfrutar disso? Como posso ficar assegurado de que isso se aplica a mim? Bem, uma vez que Deus é justo em nos justificar gratuitamente, pela redenção que há em Cristo Jesus, vamos investigar que redenção é esta, e como você pode saber que ela veio, e se aplica, a você.

O que é redenção? A emancipação, ou redenção, de todos os escravos de Trinidad-Tobago há alguns anos irá ilustrar o que é redenção. Uma grande importância foi paga, proposta pelo governo britânico, para a completa redenção dos escravos. Eles foram, por assim dizer, redimidos para sempre -- emancipados para sempre, libertados da miserável escravidão.

Porém, quando a proclamação, ou as boas novas de redenção chegaram em Trinidad-Tobago, como os escravos poderiam saber se elas se aplicavam a eles? Vamos supor que um velho escravo, com muitas cicatrizes dos açoites e das correntes, dissesse: -- Sim, não tenho dúvidas de que foram pagos milhões; não tenho dúvidas de que a proclamação de redenção, emancipação, e liberdade para sempre é boa e gloriosa; mas como posso saber se ela se aplica a mim?

O que você responderia? "Ora, você não é um escravo? Acaso essas cicatrizes não são prova disso? Acaso você não nasceu escravo? Se você fosse um homem livre, certamente não se aplicaria a você, mas uma vez que você é um escravo, ela deve se aplicar, e se aplica, a você; a proclamação de redenção é feita para você. Ao crer na proclamação agora mesmo, você fica, em perfeita justiça, livre para sempre."

Não é isto o que você lhe diria? Ah, se nos colocássemos em nosso verdadeiro lugar, e reconhecêssemos nossa verdadeira condição como escravos de nascença, concebidos em pecado e formados em iniquidade, então toda a dificuldade para compreender isto iria se dissipar tão logo enxergássemos que a redenção se aplica a nós. Será que você já reconheceu, ou, será que você reconhece que, por natureza, você nasceu escravo do pecado, vendido ao pecado? Os pobres escravos de Trinidad-Tobago talvez pudessem fugir de seus senhores, mas você já deve ter percebido que é totalmente incapaz de escapar do pecado e de Satanás. Por acaso você já não tem alguma feia cicatriz deixada pelo pecado? Se você pensa, mau como você é, que Deus irá ajudá-lo a guardar a lei, e que no fim você poderá ter alguma esperança de chegar no céu, é porque não reconhece sua necessidade de redenção.

Se o governo britânico dispendeu uma soma tão grande, proposta pelo Parlamento, quanto maior não será o valor do resgate que Deus determinou em Seus conselhos eternos? Será que Ele decidiu dar prata ou ouro por sua redenção? Não; Ele decidiu dar Seu Filho amado. Sim, Ele é Aquele "ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no Seu sangue". (Rm 3:25) Pobre e incapaz escravo do pecado: Esta redenção é para você. Se é esta a sua condição, ela só pode ser para você. Sim, o escravo que creu na proclamação estava livre a partir daquele momento. O mesmo se dá com você. Deus garante isso aos milhares que lêem estas linhas.

Querido jovem cristão, é da maior importância que compreenda isto: você não está apenas justificado gratuitamente (com todos os seus pecados perdoados e Deus não vendo mais iniquidade em você), mas você está também redimido pelo precioso sangue de Cristo. Sim, liberto daquela condição de escravidão para todo o sempre. Se aquela grande soma em ouro colocou os escravos em liberdade para sempre, porventura a propiciação infinita de Cristo não poderá nos libertar, nos redimir para sempre? Será que devemos nos permitir qualquer sombra de dúvida? Não; Ele Se entregou por nós -- tudo por gratuito e imerecido favor. Não fizemos nada para nossa redenção; ela foi toda realizada antes mesmo que tivéssemos um desejo ou pensamento sequer de redenção. E agora escutamos as boas novas que são para nós, pobres escravos do pecado; cremos, e ficamos livres para sempre.

Glória, Glória eterna Seja Àquele que suportou a cruz.

Mas devemos inquirir mais de como a justiça de Deus é afetada em tudo isso. "Ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no Seu sangue, para demonstrar a Sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de Deus; para demonstração da Sua justiça neste tempo presente, para que Ele seja justo e justificador daquele que tem fé em Jesus." (Rm 3:25,26) Você irá notar que Deus apresentou a propiciação de Cristo para declarar duas coisas. Sua justiça precisava ser revelada nestas duas coisas: em deixar impunes, em indulgência, os pecados que são passados; e em poder ser justo, e o Justificador daquele que tem fé em Jesus.

Cabe aqui alertar nossos leitores de um sério erro que normalmente é cometido com respeito à expressão "pecados dantes cometidos", como se significasse os pecados que foram cometidos até nossa conversão a Deus; como se quizesse dizer que os pecados até nossa conversão teriam sido perdoados, ou remidos, pela propiciação de Cristo; e que Deus seria, por conseguinte, justo, pela morte de Cristo, em perdoar dessa maneira os pecados cometidos antes da conversão. Este erro leva o crente à completa confusão quanto aos pecados que possa vir a cometer depois da conversão; mais ainda, tal idéia deixa o cristão numa posição pior que a do judeu, pois este podia contar com outro dia de expiação, que acontecia a cada ano. Porém, se o sacrifício propiciatório de Cristo valeu somente para nossos pecados, ou expiou nossos pecados, até o dia de nossa conversão, então já não resta remédio para os pecados cometidos depois da conversão. Pois "já não resta mais sacrifício pelos pecados". (Hb 10:26) Quem poderia ser salvo com uma idéia tão finita do sacrifício propiciatório de Cristo? O sacrifício único e infinito teve que valer para todos os pecados de um pecador finito, desde o primeiro até o último.

O que significa, então, esta passagem? Simplesmente isto: Deus passou por cima, em indulgência, dos pecados de todos os crentes antes que Cristo morresse; e agora Ele é o Justificador de todos aqueles que crêem, reputando-os por justos como se nunca houvessem pecado. Mas a grande questão era esta: Como Deus poderia ser justo em fazer ambas as coisas? Como poderia isto ser revelado, declarado, e explicado? Se não houvesse resposta a esta pergunta, como poderia qualquer alma ter paz com Deus?

Se todos eram culpados, como poderia Deus ser Justo em passar por cima dos pecados daqueles que creram, sejam judeus ou gentios? E se todos provaram ser culpados agora, se você foi provado como sendo culpado -- como pode Deus declarar a respeito de você, como fez a respeito de Israel no passado, que Ele não viu, e não vê, iniquidade em você? Certamente Ele não poderia ser justo com base em qualquer coisa que fosse encontrada em nós, ou praticada por nós, sob a lei ou aparte da lei. É aqui que o olhar da fé deve pousar unicamente no sangue de Jesus -- "para propiciação pela fé no Seu sangue". (Rm 3:25) Isto por si só explica e declara a justiça de Deus, tanto no que diz respeito aos pecados dos crentes do passado, como dos nossos agora.

Lembremo-nos, sempre, de que, sobre o propiciatório, o sangue era colocado diante dos olhos de Deus! "E tomará do sangue do novilho, e com o seu dedo espargirá sobre a face do propiciatório, para a banda do oriente; e perante o propiciatório espargirá sete vezes do sangue com o seu dedo." (Lv 16:14) Isso tinha que ser feito vez após outra; o sangue de um novilho tinha que ser espargido diante de Deus naquele propiciatório de ouro uma vez por ano. E também o sangue de outras vítimas precisava ser derramado com frequência. O mesmo não se deu com o sangue de Cristo; aquele sangue, uma vez derramado e espargido, não pode jamais ser derramado ou espargido novamente. Oh, minha alma, pense no que aquele sangue é para os seus pecados diante dos olhos de Deus! O sangue, espargido sobre o ouro, demonstra o que é o sangue de Cristo, atendendo, defendendo, declarando a justiça de Deus. Sim, Ele foi justo em justificar Davi mil anos antes do sangue ter sido derramado; tão justo quanto Ele é agora em nos justificar mil e oitocentos anos após ter sido derramado.* Era preciso que Jesus sofresse por ambos.

*O autor viveu no século 19. (N. do T.) Vemos assim o grande erro daqueles que dizem que a justiça de Deus é aquela pela qual Ele nos torna justos. Não; a justiça de Deus é aquela pela qual Ele próprio é justo, em considerar a nós, pobres pecadores, justos. A diferença é imensa. Se a voz daquela que a si própria se denomina "A Igreja" diz uma coisa, e a Palavra de Deus diz outra, em qual devo crer? Sem dúvida, na última.

"Ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no Seu sangue, para demonstrar a Sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de Deus; para demonstração da Sua justiça neste tempo presente, para que Ele seja Justo e Justificador daquele que tem fé em Jesus." (Rm 3:25,26) Preste atenção a cada sentença. Por acaso não é a justiça de Deus que Ele seja Justo? Você crê em Jesus -- que Ele glorificou assim a Deus por Seu sacrifício expiatório -- que agora, neste tempo, por meio daquela morte, Ele é, em justiça, capaz de justificar todo aquele que crê? É Deus, dessa forma, revelado Justo à sua alma em considerar você como justo?

Portanto, já que a justiça é totalmente de Deus, através da redenção que há em Cristo Jesus, "onde está a jactância"? (Rm 3:27) Será que está nas obras que praticamos? Não, um pensamento assim está descartado. "Por qual lei? Das obras? Não; mas pela lei da fé." (Rm 3:27) Já vimos, pois, que a fé encontra a justiça em Deus. Não posso, portanto, me jactar de ter sido, ou de ser, justo em mim mesmo, já que fomos provados como sendo culpados. Sabemos que isto é verdade, e, se depender da lei ou das obras, só podemos ser condenados. Não pode haver justificação baseada nisto, não importa o quanto nos esforcemos em consegui-la deste modo. Sendo assim, a justificação deve estar fundamentada em outra coisa. "Concluímos pois que o homem é justificado pela fé sem as obras da lei." (Rm 3:28) O que mais poderia a Escritura concluir uma vez que todos são culpados, e que a justificação não depende do que somos para Deus, mas do que Ele é para nós revelado em Cristo? Não misture estas duas coisas. Deixe que sua salvação seja totalmente com base na fé -- naquilo que Deus é para você.

Sermos justificado pela fé é o que Deus é para nós através de Cristo. As obras da lei estão fundamentadas naquilo que nós somos para Deus. Oh, graça sublime! Somos justificados por uma coisa (a fé), sem a participação da outra (a lei). E nisto a doutrina do "não há diferença" (Rm 3:22) fica plenamente mantida. Trata-se da mesma justiça de Deus para com todos, judeus ou gentios, sobre o princípio da fé, e por meio da fé.

Aqueles que afirmam que ainda estamos sob a lei a tornam nula, pois ela amaldiçoa os que se encontram sob ela, já que não a guardam. Aqueles que estavam antes sob a lei precisaram ser redimidos de sua maldição pela morte de Jesus. Sendo assim, se as Escrituras nos colocam sob a lei novamente, então seria preciso que Jesus morresse outra vez para nos redimir da maldição da lei. (Veja Gálatas 3:10-13; 4:4,5.) "Anulamos, pois, a lei pela fé? De maneira nenhuma, antes estabelecemos a lei." (Rm 3:31) Jesus revelado aos olhos da fé, levando a maldição da lei transgredida, no lugar daqueles que se encontravam sob ela -- se isto não estabelece as reivindicações da lei de Deus, o que mais pode fazê-lo? Mas se fôssemos novamente colocados sob a lei então suas reivindicações teriam que ser novamente estabelecidas, ou ela seria tornada nula.