O Senhor da seara dirige os dons
Quando as Escrituras se referem a Cristo como Cabeça, isso é feito em relação às questões coletivas da igreja como um corpo; quando é feita menção ao Seu senhorio, isso está conectado à Sua direção soberana dos crentes individualmente. É por isso que não lemos de Cristo como sendo Senhor da igreja. Todavia, as Escrituras afirmam que Ele é "Senhor da seara" (Mt 9:38). É Ele, e não a igreja, Quem envia os Seus trabalhadores individualmente para onde Ele gostaria que eles servissem. Ao distribuir os dons, Cristo faz com que seus portadores sejam diretamente responsáveis perante Ele no que diz respeito ao ministério de cada um. Como já demonstramos, os dons fluem de Cristo no céu, e são para o proveito espiritual do Seu corpo. Alguém que tenha um dom específico deveria procurar ministrar para toda a igreja de Deus -- desde que possa fazê-lo sem comprometer os princípios bíblicos. Ele jamais deveria se confinar a uma seita formada por homens. Seu dom é para a edificação de todo o corpo.
Cristo é, não apenas a fonte desses dons, mas seu Diretor. Já que os diferentes servos estão em comunhão com o Senhor, é Ele que irá dirigir cada um em sua esfera de serviço. Considerando que a fonte e direção dos dons é Cristo no céu, os dons estão acima do controle de qualquer religião ou organização terrena criada pelos homens, ao contrário do que é visto nas igrejas da cristandade. É comum escutarmos de pessoas falando do "Pastor Fulano" como tendo sido enviado por uma determinada organização para exercer um determinado ministério. A questão é que nas Escrituras não existe algo como a igreja, ou uma organização dentro da igreja, enviando uma pessoa que tenha um dom a um determinado lugar a fim de servir ao Senhor. Nunca lemos desses dons estando sob um comitê ou junta de missões, e sendo dirigidos por esse comitê em seu serviço para o Senhor. Isso também é algo inventado pelo homem. As Escrituras dizem: "Rogai, pois, ao Senhor da seara, que [Ele] mande ceifeiros para a sua seara" (Mt 9:38). E também: "E, servindo eles ao Senhor, e jejuando, disse o Espírito Santo: Apartai-me a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado. Então, jejuando e orando, e pondo sobre eles as mãos, os despediram. E assim estes, enviados pelo Espírito Santo, desceram a Selêucia e dali navegaram para Chipre" (At 13:2-4).
Fica claro nestes versículos que o Senhor, por intermédio do Espírito, é Aquele que envia os Seus servos. A igreja deveria reconhecer que um dom é enviado pelo Senhor, e dar à pessoa "as destras, em comunhão" -- o que pode incluir ajuda financeira (Gl 2:9), mas não é ela que envia. Aqueles que estavam em Antioquia encorajaram Barnabé e Saulo a irem, mas não tinham poder para enviá-los. Eles simplesmente deixaram que eles fossem, pois reconheceram que o Senhor, por intermédio do Espírito, os enviava. Como mostra a passagem, é o Senhor, por meio do Espírito Santo, Quem os envia.
J. A. Trench escreveu: "Podemos fazer uma pausa e analisar a obra [no livro de Atos]. Samaria foi evangelizada, os gentios foram admitidos no reino em Cesárea, os gregos convertidos em Antioquia; isto é um resumo do que está registrado. Além da obra na Judéia e em Jerusalém, tudo aquilo aconteceu sem a direção apostólica ou de alguma autoridade humana. Como já dissemos, o Espírito Santo abriu os campos de trabalho, independente da direção humana. O que Ele fez naquela época, nós podemos confiar que Ele continua fazendo hoje. É uma atitude sábia deixarmos que o Espírito trabalhe como Ele quiser, e depois, como fizeram os apóstolos, reconhecermos alegremente o que Ele tem feito. Na Palavra de Deus o ministério nunca esteve sujeito à direção apostólica no início da igreja. Será que hoje o ministério deveria ficar sujeito à direção de homens, por mais piedosos e sinceros que fossem? Esta é a pergunta que fazemos. O leitor poderá com certeza respondê-la".
Se for para o Senhor enviar uma pessoa com o dom de pastor para o nosso meio, devemos reconhecer esse dom e deixá-lo ministrar como tal. Não cabe a nós criar uma eleição para votar se queremos ou não essa pessoa como nosso "Pastor"; ou decidir se ele é aceitável para nós, a fim de colocá-lo em um "ofício" na igreja, algo que não existe na Palavra de Deus! Ele não é nosso servo. Ele é servo do Senhor. J. N. Darby disse: "Se Cristo achou por bem me dar um dom, devo negociar meu talento como sendo Seu servo, e a assembleia não tem nada a ver com isso: não sou servo dos irmãos. (...) Recuso-me terminantemente a ser servo da assembleia. Se eu, como indivíduo, fizer ou disser qualquer coisa que exija disciplina, aí a questão é outra; mas no que diz respeito a negociar meu talento, não estou agindo nem no âmbito da assembleia, nem por ela designado. Quando saio para ensinar, saio individualmente para exercitar meu dom... O senhorio de Cristo é negado por aqueles que pensam o contrário; são pessoas que querem transformar a assembleia, ou a si mesmos, em senhores. Se eu sou um servo de Cristo, deixe-me servir a Ele na liberdade do Espírito. Pessoas assim querem transformar servos de Cristo em servos da assembleia, negando ao indivíduo a responsabilidade que tem diante de Cristo pelo seu serviço... Em meu serviço para Cristo sou livre para agir sem consultá-los: eles não são senhores dos servos do Senhor".
Fica claro que um servo do Senhor, que conhece os pensamentos de Deus acerca da igreja, não pode ser Ministro de uma seita sem estar assim comprometendo a verdade. Ele pode até ministrar àqueles conectados com seitas, caso venha a se encontrar com eles, pois são membros do corpo de Cristo. Mas se ele desejar ser dirigido pelo Senhor, não irá querer se confinar a uma seita, pois se o fizer, só poderá ministrar dentro de seu círculo autorizado de igrejas. Seu terreno ficará muito estreito. A. H. Rule disse: "O Senhor tem diante de Si toda a igreja, e se o servo é responsável diante dEle, como poderá se submeter a uma seita, e ser fiel tanto à seita quanto ao Senhor? É impossível. Se um homem é um Ministro Presbiteriano, fica claro que ele não é um Ministro Batista. E se ele é um Ministro de qualquer seita, isso o exclui de todo o resto, e seu ministério fica necessariamente confinado à seita à qual ele pertence, ou então aos seus próprios interesses".
O servo do Senhor não deve se deixar prender e acorrentar por uma organização denominacional criada por homens. O Apóstolo Paulo não se deixou colocar sob o comando de qualquer tipo de organização criada pelo homem. Ele disse: "Procuro agradar a homens? Se estivesse ainda agradando aos homens, não seria servo de Cristo" (Gl 1:10). Ele disse também: "O que é chamado pelo Senhor, sendo servo, é liberto do Senhor; e da mesma maneira também o que é chamado sendo livre, servo é de Cristo. Fostes comprados por bom preço; não vos façais servos dos homens" (1 Co 7:22-23).