UMA NOTÁVEL MUDANÇA

Repare que agora há uma mudança. O Senhor para de Se dirigir à multidão. Quem poderia deixar de perceber que o próprio Senhor já estava colhendo o trigo? Quem não seria capaz de perceber o crescimento da árvore de mostarda, e a disseminação do fermento, quando os fatos eram evidentes e a sua aplicação levada a efeito? Mas o Senhor agora Se afasta da multidão que estava em foco até o momento. Como está escrito, “E com muitas parábolas tais lhes dirigia a palavra... e sem parábolas nunca lhes falava”. Mas agora Jesus despede a multidão e vai para casa. Gostaria de chamar a sua atenção para este fato, pois divide as parábolas e dá início a um novo conjunto delas. As parábolas que se seguem não eram do tipo que alguém poderia ver ou apreciar. Qualquer um podia apreciar as outras. A sabedoria do mundo considera o cristianismo uma instituição da qual pode se orgulhar, mas apenas no seu credo, ou seja, sem envolver qualquer responsabilidade moral ─ um fermento de fato, que se torna assimilável por nascimento, hábitos, colonização, etc.

Porém, embora estas parábolas representem diferentes aspectos e condições, a pregação da palavra do reino deve permanecer sempre. Isto tem o seu lugar próprio, da mesma maneira que entre os judeus havia várias festas, enquanto o Shabbat era uma constante, repetido semana após semana. Deparamo-nos aqui com uma grande distinção, a qual se parece com a analogia feita às festas dos judeus, pois elas também são divididas. Após a festa da páscoa, dos pães asmos e das semanas, uma seguindo-se à outra, encontramos uma interrupção, após a qual vinham as festas das trombetas, da expiação e, finalmente, dos tabernáculos. Conforme o apóstolo ensina, Cristo, nossa Páscoa, foi sacrificado por nós, portanto temos que celebrar a festa dos pães asmos inseparavelmente conectada a isto. E não é tudo. Lemos em Atos 2: “E, cumprindo-se o dia de Pentecostes”. Aí temos as festas que se cumpriram em nós cristãos. Seria um absurdo aplicar a festa das trombetas, o dia da expiação e a festa dos tabernáculos à igreja, pois sua aplicação (salvo naquilo que desfrutamos na forma de penhor pelo Espírito) é para os judeus.

Assim como na metade de Levítico 23 a pausa indica uma nova ordem de coisas, também neste capítulo a temos assinalada, e enquanto as primeiras parábolas se aplicam à confissão cristã exterior, as demais dizem respeito especialmente, e intimamente, aos verdadeiros cristãos. A multidão não poderia desfrutar delas. Eram “segredos de família” e, portanto, o Senhor chama os discípulos para dentro e lhes revela tudo.

Mas antes de entrar no novo terreno, Ele nos dá informações mais detalhadas daquilo que já vimos. Os discípulos Lhe pedem, “Explica-nos a parábola do joio do campo”. (vers. 36) Mesmo em ignorância, eles ainda confiam em seu Senhor, e Seu desejo era mesmo explicar aquilo que já havia falado. “E ele, respondendo, disse-lhes: O que semeia a boa semente, é o Filho do homem; o campo é o mundo; e a boa semente são os filhos do reino; e o joio são os filhos do maligno.” (vers. 37, 38) Ficou bem claro que o Filho do homem e o maligno são opostos entre si. Como acontece na Trindade, sabemos que há uma parte na obra de bênção própria a cada uma das três benditas Pessoas, e assim também existe o triste contraste no mal que está fora. Assim como o Pai derrama em especial o Seu amor, e separa do mundo pela revelação que há em Cristo; assim como vemos o Espírito Santo, em oposição à carne, sendo Ele o grande agente da graça, caminhos e conselhos do Pai, assim também as Escrituras apresentam Satanás sempre agindo como o chefe, antagonista pessoal do Filho. O Filho de Deus é vindo para que possa destruir as obras do diabo. O diabo se vale do mundo para enredar as pessoas e excitar a carne, estimulando a tendência natural do coração em busca de honra e proveito no tempo presente. Em oposição a isso, o Filho de Deus apresenta a glória do Pai como o objetivo pelo qual Ele estava trabalhando por intermédio do Espírito Santo.

A discriminação torna-se marcante ao longo da explicação do Senhor que é dada aos discípulos dentro de casa. Na primeira das parábolas, o bom se encontra completamente separado do mal, mas na última das três ele encontra-se imerso em uma massa homogênea. No entanto, no princípio tudo estava evidente. De um lado, vemos o Filho do homem semeando a boa semente, e o resultado disso são os filhos do reino. De outro, encontramos o inimigo, e ele está semeando sua má semente, falsas doutrinas, heresias, etc., resultando nos filhos do maligno. A presença do cristianismo no mundo deu ao diabo a oportunidade de tornar os homens muito piores do que se nunca tivesse existido nenhuma nova revelação celestial, e um historiador incrédulo denunciou isso nestes termos: “Os anais do cristianismo” ─ escreveu ele ─ “são os anais do inferno”. Sabemos que isso decorre do fato de se confundir o sistema cristão nominal, que é a Babilônia, com a verdadeira igreja. Do ponto de vista de Deus, não há nada mais vil do que tirar proveito do nome de Cristo. Nunca, em nenhum lugar, houve tanto sangue justo derramado quanto nas mãos dos assim chamados “religiosos”. Não é isto algo solene? O que encontramos no papado nada mais é do que o pleno cumprimento da religião terrena. Todo sistema religioso deste mundo tende a perseguir qualquer coisa que não ande nas suas pegadas. Isso é visto ainda hoje, quando ainda há um pouco de fidelidade a Cristo. A amargura e oposição exercida contra aqueles que estão buscando seguir ao Senhor em nossos dias é a mesma que se fez presente nos horrores da idade das trevas, e ainda permanece no “santo ofício” da inquisição, onde faz questão de manter sua cabeça erguida.