INTRODUÇÃO

O leitor atento do Novo Testamento encontrará em suas páginas três fatos solenes e significativos colocados diante de si. O primeiro, que o Filho de Deus veio a este mundo e Se foi; o segundo, que o Espírito Santo desceu à terra e permanece aqui; e, o terceiro, que o Senhor Jesus voltará.

Estes são os três grandes temas descortinados nas Escrituras do Novo Testamento, e vamos descobrir que cada um deles tem uma dupla aplicação: uma diz respeito ao mundo e outra à Igreja. Ao mundo de uma forma geral, e em particular a cada homem, mulher e criança não convertidos; à Igreja, de uma forma geral, e a cada membro individualmente. É impossível alguém se esquivar do significado destes três grandes fatos naquilo que diz respeito à sua própria condição pessoal e ao seu destino eterno.

É importante notar que não estamos falando de doutrinas — embora não haja dúvida de que existam doutrinas — mas de fatos; fat apresentados da maneira mais simples possível pelos vários escritores inspirados usados para apresentá-los. Não existe qualquer intenção de adorná-los ou alterá-los. os fat falam por si próprios; estão registrados e deixados ali para produzir seu peculiar e poderoso efeito na alma.

1. Antes de tudo, vamos analisar o fato do Filho de Deus ter vindo a este mundo. "Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigênito, para que todo aquele que nEle crê não pereça, mas tenha a vida eterna". "O Filho de Deus é vindo". Ele veio em perfeito amor, como a exata expressão do coração e propósito de Deus, de Sua natureza e caráter. Era o resplendor da glória de Deus, a expressa imagem da Sua Pessoa e, mesmo assim, modesto, humilde, bondoso e sociável. Era Alguém que podia ser visto dia após dia caminhando pelas ruas, indo de casa em casa, bom e afável para com todos, acessível aos mais pobres e tomando criancinhas em Seus braços da forma mais terna, gentil e cativante. Era visto enxugando as lágrimas da viúva, consolando o coração contrito e abatido, saciando o faminto, curando o enfermo, purificando o pobre leproso, atendendo a toda sorte de necessidade e sofrimento humano, a serviço de todos os que necessitavam de auxílio e compaixão. Ele "andou fazendo o bem", foi o incansável servo das necessidades humanas. Ele jamais pensou em Si mesmo, ou buscou Seus próprios interesses no que quer que fosse; Ele viveu para os outros. Sua comida e bebida eram fazer a vontade de Deus, e satisfazer os corações cansados e sobrecarregados dos filhos e filhas dos homens. Seu amável coração sempre fluiu em mananciais de bênçãos para todos os que sentissem a pressão deste mundo triste e contaminado pelo pecado.

Temos aqui, portanto, o maravilhoso fato diante de nossos olhos. Este mundo foi percorrido por aquela bendita Pessoa da qual falamos — este mundo recebeu a visita do Filho de Deus, o Criador e Mantenedor do Universo, o humilde, despojado, amoroso e benigno Filho do Homem, Jesus de Nazaré, Deus sobre tudo e eternamente bendito e, ao mesmo tempo, um Homem absolutamente perfeito, santo e incontaminado. Ele veio em amor para com os homens, veio a este mundo como a expressão do perfeito amor para com aqueles que tinham pecado contra Deus e não mereciam coisa alguma além da perdição eterna por causa de seus pecados. Ele não veio para esmagar, mas para curar; não veio para julgar, mas para salvar e abençoar.

O que aconteceu a esse bendito Jesus? Como o mundo O tratou? O mundo O expulsou! Não O quis! Preferiu um ladrão e homicida em lugar desse Homem santo, bondoso e perfeito. O mundo recebeu o que pediu. Jesus e um ladrão foram colocados diante do mundo e a pergunta foi feita: "Qual desses dois quereis vós?". Qual foi a resposta? "Barrabás". "os príncipes dos sacerdotes e os anciãos persuadiram à multidão que pedisse Barrabás e matasse Jesus. E, respondendo o presidente, disselhes: Qual desses dois quereis vós que eu solte? E eles disseram: Barrabás" (Mateus 27:20-21). os líderes e guias religiosos do povo — os homens que deveriam guiá-los pelo caminho direito — persuadiram a multidão pobre e ignorante a rejeitar o Filho de Deus e aceitar um ladrão e homicida em Seu lugar!

Leitor lembre-se de que você está em um mundo que é culpado deste terrível ato. E não só isso, mas a menos que você se arrependa e creia verdadeiramente no Senhor Jesus Cristo, você é parte e porção deste mundo, e está sob toda a culpa que decorre daquele ato. Isto é por demais solene. O mundo todo é culpado de deliberada rejeição e assassinato do Filho de Deus. Para isso temos o testemunho de pelo menos quatro testemunhas inspiradas. Mateus, Marcos, Lucas e João, todos eles registram que o mundo todo — judeus e gentios, reis e governantes, sacerdotes e o povo — todas as classes, seitas e partidos, concordaram em crucificar o Filho de Deus. Todos concordaram em assassinar o único homem perfeito que apareceu neste mundo, a perfeita expressão de Deus — do Deus que é sobre tudo bendito eternamente. Ou consideramos os quatro evangelistas como falsas testemunhas ou admitimos que o mundo, como um todo e em cada uma das partes que o constituem, está manchado pelo terrível crime de ter crucificado o Senhor da glória.

Este é o verdadeiro padrão pelo qual o mundo deve ser medido e pelo qual deve ser medida a condição de todo inconverso deste mundo, seja homem, mulher ou criança. Se eu quiser saber o que é o mundo, basta ponderar no fato de que o mundo é aquele que permanece culpado diante de Deus pelo deliberado assassinato de Seu Filho. Que tremendo fato! Um fato que coloca sua marca no mundo da forma mais solene, e o expõe diante de nossos olhos em toda sua obscuridade. Deus tem uma demanda com este mundo. Ele tem uma questão a ser resolvida com o mundo — uma questão terrível — cuja mera menção deveria fazer os ouvidos dos homens retinir e o coração tremer. Um Deus justo precisa vingar a morte de Seu Filho. Não se trata meramente do fato de ter o mundo aceitado um vil ladrão e assassinado um homem inocente; isto, por si só, já teria sido um ato pavoroso. Mas, não, aquele inocente não era ninguém menos do que o Filho de Deus, o querido do coração do Pai.

Que pensamento! O mundo deverá prestar contas a Deus pela morte do Seu Filho — por tê-Lo pregado na cruz entre dois ladrões! Que ajuste de contas será! Quão vermelho será o dia da vingança! Que esmagamento terrível trará aquele momento, quando Deus desembainhar a espada do juízo para vingar a morte de Seu Filho! Quão vã é a ideia de que o mundo esteja melhorando! Melhorando apesar de manchado com o sangue de Jesus? Melhorando apesar de estar sob o juízo de Deus por causa desse ato? Melhorando apesar de precisar prestar contas a um Deus justo pelo tratamento dado ao Amado de Sua alma, enviado em amor para abençoar e salvar? Que estupidez cega! Que tolice louca! Ah, não! Não pode haver qualquer melhoria até que o mundo seja varrido pela destruição e a espada do juízo tenha feito seu terrível trabalho para vingar o assassinato — o assassinato deliberadamente planejado, e executado com tamanha determinação — do bendito Filho de Deus. Não podemos conceber uma ilusão mais falsa e fatal do que imaginar que o mundo possa algum dia ser melhorado enquanto estiver sob a terrível maldição da morte de Jesus. O mundo que preferiu Barrabás a Cristo não pode conhecer melhoria. Nada há para ele além do devastador juízo de Deus.

O mesmo se pode dizer do significativo fato da ausência de Jesus, em relação à presente condição e ao destino futuro do mundo. Mas este fato traz outras implicações. Ele está relacionado à Igreja de Deus como um todo, e ao crente individualmente. Se, por um lado, o mundo expulsou a Cristo, por outro os céus O receberam. Se, de sua parte, os homens O rejeitaram, Deus O exaltou. Se o homem O crucificou, Deus O coroou. Devemos distinguir cuidadosamente estas duas coisas. A morte de Cristo, quando vista como um ato do mundo — o ato do homem — envolve a total e absoluta ira e juízo. Por outro lado, a morte de Cristo, quando vista como um ato de Deus, envolve a total e absoluta bênção para todos aqueles que se arrependem e creem. Uma ou duas passagens da divina Palavra irão provar isto.

Vamos abrir por um momento no Salmo 69, o qual apresenta de forma tão clara nosso bendito e adorável Senhor sofrendo nas mãos dos homens e suplicando a Deus por vingança. "Ouve-me, Senhor, pois boa é a Tua misericórdia. Olha para mim segundo a Tua muitíssima piedade. E não escondas o Teu rosto do Teu servo, porque estou angustiado; ouve-me depressa. Aproxima-Te da minha alma, e resgata-a; livrame por causa dos meus inimigos. Bem tens conhecido a minha afronta, e a minha vergonha, e a minha confusão; diante de Ti estão todos os meus adversários. Afrontas Me quebrantaram o coração, e estou fraquíssimo; esperei por alguém que tivesse compaixão, mas não houve nenhum; e por consoladores, mas não os achei. Deram-me fel por mantimento, e na minha sede Me deram a beber vinagre. Torne-se-lhes a sua mesa diante deles em laço, e a prosperidade em armadilha. Escureçam-se-lhes os seus olhos, para que não vejam, e faze com que os seus lombos tremam constantemente. Derrama sobre eles a Tua indignação, e prenda-os o ardor da Tua ira" (Sl 69:16-28).

Tudo isso é por demais profundo e solene. Cada palavra desta súplica será respondida. Nem uma sílaba sequer cairá por terra. Com toda certeza Deus vingará a morte de Seu Filho. Ele acertará contas com o mundo — com os homens — pelo tratamento que Seu Filho unigênito recebeu em suas mãos. Acreditamos ser correto insistir nisto para o coração e consciência do leitor. Quão terrível o pensamento de Cristo intercedendo contra as pessoas! Quão espantoso escutá-Lo rogando a Deus por vingança sobre Seus adversários! Quão terrível será a resposta devida ao clamor do Filho ferido!

Mas olhemos o outro lado da questão. Abra no Salmo 22, que apresenta o bendito Senhor sofrendo nas mãos de Deus. Aqui o resultado é totalmente diferente. Ao invés de julgamento e vingança, trata-se de bênção e glória, universais e eternas. "Então declararei o Teu nome aos meus irmãos; louvar-Te-ei no meio da congregação. Vós, que temeis ao Senhor, louvai-O; todos vós, semente de Jacó, glorificai-O; e temei-O todos vós, semente de Israel.... O meu louvor será de Ti na grande congregação; pagarei os meus votos perante os que O temem. os mansos comerão e se fartarão; louvarão ao Senhor os que O buscam; o vosso coração viverá eternamente. Todos os limites da terra se lembrarão, e se converterão ao Senhor; e todas as famílias das nações adorarão perante a Tua face. Porque o reino é do Senhor, e Ele domina entre as nações... Uma semente O servirá; será declarada ao Senhor a cada geração. Chegarão e anunciarão a Sua justiça ao povo que nascer, porquanto Ele o fez" (Sl 22:22-31).

Estas duas passagens apresentam, com imensa distinção, os dois aspectos da morte de Cristo. Ele morreu, como um mártir, pela justiça, nas mãos dos homens. O homem prestará contas disso a Deus. Mas Ele morreu nas mãos de Deus como uma vítima pelo pecado. Este é o fundamento de toda bênção para aqueles que creem no Seu nome. Seus sofrimentos como mártir desencadeiam a ira e o juízo sobre um mundo ímpio, enquanto Seus sofrimentos expiatórios abrem as fontes eternas de vida e salvação para a Igreja, para Israel e para toda a criação. A morte de Jesus consuma a culpa do mundo, mas assegura a aceitação da Igreja. O mundo está manchado, enquanto a Igreja está purificada por meio do sangue derramado na cruz.

Esta é a dupla aplicação do primeiro de nossos três grandes fat do Novo Testamento. Jesus veio e Se foi — veio, pois Deus amou ao mundo — foi embora, porque o mundo odiou a Deus. Se Deus perguntasse — e Ele perguntará — "o que vocês fizeram com Meu Filho?", qual seria a resposta? "Nós O odiamos; nós O expulsamos e O crucificamos. Preferimos um ladrão a Ele".

Mas, bendito seja eternamente o Deus de toda graça, o cristão, o verdadeiro crente, pode levantar os olhos para o céu é dizer: "Meu Senhor ausente está lá, e está lá por mim. Ele Se foi deste pobre mundo, e Sua ausência torna todo o cenário ao meu redor um deserto moral — uma desolada ruína".

Ele não está aqui. Isto coloca no mundo, no discernimento de todo coração leal, o carimbo de um caráter inconfundível. O mundo não queria a Jesus. É o suficiente. De agora em diante já não precisamos nos espantar com qualquer história de horror. O noticiário policial, os processos nos tribunais, as estatísticas de nossas cidades e vilas já não precisam nos surpreender. O mundo que foi capaz de rejeitar a divina personificação de toda a bondade humana, e aceitou um ladrão e homicida em Seu lugar, provou sua torpeza moral em um grau que jamais poderá ser ultrapassado. Será que é motivo de espanto quando descobrimos a falsidade e crueldade do mundo? Ficamos surpresos quando descobrimos que este mundo não é confiável? Se isto ocorrer, está claro que não interpretamos corretamente a ausência de nosso bendito Senhor. O que prova a cruz de Cristo? Que Deus é amor? Sem dúvida. Que Cristo deu Sua preciosa vida para nos salvar das chamas de um inferno sem fim? Bendita verdade, seja dado total louvor ao Seu nome inigualável! Mas o que a cruz prova em relação ao mundo? Que sua culpa está consumada e seu juízo determinado. O mundo, ao pregar na cruz Aquele que era perfeitamente bom, provou da forma mais irrefutável que é perfeitamente mau. "Se Eu não viera, nem lhes houvera falado, não teriam pecado, mas agora não têm desculpa do seu pecado. Aquele que Me odeia, odeia também a Meu Pai. Se Eu entre eles não fizesse tais obras, quais nenhum outro tem feito, não teriam pecado; mas agora, viram-nas e Me odiaram a Mim e a Meu Pai. Mas é para que se cumpra a palavra que está escrita na sua lei: Odiaram-Me sem causa" (João 15:22-26).

2. Porém devemos agora nos ocupar por um momento com nosso segundo e importante fato. O Espírito Santo de Deus desceu a este mundo. Já se passaram mais de dezenove séculos* desde que o bendito Espírito desceu do céu, e Ele permanece aqui desde então. Trata-se de um fato estupendo. Existe uma Pessoa divina neste mundo e Sua presença — assim como a ausência de Jesus — tem uma dupla aplicação: uma está relacionada ao mundo, outra tem a ver com cada homem, mulher e criança aqui; está relacionada à Igreja como um todo e a cada membro dela em particular. No que diz respeito ao mundo, esta excelsa testemunha desceu do céu para convencer o mundo de seu terrível crime de haver rejeitado e crucificado o Filho de Deus. No que diz respeito à Igreja, Ele veio como o bendito Consolador, para ocupar o lugar do Jesus ausente e confortar, com Sua presença e ministério, os corações do Seu povo. Assim, para o mundo o Espírito Santo é um poderoso Persuasor; para a Igreja Ele é um precioso Consolador.

[* N. do T.: O autor viveu no século 19]

Uma ou duas passagens das sagradas Escrituras fundamentarão estes pontos no coração e mente do leitor piedoso que se sujeita em humilde reverência à autoridade da divina Palavra. Vamos abrir no capítulo 16 do Evangelho de João. "E agora vou para Aquele que Me enviou; e nenhum de vós Me pergunta: Para onde vais? Antes, porque isto vos tenho dito, o vosso coração se encheu de tristeza. Todavia digo-vos a verdade, que vos convém que Eu vá; porque, se Eu não for, o Consolador não virá a vós; mas, quando Eu for, vo-lo enviarei. E, quando Ele vier, convencerá (elegxei) o mundo do pecado, e da justiça e do juízo. Do pecado, porque não creem em mim; da justiça, porque vou para Meu Pai, e não Me vereis mais; e do juízo, porque já o príncipe deste mundo está julgado" (Jo 16:5-11).

Mais uma vez, em João 14 lemos: "Se Me amais, guardai os Meus mandamentos. E Eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre; o Espírito de verdade, que o mundo não pode receber, porque não O vê nem O conhece; mas vós O conheceis, porque habita convosco, e estará em vós". (João 14:15-19).

Estas passagens comprovam a dupla aplicação da presença do Espírito Santo. Não ousamos tratar este assunto apenas com esta breve introdução, mas sabemos que o leitor será incentivado a estudá-lo por si mesmo à luz das Sagradas Escrituras, e estamos convencidos de que quanto mais estudá-lo, maior será a profundidade e a importância prática de seu interesse. Oh, que pena que isto seja tão pouco compreendido, que os cristãos vejam tão pouco daquilo que está envolvido na presença pessoal do Espírito eterno, o Espírito Santo de Deus, neste mundo — suas solenes consequências relacionadas ao mundo e seus preciosos resultados para com a assembleia como um todo e para cada membro em particular.

Oh, que aqueles que fazem parte do povo de Deus em todo lugar possam ser guiados a uma compreensão mais profunda destas coisas; que possam considerar aquilo que é devido à divina Pessoa que habita neles e com eles; que possam ter o zeloso cuidado de não "entristecer" o Espírito Santo em seu andar ou "estingui-Lo" em suas assembleias públicas!