"A VINDA" E "O DIA"

Pediremos agora ao leitor que abra conosco as duas Epístolas aos Tessalonicenses. Como já dissemos, esses cristãos se converteram à bendita esperança da volta do Senhor. Eles foram ensinados a esperar por Ele dia após dia. Não se tratava meramente da doutrina do advento recebida e guardada na mente, mas de uma Pessoa divina que era continuamente aguardada por corações que haviam aprendido a amá-La e a esperar por Sua vinda.

Porém, como podemos facilmente imaginar, os cristãos tessalonicenses ignoravam muitas coisas conectadas a essa bendita esperança. O apóstolo tinha sido privado deles "por um momento de tempo, de vista, mas não do coração". Não lhe fora permitido permanecer tempo suficiente com eles para instruí-los nos detalhes do assunto relacionado à esperança que tinham. Eles sabiam que Jesus estava para voltar — a mesma bendita Pessoa que graciosamente os livrara da ira vindoura. Mas eles ainda estavam totalmente ignorantes quanto a qualquer distinção entre Sua vinda para o Seu povo e Sua vinda com o Seu povo. Por isso, como era de se esperar, acabaram caindo em vários erros e enganos. É impressionante o quão rápido a mente humana divaga para a mais grosseira e selvagem confusão e erro. Precisamos ser guardados de todos os lados pela pura, sólida e reparadora verdade de Deus. Devemos ter nossa alma perfeitamente equilibrada pela revelação divina, ou certamente mergulharemos em toda sorte de noções falsas e tolas. Por esta razão alguns dos tessalonicenses conceberam a ideia de abandonar suas obrigações. Pararam de trabalhar com as próprias mãos e ficaram ociosos. Um grande erro.

Ainda que estivéssemos perfeitamente seguros de que nosso Senhor poderia vir hoje à noite, não haveria razão para deixarmos de cumprir, fiel e diligentemente, nossa quota diária de deveres, e fazer tudo o que nos foi confiado na esfera em que Sua boa mão nos colocou. Na verdade, o próprio fato de esperarmos por nosso Mestre iria fortalecer nosso desejo de fazer tudo o que precisasse ser feito até o exato momento de Sua volta, de modo que nem uma única responsabilidade fosse negligenciada. A esperança da iminente volta do Senhor, quando mantida em poder na alma, é imensamente santificadora, purificadora e retificadora em sua influência na vida, conduta e caráter do cristão. Todavia sabemos que até a mais gloriosa verdade pode ser armazenada na esfera da razão e petulantemente confessada com os lábios, enquanto o coração, a vida, o andar, a conduta e o caráter permanecem totalmente alheios à sua influência. Mas nos é expressamente ensinado pelo inspirado apóstolo João que "qualquer que nEle tem esta esperança purifica-se a si mesmo, como também Ele é puro" (1 João 3:3). E, certamente, essa "purificação" envolve tudo aquilo que diz respeito à nossa vida prática do dia-a-dia.

Porém existia outro grave erro no qual aqueles queridos tessalonicenses caíram, e de onde o bendito apóstolo, como um fiel e verdadeiro pastor, procurou resgatá-los. Eles achavam que seus amigos cristãos que já tinham partido não participariam do gozo da volta do Senhor. Temiam que eles deixassem de participar daquele momento tão bendito e almejado.

Bem, apesar de ser verdade que o próprio erro demonstrava quão intensamente aqueles cristãos pensavam em sua bendita esperança, ainda assim era um erro e precisava ser corrigido. Mas vamos reparar com cuidado na correção: "Não quero, porém, irmãos, que sejais ignorantes acerca dos que já dormem, para que não vos entristeçais, como os demais, que não têm esperança. Porque, se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também aos que em Jesus dormem [ou que Jesus fez dormir], Deus os tornará a trazer com Ele".

Repare nisto. Ele não procura confortar aqueles pesarosos amigos assegurando que eles iriam, não muito tempo depois, seguir os que partiram. Muito pelo contrário. Ele lhes assegura que Jesus traria Consigo os que partiram. Trata-se de algo claro e distinto, além de estar fundamentado no grande fato de que "Jesus morreu por nós e ressuscitou". O apóstolo, porém, não para aqui, mas segue derramando uma nova luz sobre a compreensão de seus queridos filhos na fé. "Dizemo-vos, pois, isto, pela palavra do Senhor: que nós, os que ficarmos vivos para a vinda do Senhor, não precederemos os que dormem. Porque o mesmo Senhor descerá do céu com alarido, e com voz de arcanjo, e com a trombeta de Deus; e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor. Portanto, consolai-vos uns aos outros com estas palavras".

Portanto, temos diante de nós aquilo que comumente chamamos de arrebatamento dos santos, um tema dos mais gloriosos, emocionantes e cativantes, e certamente a mais brilhante esperança da Igreja de Deus e do crente individualmente. O mesmo Senhor descerá do Céu com uma convocação dirigida apenas aos ouvidos e ao coração dos que Lhe pertencem. Nenhum ouvido incircunciso ouvirá, nenhum coração não renovado será tocado por essa voz celestial, por essa convocação da divina trombeta. Todos os mortos em Cristo — incluindo, conforme cremos, os santos do Antigo Testamento, bem como aqueles do Novo Testamento que tiverem partido na fé de Cristo — ouvirão o bendito som e sairão dos lugares onde dormem. Todos os santos vivos escutarão e serão transformados num momento. E então, oh! que mudança! O pobre e gasto tabernáculo de barro será substituído por um corpo glorificado, à semelhança do corpo de Jesus.

Observe aquela silhueta arqueada e atrofiada, aquele corpo arruinado pela dor e exaurido pelos anos de sofrimento pungente. É o corpo de um santo. Quão humilhante é vê-lo assim! Sim, mas espere um pouco. Basta apenas trombeta soar e, em um instante, aquela estrutura pobre e decadente será transformada e feita semelhante ao corpo glorificado do Senhor que virá.

E ali, naquele sanatório para doentes mentais, está um pobre paciente. Ele está ali há anos. É um santo de Deus. Quão misterioso é isso! É verdade, não podemos compreender tal mistério, está além do estreito alcance de nossa compreensão. Mas assim é, aquele pobre paciente é um santo de Deus e herdeiro da glória. Ele também ouvirá a voz do arcanjo e a trombeta de Deus, e deixará sua enfermidade para trás para sempre, ao subir para o céu, em seu corpo glorificado, para encontrar o Seu Senhor que vem.

Oh! Que momento radiante! Quantos leitos de enfermos ficarão vagos então! Que mudanças maravilhosas acontecerão! Como o coração é cativado por tal pensamento e anseia cantar, em coro, o belo hino: Cristo, o Senhor, sim, voltará,

Ninguém O aguardará em vão:

Então Sua glória mostrará:

Com Ele os santos estarão.

Quando o arcanjo a voz soar,

os que já dormem ouvirão,

E, ressurretos, vão cantar

Louvores, em adoração.

"Este é o nosso Redentor!"

As hostes todas clamarão:

"A Ele seja o louvor

e universal adoração!"

Amém e amém!

Quão glorioso pensarmos nos milhões de ressuscitados! Quão maravilhoso estar entre eles! Quão preciosa esperança será ver aquela bendita Pessoa que nos amou e Se entregou por nós! Tal é a esperança do cristão, uma esperança acerca da qual não há uma única menção de uma capa a outra do Antigo Testamento. "A palavra profética" é de suprema importância. Fazemos bem em atentar para ela. Trata-se de uma inexprimível misericórdia para aqueles que estão em trevas poderem contar com uma luz que alumia em lugar escuro. Mas é bom que o cristão tenha em mente que seu desejo é ter "a estrela da alva aparecendo em seus corações"; em outras palavras, ter todo o seu coração governado pela esperança de ver a Jesus como a refulgente Estrela da Manhã. Quando o coração está assim cheio e guiado pela esperança que é própria do cristão, então os olhos podem perscrutar inteligentemente o mapa profético: podem se ocupar de todo o campo da profecia do modo como nosso Deus a abriu graciosamente diante de nós, e encontrar interesse e proveito em cada página e em cada linha. Mas, por outro lado, podemos estar certos de que o homem que busca pela Igreja ou sua esperança na profecia estará olhando na direção errada. Encontrará ali "o judeu" e "o gentio", mas não "a Igreja de Deus". Confiamos sinceramente que nenhum de nossos leitores deixará de se apoderar deste fato — um fato que, podemos dizer com total segurança, é da maior importância.

Mas é provável que alguém pergunte: "Para quê serve, então, a profecia? Se for verdade que não podemos encontrar nada sobre a Igreja na página profética, que utilidade teria ela para os cristãos? Por que razão nos teria sido dito que atentássemos para ela, se ela não nos diz respeito?" Redarguimos, perguntando: Será que não existe algo de valor para nós além daquilo que especificamente nos diz respeito? Será que não devemos nos interessar por algo a menos que sejamos nós o seu tema principal? Será que é de pouca importância para nós ter os conselhos, propósitos e planos de Deus revelados diante de nossos olhos? Acaso damos pouca importância ao imenso favor de ter os pensamentos de Deus comunicados a nós em Sua santa Palavra profética? Com certeza não foi assim que Abraão tratou as comunicações divinas que lhe foram feitas em Gênesis 18: "Ocultarei Eu a Abraão o que faço?" E o que era aquilo? Dizia respeito especificamente a Abraão? De modo algum. Dizia respeito a Sodoma e cidades vizinhas, onde Abraão nada possuía. Mas acaso isso o impedia de apreciar aquilo como um favor especial com o qual estava sendo honrado, como depositário de confiança dos pensamentos de Deus? Certamente que não. Podemos seguramente afirmar que o fiel patriarca tinha em alta estima o privilégio que lhe fora conferido.

E assim deveria ser conosco. Deveríamos estudar a profecia com o maior interesse possível, pelo fato de nos ter sido revelado nela, com divina precisão, o que Deus está para fazer neste mundo com Israel e com as nações. A profecia é a história que Deus escreveu do futuro, e é na proporção que O amamos que iremos nos deliciar em estudar Sua história. Certamente não da forma como alguns sugerem, de que podemos conhecer sua veracidade por meio de seu cumprimento, mas para podermos nos apropriar de toda aquela absoluta e divina certeza quanto ao futuro que a Palavra de Deus pode comunicar. Nada pode ser mais absurdo, no juízo da fé, do que supor que devemos aguardar o cumprimento de uma profecia para saber se ela é verdadeira. Que insulto é isto — inconscientemente, sem dúvida — à inigualável revelação de nosso Deus. Mas devemos agora voltar, por alguns instantes, ao solene assunto do "dia do Senhor". Trata-se de um termo que ocorre com frequência nas Escrituras do Antigo Testamento. Não temos a pretensão de citar todas as passagens, mas devemos nos referir a uma ou duas e, a partir delas, o leitor poderá seguir examinando o assunto por si mesmo. Em Isaías 2 lemos: "Porque o dia do Senhor dos Exércitos será contra todo o soberbo e altivo, e contra todo o que se exalta, para que seja abatido... E a arrogância do homem será humilhada, e a sua altivez se abaterá, e só o Senhor será exaltado naquele dia. E todos os ídolos desaparecerão totalmente. Então os homens entrarão nas cavernas das rochas, e nas covas da terra, do terror do Senhor, e da glória da Sua majestade, quando Ele Se levantar para assombrar a terra. Naquele dia o homem lançará às toupeiras e aos morcegos os seus ídolos de prata, e os seus ídolos de ouro, que fizeram para diante deles se prostrarem. E entrarão nas fendas das rochas, e nas cavernas das penhas, por causa do terror do Senhor, e da glória da Sua majestade, quando Ele se levantar para abalar terrivelmente a terra".

O mesmo podemos ver em Joel 2: "Tocai a trombeta em Sião, e clamai em alta voz no Meu santo monte; tremam todos os moradores da terra, porque o dia do Senhor vem, já está perto; dia de trevas e de escuridão; dia de nuvens e densas trevas, como a alva espalhada sobre os montes; povo grande e poderoso, qual nunca houve desde o tempo antigo, nem depois dele haverá pelos anos adiante, de geração em geração... Diante dele tremerá a terra, abalar-se-ão os céus; o sol e a lua se enegrecerão, e as estrelas retirarão o seu resplendor. E o Senhor levantará a Sua voz diante do seu exército; porque muitíssimo grande é o Seu arraial; porque poderoso é, executando a Sua palavra; porque o dia do Senhor é grande e mui terrível, e quem o poderá suportar?" Destas e de outras passagens similares aprendemos que "o dia do Senhor" está associado ao pensamento profundamente solene de juízo sobre o mundo: sobre o Israel apóstata, sobre o homem e suas práticas e sobre tudo aquilo que o coração humano valoriza e anseia. Em suma, o dia do Senhor aparece em evidente contraste com o dia do homem. Hoje é o homem quem detém a supremacia; então a supremacia será do Senhor.

Bem, enquanto é perfeitamente verdade que todo o povo do Senhor pode se regozijar na perspectiva daquele dia que, embora se inicie com juízo sobre o mundo, deverá ser marcado pelo reino universal de justiça, ainda assim devemos nos lembrar de que a esperança peculiar ao cristão não está naquele dia com todos os seus terríveis desdobramentos de juízo, ira e terror. Sua esperança está na vinda ou presença de Jesus, com seus desdobramentos de paz e gozo, amor e glória. A Igreja já terá então se encontrado com seu Senhor e voltado com Ele para a casa do Pai antes daquele terrível dia explodir sobre o mundo. Essa será sua bendita porção, quando experimentará a sublime comunhão daquele lar celestial por um período de tempo indefinido antes do início do dia do Senhor. Seus olhos serão gratificados com a visão da "resplandecente Estrela da manhã" muito tempo antes que o "Sol de justiça" se levante, em sua restauradora virtude, sobre a porção piedosa da nação de Israel — o remanescente da descendência de Abraão que teme a Deus. Desejamos muito que o leitor cristão possa apreender totalmente esta grande e importante diferença. Sentimo-nos persuadidos de que ela terá um efeito imenso sobre todos os seus pensamentos, perspectivas e esperanças para o futuro. Ela o capacitará a ver, sem que exista qualquer nuvem de impedimento, sua verdadeira perspectiva como cristão. Ela o livrará de toda névoa, incerteza e confusão, além de fazer desaparecer de sua mente todo tipo de sentimento de pavor com que tantos, até mesmo dentre os queridos do Senhor, contemplam o futuro. Ela irá ensiná-lo a esperar pelo Salvador — o Noivo bendito, o eterno Amante de sua alma — e não pelos juízos, pelo terror, por eclipses e terremotos, convulsões e revoluções, mantendo seu espírito tranquilo e feliz, na certa e convicta esperança de estar com Jesus antes que chegue aquele grande e terrível dia do Senhor.

Veja o quanto o fiel apóstolo trabalhava para encaminhar seus queridos convertidos tessalonicenses a uma clara compreensão da diferença entre "a vinda" e "o dia".

"Mas, irmãos, acerca dos tempos e das estações, não necessitais de que se vos escreva; porque vós mesmos sabeis muito bem que o dia do Senhor virá como o ladrão de noite; pois que, quando [eles, não vós] disserem: Há paz e segurança, então lhes sobrevirá repentina destruição, como as dores de parto àquela que está grávida, e de modo nenhum escaparão. Mas vós, irmãos, já não estais em trevas, para que aquele dia vos surpreenda como um ladrão; porque todos vós sois filhos da luz e filhos do dia; nós não somos da noite nem das trevas" — O Senhor seja louvado! — "Não durmamos, pois, como os demais, mas vigiemos, e sejamos sóbrios; porque os que dormem, dormem de noite, e os que se embebedam, embebedam-se de noite. Mas nós, que somos do dia, sejamos sóbrios, vestindo-nos da couraça da fé e do amor, e tendo por capacete a esperança da salvação; porque Deus não nos destinou para a ira, mas para a aquisição da salvação, por nosso Senhor Jesus Cristo, que morreu por nós, para que, quer vigiemos, quer durmamos, vivamos juntamente com Ele. Por isso exortai-vos uns aos outros, e edificai-vos uns aos outros, como também o fazeis" (1 Ts 5:1-11).

Temos aqui a distinção estabelecida com inequívoca clareza. O mesmo Senhor descerá para nós como o Noivo. O dia do Senhor virá sobre o mundo como um ladrão. Poderia um contraste ser mais evidente? Como alguém pode confundir as duas coisas? Elas são tão distintas quanto duas coisas poderiam ser. Um noivo e um ladrão são certamente coisas diferentes. E igualmente diferentes são a vinda do Senhor para Seu povo que O aguarda e a vinda do Seu dia sobre um mundo embriagado e adormecido. Talvez alguns encontrem certa dificuldade no fato de palavras tão solenes quanto as que se seguem serem dirigidas à Igreja em Sardis: "E, se não vigiares, virei sobre ti como um ladrão, e não saberás a que hora sobre ti virei" (Apocalipse 3:3). Essa dificuldade se desvanecerá quando refletirmos que, no caso de Sardis, o corpo professo é visto como possuindo meramente um nome de que vive, enquanto está morto. Ela afundou ao mesmo nível do mundo e só consegue enxergar as coisas do ponto de vista do mundo. A Igreja fracassou completamente, caiu de sua elevada e santa posição, se encontra sob juízo e não pode, portanto, ser encorajada pela esperança que é própria da Igreja, mas é ameaçada pela terrível maldição destinada ao mundo. Não vemos a Igreja aqui como o corpo ou noiva de Cristo, mas como a testemunha responsável por Deus na terra, o candeeiro de ouro que deveria revelar a divina luz do testemunho neste mundo de trevas, enquanto o seu Senhor está ausente. Mas, oh! a Igreja professa afundou ainda mais e se tornou mais sombria até que o próprio mundo. Daí a solene ameaça. A exceção confirma a regra.

Vamos continuar com este assunto do modo como é apresentado em 2 Tessalonicenses.

Trata-se de um fato cheio do mais rico conforto e consolação para o coração de um verdadeiro crente, que Deus, em Sua maravilhosa graça, sempre transforme o comedor em comida e do forte tire doçura. Ele produz luz das trevas, traz vida da morte e faz com que os refulgentes raios de Sua glória brilhem em meio a mais desastrosa ruína causada pela mão do inimigo. A verdade disto está ilustrada em todas as Escrituras e deveria encher nosso coração de paz e nossa boca de louvor.

Por isso os vários erros doutrinários e práticas malignas nas quais foi permitido que os primeiros cristãos caíssem foram neutralizados por Deus e usadas na instrução, direção e real proveito da Igreja para o final de sua história terrena. Assim, por exemplo, o erro dos cristãos tessalonicenses, no que diz respeito aos seus irmãos que haviam partido, serviu de ocasião para derramar tamanho dilúvio de luz divina sobre a vinda do Senhor e sobre o arrebatamento dos santos, que é impossível que qualquer mente simples que se submeta às Escrituras venha a cair em semelhante erro. Eles aguardavam pela vinda do Senhor, e nisto estavam certos. Eles O esperavam para estabelecer Seu reino na terra, e nisto, de um modo geral, também estavam certos. Mas eles cometeram um grande erro ao deixarem de fora o lado celestial desta gloriosa esperança. Seu entendimento era insuficiente — sua fé falha. Eles não viram as duas partes, a dupla aplicação do advento de Cristo: descendo nos ares para receber Seu povo para Si, e aparecendo em glória para estabelecer o Seu reino em manifestação de poder. Por isso temiam que seus irmãos que partiram estivessem necessariamente fora da esfera de bênção, do círculo de glória.

Tal erro é divinamente corrigido, conforme vimos em 1 Tessalonicenses 4. O lado celestial da esperança — a porção que cabe ao cristão — é colocado diante do coração como verdadeiro corretivo para o erro relacionado aos santos que dormiam. Cristo irá reunir todo o Seu povo (e não apenas parte dele) para Si. E se existir qualquer vantagem — qualquer sombra de privilégio nesta questão — ela fica com aquelas mesmas pessoas pelas quais eles lamentavam. Pois "os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro". Porém, da Segunda Epístola aos Tessalonicenses aprendemos que aqueles queridos recém-convertidos tinham sido levados a cometer outro grave erro — um erro que não estava relacionado aos mortos, mas aos vivos; um erro que não estava relacionado à vinda do Senhor, mas ao dia do Senhor. Se, por um lado, eles temiam que os mortos pudessem não participar do bendito triunfo da vinda, por outro temiam que os vivos já estivessem, naquele exato momento, passando pelos terrores do dia do Senhor. É com este erro que o apóstolo inspirado tem de lidar em sua segunda carta aos crentes tessalonicenses, e não há nada maior que a ternura e sensibilidade de sua abordagem, além da precisão com que faz a correção.

os cristãos em Tessalônica passavam por intensa perseguição e tribulação, e fica bem evidente que o inimigo, por meio de falsos mestres, procurava confundir suas mentes levando-os a pensar que "o grande e terrível dia do Senhor" (Jl 2:31) tivesse chegado e que as tribulações pelas quais estavam passando eram consequências daquele dia. Se assim fosse, todo o ensino do apóstolo teria sido provado como falso, pois se havia uma verdade que brilhava com maior fulgor e proeminência em seu ensino era a da associação e identificação dos crentes com Cristo — uma associação tão íntima, uma identificação tão próxima, que seria impossível para Cristo aparecer em glória sem o Seu povo. "Quando Cristo, que é a nossa vida, Se manifestar, então também vós vos manifestareis com Ele em glória" Colossesses 3:4. Mas antes Ele deverá vir, para depois poder trazer "o dia".

Além disso, quando o dia do Senhor realmente chegar, não será para atribular o Seu povo; ao contrário, será para atribular os perseguidores deste. É isto que o apóstolo lhes faz lembrar da maneira mais simples e eficaz, logo nas primeiras linhas: "Sempre devemos, irmãos, dar graças a Deus por vós, como é justo, porque a vossa fé cresce muitíssimo e o amor de cada um de vós aumenta de uns para com os outros, de maneira que nós mesmos nos gloriamos de vós nas igrejas de Deus por causa da vossa paciência e fé, e em todas as vossas perseguições e aflições que suportais; prova clara do justo juízo de Deus, para que sejais havidos por dignos do reino de Deus, pelo qual também padeceis; se de fato é justo diante de Deus que dê em paga tribulação aos que vos atribulam, e a vós, que sois atribulados, descanso conosco, quando se manifestar o Senhor Jesus desde o céu com os anjos do Seu poder, como labareda de fogo, tomando vingança dos que não conhecem a Deus [gentios] e dos que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo [judeus]" 2 Tessalonicenses 1:6. Portanto, não era apenas a posição do cristão que estava envolvida nessa questão, mas até mesmo a glória de Deus — Sua própria justiça. Se era certo que o dia do Senhor tinha trazido tribulação aos cristãos, então não havia verdade na doutrina — na grande e proeminente doutrina do ensino de Paulo — de que Cristo e Seu povo são um, além do que isso acabaria comprometendo a justiça de Deus. Em suma, se os cristãos estavam passando por tribulação, seria moralmente impossível que o dia do Senhor tivesse chegado, pois quando chegar será para trazer alívio para os crentes. E isto como uma recompensa pública para eles no reino, e não meramente na casa do Pai, o que não é o assunto tratado aqui. A mudança que irá ocorrer será bem clara. A Igreja estará em repouso e os que a atribularam, por sua vez, estarão em tribulação. Enquanto durar o dia do homem a Igreja estará sujeita à tribulação, mas no dia do Senhor tudo isso será invertido.

Repare nisto cuidadosamente. Não se trata da questão dos cristãos passarem ou não por dificuldades. Eles são destinados a isto neste mundo, enquanto a impiedade mantiver o domínio. Cristo sofreu, e o mesmo deve acontecer também com eles. Todavia, o ponto que queremos frisar para a mente e o coração do cristão é que, quando Cristo vier para estabelecer Seu reino, será totalmente impossível que Seu povo esteja em tribulação. Assim, todo o ensino do inimigo, pelo qual ele procurava inquietar os crentes tessalonicenses, mostrou-se claramente fraudulento. O apóstolo leva de roldão o próprio fundamento de toda a trama, usando apenas a afirmação da preciosa verdade de Deus. Esta é a forma divina de libertar as pessoas de seus vãos temores e ideias falsas. Dê a elas a verdade e o erro irá bater em retirada. Deixe derramar a luz da eterna Palavra de Deus e todas as nuvens e névoas de falsa doutrina serão afastadas.

Permita-nos, por alguns instantes, examinar um pouco mais o ensino de nosso apóstolo neste texto marcante. Ao fazê-lo veremos com que clareza ele define a diferença entre "a vinda" e "o dia", uma distinção que o leitor faz bem em ponderar.

"Ora, irmãos, rogamo-vos, pela vinda [ou sobre este fundamento] de nosso Senhor Jesus Cristo, e pela nossa reunião com Ele, que não vos movais facilmente do vosso entendimento, nem vos perturbeis, quer por espírito, quer por palavra, quer por epístola, como de nós, como se o dia do Senhor estivesse presente".*

[* Não temos qualquer pretensão de erudição; somos meros respigadores na tão interessante seara da análise do texto onde outros têm colhido grandes resultados. Não queremos ocupar o pensamento de nossos leitores com argumentos em defesa das passagens apresentadas no texto, mas sentimos que não há qualquer utilidade em apresentar aquilo que acreditamos ser errado. Cremos não haver dúvida quanto à forma correta de ler 2 Tessalonicenses 2, que é como apresentamos: "como se o dia do senhor estivesse presente". A palavra enesteken só pode ser traduzida assim. Ela aparece em Romanos 8:38, onde é traduzida como "o presente". O mesmo acontece em 1 Coríntios 3:22, "o presente"; 1 Coríntios 7:26, "presente necessidade"; Gálatas 1:4, "presente século mau"; Hebreus 9:9, "tempo presente". (N. do. T.: No original inglês ou autor faz uso de uma tradução alternativa para o final do versículo: "como se o dia do Senhor estivesse presente").]

Portanto, independente da questão das diversas interpretações, basta um momento de reflexão para mostrar ao cristão sincero que o apóstolo não poderia estar querendo ensinar aos tessalonicenses que o dia do Senhor não estava, mesmo naquela época, já perto. As Escrituras nunca podem se contradizer. Nenhuma sentença da revelação divina pode vir a colidir com outra. Mas se a forma apresentada na excelente Authorized Version for correta, estaria em direta oposição a Romanos 13:12, onde somos expressa e claramente informados de que o "dia é chegado". Que "dia"? O dia do Senhor, com toda certeza, que é sempre o termo utilizado em conexão com nossa responsabilidade individual no andar e no serviço.

Podemos assinalar rapidamente que se trata de um ponto de muito interesse e valor prático. Se o leitor se der ao trabalho de examinar as várias passagens que falam do "dia", descobrirá que, de um modo ou de outro, elas fazem referência à questão da obra, serviço ou responsabilidade. Por exemplo: "O qual vos confirmará também até ao fim, para serdes irrepreensíveis no _dia [_não na vinda] de nosso Senhor Jesus Cristo" (1 Coríntios 1:8). Outra vez: "A obra de cada um se manifestará; na verdade o dia a declarará" (1 Coríntios 3:13). "Para que aproveis as coisas excelentes, para que sejais sinceros, e sem escândalo algum até ao dia de Cristo" (Fp 1:10). "Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia" (2 Timóteo 4:8).

De todas estas passagens, e de muitas outras que poderiam ser citadas, aprendemos que "o dia do Senhor" será uma grande ocasião para o ajuste de contas com os trabalhadores, para a avaliação divina do serviço, o esclarecimento de todas as questões envolvendo a responsabilidade pessoal e para a distribuição de recompensas — as "dez cidades" e as "cinco cidades". Portanto, onde quer que procuremos, e qualquer que seja a forma como abordemos o assunto, seremos cada vez mais confirmados na verdade da clara diferença entre a "vinda" de nosso Senhor, ou o estar na Sua presença, e Sua "aparição" ou "o dia". A primeira é sempre colocada diante do coração como a bendita e brilhante esperança do crente, que pode se realizar a qualquer momento. A outra é mais voltada para a consciência, de um modo solene e profundo, relacionando-se com toda a vida prática daqueles que são colocados neste mundo para trabalhar e testemunhar no lugar de um Senhor que está ausente. As Escrituras nunca confundem estas coisas, não importa o quanto nós mesmos o façamos. Não há uma única sentença, de capa a capa do volume sagrado, que ensine que os crentes não devam estar continuamente esperando pela vinda do Senhor, e zelosos pelo pensamento de que "o dia é chegado". É só o "servo mau" — descrito no discurso de nosso Senhor em Mateus 24 — que diz em seu coração: "O meu senhor tarde virá"; e ali vemos as terríveis consequências que sempre acabam resultando de se acalentar tal pensamento no coração.

Devemos agora retornar por alguns instantes a 2 Tessalonicenses 2, uma passagem das Escrituras que tem causado muita discussão entre os comentaristas e apresentado considerável dificuldade para os estudantes da profecia.

Fica bem evidente que os falsos mestres procuravam perturbar os pensamentos dos tessalonicenses, levando-os a acreditar que estavam, já naquela época, cercados pelos terrores do dia do Senhor. Não era assim e nem poderia ser, ensina o apóstolo. Antes mesmo de aquele dia começar seremos todos reunidos para encontrar o Senhor nos ares. Com base (huper) na vinda do Senhor e nossa reunião com Ele, Paulo pediu que não se perturbassem a respeito do dia. Ele já lhes tinha mostrado o lado celestial da vinda do Senhor. Tinha lhes ensinado que eles, como cristãos, pertenciam ao dia; que seu lar, sua porção e esperança, estavam todas elas naquela mesma região de onde o dia haveria de surgir. Portanto, era totalmente impossível que o dia do Senhor pudesse envolver qualquer terror ou tribulação para aqueles que já eram, verdadeiramente e por graça, filhos do dia.

Além do mais, mesmo quando o assunto era visto do ponto de vista terreno, os falsos mestres estavam todos enganados. "Ninguém de maneira alguma vos engane; porque não será assim [a vinda do dia] sem que antes venha a apostasia, e se manifeste o homem do pecado, o filho da perdição, o qual se opõe, e se levanta contra tudo o que se chama Deus, ou se adora; de sorte que se assentará, como Deus, no templo de Deus, querendo parecer Deus. Não vos lembrais de que estas coisas vos dizia quando ainda estava convosco? E agora vós sabeis o que o detém, para que a seu próprio tempo seja manifestado. Porque já o mistério da injustiça opera; somente há um que agora resiste até que do meio seja tirado; e então será revelado o iníquo, a quem o Senhor desfará pelo assopro da Sua boca, e aniquilará pelo esplendor da Sua vinda [pela aparição de Sua presença]; a esse cuja vinda é segundo a eficácia de Satanás, com todo o poder, e sinais e prodígios de mentira, e com todo o engano da injustiça para os que perecem, porque não receberam o amor da verdade para se salvarem" (2Ts 2:3-10).

Aqui, portanto, nos é ensinado que antes que chegue o dia do Senhor, o iníquo, o homem do pecado, o filho da perdição deverá ser revelado. O mistério da iniquidade deve atingir seu ápice. O homem deverá se colocar em aberta oposição a Deus, e mais, chegará até a aceitar para si o nome e a adoração devidos a Deus. Tudo isso precisa ocorrer neste mundo antes que irrompa em cena o grande e terrível dia do Senhor. Por enquanto há uma barreira, um impedimento à manifestação desse terrível personagem. Aqui não nos é dito que barreira ou impedimento é esse. Deus pode mudar isso de tempos em tempos.* Mas aprendemos, da forma mais clara possível no livro do Apocalipse, que antes que o mistério da iniquidade atinja o seu ápice na pessoa do homem do pecado, a Igreja será removida completamente deste cenário. É impossível ler Apocalipse 4 e Apocalipse 5 com a mente espiritual sem ser capaz de enxergar que a Igreja deverá estar no círculo mais interior da glória celestial antes que qualquer selo seja aberto, antes que qualquer trombeta seja soada e qualquer taça seja derramada. Não acreditamos que alguém consiga entender o livro do Apocalipse sem enxergar isto.

[* Alguns supõem que o impedimento seja do Espírito Santo. Sabemos de outras partes das Escrituras que antes da entrada em cena do iníquo a Igreja estará segura e abençoada em seu lar celestial nas alturas — o lugar preparado para ela. Quão precioso é este pensamento!]

É provável que voltemos a tratar deste ponto tão interessante oportunamente. Agora podemos apenas incentivar o leitor a estudar o assunto por si mesmo. Pondere em Apocalipse 4 e Apocalipse 5 e peça a Deus para interpretar para sua alma o seu precioso conteúdo. Fazendo assim, estamos convencidos de que o leitor aprenderá que os vinte e quatro anciãos coroados representam os santos celestiais, que estarão reunidos, em glória, em torno do Cordeiro, antes que uma única linha da parte profética do livro seja cumprida. Gostaríamos de fazer ao leitor uma pergunta muito simples, uma pergunta que só pode ser corretamente respondida na intimidade da presença de Deus. A pergunta é: O que você busca? Qual é a sua esperança? Você espera por determinados eventos que estão para ocorrer nesta terra, como o restabelecimento do Império Romano, o desenvolvimento dos dez reinos, o retorno dos judeus para sua própria terra na Palestina, a reconstrução de Jerusalém, o surgimento do Anticristo, a grande tribulação e, finalmente, os estarrecedores juízos que serão, com toda certeza, um prenúncio do dia do Senhor?

São estas as coisas que ocupam o horizonte da sua alma? É por elas que você anseia e espera? Se assim for, fique ciente de que você não está sendo governado pela esperança que convém à Igreja. Certamente é verdade que todas estas coisas que mencionamos deverão ocorrer no seu devido tempo, mas nenhuma delas deve ficar entre você e a esperança que lhe convém. Todas elas pertencem à página profética, todas estão registradas na história que Deus escreveu do futuro, mas jamais deveriam lançar uma sombra sequer sobre a brilhante e bendita esperança do cristão. Essa esperança mostra-se em glorioso contraste com o cenário da profecia. E que contraste é este? Sim, voltamos a perguntar, que contraste é este? Trata-se da vinda da refulgente Estrela da manhã — a vinda do Senhor Jesus, o bendito Noivo da Igreja.

É esta, e nenhuma outra, a verdadeira e correta esperança da Igreja de Deus. "E dar-lhe-ei a Estrela da manhã" (Ap 2:28). "Aí vem o Esposo" (Mateus 25). Quando — poderíamos perguntar — a estrela da manhã aparece no mundo natural? Logo antes de raiar o dia. Quem a vê? Aquele que esteve vigiando durante as horas escuras e sombrias da noite. Quão simples, quão prática, quão eficaz essa alusão. A Igreja deve estar vigiando — alegremente desperta — olhando para fora. Oh! A Igreja fracassou nisto. Mas isto não é motivo para que o crente, individualmente, não viva na plenitude do poder real da bendita esperança. "E quem ouve, diga: Vem". Trata-se de algo profundamente pessoal. Oh! Que o escritor e o leitor destas linhas possam colocar habitualmente em prática o poder purificador, santificador e motivador desta esperança celestial! Que possamos entender e exibir o poder prático destas palavras do Apóstolo João: "E qualquer que nEle tem esta esperança purifica-se a si mesmo, como também Ele é puro".