Quinta parte
Temos também PODER. "Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se é que o Espírito de Deus habita em vós" (Rm 8.9). Sim, cada um que está em Cristo é habitado pelo Espírito Santo, e é Ele a fonte de poder para o andar, para a luta, serviço e adoração. Se não fosse por esta bendita provisão, poderíamos ser tentados a exclamar, ‘Está certo que estamos em Cristo Jesus, mas como podemos ser capazes de resistir aos insistentes movimentos da carne que ainda permanece em nós?’ A resposta é encontrada no versículo 13: “Se pelo Espírito mortificardes as obras do corpo, vivereis”. O poder é, assim, concedido na medida de todas as emergências, e nos capacita a desfrutarmos dos privilégios do lugar no qual fomos introduzidos, bem como a recusarmos tudo aquilo que poderia querer privar-nos das bênçãos que nos pertencem.
Não pode ser esquecido, e nem um filho de Deus poderia desejar tal coisa, que este poder não atua independentemente de nossa condição espiritual. O Espírito Santo habita dentro de nós, de modo que o corpo de cada um de nós é um templo Seu. Portanto, se somos descuidados, se não vigiamos, se somos indiferentes, se buscamos nosso prazer neste mundo ao invés de buscarmos a Cristo, se, em suma, de algum modo - seja por palavra, olhar ou ação da carne - entristecemos o Espírito Santo de Deus, com o qual fomos selados para o dia da redenção, não devemos supor, nem por um momento sequer, que Ele será condescendente em nos usar como vasos do Seu poder. Não - isto seria impossível. Tome Sansão como um instrutivo exemplo deste ponto tão importante. Enquanto ele manteve sua separação, seu Nazireado, seus inimigos foram impotentes diante dele. Foram postos, por assim dizer, debaixo de seus pés. Mas a partir do momento em que, seduzido pelas artimanhas de Dalila, ele revelou o segredo de sua força, tornou-se fraco como qualquer outro homem e imediatamente caiu nas mãos de seus implacáveis inimigos.
A ação do Espírito Santo em poder, dentro do crente e por meio dele, só pode ser mantida enquanto este andar em comunhão com Deus. Se houver negligência no juízo próprio e no andar na luz em que somos colocados, assim como Deus está na luz, apesar do Espírito não Se separar de nós, será em vão esperarmos pela demonstração de Seu tremendo poder. Mas, por outro lado, se o nosso olho for simples, e um olho simples nada vê além de Cristo, se for Ele o objeto de nossa vida, então o Espírito Santo, não entristecido, irá nos sustentar em qualquer posição onde formos colocados, livrando-nos vitoriosos de todo conflito pelo qual possamos vir a passar. Se a carne quiser reconquistar seus domínios, o Espírito nos capacitará a rejeitá-la, a tratá-la como um inimigo que já foi condenado pelo juízo de Deus; se o mundo quiser nos atrair com seu canto de sereia, Ele nos recordará do verdadeiro caráter do mundo à luz da cruz de Cristo, e logo seus encantos se desfarão; se Satanás nos assolar, Ele nos capacitará a resistir ao diabo, e o diabo fugirá de nós.
Todavia, tenha sempre em mente que não devemos esperar ter consciência do poder. É neste ponto que há tantos que tropeçam. Querem sentir o poder, e quando não conseguem, concluem que se encontram num estado de espírito inadequado para que o poder se manifeste. Não poderia haver erro maior. Por outro lado, o Senhor, como foi no caso de Paulo, conforme apresentado em 2 Coríntios 12, precisa quebrantar os Seus servos, precisa enviar espinhos na carne, trazer morte sobre eles em toda a forma e condição (veja 2 Coríntios 4), a fim de levá-los a admitir sua completa impotência, para que possam aprender a lição de que o Seu poder se aperfeiçoa na fraqueza. É por isso que quando estamos fracos é que somos fortes, pois é a isso que leva a fraqueza que é assumida. É esta a condição de dependência, e é só quando estamos dependentes que somos fortes, tendo à disposição a força dAquele em Quem descansamos.
Nem devemos (e queremos frisar bem este ponto) estar sempre conscientes do poder mesmo quando nos encontramos dependentes. Assim Paulo escreve aos Coríntios: "E estive convosco em fraqueza, e em temor, e em grande tremor" (1 Co 2.3). Todavia fica evidente em sua epístola, bem como no relato histórico de sua estada em Corinto (Atos 18), que nessa ocasião ele era, de uma maneira muito especial, o canal de extraordinário poder no seu ministério da Palavra. O mesmo se dá com frequência hoje com os servos do Senhor. É comum acontecer que, depois de um tempo de reconhecida fraqueza e incompetência na pregação da Palavra, fiquem sabendo que aquela foi exatamente a ocasião quando o Senhor mais os usou na bênção das almas! O mesmo princípio se aplica a cada área da vida cristã, e exemplos disso podem ser facilmente coletados ao longo de toda a história das Escrituras. Veja o caso de Gideão. “Ai, Senhor Meu”, disse ele, “com que livrarei Israel? Eis que o meu milheiro é o mais pobre em Manassés, e eu o menor na casa de meu pai”. Seria aquilo uma desqualificação para a missão à qual ele estava sendo chamado? Atente para a resposta do Senhor: “Porquanto Eu hei de ser contigo, tu ferirás aos midianitas como se fossem um só homem” (Jz 6.15,16). Gideão, na verdade, nada era, mas o Senhor era tudo, e Ele pode agir onde uma nulidade assim é experimentada. De modo semelhante, se for para o Senhor mostrar o Seu poder em nós, e por meio de nós, deve haver a recusa de toda a forma de dependência em nós mesmos, de tudo aquilo que, mesmo naturalmente, pudesse nos ajudar em nosso trabalho ou em nossa luta, a fim de que nossa dependência possa estar total e unicamente posta no divino poder do Espírito Santo.
Trata-se também de um erro supor que podemos ser, por assim dizer, dotados com poder espiritual. Deus nunca dá aos seus servos uma conta de forças de onde eles possam sacar de vez em quando, até que tudo tenha sido gasto. O poder está sempre nEle próprio, e não nos servos, e, portanto é suprido só de momento em momento, na medida da necessidade, para aqueles que estejam andando com Ele e em dependência dEle. Portanto, alguém que hoje possa ser um homem de poder e valor, talvez amanhã seja fraco e temeroso. Foi assim com Elias. Em 1 Reis 18, quando confrontado com toda uma hoste de adoradores de Baal, aliados a seus sacerdotes, os quais se encontravam ainda numa posição privilegiada por saberem que estavam sob a proteção e o favor real, Elias, sozinho e desarmado, elevou-se acima de si mesmo para desafiá-los para o conflito. E, confiando em Deus na defesa da glória que era devida ao Seu nome, foi revestido de divino poder e, desafiando Satanás em seu próprio reduto, conquistou uma esplêndida vitória. Mas o que encontramos no capítulo seguinte? O mesmo Elias fugindo da ameaça da ímpia Jezabel! Ah, sim, ele havia se esquecido, naquele momento, da fonte de sua força, e, como consequência, o homem valente de ontem está hoje mais fraco que um bebê. A manutenção de uma dependência constante é, portanto, uma condição necessária para que se tenha um constante poder espiritual. Se isto for esquecido, Satanás poderá ser, vez após outra, bem sucedido em levar a melhor sobre os servos do Senhor.
Como toda alma sincera imediatamente reconhecerá, existem, portanto, condições para o exercício do poder que Deus proveu para o Seu povo no Espírito que neles habita. Após haver reconhecido isto, deve-se lembrar sempre que o poder é todo-suficiente em qualquer circunstância, e em qualquer necessidade. E é assim que somente quando chegamos no capítulo 8 (Romanos) é que vamos ler daqueles que andam segundo o Espírito, que são guiados pelo Espírito; os quais, por intermédio do Espírito, mortificam os feitos do corpo, aqueles aos quais o Espírito ajuda em suas fraquezas e nos quais Ele faz intercessão com gemidos inexprimíveis. E em muitas outras passagens é mostrado que Ele nos capacita a vencer, como já foi mostrado, a carne, o mundo e o diabo (veja Gálatas 5.16-25; Efésios 6.17,18; 1 João 2.14-27 etc.); que por intermédio dEle podemos compreender e comunicar a Palavra (1 Coríntios 2); que é no Seu poder que podemos ter acesso a Deus Pai (Efésios 2.18) - que, em suma, seja para o andar, para a luta, para o testemunho (Atos 4), ou para a adoração (Efésios 5.18,19; Filipenses 3.3), nosso único e todo-suficiente poder é o Espírito Santo.
Agora, amado leitor, admitindo isto como doutrina, será que existe qualquer perigo de esquecê-la na prática? Há, entre o povo do Senhor, muitos que compreenderam em certa medida a sua própria fraqueza, mas que não conhecem quase nada da fonte de poder que temos no Espírito Santo; há outros que crêem na provisão, mas que raramente encontram uma maneira de servirem-se dela para seu uso; e há outros que agem, mesmo em suas vidas cristãs, como se tudo dependesse de si próprios. Vamos então encarar esta questão de frente, e perguntar a nós mesmos se estas coisas, que nos foram apresentadas, são verdadeiras, e, se forem verdadeiras, não descansemos enquanto não soubermos como podemos ser, na prática, os canais para a manifestação do poder divino enquanto estamos neste mundo. E se nosso desejo for o de trazer glória ao nome do Senhor desta maneira, iremos logo descobrir que Deus terá prazer em nos usar justamente na proporção em que estivermos andando em dependência dEle, e em obediência à Sua Palavra.