Quarta parte

Isto prepara o caminho para a quarta lição. A carne obteve a vitória e, se podemos falar de modo figurado, tem agora o seu pé no pescoço da combativa e infortunada alma; mas sua vitória termina em derrota, e na emancipação de sua vítima. Até aqui a alma esteve batalhando na sua própria força; mas agora, na tristeza de sua derrota e inevitável escravidão, ela olha, não mais para dentro de si mesma, mas para fora, e clama em sua agonia, "Miserável homem que eu sou! quem me livrará do corpo desta morte?" (Rm 7.24). E assim a libertação é alcançada. No momento em que o olho volta-se para o alto, e não para dentro de si, a vitória está assegurada; pois a resposta chega imediatamente: “Dou graças a Deus” pois sou liberto “por Jesus Cristo nosso Senhor” (Rm 7.25). A libertação, assim como a salvação, é encontrada, não por intermédio do eu e do esforço próprio, mas por intermédio de Cristo. Consequentemente, há de ser observado que, enquanto nos versículos anteriores não tivemos nada além do eu, o mesmo eu agora desaparece, e em seu lugar tudo é Cristo. Bendita libertação! O eu foi rejeitado e deixado de lado; Cristo é aceito para ocupar o seu lugar, e, como ainda devemos ver, descobrimos que temos nEle a resposta para cada uma de nossas necessidades: pois somos de Deus, “em Jesus Cristo, O qual para nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção” (1 Co 1.30).

Mas antes do Espírito de Deus continuar a desvendar a bendita porção da alma libertada, é acrescentada uma palavra: "Assim que eu mesmo com o entendimento sirvo à lei de Deus, mas com a carne à lei do pecado" (Rm 7.25). Isto é acrescentado tanto como uma instrução, quanto como um aviso. Ensina-nos que possuiremos sempre estas duas naturezas, não importa quais sejam as nossas conquistas; e ao dar o caráter de cada uma delas, nos admoesta que elas nunca serão alteradas: que a carne, apesar de estarmos agora livres do seu senhorio, permanecerá sempre a carne, e nunca poderá ser alterada ou melhorada. O inimigo não pode ser desalojado, ou convertido em amigo; mas conhecemos o seu caráter, e a fonte de nossa força, e conservamos a vigilância necessária.

Continuamos agora a expor os maravilhosos resultados, em graça, que podem ser a porção desfrutada pela alma emancipada. Podemos citá-los: DESCANSO, PODER E CONSAGRAÇÃO. Vamos olhar para cada um deles separadamente, e em detalhes.

O DESCANSO não é apenas aquele descanso que se segue após cessar a luta contra o pecado que em nós habita, mas também há o lado positivo do descanso, que vem do conhecimento que agora é desfrutado pela alma - o conhecimento da sua libertação. Por isso as primeiras palavras do capítulo 8 de Romanos são: "Portanto agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus". Não é apenas a afirmação de que o crente está liberto de toda condenação; porém, mais do que isso, trata-se da descoberta de que aqueles que estão em Cristo Jesus estão livres de toda a possibilidade de condenação. É esta a bendita meta que a alma agora alcançou. Examinemos, então, um pouco mais do que está envolvido nisto. Há, portanto, agora, o conhecimento de que o crente foi tirado de sua velha posição e condição, e colocado em um novo lugar diante de Deus em Cristo - em Cristo que está ressurreto de entre os mortos - e passou para uma nova esfera que se encontra além, e do outro lado da morte, na qual nem morte nem condenação podem entrar. Por intermédio da morte com Cristo, como já foi demonstrado, o crente perdeu sua associação com o primeiro homem - com Adão; de modo que agora, considerando-se como morto para o pecado, ele considera-se também como vivo para Deus em Cristo Jesus. Na morte de Cristo Deus julgou, de uma vez para sempre, o pecado na carne - julgou a sua raiz e seus ramos; e a lei do Espírito de vida em Cristo Jesus, como ressurreto da morte, tornou o crente livre da lei do pecado e da morte. O pecado e a morte só têm a ver com aqueles que estão na carne; e já que o crente não se encontra na carne (Romanos 8.9), mas no Espírito, ele tem a sua posição onde prevalece a lei do Espírito de vida em Cristo Jesus. Sim,

O Senhor ressuscitou; E o Mar Vermelho do juízo, Que sobre nós iria cair, Sobre Ele já passou;

O Senhor ressuscitou; Estamos agora além do castigo, E de todos nossos pecados Só uma tumba vazia restou.

Estamos, repetimos, em um novo lugar (porque estamos em Cristo Jesus ressuscitado) - um lugar ao qual a carne, e, portanto a condenação, não tem nenhum acesso. O sangue de Cristo nos limpou de toda a nossa culpa; e sendo assim, na morte de Cristo (pois, pela graça de Deus, estávamos associados com Ele na Sua morte) a carne, o pecado, encontrou o seu juízo e condenação; e nós, agora em Cristo, estamos, portanto completamente libertos e, como tais, livres de toda condenação. Podemos agora descansar - descansar nAquele em Quem permanecemos diante de Deus.

Juntamente com isso, a alma descobre que há ainda uma coisa mais. Qual tem sido a causa de toda a tristeza e insatisfação? O próprio estado e condição da alma - a condição que brota da presença do pecado que há dentro dela. Agora ela aprende que a questão não é o que somos, mas o que Cristo é. Será que Deus está satisfeito com o que Cristo é? Então podemos estar satisfeitos também, pois nós, lembremo-nos bem, estamos nEle, e o que Ele é, e não o que nós somos, é o que caracteriza nosso lugar diante de Deus. Portanto, em Cristo atendemos a todos os requisitos do próprio Deus, de modo que Ele pode descansar em nós com a mesma complacência que descansa em Cristo. Somos assim deveras aceitos no Amado.

Além do mais, já que todos os desejos do coração de Deus estão satisfeitos, nada temos que tenha sido deixado por satisfazer; estamos tão perfeitos, no que diz respeito à nossa posição, quanto o próprio Deus nos poderia fazer, e temos por isso perfeito descanso. Quanto à carne, aprendemos que ela não poderia ser pior do que é, e que também não poderia ser melhor. Quanto à nossa posição em Cristo, fomos ensinados que o próprio Deus está satisfeito conosco, tendo em vista o fato de estarmos diante dEle em toda a perfeição daquilo que Cristo é, como o Homem glorificado. Não é possível desejarmos mais do que isso, e é assim que passamos a desfrutar do perfeito descanso - perfeito descanso em Cristo; pois assim como fomos capacitados, pela graça, a aceitar a Cristo como nosso Substituto sobre a cruz, regozijamo-nos agora em aceitá-Lo diante de Deus em lugar de nós mesmos. os olhos de Deus estão postos nEle, e nossos olhos também estão postos nEle; portanto, em comunhão com o coração de Deus, encontramos nosso verdadeiro e inabalável descanso.

Há outra consequência bendita que se segue. Cessando toda a ocupação com o eu (por havermos trilhado aquele ingrato caminho, para nossa amarga tristeza, e por termos descoberto a inutilidade do eu) nos regozijamos em podermos nos ocupar com Cristo. Já que aquilo que Ele é, é o que determina o que sou diante de Deus, tenho prazer em observar Suas perfeições e Suas glórias morais, e em meditar em cada raio da glória de Deus que brilha de Sua glorificada face (2 Coríntios 4.6). E nesta ocupação tão bendita, vou sendo gradualmente transformado, mesmo estando ainda neste mundo, pelo poder do Espírito, à Sua semelhança (2 Coríntios 3.18). Absorto na admiração dAquele cuja face, diferentemente da de Moisés, encontra-se desvendada, cresço à Sua estatura - cresço diariamente, enquanto aguardo pela Sua volta, quando finalmente serei como Ele, pois como Ele é O verei.

Trata-se, portanto, de Cristo como a medida de minha posição, Cristo como o objeto de meu coração, e Cristo como Aquele a Quem devo ser conformado. De que mais pode a alma precisar? De nada. Encontro-me completamente satisfeito, e tenho perfeito descanso.

Tudo tenho; nada mais peço, Senhor amável, Pois Tua graça é derramada sobre meu ser; A fluir de um coração rico e inesgotável, Oh! saber que, minha, tal graça veio ser.