Quinta Carta

Blackheath, janeiro de 1875

Meu amado irmão,

Por uma questão de clareza, vou resumir as conclusões da minha última carta antes de prosseguir. Vimos que:

​1. As Escrituras contêm apenas uma instância de uma escolha absoluta feita pela igreja. No entanto, o homem escolhido não era um ancião, mas simplesmente um irmão a quem foi delegada, por várias assembleias, a tarefa de acompanhar os apóstolos para ajudar a administrar as contribuições das assembleias (2 Coríntios. 8:18-19).

​2. Há apenas uma instância de seleção de “oficiais da igreja” pela igreja, e o trabalho desses “oficiais” era o de “servir às mesas”. Apesar de terem sido selecionados pela igreja, na verdade eles foram separados para o seu ofício pelos apóstolos (Atos 6).

​3. Não há qualquer instância da seleção de anciãos por parte da Igreja, seja por voto ou não. Em todos os casos eles foram nomeados, ou pelos apóstolos, ou sob sua direção e autoridade (Atos 14:23, Tito 1:05, etc).

​4. Com base nestes fatos concluímos que, a menos que tenhamos apóstolos ou autoridade apostólica, não temos fundamento bíblico para a nomeação de anciãos ou bispos.

Você poderia dizer que em 1 Timóteo. 3 e Tito 1 temos essas orientações apostólicas e a autoridade necessária. Mas, essas “orientações” não foram enviados às igrejas, e sim a indivíduos -- os mesmos indivíduos, Timóteo e Tito, que estavam agindo sob a direção do apóstolo e, portanto, necessitavam das instruções dadas ali. É muito significativo que, no caso de Tito, as qualificações para o bispo (ancião) seguem a orientação dada para “ordenar anciãos em cada cidade.” Assim, a própria inclusão destas instruções mostra que, a menos que fosse uma autorização dada pelo apóstolo a nós, individualmente, para nomear anciãos, a igreja, ao fazê-lo, está tomando sobre si uma função que pertencia exclusivamente ao ministério apostólico. Portanto, devemos concluir que o método de nomeação de ministros nas denominações não é bíblico.

Estou convencido de que há centenas de homens piedosos nas denominações que se sentiriam gratos se vissem esta conclusão. Apesar de terem aceitado as tradições das denominações a respeito deste assunto, acabaram descobrindo que é difícil conciliá-las com a sua crença na sabedoria divina.

Suponhamos, agora, uma “igreja” que estivesse sem um ministro. O que ela faria? Antes de tudo, perguntariam a homens influentes para que indicassem alguém que fosse capaz de agradar a igreja. Também seriam analisados currículos de ministros “itinerantes”. No devido tempo seria feita a seleção de um ou mais candidatos, que seriam convidados a pregar por várias semanas para serem testados. Então a igreja se reuniria para discutir os méritos de cada candidato. Finalmente, reunidos tanto o crente de mais idade quanto o bebê em Cristo, e todos considerados como estando no mesmo nível para julgar, seriam avaliadas as qualificações espirituais dos candidatos. Em seguida seria organizada uma votação. Se a maioria votasse a favor do candidato, ele seria convidado a exercer o pastorado (apesar de ter sido testado apenas como pregador) e o candidato aceitaria ou rejeitaria o convite conforme sua própria vontade.

Eu tinha tudo isso em mente enquanto reexaminava o assunto. Talvez isso tenha me ajudado a chegar a uma conclusão imparcial, e digo “imparcial” porque minha própria posição estava envolvida. Cheguei à conclusão de que o ministro, nomeado do modo como é feito entre os denominacionais, carece totalmente de fundamentação bíblica.

Até então eu havia acreditado que existiria alguma semelhança entre o ofício de um ministro denominacional e o do presbítero ou bispo das Escrituras. Mas logo vi que há pouca ou nenhuma semelhança entre essas duas coisas, pois, nas Escrituras, sempre é feita uma total distinção entre o ofício e o dom. Se por um lado havia a nomeação para o ofício (de bispos ou anciãos) pelos apóstolos, aquele que possuía um dom era o único responsável perante o Senhor para utilizá-lo e nunca era nomeado para exercer seu dom, nem pelos apóstolos, nem pela assembleia. Veja Rom. 12:6-8 e 1 Pedro 4:10-11. Consequentemente, nunca é dito na lista dos dons em Efésios. 4:11-12 que o Senhor tenha dado “anciãos”, apesar de apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres serem todos citados ali. Via de regra, os anciãos eram nomeados, portanto exerciam um ofício, mas os que possuíam dons os tinham recebido para a edificação dos santos, e eram responsáveis por usá-los para este fim, em obediência a Deus, de quem seus dons tinham vindo.

Mas isto não pode ser praticado entre os denominacionais, pois, numa evidente oposição à clara distinção feita pelas Escrituras, nas denominações o uso de um dom está associado à eleição da pessoa para exercer um ofício. Por esta razão um ministro denominacional é chamado de ancião ou bispo. Ele é também chamado de pastor, e ao mesmo tempo espera-se dele que seja um mestre e também um evangelista. Na verdade, ele é visto como a soma total de todos os dons e ofícios, exceto o ofício de diácono. Não é estranho que tenhamos ficado por tanto tempo contentes com um sistema assim?

Descobri outra dificuldade -- a do “ministério de um só homem”. Mesmo que todo o resto fosse deixado de lado, este teria sido um problema insolúvel. Descobri que não existe um único versículo que fale de um ancião ou um bispo da igreja; tampouco o termo é usado no singular em qualquer um destes casos, exceto nas epístolas pastorais nas quais são as qualificações do ofício que estão sendo detalhadas. Em Atos 20:17 diz que Paulo chamou “...os anciãos da igreja”; em Atos 14:23 vemos escolhidos “...anciãos em cada igreja”; em Filipenses 1:1 vemos “...com os bispos”; em Tito 1:5, “...de cidade em cidade estabelecesses presbíteros”; em 1 Pedro 5:1, “aos presbíteros, que estão entre vós” etc.

Portanto, é impossível conseguir justificar a partir das Escrituras este método sem fundamento de se eleger um ancião ou bispo para “presidir a igreja”. Na verdade, nas denominações sequer existe a preocupação de se fundamentar tal prática, pois lembro-me de estar participando de um jantar com ministros congregacionais, quando um deles começou a condenar as práticas dos chamados “irmãos”. Eu o interrompi e perguntei: “Você tem certeza da posição que você próprio ocupa? Mostre-me sua justificativa bíblica para a existência de um ministério de um homem só”. Ele respondeu: “Isso pode ser facilmente demonstrado”. Mas a única passagem que conseguiu encontrar foi Apocalipse 1:20, que diz: “As sete estrelas são os anjos das sete igrejas”. As outras passagens que citou também não podiam ajudar. Este exemplo demonstra, não apenas que tal prática é indefensável, mas também como é fácil sermos levados a assumir posições solenes e responsáveis sem a direção da Palavra de Deus.

A verdade é que se buscamos a glória de Deus, devemos procurar nos separar do mal, tanto do coração quanto da posição, e fazer da Palavra de Deus a luz para nossos pés e lâmpada para nosso caminho, tanto em nosso andar diário como nas práticas e associações da igreja. Estabelecer na casa de Deus qualquer coisa que não tenha a direção e aprovação das Escrituras é, na prática, desobediência ao Senhor como Cabeça da Igreja!

Estou certo de que você irá concordar com estas conclusões das Escrituras, pois me recordo de ocasiões no passado em que ansiávamos por certas mudanças para que eu e você pudéssemos desempenhar nosso trabalho sem estarmos limitados por qualquer autoridade que não fosse a autoridade das Escrituras. Costumávamos dizer que se qualquer coisa viesse a nos separar de nossa congregação, não seríamos capazes, por motivo de consciência, de nos oferecermos para pastorear qualquer uma das “igrejas” denominacionais. A razão era que tínhamos aprendido muito mais do que estávamos dispostos a reconhecer. Por isso estávamos insatisfeitos e desconfortáveis em meio aos métodos e atividades usuais da “igreja”. Já estávamos fora em espírito, e apenas precisávamos entender qual era nossa responsabilidade perante Deus em relação ao que havíamos aprendido dele para estarmos fora também na prática.

Afetuosamente seu, no Senhor, Edward Dennett