3-PARA QUEM FOI INSTITUÍDA A CEIA DO SENHOR

Devemos considerar agora, em terceiro lugar, as pessoas para quem, e para quem somente, a Ceia do Senhor foi instituída. A Ceia do Senhor, portanto, foi instituída para a Igreja de Deus - a família dos redimidos. Todos os membros dessa família deveriam estar presentes; porque ninguém pode estar ausente sem incorrer na culpa de desobediência à ordem clara de Cristo e do Seu apóstolo inspirado; e a conseqüência desta desobediência certamente será declínio espiritual e um fracasso completo no testemunho para Cristo. Contudo, tais conseqüências são somente o resultado da ausência deliberada à mesa do Senhor.

Existem circunstâncias que, em certos casos, podem representar um obstáculo intransponível, embora possa haver o mais ardente desejo de se estar presente à celebração da ordenança, o que, aliás, acontecerá sempre com aquele que é espiritual. Todavia podemos estabelecer, como um imutável princípio da verdade, que ninguém que se ausente voluntariamente da mesa do Senhor poderá fazer progresso na vida espiritual. “TODA a congregação de Israel” era convidada a celebrar a Páscoa (Ex 12). Nenhum membro da congregação podia ausentar-se impunemente. “Quando um homem for limpo, e não estiver de caminho, e deixar de celebrar a Páscoa, tal alma dos seus povos será extirpada: porquanto não ofereceu o oferta do Senhor a seu tempo determinado; tal homem levará o seu pecado”. (Nm 9:13).

Julgo que seria uma contribuição realmente valiosa à causa da verdade, e promover os interesses da Igreja de Deus, se pudéssemos despertar a atenção para este assunto tão importante. Há muita indiferença e leviandade na idéia que muitos cristãos têm acerca da freqüência à mesa do Senhor; e, onde não existe essa indiferença, há a má vontade que se origina em opiniões imperfeitas sobre a justificação. Tanto um como o outro destes empecilhos, embora tão diferentes em seu caráter, derivam de uma e mesma origem, ou seja, do egoísmo. Todo aquele que é indiferente quanto a este assunto deixará, egoisticamente, que circunstâncias insignificantes interfiram com a sua freqüência à Ceia: será impedido por compromissos familiares, amor próprio ou comodidade pessoal, condições do tempo, coisas sem importância, ou, como acontece frequentemente, indisposições físicas imaginárias - coisas, aliás, que passam despercebidas ou não têm importância alguma, quando se trata de se atingir algum objetivo nas coisas deste mundo. Quantas vezes acontecem que homens, que não têm energia espiritual suficiente para fazê-los sair de casa no dia do Senhor, encontram força bastante para levá-los a andar alguns quilômetros para compromissos nas coisas deste mundo na segunda-feira. Como isto é, infelizmente, verdade! Como é triste pensarmos que os interesses materiais exercem uma influência muito mais poderosa no coração do crente do que a glória de Cristo e o bem-estar da Igreja! Pois é este o modo como devemos encarar a questão da Ceia do Senhor. Quais seriam os nossos sentimentos, na glória do reino vindouro, se pudéssemos recordar que, enquanto estávamos no mundo, uma feira ou mercado, ou qualquer outro atrativo mundano, tivesse ocupado o nosso tempo e as nossas energias, enquanto a assembléia do povo do Senhor, em redor da Sua mesa, fora negligenciada?

Amado leitor cristão: Se você tem o hábito de se ausentar da assembléia de cristãos, rogo-lhe que pondere o assunto diante do Senhor, antes de voltar a ausentar-se. Pense em todos os efeitos nocivos da sua ausência. Você está falhando no seu testemunho por Cristo; você está prejudicando as almas dos seus irmãos, e você está impedindo o progresso da sua própria alma em graça e conhecimento. Não pense que suas ações não tenham influência em toda a Igreja de Deus: neste exato momento você está, ou ajudando, ou atrapalhando cada membro desse corpo sobre a Terra. “Se um membro padece, todos os membros padecem com ele” (1 Co 12:26). Este princípio não deixou de ser verdadeiro, apesar de os crentes professos terem se dividido em tantas seitas diferentes. Pelo contrário, trata-se de algo tão divinamente verdadeiro, que não existe um único crente sobre a Terra que não esteja sendo um auxílio ou um empecilho para o corpo de Cristo em sua totalidade; e se há alguma verdade no princípio já apontado (isto é, que a assembléia dos cristãos, e o partir do pão, em qualquer localidade são, ou deveriam ser, a expressão da unidade de todo o corpo), você não pode deixar de reconhecer que, com a ausência nessa assembléia ou sua recusa em unir-se aos demais para dar expressão a esta unidade, você está causando um sério dano a todos os seus irmãos, bem como à sua própria alma. Gostaria de deixar estes comentários entregues ao seu coração e à sua consciência, em nome do Senhor, esperando que Ele os torne convincentes.*

*Nota: Eu só posso sentir-me responsável a estar presente na assembléia quando ela estiver reunida no correto fundamento da Igreja, isto é, o fundamento que foi colocado no Novo Testamento. As pessoas podem se reunir, e se intitularem a Igreja de Deus, em qualquer localidade, mas se não mostrarem as características e princípios da Igreja de Deus, como nos são apresentados na Sagradas Escrituras, não posso considerá-las. Caso se recusem a julgar o mundanismo, a carnalidade, ou falsas doutrinas, ou se lhe falta poder espiritual para fazê-lo, é evidente que não se encontram sobre o correto fundamento da Igreja: são meramente uma comunidade religiosa, a qual, no seu caráter coletivo, não tenho responsabilidade alguma, perante Deus, de reconhecer. Portanto, o filho de Deus necessita de muito poder espiritual e submissão à Palavra de Deus para poder conduzir-se através de todas as sinuosidades da Igreja professa nestes dias particularmente difíceis e maus.

Porém, não só esta indiferença de espírito condenável e perniciosa age como um impedimento para muitos para se apresentarem à mesa do Senhor, mas as opiniões imperfeitas de justificação produzem o mesmo triste resultado. Se a consciência não for perfeitamente purificada, se não houver perfeito descanso no testemunho que Deus dá acerca da obra consumada de Cristo, haverá, ou desinteresse pela Ceia do Senhor, ou falta de inteligência na sua celebração. Só podem anunciar a morte do Senhor os que conhecem, mediante o ensino do Espírito Santo, o valor da morte do Senhor. Se eu considero a ordenança como um meio de ser levado a uma posição de maior proximidade de Deus ou de obter um senso mais claro de minha aceitação, é impossível que eu possa celebrá-la da maneira correta. Devo crer, como me ordena o Evangelho, que TODOS os meus pecados foram tirados para SEMPRE, antes de poder tomar o meu lugar à mesa do Senhor, com alguma medida de inteligência espiritual. Se o assunto não for encarado à luz deste conhecimento, a Ceia do Senhor só poderá ser considerada como se fosse mais um passo na subida para o altar de Deus, e a Lei diz-nos que não podemos subir por degraus para o altar de Deus, ou será descoberta a nossa nudez (Ex 20:26). O significado disto é que todos os esforços humanos para se aproximar de Deus devem levar à descoberta da nudez humana.

Vemos assim que se for a indiferença que impede o cristão de estar no partir do pão, é algo por demais condenável aos olhos de Deus, e prejudicial tanto para os seus irmãos como para si próprio; e se o impedimento for um conhecimento imperfeito da justificação, não somente é inaceitável, como desonroso para o amor do Pai, para a obra do Filho e para o testemunho claro e inequívoco do Espírito Santo.

Mas não é com pouca frequência que se ouve dizer, e isso até mesmo por aqueles que professam ter espiritualidade e inteligência, frases como: “Não tenho nenhum proveito espiritual em ir às reuniões da assembléia: sinto-me mais feliz ficando em casa lendo a Bíblia”. Gostaria de perguntar, carinhosamente, a essas pessoas: Acaso não devemos ter um motivo mais nobre em nossa maneira de agir do que a nossa própria felicidade? Não será a obediência à ordem de nosso bendito Senhor - uma ordem dada “na noite em que foi traído” - um motivo muito mais nobre que qualquer coisa que esteja ligada ao “eu”?

Se Ele deseja que o Seu povo se reúna em Seu nome, com o fim expresso de anunciar a Sua morte até que venha, devemos nós recusar fazê-lo por nos sentirmos mais felizes em nossas casas?

O Senhor nos diz para estarmos à mesa; nós respondemos: “Sentimo-nos mais felizes em casa”. Nossa felicidade, portanto, deve estar baseada na desobediência; e neste caso, é uma felicidade impura. É muito melhor, se tiver de ser assim, que sejamos infelizes no caminho da obediência, do que sermos felizes no caminho da desobediência. Todavia, creio firmemente que a idéia de ser mais feliz em casa é mera ilusão, e o fim de todos que são iludidos por ela confirmará este parecer. Tomé podia ter pensado que não fazia diferença se estivesse ou não presente com os outros discípulos, mas teve que passar sem a presença do Senhor e esperar oito dias até que os discípulos se reunissem no primeiro dia da semana; e foi só então, e naquele local, que aprouve ao Senhor revelar-Se à sua alma: E o mesmo acontecerá com aqueles que dizem: “Sentimo-nos mais felizes em casa do que na assembléia de crentes. Ficarão indubitavelmente para trás em conhecimento e experiência; e poderão dar-se por felizes se não forem incluídos no terrível “Ai” pronunciado pelo profeta, “Ai do pastor inútil que abandona o rebanho; a espada cairá sobre o seu braço e sobre o seu olho direito; o seu braço completamente se secará, e o seu olho direito completamente se escurecerá” (Zc 11:17). E também, “Não deixando a nossa congregação, como é costume de alguns, antes admoestando-nos uns aos outros; e tanto mais, quando vedes que se vai aproximando aquele dia. Porque, se pecarmos voluntariamente, depois de termos recebido o conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados, mas uma certa expectação horrível de juízo, e ardor de fogo, que há de devorar os adversários” (Hb 10:25-27).

Quanto à objeção que se faz com fundamento na aridez e falta de proveito encontradas nas assembléias dos cristãos, geralmente será notado que a maior aridez espiritual será sempre encontrada num espírito contencioso e insatisfeito; e não duvido que se aqueles que se queixam da falta de proveito das reuniões e tiram daí um argumento para ficarem em suas casas, gastassem mais tempo a sós na secreta dependência do Senhor, buscando Sua bênção para as reuniões, teriam uma experiência muito diferente.

Agora, havendo demonstrado a partir das Escrituras quem deve estar no partir do pão, vamos continuar para considerar quem não deve estar. Neste ponto, as Escrituras são igualmente claras: em suma, ninguém que não pertença à verdadeira Igreja de Deus deveria estar ali. A mesma lei que ordenava que toda a congregação de Israel comesse a páscoa, mandava que todos estrangeiros incircuncisos não a comessem; e agora que Cristo, a nossa Páscoa, foi sacrificado por nós, ninguém pode celebrar a festa (que deve continuar durante toda esta dispensação), nem partir o pão ou beber o vinho em verdadeira recordação do Senhor, senão os que conhecem as virtudes purificadoras e saneadoras do Seu precioso sangue. Comer e beber sem este conhecimento, é comer e beber indignamente - é comer e beber para condenação; como a mulher em Números 5, que bebeu da água amarga para tornar a condenação mais real e terrivelmente solene.

Ora, é nisto que a culpa da Cristandade é particularmente manifestada. Ao tomar a Ceia do Senhor, a Igreja professa tem, à semelhança de Judas, metido a mão na mesa com Cristo e O tem traído; tem comido com Ele, e, ao mesmo tempo, levantado o seu calcanhar contra Ele. Qual será o seu final? Será igual ao de Judas. “E, tendo Judas tomado o bocado, saiu logo. E...” - o Espírito Santo acrescenta, com terrível solenidade - “...ERA JÁ NOITE” (Jo 13:30). Que terrível noite! A mais forte expressão do amor divino tão somente desencadeou a mais forte expressão do ódio humano. Assim acontecerá também com a falsa Igreja professa coletivamente, e cada falso crente individualmente; e todos aqueles que, embora batizados em nome de Cristo, e assentando-se à mesa de Cristo, têm, todavia, sido Seus traidores, irão encontrar-se, por fim, lançados nas trevas exteriores - mergulhados numa noite que nunca verá os alvores da manhã - atirados em um abismo de uma interminável e inexprimível lamentação; e embora possam dizer ao Senhor: “Temos comido e bebido na Tua presença, e Tu tens ensinado nas nossas ruas” (Lc 13:26), a Sua solene resposta, de partir o coração, será, enquanto lhes fechar a porta, “Digo-vos que não sei donde vós sois; apartai-vos de Mim” (Lc 13:27). Oh, leitor, pense nisto, eu suplico a você; e se você ainda se encontra em seus pecados, não contamine a mesa do Senhor com a sua presença; mas, em vez de ir mais longe como um hipócrita, encaminhe-se ao Calvário, como um pobre pecador arruinado e culpado, e receba perdão e purificação dAquele que morreu para salvar pecadores como você.