1-A NATUREZA DA ORDENAÇÃO DA CEIA DO SENHOR
Este é um ponto de grande importância. Se não compreendermos a natureza desta ordenança, vamos nos perder em nossos pensamentos acerca dela. A Ceia é, portanto, pura e simplesmente uma festa de ação de graças - de agradecimento por graça já recebida. O próprio Senhor, quando da sua instituição, assinala o seu caráter dando graças: “E, tomando o pão, e havendo dado graças...” (Lc 22:19). Louvor, e não oração, é a expressão adequada àqueles que se sentam à mesa do Senhor. É verdade que tenhamos muito pelo que orar, muito a confessar, muito que lamentar, mas a mesa não é lugar para lamentações: a linguagem que emana dela é: “Dai bebida forte aos que perecem, e o vinho aos amargosos do espírito; para que bebam, e se esqueçam da sua pobreza, e do seu trabalho não se lembrem mais”. (Pv 31:6,7).
Nosso cálice é um “cálice de bênção”, um cálice de ação de graças, o símbolo divinamente designado para aquele sangue precioso que obteve nosso resgate. “O pão que partimos não é porventura a comunhão do corpo de Cristo?” (1Co 10:16). Como, então, poderíamos parti-lo com corações tristes ou semblantes carregados? Poderiam os membros de uma família, depois das fadigas do dia, se assentar à mesa da ceia com corações tristes e semblantes descaídos? É claro que não. A ceia era a refeição mais importante da família, a única que reunia toda a família. Os rostos que talvez não fossem vistos durante o dia, certamente estariam presentes à mesa da ceia, e não há dúvida de que se sentiriam felizes por estarem ali. O mesmo deveria acontecer na Ceia do Senhor: a família deveria estar reunida ali, e quando reunidos, deveriam estar alegres, verdadeiramente felizes, no amor que os reúne. É verdade que cada coração pode ter a sua própria história peculiar - suas tristezas íntimas, provas, fracassos e tentações, coisas essas desconhecidas de todos os demais; mas não são elas o objeto a ser contemplado na ceia: expô-las seria desonrar o Senhor da festa, e fazer do cálice de bênção um cálice de dor.
O Senhor nos convidou para a festa, e ordenou que, apesar de todas as nossas deficiências, puséssemos a plenitude do Seu amor e a eficácia do Seu sangue entre as nossas almas e tudo mais; e quando o olhar da fé está ocupado com Cristo, não há lugar para nada mais. Se o meu pecado for o objeto em vista e o que prende os meus pensamentos, é natural que eu deva sentir-me miserável, pois estou olhando na direção exatamente oposta daquilo que Deus ordena que eu contemple; estou recordando a minha miséria e pobreza, que é exatamente o que Deus me manda esquecer. Deste modo é perdido o verdadeiro caráter da ordenança que, ao invés de ser uma festa de gozo e alegria, torna-se uma ocasião de melancolia e de depressão espiritual; e a preparação para ela, e os pensamentos a seu respeito, acabam ficando mais para aquilo que se podia esperar em relação ao Monte Sinai (Ex 19), do que a alegre festa de família.
Se alguma vez pudesse prevalecer um sentimento de tristeza na celebração dessa ordenança, seria, sem dúvida, quando da sua primeira instituição, quando, conforme veremos ao tratarmos do segundo ponto de nosso assunto, havia tudo aquilo que podia possivelmente produzir profunda tristeza e desolação de espírito. Todavia, mesmo assim, o Senhor Jesus pôde dar graças; o gozo que inundava a Sua alma era profundo demais para ser perturbado pelas circunstâncias ao Seu redor. Ele sentiu gozo até mesmo nas pisaduras e nos ferimentos de Seu corpo e no derramamento do Seu sangue, gozo esse que está muito além do alcance da compreensão e do sentimento humano. E se Ele pôde alegrar-se em espírito e dar graças ao partir aquele pão que deveria ser, para todas as gerações futuras dos fiéis, o memorial do Seu corpo oferecido, não deveríamos nós regozijarmos com isso, nós que estamos firmados nos benditos resultados de toda a Sua obra e paixão? Sim, isso nos faz regozijar.
Mas alguém poderá perguntar: Não deve existir uma preparação adequada? Devemos nos sentar à mesa do Senhor com tanta indiferença como se nos sentássemos à mesa de uma ceia qualquer? É claro que não - precisamos ser genuínos em nossos motivos, e o primeiro passo para se conseguir isso é ter paz com Deus - aquela doce certeza de nossa salvação eterna que certamente não é o resultado de suspiros ou lágrimas de penitência vindos do homem, mas a conseqüência simples da obra consumada do Cordeiro de Deus, confirmada pelo Espírito de Deus. Conhecendo isto mediante a fé, sabemos o que é que nos torna perfeitamente aptos para Deus.
Há muitos que pensam estar acrescentando honra à mesa do Senhor quando se aproximam dela com as suas almas curvadas até o pó, sob um sentimento do peso insuportável dos seus pecados. Tal pensamento só pode provir do legalismo do coração humano, essa fonte sempre fértil de pensamentos que são, ao mesmo tempo, desonrosos para Deus, desonrosos para a cruz de Cristo, injuriosos para o Espírito Santo e completamente perturbadores da nossa paz. Podemos nos sentir satisfeitos pela honra e a pureza da mesa do Senhor serem mais plenamente mantidas quando O SANGUE DE CRISTO é tido como o ÚNICO direito de aproximação, do que quando se acrescentam a ele a dor e a penitência humana.*
*Nota: É necessário que tenhamos em mente que, apesar de ser somente o sangue de Cristo o que introduz o crente, em santa ousadia, na presença de Deus, ainda assim, em nenhum lugar, ele é apresentado como sendo nosso centro ou vínculo de união. É deveras precioso para cada alma lavada pelo sangue recordar, no secreto da presença divina, que o sangue expiador de Jesus removeu para sempre seu pesado fardo de pecado. Contudo, o Espírito Santo só pode nos reunir à Pessoa de um Cristo ressuscitado e glorificado, o Qual, havendo derramado o sangue do concerto eterno, subiu ao céu no poder de uma vida que não se acaba, à qual a justiça divina se liga inseparavelmente. Um Cristo vivo é, portanto, o nosso centro e elo de união. Havendo o sangue satisfeito a Deus a nosso respeito, reunimo-nos em torno de nossa Cabeça ressuscitada e exaltada no céu. “Eu, quando for levantado da Terra, todos atrairei a Mim” (Jo 12:32).
Vemos, no cálice da Ceia do Senhor, o símbolo do sangue derramado; mas não nos reunimos em torno do cálice, nem do sangue, mas em torno dAquele que o verteu. O sangue do Cordeiro removeu todos os obstáculos à nossa comunhão com Deus; e, como prova disso, o Espírito Santo veio batizar os crentes em um só corpo, e reuni-los em torno da Cabeça ressuscitada e glorificada. O vinho é o memorial de uma vida derramada pelo pecado; o pão, o memorial de um corpo oferecido pelo pecado, mas não estamos reunidos em torno de uma vida que foi entregue, nem de um corpo oferecido, mas em torno de um Cristo vivo, que não morre mais, e cujo corpo não pode ser oferecido outra vez, nem o Seu sangue ser derramado de novo.
Há nisto uma grande diferença; e quando encarada em conexão com a disciplina da casa de Deus, a diferença torna-se imensamente importante. Há muitos que estão prontos a julgar que, quando alguém é posto fora ou recusado à comunhão, esteja sendo questionado se existe uma ligação entre a sua alma e Cristo. Uma breve consideração deste ponto, à luz das Escrituras, bastará para provar que tal dúvida não é levantada. Se considerarmos o caso do “iníquo” de 1 Coríntios 5, veremos nele um que foi posto fora da comunhão da Igreja na Terra, mas que, todavia, era, como se costuma dizer, um cristão. Portanto, ele não foi afastado por não ser cristão: tal dúvida nunca foi levantada, nem deveria ser, não importa em que circunstância for.
Como podemos nós dizer se alguém está eternamente ligado a Cristo ou não? Porventura temos nós a guarda do livro da vida do Cordeiro? Estaria a disciplina da Igreja de Deus fundamentada sobre o que nós podemos ou não saber? Estaria o homem de 1 Co 5 eternamente ligado a Cristo ou não? Acaso a Igreja foi incumbida de investigar isso? Vamos até supor que pudéssemos ver o nome de alguém inscrito no livro da vida, ainda assim isto não seria a base para o recebermos na assembléia na Terra, ou para o conservarmos nela. A responsabilidade que cabe à Igreja é a de se conservar pura na doutrina, pura na prática e nas suas associações, e tudo isso com base no fato de ser a Casa de Deus. “Mui fiéis são os Teus testemunhos: a santidade convém à Tua casa, Senhor, para sempre” (Sl 93:5). Será que quando alguém era separado ou “cortado” da congregação de Israel, era por não ser ele israelita? De modo algum; mas por causa de alguma contaminação moral ou cerimonial que não poderia ser permitida na Assembléia de Deus. No caso de Acã (Js 7), não obstante haver seiscentas mil almas que desconheciam o seu pecado, Deus disse, “Israel pecou”. Por quê? Porque eram considerados como a Assembléia de Deus, e nela havia impureza que, se não fosse julgada, acabaria com tudo.
Contudo, a questão da preparação será melhor entendida à medida em que formos desenvolvendo o assunto. Quero, no entanto, frisar outro princípio ligado com a natureza da Ceia do Senhor, a saber, que existe o reconhecimento inteligente da unidade do corpo de Cristo em ligação com ela. “O pão que partimos não é porventura a comunhão do corpo de Cristo? Porque nós, sendo muitos, somos um só corpo: porque todos participamos do mesmo pão” (1Co 10:16,17). Ora, havia faltas lamentáveis e triste confusão a este respeito em Corinto: com efeito, o grande princípio da unidade parecia ter sido completamente perdido de vista em Corinto. Por isso o apóstolo observa que “quando vos ajuntais num lugar, não é para comer a ceia do Senhor. Porque, comendo, cada um toma antecipadamente a sua própria ceia” (1Co 11:20,21). Havia isolamento, e não unidade; era uma questão individual e não corpórea: a expressão “a sua própria ceia” é posta em claro contraste com “a ceia do Senhor”.
A Ceia do Senhor requer que o corpo seja totalmente reconhecido: se o corpo não for reconhecido, não passa de sectarismo, e o próprio Senhor já não tem o Seu lugar. Se a mesa for posta sobre qualquer princípio mais limitado do que aquele que abrange todo o corpo de Cristo, torna-se uma mesa sectária e perde seu direito sobre os corações dos fiéis. Por outro lado, onde quer que a mesa seja posta sobre este princípio divino, que abrange todos os membros do corpo simplesmente como tais, todo aquele que se recusar a comparecer, é culpado de cisma, e isto também segundo os claros princípios de 1 Coríntios 11. “E até importa que haja entre vós heresias, para que os que são aprovados se manifestem entre vós” (1 Co 11:19). Quando o grande princípio da Igreja é deixado de lado por qualquer segmento do corpo, é forçoso que haja heresias, para que os que são aprovados possam se manifestar. E em circunstâncias assim, torna-se o dever de cada um examinar-se a si próprio, e assim comer a Ceia. Os “aprovados” permanecem em contraste com os hereges, ou aqueles que faziam a sua própria vontade*.
*Nota: Aqueles que entendem o grego poderão observar que no original deste capítulo tão importante, a palavra traduzida por “aprovados” (vers.19) provém da mesma raiz daquela que é traduzida como “examine-se” (vers.28). Vemos assim que o homem que se examina a si mesmo, toma o seu lugar entre os que são aprovados, e é exatamente o contrário daqueles que estavam entre os hereges. Ora, o significado da palavra herege não é meramente aquele que professa falsas doutrinas, se bem que alguém possa ser herege por fazê-lo, mas trata-se de uma pessoa que persiste em fazer a sua própria vontade. O apóstolo sabia que importava haver heresias em Corinto, vendo que havia ali seitas: aqueles que estavam fazendo sua própria vontade agiam em oposição à vontade de Deus, e assim causavam divisão, pois a vontade de Deus tinha a ver com todo o corpo. Aqueles que estavam agindo hereticamente estavam desprezando a Igreja de Deus.
Mas alguém poderia perguntar: Acaso as numerosas denominações existentes atualmente na Igreja professa não acabam com a idéia de se conseguir unir todo o corpo? E em circunstâncias assim, não é melhor que cada denominação tenha a sua própria mesa? Se existe algo que uma pergunta como esta possa insinuar é que o povo de Deus já não pode atuar segundo os princípios estabelecidos por Deus, mas que lhes resta a miserável alternativa de proceder de acordo com a conveniência humana.
Porém, graças a Deus, não é este o caso. A verdade de Deus permanece para sempre, e o que o Espírito Santo ensina em 1 Coríntios 11 continua a ser uma obrigação para cada membro da Igreja de Deus. Havia divisões, heresias e iniqüidade na assembléia de Corinto, do mesmo modo como há divisões, heresias e iniqüidade hoje na Igreja professa; mas o apóstolo não lhes disse que estabelecessem mesas separadas como uma alternativa, nem mandou que deixassem de partir o pão como outra. Não, ele insiste com eles nos princípios e na santidade que estão associados com a “Igreja de Deus”, e recomenda aos que podem examinar-se a si mesmos - os “aprovados” do versículo 19 - que comam. A expressão é, “assim coma”. Portanto devemos comer: nosso cuidado deve estar no “assim”, conforme o Espírito de Deus nos ensina; e isto em verdadeiro reconhecimento da santidade e unidade da Igreja de Deus.*
*Nota: Talvez seja conveniente acrescentarmos aqui uma palavra para orientação de algum cristão sincero que possa encontrar-se em circunstâncias que obriguem a decidir-se entre as pretensões e legitimidade que possam partir de mesas diferentes, as quais aparentemente tenham sido postas sobre o mesmo princípio. Encorajar alguém a tomar uma decisão correta é, no meu modo de ver, um serviço valioso. Suponhamos, portanto, que eu me encontrasse numa localidade onde duas ou mais mesas tivessem sido postas: o que deveria fazer? Creio que deveria indagar a origem dessas diferentes mesas, a fim de descobrir como se tornou necessário ter mais do que uma mesa. Se, por exemplo, um grupo de crentes, que se reúne num mesmo local, consente e retém entre eles quaisquer princípios errôneos acerca da Pessoa do Filho de Deus, ou que comprometam a unidade da Igreja de Deus na Terra; se, digo, tais princípios são permitidos e mantidos na assembléia, ou se as pessoas que os professam e ensinam são recebidas e reconhecidas pela assembléia; em tais deploráveis e humilhantes circunstâncias, aquele que é fiel não deve mais permanecer naquele lugar. Por quê? Porque não posso tomar o meu lugar a essa mesa sem me identificar com princípios claramente anticristãos. A mesma observação aplica-se, evidentemente, se for um caso de má conduta que não tenha sido julgado pela assembléia.
Agora, se acontece de um grupo de cristãos se encontrar nas circunstâncias acima descritas, a eles caberia a responsabilidade de manter A PUREZA DA VERDADE DE DEUS, reconhecendo ao mesmo tempo a unidade do corpo. Não somente temos de manter a graça da mesa do Senhor, como também a santidade dela. A verdade não pode ser sacrificada para manter a unidade, nem a verdadeira unidade será jamais prejudicada pela estrita observância da verdade.
Não se deve imaginar que a unidade do corpo de Cristo seja prejudicada quando alguém se separa de uma comunidade fundamentada em princípios errôneos, ou que acolha más doutrinas ou práticas errôneas. A Igreja de Roma acusou os Reformadores de causarem divisão por terem eles se separado dela; mas sabemos que a Igreja de Roma era culpada, e ainda é, de cisma porque impunha falsas doutrinas sobre seus membros. Deve ficar bem claro que se a verdade de Deus é colocada em dúvida por qualquer comunidade, e que, para tornar-me membro dessa comunidade, devo identificar-me com alguma doutrina errônea ou mau proceder, então não pode ser divisão, o fato de eu me separar de uma tal comunidade: pelo contrário, tenho o dever de me separar.
Quando a Igreja é desprezada, o Espírito é entristecido e desonrado, o fim será, inevitavelmente, esterilidade espiritual e frio formalismo: e embora os homens possam substituir o poder espiritual pelo intelectual, e os dons do Espírito Santo por habilidade e talento humanos, o fim será “como a tamargueira no deserto” (Jr 17:6). O verdadeiro modo de se progredir na vida divina é viver para a Igreja e não para nós mesmos. O homem que vive para a Igreja, encontra-se em completa harmonia com a vontade do Espírito, e irá, necessariamente, crescer. Ao contrário, o homem que vive para si próprio, tendo os seus pensamentos girando em torno de si, e a sua energia concentrada na sua pessoa, acaba logo tornando-se restringente e formal, e com toda a probabilidade, abertamente mundano. Sim, ele acabará tornando-se mundano, em algum aspecto deste termo tão abrangente; porque o mundo e a Igreja encontram-se em direta oposição entre si; e não existe nenhum outro aspecto em que esta oposição seja vista com maior clareza do que no seu aspecto religioso. Aquilo que é normalmente chamado de mundo religioso revela-se, quando examinado à luz da presença de Deus, muito mais hostil aos verdadeiros interesses da Igreja de Deus do que qualquer outra coisa.
Mas devo passar logo a outras ramificações de nosso assunto, trazendo mais um princípio bem simples ligado à Ceia do Senhor, para o qual quero chamar a especial atenção do leitor cristão. O princípio é este: a celebração da ordenança da Ceia do Senhor deveria ser a clara expressão da unidade de TODOS os crentes, e não apenas da unidade de um determinado número reunido sobre certos princípios que os diferenciem de outros. Se há algum termo de comunhão proposto, salvo o de suma importância que diz respeito à fé no sacrifício de Cristo e a uma conduta condizente com essa fé, a mesa torna-se a mesa de uma seita e não tem direito algum sobre os corações dos fiéis.
Além do mais, se assentando-me à uma mesa assim, devo identificar-me com qualquer coisa, quer seja um princípio ou uma prática, que não seja ordenada nas Escrituras como um termo de comunhão, também, nesse caso, a mesa torna-se a mesa de uma seita. Não é uma questão de ali existirem ou não cristãos; na verdade seria difícil encontrar uma mesa entre as comunidades originadas da Reforma da qual não participassem alguns cristãos. O apóstolo não disse que “até importa que haja entre vós heresias, para que os que são cristãos se manifestem entre vós. Não, mas “para que os que são aprovados, se manifestem (1Co 11:19).
Tampouco disse, “Examine-se pois o homem a si mesmo para ver se é cristão, e assim coma”. Não, mas “examine-se pois o homem a si mesmo” (1 Co 11:28). Quer dizer, certifique-se que é um dos que não somente são retos em suas consciências quanto à sua participação individual, mas que estejam também confessando a unidade do corpo de Cristo. Quando os homens estabelecem seus próprios termos para a comunhão, aí você encontrará o princípio da heresia; e aí será também uma divisão. Por outro lado, onde a mesa é posta da maneira e segundo princípios que um cristão submisso a Deus pode, como tal, tomar o seu lugar, torna-se, então, cisma não comparecer; porque com a nossa presença e andando de acordo com a posição que ali tomamos e a profissão que fazemos, tanto quanto está em nós, confessamos a unidade da Igreja de Deus - esse grande objetivo para o qual o Espírito Santo foi enviado do céu à Terra. Havendo o Senhor Jesus ressuscitado de entre os mortos e tomado o Seu lugar à destra de Deus, enviou o Espírito Santo ao mundo com o propósito de formar um corpo. Note bem: formar um corpo - não muitos corpos. Ele não tem nenhuma condolência por muitos corpos, embora tenha uma bendita compaixão pelos muitos membros que há nesses corpos, pois eles, embora sendo membros de seitas ou divisões, são, todavia, membros de um só corpo; porém Ele não forma os muitos corpos, mas somente o único corpo, “pois todos nós fomos batizados em um Espírito formando um corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres, e todos temos bebido de um Espírito” (1 Co 12:13).
Espero que não haja um mal-entendido quanto a este ponto. Digo que o Espírito Santo não pode aprovar as divisões na Igreja professa, porque Ele Mesmo disse acerca delas, “nisto, porém... não vos louvo” (1Co 11:17). Ele é entristecido por elas - e gostaria de impedi-las; Ele batiza os crentes na unidade de um só corpo, de maneira que não pode ser admitido, por qualquer pessoa inteligente, que o Espírito Santo possa apoiar as divisões, que são uma tristeza e uma desonra para Si.
Todavia, devemos fazer distinção entre a habitação do Espírito na Igreja e Sua abitação nos indivíduos. Ele habita no corpo de Cristo, que é a Igreja (veja 1 Coríntios 3:17; Ef 2:22), e também no corpo do crente, conforme lemos: “O nosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus” (1Co 6:19). Portanto, o único corpo ou comunidade no qual o Espírito Santo pode habitar é em toda a Igreja de Deus; e a única pessoa na qual Ele pode habitar é o crente. Mas, como já foi observado, a mesa do Senhor, em qualquer localidade, deveria ser a expressão da unidade de toda a Igreja. Isto nos leva a outro princípio que está associado à natureza da Ceia do Senhor.
A Ceia do Senhor é um ato mediante o qual não só anunciamos a morte do Senhor até que venha, mas onde também damos expressão a uma verdade fundamental, na qual nunca será demais ou inoportuno insistir para com a consciência dos cristãos em nossa época, isto é, que todos os crentes são “um só pão e um só corpo”. Trata-se de um erro muito comum enxergarmos esta ordenança simplesmente como um meio pelo qual é transmitida graça à alma do indivíduo, e não como um ato relacionado com todo o corpo; e relacionado também com a glória dAquele que é a Cabeça da Igreja. Que é um meio pelo qual a graça flui para a alma do que comunga individualmente, não pode haver dúvida, porque há bênção em cada ato de obediência. Mas que a bênção individual seja apenas uma pequena parte, pode ser visto pelo leitor atento de 1 Coríntios 11. É a morte do Senhor e a vinda do Senhor que são apresentadas com proeminência perante as nossas almas na Ceia do Senhor, e onde quer que um destes elementos seja excluído deve haver algo de errado. Se existir qualquer coisa que impeça a plena expressão da morte do Senhor, ou a exposição da unidade do corpo, ou a compreensão clara da vinda do Senhor, então deve haver alguma coisa que está radicalmente errada no princípio sobre o qual a mesa está posta, e precisamos apenas de um “olho simples” (Lc 11:34), e uma vontade inteiramente submissa à Palavra e ao Espírito de Cristo para poder detectar o mal.
Possa o leitor cristão examinar, agora mesmo, em um espírito de oração, a mesa à qual habitualmente toma o seu lugar, para ver se ela passa pelo tríplice teste de 1 Coríntios 11. Se não passar, você deve abandoná-la, em nome do Senhor e para o bem da Igreja. Há, na Igreja professa, heresias, e há divisões que provém das heresias, mas “examine-se pois o homem a si mesmo, e assim coma” a Ceia do Senhor; e se, de uma vez por todas, alguém perguntar qual é o significado do termo “examine-se”, pode responder que é, em primeiro lugar, ser pessoalmente fiel ao Senhor no ato de partir o pão; e, em segundo lugar, estar desvencilhado de toda e qualquer divisão, assumindo uma posição firme e decidida sobre o amplo princípio que abrange todos os membros do rebanho de Cristo. Não só devemos ter o cuidado de andar em pureza de coração e vida perante o Senhor, mas também de verificar que a mesa da qual participamos nada tenha a ela associada, que possa de algum modo agir como um impedimento à unidade da Igreja. Não se trata de uma questão meramente pessoal.
Não há nada que prove de maneira mais completa a decadência da cristandade nestes dias ou o terrível grau em que o Espírito Santo é entristecido, do que o miserável egoísmo que mancha, sim, que polui os pensamentos dos cristãos professos. Tudo é feito para girar em torno da mera questão do ego. É o meu perdão - a minha segurança - a minha paz - o meu jeito de ser e os meus sentimentos, e não a glória de Cristo ou o bem da Sua amada Igreja. Daí a necessidade de aplicarmos ao nosso estado as palavras do profeta Ageu: “Assim diz o Senhor dos Exércitos: Aplicai os vossos corações aos vossos caminhos. Subi ao monte, e trazei madeira, e EDIFICAI A CASA, e dela me agradarei; e EU SEREI GLORIFICADO. Olhastes para muito, mas eis que alcançastes pouco; e esse pouco, quando o trouxestes para casa, eu lhe assoprei. Por que causa? disse o Senhor dos Exércitos: por causa da minha casa, que está deserta, e cada um de vós corre à sua própria casa” (Ag 1:7-9). Eis aqui a raiz da questão. O “eu” permanece em contraste com a casa de Deus; e se o “eu” for colocado como nosso objeto, não é de admirar que haja uma triste falta de gozo, energia e poder espiritual. Para possuirmos estas coisas temos de estar em comunhão com os pensamentos do Espírito. Ele pensa no corpo de Cristo; e se nós estivermos pensando em nós mesmos, devemos necessariamente estar em desacordo com Ele; e as conseqüências se evidenciam.