Atos 7-10
Atos dos Apóstolos é um livro de transição que apresenta a movimentação nos desígnios de Deus passando da velha para a nova dispensação. Essa transição é particularmente notada no capítulo 2 com a vinda do Espírito Santo, enquanto Deus ainda não havia colocado Israel formalmente de lado. Deus esperou pacientemente que a nação se arrependesse. Todavia, à medida que o livro vai se desenrolando fica evidente que os judeus não receberiam o testemunho do Espírito por intermédio dos apóstolos. Isso fez com que fosse inevitável a rejeição temporária de Israel.
Para ilustrar essa transição nos primeiros capítulos de Atos o Espírito de Deus usa de vários momentos em um dia de 24 horas, a fim de indicar figuradamente o fato de que o castiçal do Judaísmo estava se apagando e a luz do Cristianismo ganhava força. Enquanto os apóstolos pregavam para a nação, é mencionada uma sucessão de cenas em que a luz vai diminuindo, dando a entender que o tempo estava se acabando para a nação. No capítulo 2:15 é mencionada “a terceira hora do dia”. Ela equivale às nove horas da manhã. Então, no capítulo 3:1 é mencionada “a hora nona”, que equivale a três horas da tarde. No capítulo 4:3 lemos que “já era tarde”, que é o anoitecer. Então, no capítulo 5:19, era já “noite”. Não é algo insignificante que o Espírito de Deus tenha registrado isso. Dá a entender que a janela de oportunidade para que a nação se arrependesse e fosse abençoada nacionalmente no reino estava se fechando.
Deus estava tratando com a nação naquele momento. Mas a Sua extrema paciência chegou ao fim com o apedrejamento de Estêvão. Quando Estêvão olhou para os céus viu o Senhor Jesus “em pé” (Atos 7:55-56), significando que Ele ainda estava pronto e desejoso de voltar para estabelecer o reino naquele exato momento, caso eles se arrependessem (Atos 3:19-21). Em paciente misericórdia Deus considerou a rejeição de Cristo pela nação como um mal entendido (Atos 3:13-17), e deu a eles uma nova oportunidade nos primeiros capítulos de Atos Mas com o apedrejamento de Estêvão a nação consumou sua completa rejeição a Cristo. O que eles fizeram foi enviar Estêvão para o céu como um mensageiro levando o recado: “Não queremos que este reine sobre nós” (Lucas 19:14). Mais tarde, quando a epístola aos Hebreus foi escrita, seu autor já não vê Cristo em pé no céu, mas sentado ali (Hebreus 1:3; 8:1; 10:12; 12:2). Isto indica que já havia passado o momento para arrependimento que Deus tinha dado à nação.
Após o sétimo capítulo de Atos Israel é visto já deixado de lado. O evangelho então é visto sendo levado a todo o mundo. Para indicar isto nos três capítulos seguintes (8, 9 e 10) o Espírito de Deus dá uma amostra daqueles que seriam chamados pelo evangelho, e assim se tornariam parte do novo vaso celestial de testemunho que Deus estava formando — a Igreja. Ali vemos salva uma pessoa de cada uma das três linhagens que se iniciaram em Noé — “Sem, Cam e Jafé” (Gênesis 10:1).
• No capítulo 8 o eunuco etíope, descendente de Cam, é alcançado.
• No capítulo 9 Saulo de Tarso, descendente de Sem, é alcançado.
• No capítulo 10 Cornélio, descendente de Jafé, é alcançado.
É significativo que o Espírito de Deus também mencione uma progressão no aumento da intensidade da luz enquanto o evangelho ia sendo recebido entre os gentios e a nova dispensação prosperava. Primeiro, vemos “uma luz” do céu que resplandeceu em conexão com a conversão de Saulo de Tarso (Atos 9:3), e ao repetir a história de sua conversão ele disse que era “uma forte luz” (Atos 22:6), para mais tarde acrescentar intensidade ao dizer: “uma luz... mais resplandecente que o sol” (Atos 26:13).
Também é significativo que por ocasião dessa transição o Espírito de Deus viria a registrar dois milagres no ministério de Pedro em Atos 9:32-43. Os dois incidentes ilustram o trabalho especial dos apóstolos por ocasião da mudança dispensacional. Nesse período Deus usou os Seus servos para remover do velho sistema aqueles que tinham fé e introduzi-los no novo terreno do Cristianismo.
Durante “oito anos” Enéias esteve incapacitado. Isso equivalia a todo o período no qual Deus tinha estado trabalhando para chamar a nação à bênção por meio do ministério do Senhor (3 anos e meio) e pelo ministério do Espírito Santo através dos apóstolos em Atos 1-7 (cerca de 7 anos). A cura de Enéias é uma figura das almas vivificadas que pertenciam à velha dispensação e eram libertadas do jugo do sistema legal (sua cama) e transferidas para a Igreja.
Dorcas foi identificada por suas obras na antiga dispensação, mas “aconteceu naqueles dias que, enfermando ela, morreu”. Deus usou Pedro para lhe dar vida numa base diferente — um “quarto alto” (Atos 9:39). O quarto alto significa o terreno celestial que caracteriza o Cristianismo (Lucas 22:12; Atos 1:13; 20:8). Dorcas é também uma figura dos santos da antiga dispensação passando daquele antigo terreno para o novo terreno do Cristianismo.
Também é significativo vermos que nestes capítulos Estêvão viu um Homem “no céu” (Atos 7), Saulo de Tarso ouviu uma voz e viu uma luz “do céu” (Atos 9) e Pedro teve uma visão no “céu” e uma voz vinda dali falou com ele (Atos 10). Isto indica que passara a existir um novo centro de operações (o céu) de onde esse novo movimento de Deus seria conduzido.
A visão dada a Pedro em Atos 10:11-16 confirma isto. Ela enfatiza a origem, caráter e destino celestiais dessa nova ordem de coisas que Deus estava trazendo entre os gentios, a qual era revelada em Mistério. Proveniente do céu “um grande lençol... era baixado à terra pelas quatro pontas”, e nele estava reunida toda sorte de animais impuros. Essas criaturas eram uma figura dos gentios sendo reunidos na Igreja pelo evangelho. O número “quatro” significa universalidade, e aqui indica as várias direções às quais o evangelho foi enviado (Marcos 16:15; Lucas 24:47; Colossenses 1:23). Foi ordenado a Pedro que comesse (uma figura de comunhão) aqueles animais reunidos, pois Deus os havia purificado. É interessante também que aquelas criaturas purificadas estavam todas colocadas em um único recipiente (figura da Igreja), “e, logo, aquele objeto foi recolhido ao céu”. Isto indica que todo esse movimento teria início no céu (nos propósitos e conselhos de Deus) e acabaria no céu, graças à obra de Cristo, à graça de Deus e ao poder de Deus. Isto sublinha o fato de que tudo o que tem a ver com a Igreja é celestial em sua origem e destino.