Algumas Marcas Da Igreja De Deus

Blackheath, Agosto de 1876.

Meu Caro Irmão, Antes de eu responder a questão pendente, parece me ser meu dever indicar em qual base o Senhor Jesus gostaria de ter o Seu povo reunido na assembleia; pois eu tenho lhe mostrado por que não podemos nos reunir com outros crentes; e isso me exporia a uma acusação de crueldade se eu me contentasse com isso. Você poderia virar se a mim e dizer: “Você me tem dado fortes razões por que eu não deveria ir à igreja (anglicana) ou à capela (dos dissidentes), e agora você deveria ir mais adiante e orientar me aonde ir”. É antecipando este tipo de sentimento que eu pretendo salientar alguns sinais por meio dos quais a igreja de Deus pode ser conhecida.

1. O primeiro sinal é que Cristo sozinho deve ser o centro da reunião. O próprio Senhor nos ensinou isso quando disse: “Porque onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” (Mt 18:20). Embora não seja a questão que estou tratando agora, não posso deixar de mostrar que o Senhor não disse que Ele está no meio de toda reunião de Seu povo professo. Ele está somente no meio dos reunidos em Seu nome. Em Seu nome; não em Seu nome e algo mais ao lado, como: alguma verdade, doutrina ou forma de governo eclesiástico, mas em Seu nome apenas, fora e à parte de todo sistema e organização humana, reunidos em volta e na Pessoa de um ressurreto e glorificado Senhor. Só foi possível reunir se, desse modo, depois da morte, ressurreição e ascensão de Cristo, pois é o Espírito quem reúne e Ele só reúne para um Cristo ressuscitado.

Mas você dirá: “Todos os crentes, de qualquer denominação, se reúnem desse modo”. Repetidas vezes eu tenho sido confrontado com o mesmo argumento. É fácil refutá lo; mas prefiro no presente momento aplicar um teste. Peça a um verdadeiro clérigo da igreja anglicana para ir a uma capela dos dissidentes, e ele recusará. Do mesmo modo peça a um dissidente zeloso para ir à igreja anglicana, e ele imediatamente recusará. Em ambos os casos eles têm conscientes objeções ao curso apresentado. Isso não poderia acontecer se ambos estivessem reunidos somente no nome de Cristo; pois eles professam amar esse nome, poderiam então recusar ir onde Seu nome fosse somente o centro da reunião? O fato é que o dissidente acrescenta ao nome de Cristo certas idéias próprias (extraídas, segundo pensa, das Escrituras) acerca da constituição e governo da igreja, e o “clérigo”, do mesmo modo, tem cercado o nome de Cristo com suas tradições.

Asseguro lhe que ambos estão desejosos em receber todos os cristãos (embora isto nem sempre é verdadeiro, pois a maior “igreja” inglesa, em sua própria denominação, faz do batismo por imersão uma condição para filiação); mas é em seu próprio fundamento que eles desejam recebê los. Assim, se você for à igreja anglicana, necessariamente você deve concordar com todos os seus planos e modos, e desse modo também se for a uma capela dissidente. Você verá, portanto, que não é verdadeiro que os cristãos denominacionais estão reunidos ao nome de Cristo somente. Se estivessem, repudiariam todos os nomes humanos, glorificando somente o que é de Cristo. De fato, uma denominação não está voltada para todos os crentes, porém somente para os de semelhante doutrinas e entendimento. Mesmo sem darem-se conta disso, eles confessam que Cristo sozinho não é o centro deles.

Deixe me, então, avisá lo sinceramente que nenhuma reunião pode ser segundo a mente de Deus se o nome de Cristo sozinho não for o centro de atração. Bem pôde nos exortar o Espírito de Deus por meio de Seu servo: “Saiamos, pois, a ele, fora do arraial, levando o seu vitupério” (Hb 13:13). Essas gigantescas e movimentadas organizações religiosas em nossa volta formam verdadeiramente o arraial; conseqüentemente, somente quando estarmos fora de tudo isso que será possível a reunião ao nome de Cristo. Portanto, não esteja contente até que você tenha encontrado tal reunião; porque, encontrando a, você pode adentrar no gozo de toda a incalculável bênção que está sintetizada nas palavras: “ali estou” (não ali estarei, mas ali estou) “no meio deles”.

2. Um segundo sinal é que a reunião será no fundamento da Igreja — no fundamento do corpo de Cristo — e, portanto, será em volta da mesa do Senhor. Explicarei isso mais amplamente. Já temos visto que Cristo é o Cabeça da Igreja; e desde que Ele é o Cabeça, os crentes são, durante esta dispensação, membros de Seu corpo. “Pois, em um só Espírito, todos fomos batizados em um corpo” (1 Co 12:13), e conseqüentemente é nos dito que somos “membros do seu corpo” (Ef 5:30). Nós estamos, portanto, unidos a Cristo no céu pelo Espírito; porque, “aquele que se une ao Senhor é um espírito com ele” (1 Co 6:17). Disso resulta que somos também “membros uns dos outros” (Rm 12:5). Há o mais íntimo vínculo possível - um vínculo vital - por um lado, entre Cristo e Seu povo, por outro lado, entre todos os crentes. Esta é a unidade que o Espírito de Deus tem formado — a unidade do corpo de Cristo — e a qual somos exortados a preservar “no vínculo da paz” (Ef 4:3).

Sendo isso assim, o fundamento da reunião dos santos deveria expressar essa verdade, atestando (se posso falar assim) a unidade do corpo. Ou seja, devemos nos reunir como membros do corpo de Cristo, não como Anglicanos, Wesleianos, Presbiterianos, Independentes ou Batistas, mas somente como sendo membros do corpo de Cristo. Qualquer fundamento de reunião, portanto, que seja mais aberto ou mais restrito que este, é uma negação da verdade do corpo, e assim não pode ser o fundamento de Deus. Reconheço que a afirmação deste princípio destrói todo denominacionalismo de uma só vez; e assim deve ser feito, porque o fundamento no qual as denominações são formadas é completamente contrário às Escrituras.

Uma conseqüência adicional de estar reunidos como membros do corpo de Cristo será que a reunião será em volta da mesa do Senhor. O apóstolo ensina esta verdade quando ele diz: “O pão que partimos, não é a comunhão do corpo de Cristo? Porque nós, embora muitos, somos unicamente um pão, um só corpo; porque todos participamos do único pão” (1 Co 10:16, 17). O pão sobre a mesa no meio dos santos reunidos constitui o símbolo da unidade do corpo de Cristo; e, visto que todos participam dele, há o adicional símbolo de sua comum associação a este corpo.

Que maravilhosa é a sua simplicidade! É por isto que na Igreja primitiva os discípulos sempre se reuniam no primeiro dia da semana para partir o pão (Atos 20:7; 1 Co 11:20). Eles se reuniam para este propósito; este era o objetivo de se reunirem, não para assistir ao “culto”, para ouvir sermões, mas para partir o pão, e assim anunciar “a morte do Senhor, até que ele venha” (1 Co 11:26).

Busque, então, querido irmão, estas marcas da assembléia de nosso Deus em sua própria vizinhança. Onde, nos múltiplos “lugares de adoração”, você irá encontrá las? Seria muito dizer que a sua procura será em vão? Um triste sinal do fracasso da Igreja e da total confusão destes dias do mal!

3. Outro sinal é a liberdade para o Espírito ministrar por meio de quem Ele quiser. Já tenho mencionado isto em minha primeira carta, e por isso não necessito acrescentar muito aqui. Mas devo recordá lo que isso também é decorrência da verdade do corpo de Cristo. Leia cuidadosamente 1 Coríntios 12:14, onde isso é explicado. Ali você verá que “o corpo não é um só membro, mas muitos”; que “a um é dado, mediante o Espírito, a palavra de sabedoria; e a outro, segundo o mesmo Espírito, a palavra do conhecimento”, etc.; que “não podem os olhos dizer à mão: Não precisamos de ti; nem ainda a cabeça, aos pés: Não preciso de vós” (1 Co 12:8, 21). O apóstolo diz assim: “Quando vos reunis, um tem salmo, outro doutrina, este traz revelação, aquele outra língua, e ainda outro interpretação”, etc., (1 Co 14:26 33). Aqui está o reconhecimento de que cada um dos dons provém do Cabeça da Igreja, e que deve haver espaço na assembleia para seu exercício através do Espírito. Se não houver, a assembleia não está de acordo com os pensamentos de Deus. Ainda poderia dizer mais, se fosse o momento, acerca do mal que é não permitir o exercício do dom à parte do “ministro”; como tais almas são mantidas num estado de ignorância da verdade, difícil até de imaginar para quem não teve a experiência disso, através da inabilidade de alguns dos seus ministros escolhidos; e, para piorar as coisas, sempre existem outros na congregação com mais conhecimento e mais dons. Ali está ele, domingo após domingo, repetindo os mais simples elementos doutrinários (e esses distorcidos pela maneira que são apresentados) e é quase impossível removê lo do ofício ao qual foi designado. Você mesmo tem conhecido casos desse tipo, e por isso não me estenderei. Posso, contudo, perguntar lhe se este mal, tão manifesto em todos os lados, não devia lhe convencer que tal disposição não pode estar em conformidade com a mente do Senhor?

4. Deve haver também o exercício de disciplina divina em conformidade com a Palavra. Satanás muitas vezes engana as almas apresentando uma imitação da verdade. Por esta razão é necessário estarmos em guarda. Será até mesmo possível que você encontre evidências desses três itens mencionados, mas com a ausência deste quarto. Assegure se, portanto, que você procure isso também, senão poderá falhar em sua busca.

Ora a disciplina tem de ser exercitada em duas direções — sobre a imoralidade, especificada em 1 Corintios 5, e sobre os que sustentam falsas doutrinas (vide Gálatas 3 e 4; 2 João 9 11; Ap 2 e 3, etc.). Em geral há um consenso que pessoas vivendo num estado pecaminoso devam ser afastadas da mesa do Senhor (ainda que haja descuidos em se praticar isso); mas em toda parte há grande oposição em disciplinar uma má doutrina. Faz-se muita referência à “liberdade de consciência”; porém nego que temos qualquer liberdade de consciência contra a Palavra de Deus. A ela devemos tacitamente curvar. “À lei e ao testemunho! Se eles não falarem desta maneira, jamais verão a alva” (Is 8:20). O argumento até é plausível; mas verifica-se nele o ardil de Satanás. Conseguir abalar os fundamentos da verdade explícita é para ele a mesma vitória que teria mediante aberta oposição. Um crente professo que nega o valor do sangue de Cristo está tão seguramente perdido como um público descrente. A consideração disso lhe ajudará a entender as dificuldades enfrentadas e a necessidade de disciplinar-se a má doutrina. Sua negligência abriu até mesmo precedentes em que inimigos de Cristo foram acolhidos na pretensa comunhão. Eu poderia citar exemplos se fosse necessário; mas será suficiente ter lhe avisado acerca desta questão, e afirmar mais enfaticamente que você não pode encontrar a assembléia de Deus onde não se disciplina a má doutrina; pois à casa Deus convém a santidade.

5. Um outro sinal que me é permitido mencionar é que na Igreja de Deus todas as coisas serão ordenadas em sujeição à Palavra. As Escrituras devem ser supremas, porque elas são a expressão da vontade de Deus. Conseqüentemente, nada que esteja em oposição ou sem a aprovação de Sua Palavra, pode ser tolerado. Não somos deixados, como inutilmente imaginam alguns, ao nosso próprio juízo e imaginação; nas Epístolas temos provisão até para os menores detalhes da assembleia. Não é, por isso, menos desobediência agir sem a autoridade da Palavra, que agir em violação a ela. É extremamente importante ter isto em mente, porque, se você examinar a questão de perto, perceberá que não há uma denominação de cristãos que não tenha ordenado um número de coisas que eles mesmos têm considerado melhor. Para ilustrar o que quero dizer, posso mencionar que, numa conversa no ano passado com um velho colega de escola, eu disse: Você tem a autoridade das Escrituras para isto, para aquilo, e para outras coisas? especificando uma variedade de coisas em seu plano eclesiástico. “Não”, respondeu francamente, “não temos; mas”, acrescentou, “sustento que estamos livres para adotar os planos e métodos que a nossa experiência prova ser melhor.” E, despido de todo fingimento, este é realmente o fundamento comum adotado. Por outro lado, sustento que todas as coisas ordenadas na assembleia, todo ato e procedimento, todas as atividades dos santos, oração, louvor e ministério, deve ser regulado pelas Escrituras e ter a sua direção aprovada. O Cabeça direciona tudo, e este Cabeça é Cristo; e Ele nos tem manifestado a Sua vontade na Palavra escrita; e, portanto, Ele nos tem colocado no lugar, não de planejamento e organização, mas de obediência.

Não necessito prosseguir mais adiante, porque, onde quer que você possa encontrar os sinais já mencionados em associação, você vai encontrar — e posso predizer com segurança — o lugar onde Deus gostaria de ter Seus santos reunidos, pois estas são as marcas de Sua assembleia. É verdadeiro que você pode encontrar muita fraqueza e imperfeição nos santos assim reunidos; e essas duas coisas (fraqueza e imperfeição) têm sempre caracterizado a Igreja desde a morte de Estevão, para não dizer desde o dia de Pentecoste; e a caracterizará até a vinda do Senhor. A esta questão, contudo, acrescento uma advertência. É às vezes dito que os santos num certo lugar são tão sinceros e ativos, que seguramente seria em conformidade com a vontade de Deus que me unisse a eles; ou existe tantas almas convertidas através da pregação de fulano de tal, que não pode ser a vontade de Deus que eu esteja em separação de tal honrado servo do Senhor. Duas observações podem ser feitas sobre isto. Primeiro, argumentar desta forma é substituir os pensamentos de Deus pelos nossos; seguir o nosso próprio raciocínio em lugar da Palavra escrita. Segundo, há apenas uma forma de Cristianismo, porém corrupto, que não poderia ser sustentado desta maneira. Se vejo sinceros e devotos clérigos ritualistas (e graças a Deus que existem os tais), devo concluir que Deus gostaria de ter me em associação com eles? Além disso, quando Deus em Sua soberana graça e misericórdia — em solícita compaixão pelas almas — usa poderosamente Sua Palavra pregada para a conversão de pecadores, seja no catolicismo, na “igreja” da Inglaterra, ou na dissidência, devo, com isso, deduzir que esses vários sistemas são segundo o Seu coração? Nada poderia ser mais ilusório; e ainda esses enganosos e falazes raciocínios estão aprisionando almas por todo lado. Porém, não estou temeroso que você venha ser iludido desta maneira, querido irmão; pois estou convencido que o Senhor começou a lhe mostrar a verdade; e tendo começado esta obra, Ele seguramente a levará avante até seu término. Eu posso, contudo, estimulá lo a prosseguir avante e recordá lo de sua responsabilidade, pois estou certo que quando você uma vez se encontrar no único lugar na Terra onde Deus gostaria que os Seus estivessem, não apenas abundará a sua gratidão e alegria diante de Deus, mas que você também se maravilhará que por muitos anos seus olhos estiveram fechados contra a verdade tão claramente revelada nas Escrituras. Que o Senhor sozinho lhe conduza, a fim de que nenhuma sutileza do inimigo, nenhum engodo que ele tão prontamente pode apresentar aos corações exercitados, venha lhe desviar. Se a sua oração for: “Senhor… endireita diante de mim o teu caminho”, descobrirá em breve que “aos justos nasce luz nas trevas” (Salmo 112:4).

Creia me, caro irmão.

Afetuosamente em Cristo, E. D.

Edward Dennet