SEXTA CARTA — A Pregação do Evangelho

EM ALGUMAS de minhas cartas tratei da indizível importância de mantermos, com zelo e constância, uma fiel pregação do evangelho — uma obra distinta de evangelização efetuada na energia do amor às preciosas almas e com referência direta à glória de Cristo — uma obra totalmente dirigida ao inconverso e, portanto, bem distinta da obra de ensino, explanação da Palavra ou exortação, que é feita no seio da assembleia; a qual, nem preciso dizer, também é de igual importância aos olhos de nosso Senhor Jesus Cristo.

Meu objetivo ao voltar a tratar deste assunto é de chamar a sua atenção para um ponto que está ligado a isto e a respeito do qual, parece-me, há uma grande necessidade de esclarecimento entre alguns de nossos amigos. Questiono se estamos, como regra, plenamente esclarecidos quanto à questão da responsabilidade individual na obra do evangelho. Evidentemente, eu admito que o que ensina ou explica a Palavra seja chamado a exercitar seu dom, na sua maior parte, sobre o mesmo princípio do evangelista; isto é, sobre sua própria responsabilidade pessoal para com Cristo; e que a assembleia não é responsável por seus serviços individuais; a menos que ele ensine má doutrina, quando então a assembleia é obrigada a agir.

Mas meu assunto é a obra do evangelista, e este deve fazer o seu trabalho fora da assembleia. Sua esfera de ação é tão ampla quanto o mundo.

“I_de por todo o mundo, pregai o evangelho a toda a criatura."_ (Mc 16:15) Aqui está sua esfera de ação e aqui está o objetivo do evangelista "Todo o mundo”Toda criatura". Ele pode sair do seio da assembleia, e para ali voltar carregado com os feixes dourados de sua colheita; no entanto ele sai na energia de sua fé pessoal no Deus vivo, e sobre a base de sua responsabilidade pessoal para com Cristo; a assembleia não é nem mesmo responsável pela maneira peculiar com que ele possa levar adiante o seu trabalho. Sem dúvida a assembleia é chamada a agir quando o evangelista apresenta o fruto do seu trabalho na forma de almas professando estarem convertidas, e desejosas de serem recebidas à comunhão à mesa do Senhor. Mas isso é outra coisa, e deve ser mantido como algo distinto do trabalho do evangelista.

O evangelista deve ser deixado livre para agir; e isto é algo que defendo. Ele não deve estar amarrado a certas regras ou regulamentos, e nem restringido por quaisquer convenções especiais. Há muitas coisas que um evangelista com um coração liberal se sentirá perfeitamente à vontade para fazer, que talvez não estejam de acordo com o julgamento espiritual e as simpatias de alguns na assembleia; mas, desde que ele não transgrida nenhum princípio vital ou fundamental, tais pessoas não têm o direito de interferir no seu trabalho.

E deve ser lembrado, querido irmão, que quando uso a expressão “julgamento espiritual e simpatias", estou olhando do ponto de vista mais elevado possível, e tratando aquele que julga com o mais alto respeito. Creio ser certo e conveniente que isto exista. Todo verdadeiro homem tem o direito de ter sua opinião e fazer o seu julgamento — isto sem falar na consciência — tratados com o devido respeito. Mas há, infelizmente, em toda parte, homens de mentes estreitas, que se opõem a tudo o que não se encaixa em suas próprias noções — homens que estariam prontos a restringir de bom grado a ação do evangelista à sua própria linha de pensamento e conduta que, segundo pensam, estariam adequadas ao povo da assembleia de Deus* quando reunidos para adoração à mesa do Senhor.

[*Nota do Tradutor: O autor usa a expressão “assembleia de Deus” em seu sentido bíblico, ou seja, incluindo TODOS os salvos por Cristo. O autor viveu no século dezenove, antes, portanto, que existisse qualquer denominação ou grupo religioso que arvorasse para si a identificação de “assembleia de Deus”. C. H. Mackintosh não estava ligado a nenhuma denominação, mas reunia-se somente ao nome do Senhor Jesus.]

Isso tudo é um completo engano. O evangelista deve ter livre curso em seu caminho, sem se importar com toda a estreiteza de coração e intromissão que possa encontrar. Tome, por exemplo, a questão de se cantar hinos. O evangelista pode sentir-se perfeitamente à vontade para usar hinos ou corinhos evangelísticos que seriam completamente inadequados a uma reunião da assembleia. O fato é que ele canta o evangelho com o mesmo objetivo que ele prega o evangelho, ou seja, a fim de alcançar o coração do pecador. Ele está tão pronto a cantar “Vinde”, como a pregar a mesma coisa.

Assim, querido irmão, esta é a ideia que por muitos anos tenho tido sobre este assunto, muito embora não possa dizer com certeza que seja algo que esteja plenamente de acordo com seu discernimento espiritual. Preocupa-me o fato de estarmos correndo o perigo de cair na falsa noção que a cristandade tem de se “iniciar um trabalho” e “organizar uma igreja”. É por esta razão que muitos entre nós consideram as quatro paredes entre as quais nos reunimos como uma “capela”, e o evangelista que porventura pregue ali seja visto como o “ministro da capela”.

Devemos nos guardar cuidadosamente de algo assim, mas minha intenção, ao mencionar tal coisa agora, é esclarecer isto quanto à pregação do evangelho. O verdadeiro evangelista não é o ministro de qualquer capela; nem o porta-voz de alguma congregação; ou o representante de um grupo; ou o funcionário pago de qualquer organização. Não; ele é o embaixador de Cristo — o mensageiro de um Deus de amor — o arauto das boas novas. Seu coração está cheio de amor pelas almas; seus lábios ungidos pelo Espírito Santo; suas palavras vestidas com poder celestial. Deixe-o em paz! Não o acorrente com suas regras e regulamentos! Deixe-o dedicar-se a seu trabalho e a seu Patrão! E mais, tenha em mente que a Igreja de Deus pode prover uma tribuna suficientemente ampla para todos os tipos de obreiros e todo o estilo possível de trabalho, desde que a verdade fundamental não seja tocada. Trata-se de um erro fatal procurar colocar alguém, ou o que quer que seja, em ponto morto. O cristianismo é uma divina realidade viva. os servos de Cristo são enviados por Ele, e são responsáveis perante Ele.

Quem és tu que julgas o servo alheio? Para seu próprio Senhor ele está em pé ou cai.” (Rm 14:4, 5).

Precisamos ter isto em mente, querido irmão, pois são coisas que exigem nossa séria consideração, se é que não desejamos ver a bendita obra de evangelização estragada em nossas mãos.

Tenho apenas mais um ponto ao qual gostaria de me referir antes de terminar minha carta, já que é algo que tem sido uma questão bem discutida em alguns lugares — refiro-me àquilo que tem sido chamado de “responsabilidade da pregação". Quantos de nossos amigos têm sido atacados acerca desta questão! E por que razão? Estou convencido de que é por não se entender a verdadeira natureza, o verdadeiro caráter e esfera da obra de evangelização. É por isso que temos tido alguns que insistem que a pregação do evangelho no domingo à noite deve ser deixada como uma reunião aberta. Mas aberta a quê? Esta é a questão. Em muitos casos ela demonstrou estar "aberta” a um tipo de palestra completamente inadequada a muitos que foram até ali, ou que foram trazidos por amigos, na expectativa de escutarem um evangelho claro, completo e fervoroso. Em ocasiões assim nossos amigos acabam ficando desapontados, e os inconversos totalmente incapazes de compreender o significado daquela reunião. Certamente tais coisas não deveriam ser assim; e não seriam mesmo se os homens tão somente discernissem algo tão simples como é a diferença entre todas as reuniões em que os servos de Cristo exercitam seu ministério sob sua responsabilidade pessoal, e todas as reuniões que são puramente reuniões da assembleia, seja para a Ceia do Senhor, oração, ou qualquer outro propósito.