1. Nosso lugar em relação ao mundo.
O Senhor Jesus, dirigindo-se aos judeus, disse: "Vós sois de baixo, Eu sou de cima; vós sois deste mundo, Eu não sou deste mundo" (João 8:23). Mais tarde, quando apresentava ao Pai os que eram Seus, disse: "Não são do mundo, como Eu do mundo não sou" (João 17:16), e se você ler do versículo 14 ao 19 verá que Ele coloca Seus discípulos na posição que Ele mesmo ocupa perante o mundo, do mesmo modo como, do versículo 6 ao 13, Ele os coloca na mesma posição que Ele ocupa diante do Pai. Você deve notar ainda que os discípulos ocupam a posição do Senhor neste mundo porque não são daqui, assim como o Senhor não era, pois após terem nascido de novo não pertencem mais a este mundo. Por isso Ele menciona continuamente que Seus discípulos teriam de enfrentar o mesmo ódio e perseguição que Ele vinha experimentando. Assim, dando um exemplo, Ele diz: "Se o mundo vos aborrece, sabei que, primeiro do que a vós, Me aborreceu a Mim. Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu, mas, porque não sois do mundo, antes Eu vos escolhi do mundo, por isso é que o mundo vos aborrece. Lembrai-vos da palavra que vos disse: Não é o servo maior do que o seu senhor. Se a Mim Me perseguiram, também vos perseguirão a vós; se guardaram a Minha palavra, também guardarão a vossa" (Jo 15:18-20). O apóstolo João indica ainda o total contraste entre os crentes e o mundo, quando diz: "Sabemos que somos de Deus, e que todo o mundo está no maligno" (1 Jo 5:19).
Há, porém, muito mais do que nos é mostrado nestas importantes passagens. Cada crente é visto por Deus como tendo morrido e ressuscitado com Cristo (leia Romanos 6 e Colossenses 3:1-3). Do ponto de vista de Deus, o crente é assim transportado, através da morte e ressurreição de Cristo, completamente para fora do mundo, da mesma forma como Israel foi levado para fora do Egito através do Mar Vermelho. Portanto ele não pertence mais ao mundo, embora seja enviado ao mundo como representante de Cristo (leia João 17:18). Por isso o apóstolo Paulo podia dizer, enquanto estava ativo no serviço para Cristo neste mundo, "longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo” (Gl 6:14). Pela cruz de Cristo ele viu que o mundo já estava julgado (leia João 12:31), e pela aplicação da cruz em si próprio ele considerava-se como morto — crucificado para o mundo — de modo a deixar bem clara a separação que existia entre si mesmo e o mundo; uma separação tão completa como a que é ocasionada pela morte.
De tudo isso podemos ver que o cristão, embora estando no mundo, não pertence a ele — Ele não é do mundo no mesmo sentido em que Cristo não pertencia ao mundo. O crente pertence a outra esfera — pois se alguém está em Cristo é nova criatura; como já foi visto, ele foi transportado perfeitamente limpo para fora deste mundo por meio da morte e ressurreição de Cristo. Por isso o cristão deve estar completamente separado do mundo; não deve conformar-se a ele em seu espírito, hábitos, conduta, modo de andar, enfim, em tudo o crente deve mostrar que não é deste mundo (leia Gálatas 1:3,4 e Romanos 12:2). E deve, ainda, pela aplicação da cruz, manter-se como crucificado para o mundo. Nenhuma atração ou assimilação pode existir entre duas coisas que já foram julgadas. Portanto, o crente está no mundo no lugar de Cristo, isto é, está aqui por Cristo e é identificado com Cristo. Consequentemente deve testemunhar de Cristo, andar como Cristo andou, e esperar receber o mesmo tratamento que foi dado a Ele (leia Filipenses 2:15 e 1 João 2:6). Não é que esperamos ser crucificados como Cristo foi, mas se formos fiéis iremos encontrar no mundo o mesmo espírito de oposição que Ele encontrou. Na verdade, a medida de semelhança de Cristo que trouxermos em nossa vida será a medida da nossa perseguição. E pode-se dizer que o fato dos crentes encontrarem hoje tão pouca oposição do mundo demonstra o quão pouco estão separados dele.
Antes de passar para o outro aspecto deste assunto, não posso deixar de rogar-lhe insistentemente que rompa todo e qualquer vínculo que o esteja ligando moralmente com este mundo. Não é preciso muito discernimento para se perceber que o espírito deste mundo, o mundanismo, está introduzindo-se sorrateiramente, porém com rapidez, nas igrejas ou assembleias e manifestando-se com jactância até mesmo na mesa do Senhor. Que golpe e que desonra para Aquele, cuja morte nos reunimos para recordar! E que solene advertência recai sobre os santos para que nos humilhemos perante Deus, buscando renovada graça a fim de sermos mais fervorosos e mais separados do mundo; para que fique evidente que pertencemos a Cristo, a Quem o mundo rejeitou, lançou fora e crucificou! Quantos de nós têm o espírito de Paulo, que desejava a “comunicação de Suas aflições, sendo feito conforme à Sua morte" (Filipenses 3:10), tendo em vista o Cristo glorificado como objeto de sua afeição e alvo de todas as suas aspirações? Que o Senhor possa restaurar em nós, e em todos os Seus amados santos, mais dessa devoção a Ele, em completa separação deste mundo.