Os Primeiros Anos

Gostaria apenas de recordar aqui a maneira como Deus me educou e me preparou, como um vaso de misericórdia, para a Sua obra. Havendo ficado órfão aos quatro anos de idade, fui criado por um avô, um homem da mais estrita integridade. Creio que foi nessa época que vim a conhecer algo acerca do Senhor. Quando eu tinha uns sete anos de idade, já ganhava parte do meu pão trabalhando nos campos durante o verão, e no inverno frequentava a escola do povoado.

Aos onze anos, um distinto cavalheiro levou-me para sua casa e recebi dele, durante dois anos, uma excelente educação. Eu recebia pouco aprendizado por meio de livros, mas ele me fez aprender tudo o que podia ser aprendido pela observação; a horta, os estábulos, os deveres do mordomo, de tudo isso ele me familiarizou perfeitamente. Uma vez me dizia:

— Charles, dou a você três horas para caçar um corvo.

Outra, ele me dava como tarefa trazer um bando de perdizes. De vez em quando ele exigia uma resposta imediata a alguma pergunta difícil, como esta que fez na frente de um grupo de pessoas:

— Qual é a causa do eclipse solar?

Respondi:

— Se eu colocar minha cabeça entre esta lâmpada e a sua cabeça, você não verá a lâmpada, da mesma maneira como acontece quando a lua está entre nós e o sol.

Dentre outras coisas, às vezes eu tinha que atuar como capelão e ler um sermão na sala de visitas. Isso era feito com grande solenidade, numa época em que, embora ainda criança, Deus já começava a trabalhar em minha alma.

Seria preciso gastar muitas linhas para descrever, em todos os seus interessantes detalhes, como e porque deixei aquele cavalheiro. Parece que foi ontem que ele dirigiu-me seu último e longo conselho. Suas últimas palavras foram: "Charles, você poderá ser uma bênção ou uma maldição para a humanidade”. E, com certeza, não fosse pela graça de Deus, eu teria sido a última coisa. A Deus seja toda a glória! Estou bem certo de que Deus usou aquele homem tão gentil, durante aqueles dois anos, para o benefício de toda a minha vida posterior. Após deixá-lo, caminhei atravessando dois campos e, sentando-me sobre um degrau junto a um muro de pedra, chorei. Nunca mais o vi.

Trinta anos depois, senti-me guiado a voltar àquelas paragens para visitar o idoso mordomo, que agora já se encontra com o Senhor. Nunca havíamos nos encontrado ao longo daqueles anos. Um pouco pálido, ele me disse:

— É estranho; acabo de ler seu folheto "Mefibosete", o mesmo que meu patrão me deu antes de morrer, quando também disse: "Thomas, pegue isto, e guarde-o com você. Por meio deste folheto Deus mostrou-me que estive errado durante toda a minha vida. Pensei que tinha uma grande coisa a fazer para Deus, mas agora vejo que tudo se encontra na bondade de Deus, graças a Cristo e ao que Ele fez por mim”.

Fico grato por poder acrescentar que o idoso Thomas também foi encaminhado ao Senhor e encontrou descanso em Sua obra consumada.