O Papa Rejeita os Decretos de Leão
A inteligência do primeiro assalto de Leão III contra as imagens de Constantinopla encheu os italianos de dor e indignação; mas quando as ordens chegaram para forçar esses decretos fatais dentro das dependências italianas do império, todos levantaram seus braços contra isso, desde os maiores até os menores. O papa se recusou a obedecer as ordens e desafiou o imperador; e todo o povo jurou viver e morrer em defesa do papa e das imagens sagradas. Mas a complicação política dos assuntos naquele momento tornou impossível para o imperador forçar seus decretos nos domínios papais. Gregório se dirigiu ao imperador com grande tensão; o tom de sua resposta ao manifesto imperial respira um espírito do mais sedicioso desafio. Os monges, que viam seu ofício em perigo — a superstição à qual deviam sua riqueza e influência — pregavam contra o imperador como a um apóstata abandonado. Ele foi pintado por esses escravos da idolatria como alguém que combinava em sua pessoa todas as heresias que já haviam poluído a fé cristã e que ameaçavam as almas dos homens. Mas, exibindo o verdadeiro espírito do papado, tanto na defesa de sua querida superstição e idolatria, quanto em seu desafio ao poder secular, transcreveremos partes das epístolas originais do segundo e terceiro Gregório, deixando ao leitor que examine o quadro.
O papa Gregório II disse ao imperador: “Durante dez puros e afortunados anos temos provado os confortos anuais de tuas cartas reais, assinadas em tinta púrpura por tua própria mão, nas quais pudemos ver as sagradas promessas de teu apego ao credo ortodoxo de teus pais. Que deplorável mudança! Que tremendo escândalo! Tu agora acusas os católicos de idolatria; e pela acusação, trais tua própria impiedade e ignorância. A esta ignorância somos obrigados a adaptar a descortesia de nosso estilo e argumentos: os primeiros elementos das cartas sagradas são suficientes para tua confusão; e, se o imperador entrasse em uma escola de gramática e se declarasse o inimigo de nossa adoração, as simples e piedosas crianças lançariam suas tábuas de escrever em tua cabeça.”
Após essa desleal e ofensiva saudação, o papa tenta, como de costume, defender a adoração de imagens. Ele se esforça para provar a Leão a vasta diferença entre imagens cristãs e ídolos da antiguidade. Os últimos eram a representação fantasiosa de demônios, e as primeiras seriam a semelhança genuína de Cristo, de Sua mãe e de Seus santos. Ele então apela para as decorações no templo judaico — o propiciatório, os querubins e os vários ornamentos feitos por Bezalel para a glória de Deus — a fim de justificar o culto às imagens. Apenas os ídolos dos gentios, afirma ele, eram proibidos pela lei judaica. Ele nega que os católicos adoravam a madeira e a pedra: estes seriam apenas memoriais destinados a despertar sentimentos de piedade.
Ao falar de sua própria edificação ao contemplar as pinturas e imagens nas igrejas6, temos uma passagem de grande interesse histórico que mostra os temas habituais dessas pinturas: “O retrato miraculoso de Cristo enviado por Abgaro, rei de Edessa; as pinturas dos milagres do Senhor; a virgem mãe com o menino Jesus em seu colo, cercada por coros de anjos; a última ceia; a ressurreição de Lázaro; o milagre que deu vista ao cego; a cura do paralítico e do leproso; a alimentação das multidões no deserto; a transfiguração; a crucificação, sepultamento, ressurreição e ascensão de Cristo; o dom do Espírito Santo; e o sacrifício de Isaque.”7
Gregório aborda longamente os argumentos comuns em defesa das imagens, e reprova o imperador pela violação dos mais solenes compromissos, e então irrompe em um tom desdenhoso, tal como: “Tu exiges um concílio: revogue teus decretos, cesse a destruição de imagens; um concílio não será necessário. Tu nos atacas, ó tirano, com um grupo carnal e militar: desarmado e nu só podes implorar a Cristo, o príncipe das hostes celestiais, pois Ele enviará a ti um demônio para a destruição de teu corpo e salvação de tua alma. Tu declaras, com tola arrogância: ’Despacharei minhas ordens a Roma, quebrarei em pedaços a imagem de São Pedro; e Gregório, como seu predecessor Martinho, será transportado em correntes, e em exílio, aos pés do trono imperial’. Quisera Deus que me fosse permitido pisar as pegadas do santo Martinho; mas que o destino de Constâncio possa servir de alerta aos perseguidores da igreja. Mas é nosso dever viver para a edificação e apoio ao povo fiel; e também não iremos arriscar nossa segurança no evento de um combate. Incapaz como és de defender teus súditos romanos, a situação marítima da cidade pode talvez expô-la a tuas depredações; mas só temos de nos retirar à primeira fortaleza dos lombardos, e então poderás, do mesmo modo, perseguir os ventos. Ignora tu que os papas são o vínculo de união, os mediadores da paz entre o Oriente e o Ocidente? Os olhos das nações estão fixados em nossa humildade; e elas reverenciam, como um Deus sobre a terra, o apóstolo São Pedro, cuja imagem tu ameaças destruir.”
A conclusão da carta do papa evidentemente se refere a seus novos aliados além dos Alpes. Os francos tinham escutado obedientemente à recomendação papal de Bonifácio, o “apóstolo” da Alemanha. Negociações secretas já tinham começado para garantir a ajuda deles. A história e os resultados disso já examinamos em um capítulo anterior. Por isso o papa assegurou ao seu correspondente real que “os reinos remotos e interiores do Ocidente apresentam sua homenagem a Cristo e a Seu vice-gerente: e agora nos preparamos para visitar um dos mais poderosos monarcas, que deseja receber de nossas mãos o sacramento do batismo. Os bárbaros se submeteram ao jugo do evangelho, enquanto tu, sozinho, estás surdo à voz do Pastor. Esses piedosos bárbaros se acendem de raiva, têm sede de vingar as perseguições do Oriente. Abandona tua empreitada precipitada e fatal; reflita, trema e arrepende-te. Se persistires, somos inocentes do sangue que será derramado nessa disputa; que ele caia sobre tua cabeça.”8