NÃO DEIXEMOS DE CONGREGAR-NOS COMO É COSTUME DE ALGUNS (Hb 10:25)
Estava vendo um vídeo de um pastor presbiteriano famoso aqui no Brasil, no qual ele falava acerca dos "desigrejados", isto é, cristãos que não vão à igreja. Achei interessante alguns pontos que ele levantou. Primeiro ele citou o texto de Hebreus 10:24, 25: "Consideremo-nos também uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras. Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns". Segundo ele, naqueles dias já havia pessoas que não queriam "ir para a igreja", motivo pelo qual o escritor da epístola aos Hebreus orientou os crentes a se reunirem com regularidade. Depois ele falou do moderno surgimento de "evangélicos não-praticantes", indivíduos que nascem em famílias que frequentam uma determinada denominação, mas não seguem o exemplo de seus familiares. "Como é que alguém pode se considerar cristão e ser desigrejado, se a igreja é a noiva de Cristo? Eles querem Cristo, mas não querem a noiva", diz o pastor.
Essa abordagem do assunto "Congregar-se" me leva a refletir sobre a carga de tradição religiosa que um cristão, mesmo no nível desse pastor, um líder conceituado e, sem dúvida, versado nas Escrituras, pode trazer consigo. Até algum tempo atrás, tal carga estava imposta sobre mim também, e posso dizer com propriedade que é algo que estamos tão acostumados a carregar - e ver os outros carregarem - que nem percebemos o peso da doutrina de homens contida no imenso volume dessa carga. Quando a nossa mente está tomada pela tradição religiosa, o nosso entendimento da verdade pura e cristalina da palavra de Deus fica prejudicado, e chegamos ao ponto de defender e propagar conceitos errados como se isto fosse a coisa mais natural do mundo. E o pior de tudo é que achamos que estamos fazendo o certo!
De vez em quando, as pessoas que me conheceram na denominação da qual eu fazia parte me perguntam coisas do tipo "Em que igreja você está indo?", "De qual igreja você faz parte agora?". Quando respondo que não frequento mais denominação nenhuma, que apenas me reúno com alguns irmãos em uma casa para estudar a Palavra, geralmente elas acham estranho o fato de eu fazer isto fora de um templo denominacional, e algumas realmente não acreditam que isto seja possível. Noto que muitos não me levam a sério quando digo que continuo crendo no Senhor Jesus e seguindo a Bíblia. Talvez o pastor mencionado acima me considerasse também um "desigrejado", caso se encontrasse comigo e me ouvisse dizendo estas coisas.
É verdade que muitas pessoas que afirmam crer em Cristo e não frequentam uma denominação se autoproclamam "desigrejadas". Mas eu, pessoalmente, não concordo com isso. Como um cristão pode se declarar "desigrejado" se todo crente salvo, biblicamente falando, faz parte da igreja de Deus e é membro do corpo de Cristo (At 2:47; 1 Coríntios 12:27)? O fato de alguém não fazer parte de uma denominação não significa que ele seja "sem igreja". Precisamos entender que a igreja mencionada na Bíblia não é a mesma coisa que essas organizações eclesiásticas que os homens inventaram e chamam de "igreja". Na Bíblia, "igreja" é simplesmente o conjunto das pessoas salvas por Cristo espalhadas por todos os lugares do mundo. Havia igrejas locais também, que eram grupos de cristãos que se reuniam em uma certa localidade. Mas a palavra "igreja" nunca é usada na Bíblia para se referir a um templo ou uma entidade jurídica.
O pastor usa Hebreus 10:24, 25 de forma imprópria. É evidente que o referido texto diz para os cristãos se congregarem, mas não diz para fazermos isto nas denominações, até porque elas não existiam naquela época. O mau entendimento desses versículos bíblicos provém da ideia pré-concebida, que a tradição impôs, do que seja "igreja". "Igreja" não é um lugar aonde você vai, "igreja" é uma reunião de pessoas, da qual nós fazemos parte se cremos verdadeiramente no Senhor Jesus. Não precisamos raciocinar muito pra perceber o quanto é errado dizer coisas como "Vou para a igreja". Como alguém pode ir para algo em que já está? Outro pensamento errado do pastor é achar que a noiva de Cristo é a igreja funcionando nos moldes denominacionais. Após citar o nome de algumas denominações, ele insinua que os que não querem frequentar a igreja estão rejeitando a noiva de Cristo. Ora, se esta afirmação é correta, quantas noivas precisamos admitir que Cristo tem, visto que existem milhares de denominações pelo mundo a fora? Os homens, por não compreenderem corretamente o que é a igreja, criaram um verdadeiro harém para o Senhor, no qual as supostas noivas disputam entre si para serem a preferida dEle. Porém, é óbvio que Ele rejeita a todas elas, pois a única para a qual Ele tem olhos é aquela por quem Ele "a si mesmo se entregou", "a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue" (Ef 5:25; Atos 20:28).
Portanto, aqueles que se recusam a frequentar uma denominação não estão se rebelando contra a palavra de Deus. Muitos se opõem a os irmãos se reunirem somente numa casa ou outro lugar para estudarem a Palavra, orar, cantar hinos. Eles acham que Deus só aprova uma reunião de cristãos se ela for feita debaixo de um nome denominacional, dentro de um templo pertencente a uma organização regulamentada, com um pastor ou outra pessoa na direção. Para eles, isto é ser uma igreja. Estas pessoas deveriam examinar as Escrituras e conferirem se é assim que os crentes nos tempos dos apóstolos se reuniam. Se fizerem isto, ficarão surpresos em descobrir que os primeiros cristãos se congregavam de um modo BEM diferente daquilo a que estamos habituados.
Outro dia eu disse a um irmão denominacional que havia deixado a denominação por ver que essa forma de se reunir não tem fundamento bíblico. Eu chamei a atenção dele para o fato de que não existiam denominações no princípio da igreja. Ele imediatamente argumentou que "isso era naquela época, hoje as coisas mudaram". O apóstolo Paulo denunciou as divisões em Corinto, mostrando que aquilo era carnalidade (1 Co 3:3, 4). Será que o Espírito Santo, que inspirou o apóstolo a escrever assim, mudou de opinião? Será que hoje Ele vê as muitas divisões no sistema denominacional e considera isto como espiritualidade? Se pensarmos que podemos ao nosso bel-prazer fazer as coisas de modo diferente hoje, teremos de abrir o leque para uma série de mudanças na igreja. Isto é muito perigoso, pois corremos o risco de acabar aceitando diversas coisas erradas. Como saber quais mudanças admitir ou não, quando o nosso critério de avaliação está na opinião humana? O melhor é nos mantermos no padrão estabelecido pela Palavra. "Entretanto, o firme fundamento de Deus permanece" (2Tm 2:19).
Assim, antes de condenarmos alguém que pensa diferente de nós, analisemos se as nossas próprias ideias resistem ao exame das Escrituras. Talvez estejamos cegamente defendendo algo contrário aos pensamentos de Deus e julgando quem fala a verdade. Os fariseus se orgulhavam de ser o grupo religioso de maior influência e conceito no judaísmo dos dias do Senhor Jesus aqui na Terra. Eles se consideravam grandes sábios e conhecedores da Lei de Moisés. Contudo, ouviram do Senhor estas palavras: "Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. E em vão me adoram, ENSINANDO DOUTRINAS QUE SÃO PRECEITOS DE HOMENS" (Mt 15:8, 9). Termino citando uma frase que ouvi hoje e achei muito sábia: "A maioria pode estar errada".
Fábio Sandes