F. B. Hole

Atos dos Apóstolos

Atos dos APÓSTOLOS

Comentário Sobre o

Novo Testamento

F. B. Hole

OS ATOS DOS APÓSTOLOS – Comentário Sobre o Novo Testamento

F. B. Hole

Título do original em inglês: The Acts of the Apostles

Texto obtido com autorização de STEM Publishing

www.stempublishing.com

Traduzido, publicado e distribuído no Brasil por:

ASSOCIAÇÃO VERDADES VIVAS, uma associação sem fins lucrativos, cujo objetivo é divulgar o evangelho e a sã doutrina de nosso Senhor Jesus Cristo.

atendimento@verdadesvivas.com.br

Primeira edição em português – Julho 2019

e-Book v.1.0

Abreviaturas utilizadas:

ARC – João Ferreira de Almeida – Revista e Corrigida – SBB 1969

ARA – João Ferreira de Almeida – Revista e Atualizada – SBB 1993

TB – Tradução Brasileira – 1917

ACF – João Ferreira de Almeida – Corrigida Fiel – SBTB 1994

AIBB – João Ferreira de Almeida – Imprensa Bíblica Brasileira – 1967

JND – Tradução inglesa de John Nelson Darby

KJV – Tradução inglesa King James

Todas as citações das Escrituras são da versão ARC, a não ser que outra esteja indicada.

ATOS 1

Por suas palavras de abertura, o livro dos Atos dos Apóstolos está ligado da maneira mais clara com o evangelho de Lucas. O mesmo Teófilo é abordado, e no primeiro capítulo a história é retomada justamente no ponto em que o evangelho parou, exceto que alguns detalhes extras são dados das palavras do Senhor após Sua ressurreição, e o relato de Sua ascensão é repetido em um cenário um pouco diferente. O evangelho leva à Sua ressurreição e ascensão. Os Atos partem desses fatos gloriosos e desenvolvem suas consequências.

No primeiro versículo, Lucas descreve seu evangelho como um “tratadoacerca de tudo que Jesus começou, não só a fazer**, mas a** ensinar**”**. A palavra **“começou”** é digna de nota. Dá a entender que Jesus não deixou de fazer e ensinar por causa de Ele ter sido elevado para além da visão dos homens. Os Atos nos dizem o que Jesus _fez_, derramando o Espírito Santo vindo do Pai, para que por Ele pudesse agir por meio dos apóstolos e de outros discípulos. Da mesma forma, descobrimos, lendo as epístolas, o que Ele passou a _ensinar_ por meio dos apóstolos no devido tempo. Antes de ser levado, Ele deu as instruções necessárias aos apóstolos, e isso **“pelo Espírito Santo”**, embora ainda o Espírito não lhes tivesse sido dado. Em seu evangelho, Lucas nos apresentou o Senhor como o Homem perfeito, agindo sempre no poder do Espírito e, nessa mesma luz, O vemos aqui.

Pelo espaço de quarenta dias Ele Se manifestou como aqu’Ele que vive além do poder da morte, e assim, abundante prova foi dada de Sua ressurreição. Durante esses contatos com Seus discípulos, falou-lhes de coisas concernentes ao reino de Deus e os orientou a esperar em Jerusalém a vinda do Espírito. João, que batizou com água, apontou para Ele como o que batizava com o Espírito Santo, e que esse batismo iria alcançá-los em poucos dias.

O Senhor estava falando do reino de Deus; as mentes dos discípulos, porém, ainda perseguiam a restauração do reino a Israel. Nisso eles eram como os dois a caminho de Emaús, embora agora soubessem que Ele havia ressuscitado. Sua pergunta deu ao Senhor a oportunidade de indicar qual seria a ordem dos eventos para a abertura da dispensação, e encontramos novamente o que vimos em Lucas 24; o centro dos eventos não é Israel, mas Cristo. A vinda do Espírito significaria poder, não que os apóstolos devessem ser restauradores de Israel, mas “Minhas testemunhas” – testemunhas de Cristo até os limites mais extremos da Terra. Os quatro círculos de testemunho, mencionados no final do versículo 8, nos fornecem uma maneira de dividir o livro. Começamos com o testemunho em Jerusalém e até o final de Atos 7 estaremos ocupados com aquela cidade e a Judeia. Então no capítulo 8 vem Samaria. Em Atos 9, o homem que leva o evangelho aos gentios é chamado; e em Atos 13 começa a missão para as partes mais remotas.

Parece haver uma contradição entre o versículo 7 e o que Paulo escreve em 1 Tessalonicenses 5:1-2. Mas o ponto é que eles sabiam bem o que iria acontecer no trato de Deus com a Terra: aqui indica que não podemos saber quando, uma vez que é um assunto reservado pelo Pai apenas para Si mesmo. Nosso serviço é prestar testemunho verdadeiro e diligente a Cristo. O que esse testemunho produzirá não é claramente manifestado até chegarmos em Atos 15:14.

Tendo dito estas coisas Jesus foi elevado e uma nuvem – sem dúvida a nuvem de Lucas 9:34 – O escondeu de seus olhos. Dois mensageiros celestiais, porém, ficaram ao lado deles para complementar Sua declaração de alguns momentos antes. A missão desses mensageiros era serem testemunhas do Cristo que havia subido; mas a esperança dos discípulos era o Seu retorno assim como Ele subiu. Sua ida não era algo figurativo, irreal, místico, mas real e literal. Sua vinda será real e literal da mesma maneira.

Dez dias tiveram que passar antes da vinda do Espírito, e o resto do capítulo nos conta como aqueles dias de espera foram ocupados. O número de discípulos declarados em Jerusalém “era de quase cento e vinte pessoas”, e “oração e súplicas” eram o que preenchia o tempo deles. Não poderia haver testemunho até que o Espírito fosse dado, mas eles poderiam tomar e se manter no lugar seguro de total dependência de Deus.

E, além disso, eles poderiam se referir às Escrituras e aplicá-las à situação existente, na medida em que o Senhor abria suas mentes para entendê-las, como registrado em Lucas 24. É notável que Pedro tenha sido o único a tomar a iniciativa nesse assunto, visto que ele próprio pecara tão tristemente apenas seis semanas antes. Ainda assim mostra que o Senhor efetuou sua completa restauração, e ele foi capaz de juntar os Salmos 69:25 e 109:8 dessa maneira marcante. “Bispado”, claro, deveria ser “ofício” ou “encargo”, como a referência ao Salmo irá mostrar. Era o ofício do apostolado que estava em questão, como também versículo 25 do nosso capítulo mostra. Os versículos 18 e 19 não são, evidentemente, as palavras de Pedro, mas um parêntese em que Lucas nos dá mais detalhes do terrível fim de Judas.

Uma característica essencial do apostolado foi o conhecimento em primeira mão do Salvador ressuscitado. O apóstolo deve ser capaz de testificar d’Ele como O tendo visto pessoalmente em Seu estado ressuscitado: daí a terceira pergunta do escritor de 1 Coríntios 9:1. Paulo o viu, não durante os quarenta dias, mas depois no brilho da Sua glória. No entanto, desde o início deve haver as doze testemunhas apostólicas, e Matias foi escolhido. Eles recorreram à prática do Velho Testamento de lançar sortes, pois direção, tal como lemos em Atos 13:2, não poderia ser conhecida até que o Espírito Santo tivesse sido dado.

ATOS 2

Se lermos Levítico 23, poderemos ver que, assim como a Páscoa era profética com relação à morte de Cristo, o Pentecostes era profético quanto à vinda do Espírito, em cujo poder é apresentada a Deus a “nova oferta de manjares” (Lv 23:16), que consiste nos dois pães de primícias – uma eleição de judeus e gentios, santificada pelo Espírito Santo. Assim como aquilo para o qual a Páscoa apontava foi cumprido no dia da Páscoa, Aquilo que o Pentecostes apontava foi cumprido no dia de Pentecostes. Em Jesus, o Espírito veio como uma pomba, sobre os discípulos, veio como o som de um vento ou um sopro poderoso, e como línguas de fogo repartidas. O vento apelou para o ouvido e lembrou-os do assopro do próprio Senhor, do qual João 20:22 nos fala. As línguas de fogo apelaram para os olhos e foram bastante singulares. O vento encheu todos: as línguas pousaram sobre cada um deles. Podemos conectar o poder interior com um; e a expressão do poder em muitas línguas com o outro, conforme o Espírito dava expressão. Quando Jesus veio, Ele era audível, visível e tangível – veja 1 João 1:1. Quando o Espírito veio, Ele era audível e visível apenas, e isso de maneira misteriosa.

É importante, desde o início, distinguir entre o grande fato da presença do Espírito e os sinais e manifestações de Sua presença, que variam muito. Este é o dom definitivo do Espírito, referido em João 7:39, João 14:16, entretanto, uma vez que aqui apenas os judeus estavam em questão, o derramamento do Espírito sobre os gentios crentes (veja Atos 10:45) foi um ato suplementar a isso. Tendo vindo assim, o Espírito habita com os santos por toda a dispensação. Como resultado do derramamento aqui, todos eles foram cheios do Espírito, de modo que Ele estava no controle total de cada um. Devemos também distinguir entre o dom do Espírito e o estar cheio do Espírito, uma vez que o primeiro pode existir sem o último, como veremos mais adiante. Aqui ambos estavam juntamente presentes.

Aqueles a quem o Espírito veio eram um povo que orava, assemelhando-se ao seu Senhor. Eles “todos eram de um acordo” – KJV (“estavam todos concordemente” – ARF) e, consequentemente, “em um único lugar” – JND. O único lugar não é nomeado: pode ter sido o cenáculo de Atos 1, mas mais provavelmente, em vista das multidões que ouviram as declarações dadas pelo Espírito, algum pátio do templo, como o pórtico de Salomão. De qualquer forma, a coisa era tão real e poderosa e não podia ser escondida. Foi, dentro de uma esfera limitada, uma reversão de Babel. A orgulhosa edificação do homem foi encerrada pela confusão de línguas: aqui Deus sinalizou que a Sua edificação espiritual foi iniciada ao exercer domínio sobre as línguas e colocando-as à coerência.

Podemos ver outro contraste no fato de que quando o tabernáculo foi feito no deserto e o Senhor tomou posse dele pela nuvem de Sua presença, Ele imediatamente começou a falar a Moisés a respeito do sacrifício. Isso é mostrado conectando Êxodo 40:35, com Levítico 1:1-2. Em nosso capítulo temos Deus tomando posse de Sua nova casa espiritual por Seu Espírito, e novamente Ele fala imediatamente por Seus inspirados apóstolos. Muitas pessoas de diferentes países ouviram “as grandezas de Deus”.

A investigação das multidões deu a oportunidade de testemunhar. Pedro era o porta-voz, embora os onze estivessem com ele apoiando suas palavras, e ele imediatamente os direcionou para a Escritura que explicava o que tudo aquilo significava. Joel havia predito o derramamento do Espírito sobre toda a carne em dias que ainda estavam por vir, e o que acabara de transparecer era um cumprimento disso, embora não o cumprimento. As palavras de Pedro, “isto é o que foi dito”, implicam que era da natureza daquilo que Joel havia predito, mas não necessariamente a coisa completa e conclusiva que a profecia tinha em vista. João Batista havia dito de Jesus: “Esse é o que batiza com o Espírito Santo” (Jo 1:33). Joel dissera que, depois do arrependimento de Israel e da destruição de seus inimigos, deveria haver esse derramamento do Espírito sobre toda a carne. Ora, no dia de Pentecostes, houve uma espécie de primícias disto no derramamento do Espírito sobre aqueles que formaram o núcleo da Igreja. Essa foi a verdadeira explicação do que havia acontecido. Eles não estavam embriagados com vinho, mas cheios do Espírito.

Mas Pedro não parou aí; Ele começou a mostrar porque esse batismo do Espírito havia ocorrido. Foi a ação direta de Jesus, agora Exaltado à destra de Deus. Isso encontramos quando alcançamos o versículo 33; mas a partir do versículo 22 ele estava guiando as mentes das pessoas por meio das cenas da crucificação até a Sua ressurreição e exaltação. Jesus Nazareno havia sido, de forma muito manifesta, aprovado por Deus durante os dias de Seu ministério, contudo eles O mataram com suas mãos iníquas. Ele havia sido entregue a isto por Deus de acordo com Seu “determinado conselho e presciência”, pois Deus sabe como fazer a ira do homem louvá-Lo e realizar Seus desígnios de bênção; embora isso não diminua a responsabilidade do homem no assunto. O versículo 23 é um claro exemplo de como a soberania de Deus e a responsabilidade do homem não se chocam, quando se trata de resultados práticos; embora possamos ter dificuldade em reconciliar os dois teoricamente.

O que eles tinham feito tão perversamente, Deus havia desfeito triunfantemente. A colisão entre o programa deles e o de Deus foi completa. Antevia o completo desmantelamento deles e sua própria derrubada no momento devido; particularmente porque a ressurreição havia sido prevista por Deus, e predita por meio de Davi no Salmo 16. Ora Davi não poderia estar falando de si mesmo, pois ele havia sido sepultado e seu túmulo era bem conhecido entre eles naquele dia. Quando ele falou de Um, cuja alma não foi deixada no Hades e cuja carne não viu corrupção, estava se referindo a Cristo. O que ele disse foi cumprido: Jesus não foi apenas ressuscitado, mas exaltado ao céu.

Como o Homem exaltado, Jesus recebeu do Pai o Espírito Santo que havia sido prometido e O derramou sobre Seus discípulos. No Seu batismo Ele recebeu o Espírito Santo para Si mesmo como o Homem dependente; agora Ele recebe o mesmo Espírito Santo em favor de outros como Representante deles. Ao derramar o Espírito, esses outros foram batizados em um só corpo e se tornaram Seus membros. Isso aprendemos com as Escrituras posteriores.

Nos versículos 34-36, Pedro leva seu argumento a um passo adiante, ao seu clímax. Davi havia profetizado sobre seu Senhor, que deveria ser exaltado à direita de Deus. O próprio Davi não foi elevado aos céus assim como não ressuscitou dos mortos. Aqu’Ele de Quem Davi falou foi assentar-Se no assento da administração e do poder até que Seus inimigos fossem postos por escabelo de Seus pés; portanto, a conclusão de toda a questão era esta: o derramamento do Espírito, que eles haviam visto e ouvido, provou além de qualquer sombra de dúvida que Deus havia feito do crucificado Jesus, tanto Senhor como Cristo.

Como Senhor, Ele é o grande Administrador em favor de Deus, seja em bênção ou em julgamento. Seu derramamento do Espírito havia sido um ato de administração que revelou Seu Senhorio.

Como Cristo Ele é a Cabeça ungida de todas as coisas, e particularmente do pequeno punhado dos Seus próprios deixados sobre a Terra. Sua recepção do Espírito dado pelo Pai em favor dos Seus, preliminarmente ao Seu derramamento, revelou Seu “estado ou fato de ser o Cristo”1.

Sendo “feito” Senhor e Cristo é bastante consistente com o fato de Ele ter sido ambos durante Sua jornada na Terra. Estas coisas foram sempre Suas, mas agora Ele foi oficialmente feito como Tal, como o Homem ressuscitado e glorificado. Notícia maravilhosa para nós; mas terrível notícia para aqueles que tinham sido culpados de Sua crucificação. Isso simplesmente garantia sua terrível condenação, se eles persistissem em seu curso.

O Espírito, que acabara de pousar sobre os discípulos, começou agora a trabalhar nas consciências de muitos dos ouvintes. Assim que eles começaram a perceber a situação desesperada em que foram colocados pela ressurreição do Senhor, foram compungidos em seu coração e clamaram por direção. Pedro indicou o arrependimento e o batismo em nome de Jesus Cristo como o caminho para a remissão dos pecados e o dom do Espírito Santo; pois, como ele aponta no versículo 39, a promessa em Joel é para o Israel arrependido, e para os filhos dos tais, e até para os gentios distantes. Assim, no primeiro sermão Cristão, a extensão da bênção do evangelho aos gentios é contemplada. A remissão de pecados e o dom do Espírito trazem consigo todas as bênçãos Cristãs.

Pode parecer notável que Pedro não mencione fé. Mas podemos deduzir isso, pois ninguém se submeteria ao batismo em nome de Jesus Cristo, a menos que cresse n’Ele. O batismo significa a morte e, consequentemente, a dissociação da vida e das conexões antigas. Eles não estariam preparados para cortar suas ligações com a velha vida, a menos que realmente cressem naqu’Ele que era o Senhor da nova vida. Com muitas palavras, Pedro testificou e exortou-os a cortar seus vínculos e, assim, salvarem-se dessa “geração perversa”.

A fé estava presente, pois nada menos que três mil receberam a palavra de Pedro. Um momento antes eles conheciam a angústia de ser compungidos em seu coração. Agora eles receberam o evangelho e cortaram suas ligações pelo batismo. Tendo assim se dissociado da massa de sua nação, que havia crucificado o seu Senhor, eles tomaram sua posição ao lado dos 120 originais, que foram multiplicados vinte e cinco vezes em um dia. Além disso, eles não apenas começaram, mas foram marcados pela contínua perseverança.

As quatro coisas que os marcaram, de acordo com o versículo 42, são dignas de nota. Primeiro vem a doutrina ou ensinamento dos apóstolos. Isso é a base das coisas. Os apóstolos eram os homens a quem o Senhor havia dito: “quando vier aqu’Ele Espírito de verdade, Ele vos guiará em toda a verdade**”** (Jo 16:13). Sua doutrina foi consequentemente o fruto da direção do Espírito. A Igreja tinha agora sua existência, e a primeira coisa que a marcou foi _sujeição ao ensino do Espírito por meio dos apóstolos_. A Igreja não ensina; é ensinada e está sujeita à Palavra dada pelo Espírito.

Continuando na doutrina apostólica, eles também continuaram na comunhão apostólica. Eles encontraram sua vida prática e sociedade em companhia apostólica. Anteriormente, eles tinham tudo em comum com o mundo; agora a comunhão com o mundo havia desaparecido e a comunhão com os círculos apostólicos havia sido estabelecida – e a comunhão apostólica era “com o Pai, e com Seu Filho Jesus Cristo” (1 Jo 1:3).

Eles continuaram também no partir do pão, que era o sinal da morte de seu Senhor, e também incidentalmente – como aprendemos em 1 Coríntios 10:17 – uma expressão de comunhão. Assim, eles estavam em constante lembrança de seu Senhor que morreu e preservados de se voltarem às suas antigas associações.

Finalmente, eles continuaram em orações. Eles não tinham poder em si mesmos; tudo foi confiado ao seu Senhor no alto e ao Espírito dado a eles. Portanto, a constante dependência de Deus era necessária para a manutenção de sua vida espiritual e testemunho.

Essas coisas marcaram a Igreja primitiva e não devem marcar menos a Igreja hoje. As coisas mencionadas nos versículos finais do capítulo eram de caráter menos permanente. Os apóstolos, com sinais e maravilhas se foram. O comunismo Cristão, que prevaleceu no início, também passou; assim como a perseverança diária no templo e o terem o favor de todo o povo. No entanto, tudo foi superado por Deus. A venda de suas posses provocou muita pobreza entre os santos, quando anos mais tarde veio a fome, foi a ocasião para esse ministério de alívio vindo das assembleias gentias (ver Atos 11:27-30), que tanto contribuiu para unir os membros judaicos e gentios na Igreja de Deus.

No momento, havia simplicidade, alegria e singeleza de coração com muito louvor a Deus. E a obra de Deus, acrescentando o remanescente crente à Igreja, continuou.

ATOS 3

Atos é um livro histórico, mas não é simples história. Uma imensa quantidade de serviço apostólico é deixada sem registro, e são mencionados apenas alguns incidentes que servem para mostrar o modo como o Espírito de Deus opera em testemunhar o Jesus ressuscitado e exaltado, e em conduzir os discípulos à plenitude das bênçãos Cristãs. O livro cobre um período de transição que vai desde o início da Igreja em Jerusalém até a reunião completa de entre os gentios.

Este capítulo começa com a cura do homem coxo desde o nascimento que jazia na porta Formosa do templo. Como o próximo capítulo nos diz que ele tinha mais de quarenta anos – o período completo de provação havia sido cumprido nele. O homem não havia sido curado pelo Senhor Jesus nos dias de Sua carne, embora Ele frequentemente ensinasse no templo; mas ele foi curado pelo poder do Seu Nome, agora que Ele foi glorificado no céu. Pedro não possuía nem prata nem ouro, mas o poder do Nome de Jesus Cristo Nazareno ele podia exercer, e o homem foi instantaneamente curado da maneira mais triunfante. Hoje, muitos Cristãos fervorosos estão mais preocupados em colecionar a prata e o ouro para o apoio da obra do Senhor, e o poder do Nome permanece em grande parte sem uso. Isso é para nossa vergonha.

Por causa de sua deformidade, o coxo ficou sujeito a certas restrições de acordo com a lei; agora a graça havia removido sua deformidade e com ela a restrição, de modo que ele pudesse entrar no templo com liberdade; e apegando-se aos apóstolos não havia como esconder aqueles que haviam sido os instrumentos de sua libertação. Isso deu a Pedro a oportunidade de testemunho. Ele imediatamente colocou a si mesmo e João fora da cena, a fim de que o glorificado Jesus pudesse preenchê-la.

A ousadia de Pedro é notável. Ele acusou o povo de negar “o Santo e o Justo”, embora ele mesmo, poucas semanas antes, tivesse negado seu Senhor. Eles tiveram diante deles “o Príncipe [Autor – ARA] da vida” e “um homicida”, isso é, um ceifador de vida. Eles mataram o Primeiro e escolheram o segundo; todavia, aqu’Ele a Quem mataram, Deus O ressuscitou dentre os mortos, e assim eles foram pegos em flagrante rebelião contra Deus. Além disso, esta “perfeita saúde” (v. 16) foi concedida ao homem coxo no poder do Seu Nome, por fé. Eles não podiam ver a glória de Jesus no céu, mas eles podiam ver o milagre feito em Seu Nome na Terra. A saúde na Terra estava ligada à glória no céu.

O versículo 17 mostra que Deus estava preparado para tratar o terrível crime deles como um pecado de ignorância – como um homicídio não intencional, para o qual é fornecida uma cidade de refúgio, e não como um homicídio voluntarioso. Esta foi uma resposta direta à oração na cruz: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”. Pelo ato pecaminoso deles, Deus havia cumprido Seu propósito quanto ao sofrimento de Cristo e, portanto, ainda havia uma oferta de misericórdia para eles como nação. Aquela oferta que Pedro fez, conforme registrado nos versículos 19-26 do nosso capítulo. Tudo dependia de seu arrependimento e conversão.

Não podemos dizer se Isaías 35:6-7 estava na mente de Pedro enquanto ele falava sobre “os tempos de refrigério” - mas parece que deve ter estado na mente do Espírito que estava falando por meio dele. Quando “o coxo” saltar “como cervos”, então “águas arrebentarão no deserto, e torrentes no ermo”. Mas todo esse refrigério predito por Isaías é para “os resgatados do Senhor” (Is 35:10) e para nenhum outro. Por isso, somente o arrependimento e uma conversão completa trariam esses tempos; se isso acontecesse, Deus enviaria Jesus Cristo para fazer com que essas coisas se cumprissem.

O termo “restauração de todas as coisas” (ARA) tem sido mal utilizado a serviço da ideia de que Deus vai finalmente salvar e restaurar a todos – até o próprio diabo. Mas a passagem diz: “restauração de todas as coisas, das quais Deus falou (AIBB). São coisas, não pessoas; e coisas as quais desde o princípio Ele havia falado pelos Seus profetas. Deus vai cumprir todas as palavras e estabelecer em Cristo tudo o que foi derrubado pelas mãos dos homens. Esse tempo não virá até que o próprio Jesus venha, e como Ele é o Profeta de Quem Moisés falou, todas as coisas serão trazidas à uma solução quando Ele vier, e todo aquele que O desconsiderar será destruído dentre o povo. Haverá um tempo de bênção estabelecido, como não houve desde o princípio do mundo.

Com estas palavras, então, Pedro fez a definida oferta da parte de Deus de que, se neste momento houvesse arrependimento e conversão à Deus em uma abrangência nacional, Jesus retornaria e estabeleceria os tempos preditos de bênção. No último versículo do capítulo, ele também acrescentou que, qualquer que fosse a resposta deles, Deus havia levantado Jesus para abençoá-los ao desviá-los de seus pecados. Essas duas coisas que todos precisamos: primeiro, o apagamento judicial de nossos pecados (v. 19); segundo, sermos desviados dos nossos pecados, de modo que eles percam o poder sobre nós (v 26).

ATOS 4

Conforme lemos os versículos de abertura, encontramos a resposta à essa oferta, dada pelos chefes oficiais da nação. Sendo a oferta baseada na ressurreição do Senhor Jesus, foi particularmente desagradável para os saduceus e para os sacerdotes, que eram daquela seita. Eles a rejeitaram incondicionalmente, prendendo os apóstolos. A obra de Deus, entretanto, prosseguiu em poder de conversão, conforme o versículo 4; e no dia seguinte, quando examinado perante o conselho, Pedro encontrou nova oportunidade para testemunhar, respondendo à pergunta sobre o poder e o Nome em que agira.

O Nome e poder era o de Jesus Cristo o Nazareno, a Quem eles haviam crucificado e a Quem Deus havia exaltado. O Salmo 118:22 havia se cumprido n’Ele, e Pedro passou a expandir o testemunho daquilo que era particular àquilo que é universal. O poder do Nome esta.va bem diante de seus olhos no caso particular do homem coxo que fora curado, não era menos potente para a salvação dos homens de uma forma universal. A cura física do homem era apenas um sinal da cura espiritual que o Nome de Jesus traz. O desprezado Jesus Nazareno é a única porta para a salvação.

Os versículos 13-22 mostram, de maneira mais impressionante, como o testemunho de Pedro foi justificado. Os apóstolos eram indoutos e ignorantes de acordo com os padrões do mundo, ainda assim haviam estado com Jesus e eram ousados, e isso impressionou o conselho, que desejaria tê-los condenado. Três coisas impediram no entanto:

- Eles “nada tinham que dizer em contrário” (v. 14); - Eles tiveram que confessar: “por eles foi feito um sinal notório, e não o podemos negar” (v. 16); - Eles não acharam “motivo para os castigar” (v. 21).

Quando os homens desejam desacreditar qualquer coisa, eles geralmente, em primeiro lugar, a negam, caso seja possível. Se isso não for possível, encontrarão algum modo de falar contra ela, deturpando-a, se for necessário. Por fim, se isso não for possível, atacam as pessoas envolvidas na coisa, difamando as pessoas que as defendem e punindo-as. Esses três conhecidos artifícios estavam nas mentes dos homens do conselho, mas todos falharam, pois estavam lutando contra Deus. Eles poderiam apenas ameaçá-los e exigir que eles parassem de proclamar o Nome de Jesus. Pedro repudiou a exigência deles, pois Deus lhes havia ordenado que pregassem em Nome de Jesus, e como Ele era a Autoridade infinitamente superior, deviam obedecer a Ele e não a eles.

Seguem-se os versículos 23-37 com uma bela imagem da Igreja primitiva em Jerusalém. Liberados pelo conselho, os apóstolos foram “para os da sua própria companhia” – (JND). Isso nos mostra que, no início, a Igreja era uma “companhia” distinta e separada do mundo, até mesmo do mundo religioso do judaísmo. Este ponto precisa de muita ênfase em dias em que o mundo e a Igreja têm sido misturados em grande parte.

A Igreja primitiva encontrou seu recurso na oração. Na emergência, eles se voltaram para Deus e não para os homens. Eles poderiam ter desejado que o conselho fosse de um caráter menos saduceu, com mais liberalidade e amplitude em seu ponto de vista, mas não se mexeram para obtê-lo; eles simplesmente procuraram a face de Deus, o Governador soberano dos homens.

Em sua oração, eles foram conduzidos à Palavra de Deus. O Salmo 2 lançou sua luz sobre a situação que os confrontava. A interpretação da passagem se referiria aos últimos dias, mas eles viram a aplicação dela que se referia a seus dias. A Igreja primitiva foi marcada pela sujeição à Palavra, encontrando nela toda a luz e orientação de que precisavam. Essa também é uma característica muito importante e instrutiva.

Eles também estavam muito mais preocupados com a honra do Nome de Jesus do que com sua própria tranquilidade e conforto. Eles não pediram o fim da perseguição e oposição, mas que eles pudessem ter ousadia em falar a Palavra, e ter aquele apoio milagroso que exaltaria o Seu Nome. A Igreja é o lugar onde esse Nome é tido como amado.

Como resultado disso, houve uma manifestação excepcional do poder do Espírito. Todos eles foram cheios d’Ele; o próprio edifício onde eles se encontraram foi abalado e sua oração, por causa da especial ousadia, foi instantaneamente respondida. E não apenas isso, mas aquilo que eles não haviam pedido lhes foi concedido; E era um o coração e a alma. Isto naturalmente fluiu do fato de que o “um Espírito” de mente e de coração estava enchendo cada um deles. Se todos os crentes hoje estivessem cheios do Espírito, a unidade de mente e coração os caracterizaria. Esta é a única maneira pela qual tal unidade poderia acontecer.

Além disto, fluiu a próxima característica que o versículo 33 menciona. Houve grande poder no testemunho dos apóstolos para o mundo. A Igreja não pregou, mas, cheia de graça e poder, apoiou aqueles que o fizeram. A pregação então, como sempre, estava nas mãos dos que foram chamados por Deus para fazê-la, mas o poder com o qual eles a faziam era em grande parte influenciado pelo estado que caracterizava toda a Igreja.

Os versículos finais mostram que assim como havia um poderoso testemunho fluindo para fora, havia a circulação do amor e do cuidado fluindo por dentro. A comunidade Cristã, mencionada no final do capítulo 2, ainda continuava. A distribuição era feita “segundo a necessidade de cada um” (TB). Não os desejos das pessoas, mas suas necessidades foram satisfeitas, e assim ninguém teve falta. Numa data posterior, Paulo poderia dizer: “estou instruído, tanto a ter fartura, como a ter fome, tanto a ter abundância como a padecer necessidade” (Fp 4:12), mas nessa época tais experiências eram desconhecidas pelos santos em Jerusalém. Se, por escapar de tais experiências, eles se beneficiaram mais do que Paulo, que passou por elas, é uma questão em aberto, embora nos inclinemos a pensar que não. De qualquer forma, a ação de Barnabé era muito bonita, e o amor e cuidado encontrados na Igreja deveriam ser conhecidos hoje, embora pudesse haver alguma variação no modo exato de expressá-los.

ATOS 5

Este capítulo abre com um incidente solene que destaca, com um surpreendente realce, um último recurso que caracterizou a Igreja primitiva: houve o exercício de uma disciplina santa pelo poder de Deus. O caso de Ananias e Safira foi excepcional, sem dúvida. Quando Deus institui algo novo, parece ser o Seu modo de assinalar Sua santidade, fazendo um exemplo de qualquer um que a desafie. Ele fez isso com o homem que violou o sábado no deserto (Nm 15:32-36), e também com Acã, quando Israel começava a entrar em Canaã (Js 7:18-26), e assim com Ananias e sua esposa aqui. Mais tarde, na história de Israel, muitos violaram o sábado e tomaram as coisas babilônicas proibidas sem incorrer em penas similares, assim como durante a história da Igreja muitos deles agiram em mentiras ou disseram mentiras sem cair mortos.

O que estava por trás da mentira nesse caso eram os males gêmeos da cobiça e da vaidade. Ananias queria manter parte do dinheiro para si e, ainda assim, ganhar a reputação de ter dedicado tudo ao Senhor, como Barnabé fizera. Tal é a mente da carne, mesmo em um santo. Qual de nós nunca teve obras malignas semelhantes em nosso coração? Mas neste caso, Satanás estava trabalhando, e por meio do infeliz casal, ele emitiu um desafio direto ao Espírito Santo presente na Igreja. O Espírito Santo aceitou o desafio e demonstrou Sua presença dessa maneira dramática e inconfundível. Pedro reconheceu que esta era a posição, quando ele falou a Safira de suas ações como um acordo “para tentar o Espírito do Senhor”.

Como resultado, o desafio de Satanás foi transtornado para servir aos interesses do Senhor e de Seu evangelho, como mostram os versículos seguintes. Em primeiro lugar, este episódio colocou grande temor sobre todos que ouviram falar dele, e mesmo sobre a própria Igreja. Aqui está indicado algo que faz muita falta na Igreja hoje – para não falar dos homens em geral. O temor de Deus é algo muito saudável nos corações dos santos e é bastante compatível com um profundo sentimento do amor de Deus. Paulo tinha esse temor à luz do tribunal (2 Co 5:10-11), embora que para o incrédulo isso ultrapassa o temor, indo para o verdadeiro terror. Um temor piedoso, brotando de um profundo senso da santidade de Deus, deve ser muito desejado.

Então, como a primeira parte do versículo 12, e os versículos 15 e 16 mostram, não houve esmorecimento no poder miraculoso de Deus, ministrado por meio dos apóstolos. De fato, o poder aumentou, de modo que a mera sombra de Pedro provocou prodígios. Dentro de um parêntese (vs. 12-14 – JND e KJV), temos a afirmação de que, depois de tal acontecimento, os homens tinham medo de se unirem à companhia Cristã; no entanto, essa não foi verdadeiramente uma perda, pois impediu qualquer coisa com a natureza de um movimento em massa, que teria varrido uma grande quantidade de falsidade para dentro da Igreja. A verdadeira obra de Deus não foi impedida, como diz o versículo 14. Pessoas podem ser adicionadas à Igreja, sendo meros professos, mas ninguém é “agregado ao Senhor” (ARA), exceto aqueles em quem há uma obra vital de Deus. Assim, o triste negócio de Ananias e Safira foi suplantado para bem, embora que para um observador superficial pudesse parecer um duro golpe para as perspectivas da Igreja.

Tendo Deus trabalhado desta maneira impressionante para abençoar, vemos no versículo 17 o próximo contra-ataque de Satanás. Os sacerdotes e saduceus, cheios de indignação, prendem-nos novamente. Isto é refutado por Deus ao enviar um anjo para abrir as portas da prisão e libertá-los. No dia seguinte, sendo descoberta a liberdade deles, são presos novamente, mas de maneira muito mais suave. As palavras dos sacerdotes confessam o poder com o qual Deus estivera em ação, pois admitem que Jerusalém havia sido enchida com a doutrina; todavia, manifestam a terrível dureza de seus corações ao dizer: “quereis lançar sobre nós o sangue desse Homem”. Ora, eles mesmos disseram: “O Seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos” (Mt 27:25). A verdade era que Deus iria levar adiante essa palavra deles e cumpri-la.

A resposta de Pedro foi curta e simples. Eles iriam obedecer a Deus e não aos homens. Então Pedro novamente resumiu seu testemunho e o repetiu. O Espírito Santo e os apóstolos foram testemunhas da ressurreição de Jesus, a Quem eles mataram. Mas Deus O havia exaltado não para ser naquele momento o Juiz, proferindo a condenação sobre suas cabeças culpadas, mas para ser Príncipe e Salvador, concedendo a Israel arrependimento e perdão (remissão) dos pecados. O arrependimento e o perdão são vistos como uma dádiva.

Embora a misericórdia e o perdão continuassem sendo o peso da mensagem de Pedro, sua proclamação só os incitou à fúria. A misericórdia pressupõe pecado e culpa, e eles não estavam dispostos a admitir; por isso eles formaram conselho para matá-los. Satanás é um homicida desde o princípio e, sob sua influência, o homicídio encheu seus corações. No entanto, Deus tem muitas maneiras de derrotar os desígnios malignos dos homens, e neste caso Ele usou a sabedoria terrena do renomado Gamaliel, que teve Saulo de Tarso como seu discípulo.

Gamaliel citou dois casos recentes de homens que se levantaram fingindo ser alguém; o tipo de homem a quem o Senhor mencionou em João 10, quando falou daqueles que “sobem por outra parte”, e que eram apenas ladrões e salteadores. Eles não deram em nada, e Gamaliel pensou que Jesus poderia ter sido um desses falsos pastores, em vez do verdadeiro Pastor de Israel. Se Ele tivesse sido como um desses, Sua causa também teria dado em nada. A advertência de Gamaliel produziu efeitos e os apóstolos foram libertados, embora tenham sido açoitados e demandados a que cessassem seu testemunho.

Verdadeiramente, o concílio estava lutando contra Deus, pois os apóstolos se alegraram em seu sofrimento por Seu Nome e diligentemente seguiram em seu testemunho, tanto publicamente no templo quanto em particular em todas as casas.

ATOS 6

Por trás de todos os ataques e dificuldades que confrontaram a Igreja primitiva em Jerusalém estava o grande adversário, o próprio Satanás. Foi ele que instigou os saduceus à violência e à tentativa de intimidação. Ele encheu o coração de Ananias para mentir e assim trazer corrupção, tentando o Espírito do Senhor. Agora que esses ataques anteriores foram derrotados, ele se move de uma maneira mais sutil, explorando pequenas diferenças que existiam dentro da própria Igreja. Os “gregos” de quem fala o primeiro versículo deste capítulo, não eram gentios, mas judeus de fala grega, vindos das terras de sua dispersão, enquanto os “hebreus” eram os judeus naturais de Jerusalém e da Palestina.

O primeiro e maior problema dentro da Igreja – o de Ananias – era sobre dinheiro. Se o segundo não era sobre dinheiro, era sobre um assunto muito semelhante a ele; à distribuição das suas necessidades diárias, visto que tinham todas as coisas em comum. O primeiro era sobre conseguir o dinheiro: o segundo sobre distribuir o dinheiro, ou seu equivalente. Aqueles a uma distância maior pensavam que estava havendo parcialidade em favor do povo local. Anteriormente o problema maior criou apenas uma pequena dificuldade, pois foi instantaneamente enfrentado no poder do Espírito: agora o problema menor criou a maior dificuldade, como vemos em nosso capítulo. Este, acreditamos, tem sido quase sempre o caso na história da Igreja: os casos mais difíceis de resolver são aqueles em que, no fundo, há muito pouco a ser resolvido.

Foi apenas uma “murmuração” que surgiu, mas os apóstolos não ficaram esperando que ela se tornasse um enorme clamor. Eles discerniram que o objetivo de Satanás era desviá-los da pregação da Palavra para o serviço social, de modo que tomaram medidas para pôr fim a quaisquer possíveis objeções. Eles instruíram a Igreja a selecionar sete homens para se ocuparem com esse serviço, que deveriam ser “de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria”. Sua administração deveria ser marcada pela sabedoria e honestidade que tinha de ser acima de qualquer suspeita.

Neste negócio, a Igreja deveria selecionar seus próprios administradores; mas o negócio era a distribuição dos fundos e alimentos que a própria Igreja havia arrecadado. Nunca lemos da Igreja sendo chamada para selecionar ou nomear seus anciãos ou bispos ou ministros da Palavra, já que a graça espiritual e os dons que eles distribuem não são providos pela Igreja, mas por Deus. A seleção e ordenação destes, consequentemente, está nas mãos de Deus. Aos anciãos em Éfeso, Paulo disse: “o Espírito Santo vos constituiu bispos” (At 20:28). Deus designa aqueles que devem administrar Sua beneficência.

Então os apóstolos continuaram a se entregar à oração e ao ministério da Palavra. Para aqueles que são ensinados, a Palavra vem em primeiro lugar (1 Tm 4:5), pois só oramos corretamente, conforme somos instruídos na Palavra. Para aqueles que ministram, a oração vem em primeiro lugar, pois sem oração eles não falarão a Palavra corretamente.

Assim como a sabedoria prevalecia com os apóstolos, assim a graça prevalecia na Igreja, pois todos os sete homens escolhidos tinham nomes que sugeriam uma origem grega e não hebraica, e de um deles é dito ter sido um prosélito, do que se conclui que ele veio de uma origem gentia. Desta forma, a multidão cuidou para que todas as murmurações e questionamentos, tivessem fundamentos ou não, fossem silenciados. Os apóstolos se identificaram com a escolha da Igreja, colocando suas mãos sobre os homens escolhidos, com oração. Nos bastidores, o adversário foi novamente frustrado.

Ele foi mais do que frustrado na verdade; pois em vez de os apóstolos serem desviados da Palavra de Deus, o ministério dela aumentou muito, e muitas novas conversões ocorreram, sendo até mesmos alcançados muitos sacerdotes. Além disso, um dos sete, Estêvão, tornou-se um vaso especial da graça e poder do Espírito de Deus; Tanto que, até o final do nosso capítulo, e todo o capítulo 7, seguimos o que Deus operou por meio dele, até o momento de seu martírio.

O poder que operava em Estêvão era tão marcante que provocou oposição de novas frentes. Os homens das várias sinagogas, mencionados no versículo 9, aparentemente eram todos da classe grega, à qual o próprio Estêvão pertencia. Toda a habilidade argumentativa deles não era nada quando confrontada com o poder do Espírito em Estêvão. Então eles recorreram à tática habitual de testemunhas mentirosas e violência. No versículo 11 eles citaram Moisés antes de Deus; pois sabiam o que mais atrairia as paixões da multidão, a quem Moisés, sendo um homem, era mais real do que o Deus invisível. Assim também, no versículo 13, “este lugar santo”, que estava diante de seus olhos, teve precedência sobre a lei; e finalmente, “os costumes que Moisés nos deu” eram talvez mais apreciados por eles do que tudo o mais. Arrastando Estevão para diante do conselho, acusaram-no de blasfêmia e de proclamar Jesus Nazareno como um destruidor do lugar santo deles e dos seus costumes. Havia tanta verdade nessa acusação, que o advento de Jesus de fato inaugurou um novo início nos caminhos de Deus.

Desta forma pública a controvérsia entre a nação e Deus foi levada um passo adiante. Eles lançaram o desafio, e Deus aceitou o desafio enchendo Estevão com o Espírito que até a forma de seu rosto foi alterada, e todo mundo a viu. Por meio de seus lábios, o Espírito Santo procedeu a dar uma palavra final de testemunho contra a nação. O conselho se viu colocado no tribunal de Deus pelo Espírito Santo falando por meio do próprio homem que estava sendo acusado no tribunal desse conselho.

ATOS 7

Sua história começou com Deus chamando Abraão de seu antigo lugar e associações, para que ele pudesse ir para a terra da escolha de Deus e ali ser feito uma grande nação. Isso é mostrado em Gênesis 12:1-3, e foi um evento que marcava uma época, como é evidente quando notamos que um espaço de tempo mais longo é condensado em Gênesis 1-11, do que o período expandido para preencher todo o resto do Velho Testamento. O chamamento de Abraão marcou um novo início nos caminhos de Deus com a Terra, e Estêvão, partindo desse novo início, começou seu discurso.

Gênesis nos diz que Jeová apareceu a Abraão, mas Estêvão o conheceu e falou d’Ele em uma nova luz. O Jeová que apareceu a Abraão era o Deus de glória, o Deus de cenas muito mais gloriosas do que as que podem ser proporcionadas por este mundo, mesmo no que ele tem de melhor e mais belo. Isto é, sem dúvida, o que explica a fé de Abraão abraçando as coisas celestiais como é falado em Hebreus 11:10-16. Chamado pelo Deus de glória, ele pelo menos teve vislumbres da cidade e do país onde a glória habita. Nesta alta nota, Estevão começou e terminou, como sabemos, com Jesus na glória de Deus.

A principal tendência de seu notável discurso era evidentemente trazer ao povo a convicção do modo como seus pais e eles tinham sido culpados de resistir às operações de Deus por Seu Espírito durante toda a sua história. Ele se concentra particularmente no que aconteceu quando Deus havia levantado servos para instituir algo novo em sua história. Houve uma série de novos começos, de maior ou menor importância. O primeiro havia sido com Abraão, mas depois seguiram José, Moisés, Josué, Davi e Salomão; todos a quem ele se refere, embora dando muito mais atenção aos três primeiros do que aos três seguintes. A nenhum destes eles realmente corresponderam, e José e Moisés foram definitivamente rejeitados logo de início. Ele termina com a sétima intervenção, que colocou todas as anteriores na penumbra – a vinda do Justo – Jesus, a Quem tinham acabado de matar.

Estêvão deixou bem claro que os líderes judeus de seus dias estavam apenas repetindo, de forma ainda pior, o pecado de seus antepassados. Os patriarcas venderam José ao Egito porque foram “movidos de inveja”; e Mateus registra os esforços de Pilatos para libertar Jesus, “porque sabia que por inveja O haviam entregado”. Assim também foi com Moisés; as palavras que fizeram com que ele fugisse: “Quem te pôs por príncipe e juiz sobre nós?” (Êx 2:14 – ARA) foi proferida por um de seus irmãos e não por um egípcio. A rejeição veio de seu próprio povo e não dos de fora. Assim também foi com Jesus.

Êxodo 2 não nos dá a percepção da reputação e maestria de Moisés no final de seus primeiros quarenta anos como é dado no versículo 22 do nosso capítulo. Ele era um homem de conhecimento, oratória e ação, quando sentiu em seu coração identificar-se com seu próprio povo, que era o povo de Deus. Tendo dado esse passo, deve ter chegado a ele como um choque terrível o ser recusado por eles. Diante daquelas palavras, ele fugiu. Ele não temeu a ira do rei, como Hebreus 11:27 nos diz, mas ele não suportou essa recusa. Ele havia agido na consciência de seus próprios poderes excepcionais, e agora precisava de quarenta anos de instrução divina no lado de trás do deserto para aprender que seus poderes não eram nada e que o poder de Deus era tudo. Em tudo isso, Moisés está em contraste com o nosso Senhor, embora ele O tipifique na rejeição que teve que suportar.

Este Moisés foi novamente rejeitado pelos pais deles, quando ele os tirou do cativeiro levando-os ao deserto. Ao rejeitá-lo, eles realmente rejeitaram a Jeová, e se voltaram para a idolatria de um tipo muito grosseiro. Mesmo no deserto, e não somente quando na terra, eles foram negligentes com os sacrifícios de Jeová e se adulteraram com ídolos, abrindo assim o caminho para o cativeiro babilônico. Deus ainda havia levantado Davi, e então Salomão construiu a casa. Ora na casa eles se gabavam (veja Jeremias 7:4) como se a mera posse desses edifícios garantisse tudo, quando realmente Deus habitava no Céu dos céus, muito acima dos edifícios mais deslumbrantes da Terra.

As palavras finais de Estêvão – versículos 51-53 – são marcadas por grande poder. Elas são como um apêndice às palavras do próprio Senhor, registradas em Mateus 23:31-36, levando a acusação à sua terrível conclusão na traição e morte do Justo. A posição deles diante de Deus estava baseada na lei e, embora a tivessem recebido pela ordenação de anjos, não a haviam guardado. A lei quebrada pela flagrante idolatria e o homicídio do Messias; houve as duas grandes denúncias na acusação contra os judeus, e ambas são proeminentes nas palavras finais de Estêvão.

O Espírito Santo, pelos lábios de Estêvão, havia virado completamente a mesa sobre seus opressores, e eles se viram acusados, como se estivessem no banco dos réus, em vez de estarem sentados no banco dos juízes. A própria repentinidade com que Estêvão abandonou sua narrativa histórica e lançou a acusação de Deus contra eles, deve ter acrescentado tremendo poder às suas palavras. Elas penetraram em seus corações e os agitaram à fúria.

A única pessoa evidentemente calma era Estêvão. Cheio do Espírito, ele teve uma visão sobrenatural da glória de Deus, e de Jesus naquela glória, e testificou imediatamente do que viu. Ezequiel tinha visto “a semelhança de um trono” e “a semelhança de um homem, no alto, sobre ele” (Ez 1:26), mas Estevão não via uma mera “semelhança” ou “aparência”, mas sim o próprio HOMEM, em pé à direita de Deus. Jesus, uma vez crucificado, é agora o Homem à mão direita de Deus: Ele é o poderoso Executivo, por Quem Deus administrará o universo!

Em seu discurso Estêvão havia salientado que embora José tivesse sido recusado por seus irmãos, ele se tornou o salvador deles e, finalmente, todos tiveram que se curvar perante ele. Ele também lembrou a eles de que, embora Moisés tenha sido inicialmente rejeitado, ele finalmente se tornou príncipe e libertador de Israel. Agora ele testifica uma coisa similar, mas muito maior em relação a Jesus: o Justo que eles haviam matado tornou-Se seu Juiz e, finalmente, para aqueles que O recebem, seu grande e final Libertador. Em sinal disso, Ele estava em glória, e Estêvão O viu.

Totalmente incapazes de refutar ou resistir às suas palavras, os líderes judeus apressaram-se em matar Estêvão, cumprindo assim as palavras do Senhor, registradas em Lucas 19:14, quando os cidadãos, odiando o homem nobre que partiu, enviaram uma mensagem após ele dizendo: “Não queremos que Este reine sobre nós”. Jesus ainda estava “em pé” (v. 55 – TB) em glória, pronto para cumprir o que Pedro havia dito em Atos 3:20, se eles apenas tivessem se arrependido. Eles não se arrependeram, mas deram uma violenta recusa ao apedrejar Estêvão e enviá-lo após seu Mestre. Proeminente em conexão com este ato perverso estava um jovem chamado Saulo, que consentiu com a morte de Estevão, e agiu como um tipo de superintendente em sua execução. Assim, onde a história de Estevão termina, a história de Saulo começa.

Estevão, o primeiro mártir Cristão, encerrou sua curta, mas notável carreira à semelhança de seu Senhor. Cheio do Espírito, sua visão foi preenchida com Jesus em glória. Ele não tinha mais nada a dizer aos homens; Suas últimas palavras foram dirigidas ao seu Senhor. Ao Senhor, ele encomendou o seu espírito e, assumindo a atitude de oração, desejou misericórdia aos seus homicidas. Quem poderia ter antecipado uma resposta tão surpreendente como foi dada por seu exaltado Senhor na conversão de Saulo, o arqui-homicida? A oração do Senhor Jesus na cruz pelos Seus homicidas foi respondida pelo envio do evangelho, começando em Jerusalém; a oração de Estêvão foi respondida com a conversão de Saulo, do que o próprio Saulo nunca se esqueceu, como é mostrado em Atos 22:20.

ATOS 8

Não satisfeitos com a morte de Estêvão, os líderes religiosos em Jerusalém neste momento lançaram a primeira grande perseguição contra a Igreja, e nisso Saulo teve uma participação proeminente. Ele assolou a Igreja como um lobo, invadindo a privacidade das casas para prender suas vítimas. Como resultado, os discípulos foram dispersos pelas províncias da Judeia e Samaria. Ora, de acordo com as palavras do Senhor aos Seus discípulos em Atos 1:8, essas províncias deveriam vir após Jerusalém, e antes que sua missão se estendesse até os confins da Terra; Então, novamente, foi um caso de Deus fazer com que a ira do homem servisse ao Seu propósito. No entanto, notavelmente, os apóstolos, a quem a comissão foi dada, foram as exceções à regra. Eles ainda permaneciam em Jerusalém.

Sendo assim, a narrativa deixa de relatar os atos dos apóstolos e continua com aqueles que foram evangelizar em toda parte, e particularmente com Filipe, outro dos sete. Ele foi para a cidade de Samaria e pregou; o poder de Deus estava com ele e as maravilhosas bênçãos se seguiram, como sempre acontece quando um servo de Deus se move na linha direta do propósito de Deus. A semeadura entre os samaritanos havia sido feita pelo próprio Senhor, conforme registrado em João 4. Então muitos disseram não apenas: “não é este o Cristo?” (Jo 4:29), mas também: “Este é realmente o Cristo” (Jo 4:42). Ora Filipe, vindo a eles, “lhes pregava a Cristo”, como aqu’Ele que havia morrido, ressuscitado e agora estava em glória; Como consequência, um grande momento de colheita aconteceu. Houve um grande gozo naquela cidade.

Sendo recebida a mensagem de Filipe, ele começou a pregar entre eles “acerca do reino de Deus”, e isso levou multidões a serem batizadas. Entre eles estava Simão, o mágico, que também “creu” e foi batizado. Ele se achou, como mostra o versículo 7, na presença de um poder muito maior que os espíritos impuros, com os quais ele anteriormente tinha negócio.

A coisa notável sobre a obra em Samaria era que, embora muitos cressem no evangelho e fossem batizados, nenhum deles recebeu o dom do Espírito Santo. A ordem que Pedro propôs em Atos 2:38 não foi observada no caso dos samaritanos. Deus assim ordenou, acreditamos, por uma razão especial. Houve rivalidade religiosa entre Jerusalém e Samaria, como João 4 testemunha, e, portanto, deve ter havido uma forte tendência a levar esse antigo preconceito para as novas condições. Isso significaria uma igreja samaritana independente, se não em rivalidade, da igreja em Jerusalém; e assim qualquer expressão prática do “um só corpo” teria sido posta em perigo mesmo antes que a verdade fosse revelada. E assim, eles só receberam o Espírito quando Pedro e João tinham descido e colocado as mãos sobre eles, e assim formalmente identificando os apóstolos e a igreja em Jerusalém com esses novos crentes em Samaria. A unidade da Igreja foi preservada.

Quando o Espírito Santo foi dado, foi desenhada uma linha entre o verdadeiro e o falso. Nem todos os batizados se mostram verdadeiros, mas o Espírito só é dado àqueles que são verdadeiros. Por isso, em Samaria, o batizado Simão ficou sem o Espírito Santo. Os versículos 12 e 16 nos mostram que o batizado professa a entrada no reino de Deus e toma sobre si o nome do Senhor Jesus, como seu novo Senhor, assim como o antigo Israel foi batizado a Moisés – ver 1 Coríntios 10:2. Simão se submeteu a tudo isso, no entanto, quando o teste veio, a realidade não foi encontrada nele. Ele nunca teria dito: “Dai-me também a mim esse poder”, se ele já o possuísse. Ele sequer entendeu isso, como provado por sua oferta de dinheiro.

Deve ter sido um grande golpe para Simão, que anteriormente dominou o povo de Samaria por seus feitos sobrenaturais, encontrar uma multidão agora possuindo um poder, na presença do qual seus próprios atos sombrios eram como nada. Eles possuíam o dom do Espírito Santo, e ele havia sido deixado de fora. Isso o levou a se expor completamente oferecendo dinheiro aos apóstolos. Ele desejava comprar não apenas o Espírito para si, mas também o poder de transmiti-Lo aos outros pela imposição de suas mãos. Ele sentia, sem dúvida, que se tal poder pudesse ser seu, qualquer dinheiro aplicado em sua compra seria um investimento muito lucrativo.

Esta é a terceira revolta registrada do mal dentro do círculo daqueles que foram batizados: primeiro, Ananias; segundo, a murmuração a respeito das viúvas negligenciadas; terceiro, Simão, o mágico. Em cada caso, como se percebe, o dinheiro estava envolvido. Neste terceiro caso, vemos o começo do esforço satânico para transformar a pura fé em Cristo em uma religião que gera dinheiro. Em Samaria, era apenas um córrego fluindo por meio de um homem. Logo aumentou em uma inundação, varrendo imensas riquezas para Roma. No sistema religioso que tem seu centro lá, tudo o que é suposto ser um dom de Deus pode ser comprado com dinheiro.

Pedro não poupou Simão, o mágico. Ele disse claramente que esse pensamento atroz significava que seu coração não estava correto para com Deus, que ele estava inteiramente fora da verdadeira fé em Cristo e que tanto ele como seu dinheiro pereceriam. As palavras de Pedro certamente foram proféticas da ruína que, finalmente, dominaria o grande sistema eclesiástico, que por meio dos séculos transformou o Cristianismo na “religião do dinheiro”.

Houve um raio de esperança para Simão, que Pedro manteve para ele, no versículo 22. Ele poderia se arrepender e, portanto, o perdão para ele ainda era uma possibilidade. Observe como o próprio propósito de seu coração é caracterizado como maldade, sem se referir às suas palavras; uma ilustração disso, da afirmação de que “o propósito do tolo é pecado” (Pv 24:9). Estando ainda em escravidão ao dinheiro, ele ainda estava em laço de iniquidade e amargura. O amor ao dinheiro é “a raiz de toda a espécie de males”; isto é, de todo tipo de mal, uma grande parte da amargura que enche a Terra, brota dele. Pedro disse a Simão para orar a Deus; mas a partir de sua resposta, registrada no versículo 24, parece que ele não tinha o arrependimento que o levaria a orar por si mesmo, e desejava ter certeza da intercessão de Pedro em seu favor sem pagar por isso. Multidões desde aquele dia pagaram quantias consideráveis na esperança de obter a intercessão de Pedro!

Os apóstolos demoraram a sair de Jerusalém, como nos disse o versículo 1 de nosso capítulo. Filipe tinha sido o pioneiro em Samaria, mas agora que Pedro e João haviam descido, eles ainda ministravam a Palavra aos convertidos, e também evangelizavam em muitas aldeias samaritanas em sua jornada de retorno. No entanto, havia mais trabalho pioneiro a ser feito e, quanto a isso, o anjo do Senhor não falou aos apóstolos, mas a Filipe.

A obediência pronta e simples de Filipe às instruções do Senhor é muito marcante. Foi-lhe dito que deixasse o lugar dos seus trabalhos bem sucedidos e partisse para a região desértica a sudoeste de Jerusalém. O registro é o seguinte: “Levanta-te e vai”; ele “levantou-se e foi”, embora seus irmãos possam tê-lo considerado equivocado e excêntrico ao fazê-lo. Se ele não sabia, ao começar, o objeto de sua jornada, ele logo descobriu, pois seus passos foram guiados de modo que ele deveria interceptar um importante oficial etíope que buscava a Deus. Este homem havia feito uma jornada penosa a Jerusalém, de acordo com a pouca luz que ele tinha. Ele chegou lá tarde demais para obter qualquer benefício do templo, pois ele não era mais reconhecido como a casa de Deus. Ele estava muito atrasado para encontrar o Senhor, pois Ele havia sido rejeitado e ido para o céu. Ele, no entanto, conseguiu um livro importante das Escrituras do Velho Testamento, e estava em sua jornada de retorno precisando apenas de uma coisa a mais.

Era aquela coisa a mais que Filipe foi enviado para suprir, pois Deus não permitiria que um etíope estendesse as mãos a Ele sem obter uma resposta. Ele precisava da luz do Novo Testamento, então, como o Novo Testamento ainda não havia sido escrito, Filipe foi enviado com a mensagem do Novo Testamento. O Espírito de Deus estava no controle, portanto, tudo se moveu para o momento exato com suave perfeição. O etíope tinha acabado de chegar ao meio de Isaías 53, quando Filipe se dirige a ele, e sua mente aguçada estava cheia da pergunta que esse capítulo inevitavelmente suscita nos pensamentos de todo leitor inteligente – O profeta fala de si mesmo, ou “dalgum outro?” foi a pergunta do etíope. Filipe achou esse texto, e pregou-lhe “JESUS”.

Tudo o que Filipe contou ao etíope é resumido para nós por Lucas nesse Santo Nome, e isso é facilmente entendido quando nos lembramos de como Mateus 1:21 nos introduz a ele e ao seu significado. Tudo o que o homem precisava – a luz e a salvação – era encontrado em JESUS; e enquanto Filipe falava o eunuco achou! Ora, Isaías 53 apresenta Jesus como aqu’Ele que morreu uma morte expiatória e substitutiva; aqu’Ele cuja vida foi tirada da Terra, e o etíope, que evidentemente conhecia algo do batismo e seu significado, desejou ser identificado com Ele em Sua morte. No batismo somos “identificados com Ele à semelhança de Sua morte” (Rm 6:5 – JND), e ele sentiu que nada o impedia de ser identificado dessa maneira com aqu’Ele em Quem ele agora cria. O versículo 37 deve ser omitido por falta de qualquer autoridade real de manuscrito: mesmo assim, nada impedia, embora ele não fosse judeu, e Filipe o batizou.

Desta forma, o primeiro gentio foi alcançado e batizado e enviado em seu caminho de volta ao seu próprio povo com o conhecimento do Salvador. Filipe desapareceu da vista dele mais depressa do que se apresentara, mas, como ele não havia crido em Filipe, mas em Jesus, isso não o perturbou e seguiu seu caminho regozijando-se (TB). Sua fé não estava firmada em torno de Filipe, mas em torno daqu’Ele Quem ele havia pregado. Para ele não era Jerusalém, mas Jesus, e também não era Filipe, mas Jesus. Estar enamorado com o pregador produz fraqueza: Estar enamorado do Salvador produz força espiritual.

Quanto a Filipe, a forma sobrenatural em que ele foi transportado para Azoto não o perturbou. Ele viajou para o norte, para Cesareia, pregando nas cidades enquanto se dirigia para lá. Sete vezes, neste capítulo, pregação é mencionada, e em cinco destas ocasiões a palavra usada é uma que trouxemos ao nosso linguajar como “evangelizar”. As ocasiões estão nos versículos 4, 12, 25 (segunda ocorrência), 35 e 40. Em três das cinco é Filipe quem evangeliza, por isso não precisamos nos surpreender que atualmente ele seja designado, “Filipe, o evangelista” (Atos 21:8).

A conversão do etíope foi um sinal de que o tempo para a bênção dos gentios estava próximo. Ele era como a andorinha solitária em migração, indicando o advento do verão. No capítulo 9, é contado o chamado e conversão do homem que é o apóstolo dos gentios. Como tantas vezes acontece, a escolha do Senhor recai sobre a pessoa mais improvável. O arquiperseguidor dos santos tornar-se-á o modelo de servo do Senhor. Para este fim, ele foi tratado de uma forma sem precedentes. O próprio Senhor lidou com ele diretamente, excluindo de todas as coisas essenciais qualquer instrumentalidade humana.

ATOS 9

Saulo estava ainda cheio de zelo furioso e perseguidor quando o Senhor o interceptou no caminho de Damasco, e Se revelou a ele em um resplendor de luz celestial, que brilhou não apenas ao redor dele, mas também em sua consciência. Podemos discernir na narrativa as características essenciais que marcam toda conversão verdadeira. Havia a luz que penetra na consciência, a revelação do Senhor Jesus ao coração, a convicção do pecado nas palavras: “Por que Me persegues?” e o colapso de toda a oposição e importância própria nas humildes palavras: “Senhor, que queres que eu faça?” (AIBB) Quando Jesus é descoberto, quando a consciência é convencida do pecado, quando há humilde submissão a Jesus como Senhor, então há uma conversão verdadeira, embora haja muito que a alma ainda precise aprender. Os tratamentos do Senhor eram intensamente pessoais para com Saulo, pois seus companheiros, embora maravilhados, não entendiam nada do que havia acontecido.

Por essa tremenda revelação do Senhor, Saulo estava literalmente cego para o mundo. Levado para Damasco, ele passou três dias que nunca esqueceria; dias em que o significado da revelação aprofundou em sua alma. Estando cego, nada distraiu sua mente, e seus pensamentos nem foram desviados para comida ou bebida. Como preliminar ao seu serviço, Ezequiel sentou-se entre os cativos em Quebar e ficou “ali sete dias, pasmado no meio deles” (Ez 3:15). Saulo ficou atônito em Damasco por apenas três dias, mas suas experiências foram de uma ordem muito mais profunda. Podemos ter um vislumbre delas lendo 1 Timóteo 1:12-17. Ele ficou atônito com sua própria culpa colossal como o “principal” dos pecadores, e ainda mais com a excedente abundância da graça do Senhor, de modo que ele obteve misericórdia. Naqueles três dias ele evidentemente passou por um processo espiritual de morte e ressurreição. As fundações foram colocadas em sua alma daquilo que mais tarde ele expressou assim: “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim” (Gl 2:20).

Durante esses três dias Saulo teve uma visão de um homem chamado Ananias entrando e colocando as mãos sobre ele para que pudesse receber sua visão, e no final desses dias a visão se materializou. Ananias chegou, fazendo o que lhe foi dito, e dizendo a Saulo que ele era apenas o mensageiro do Senhor – Jesus mesmo, e que ele não apenas iria receber sua visão, mas que seria cheio do Espírito Santo. Nesse tempo Saulo era um crente, pois o Espírito é dado apenas para os crentes.

O trabalho essencial na alma de Saulo foi realizado, um servo humano é usado pelo Senhor. Duas coisas sobre esse servo são dignas de nota. Primeiro, ele era apenas “um certo discípulo”, evidentemente sem destaque especial. Era apropriado que o único homem que de alguma forma ajudasse Saulo fosse muito humilde. Saulo tinha sido muito proeminente como adversário e logo seria muito proeminente como servo do Senhor. Ele foi ajudado por um discípulo que era indistinto e reservado, mas que estava perto o suficiente do Senhor para receber Suas instruções e conversar com Ele. Muitas vezes é assim nos caminhos de Deus. Em segundo lugar, Ananias habitava em Damasco, e assim foi um daqueles contra os quais Saulo estava respirando ameaças e mortes. Então, um daqueles a quem Saulo teria matado foi enviado para chamá-lo, “irmão Saulo”, para abrir os olhos, e para que ele pudesse ser cheio do Espírito Santo. A maldade de Saulo era correspondida com bondade desta maneira constrangedora.

Os dias de cegueira de Saulo, tanto física como mental, estavam agora terminados: ele foi batizado em Nome daqu’Ele que antes desprezava e odiava e se relacionava com as próprias pessoas que ele pensara destruir, pois ele havia se tornado um deles. Ele havia sido chamado como “um vaso escolhido”, de maneira tão direta que seu serviço começou imediatamente. Jesus havia sido revelado a ele como o Cristo, e como o Filho de Deus, então ele O pregou assim e provou pelas Escrituras que Ele era o Cristo, para confundir seus antigos amigos. Os amigos, porém, rapidamente se tornaram seus amargos inimigos e tomaram conselho em matá-lo, mesmo que não muito antes ele ter pensado em matar os santos. Ele havia planejado entrar em Damasco com certa dose de pompa como aquele que vinha com plenos poderes da hierarquia em Jerusalém. Na verdade, ele entrou como um homem humilde e cego; e a deixou de maneira constrangedora – encolhido num cesto, como um fugitivo do ódio judaico.

Desde o início, Saulo teve que provar por si mesmo as mesmas coisas que estivera infligindo aos outros. Chegando de volta a Jerusalém, os discípulos desconfiaram dele, como era muito natural, e a intervenção de Barnabé era necessária antes que eles o recebessem. Barnabé pôde atestar a intervenção do Senhor e a conversão de Saulo, e agiu como uma carta de recomendação dele. Em Jerusalém, Saulo testemunhou corajosamente e entrou em conflito com os gregos, possivelmente os mesmos homens que tinham sido tão responsáveis em relação à morte de Estêvão. Agora eles matariam o homem que segurou as roupas daqueles que mataram Estêvão. Em tudo isso podemos ver o funcionamento do governo de Deus. O fato de o Senhor ter demonstrado uma misericórdia tão surpreendente em sua conversão, não o eximiu de colher dessa maneira governamental aquilo que ele havia semeado.

Ameaçado novamente de morte, Saulo teve que partir para Tarso, sua cidade natal. Pode-se imaginar de onde veio aquela visita à Arábia, a qual ele escreve em Gálatas 1:17. Achamos que foi provavelmente durante os “muitos dias”, dos quais fala o versículo 23 do nosso capítulo, pois ele nos diz que retornou “outra vez a Damasco”. Se isto é assim, a fuga de Damasco sobre o muro ocorreu após seu retorno da Arábia. Seja como for, foi a sua partida para a distante Tarso, que inaugurou o período de descanso e edificação para as igrejas, o que levou a uma multiplicação de seus números.

No versículo 32, voltamos às atividades de Pedro, para que possamos ver que o Espírito de Deus não deixou de trabalhar por meio dele enquanto trabalhava tão poderosamente em outros lugares. Houve, em primeiro lugar, um grande trabalho em Lída por meio do levantamento do homem paralisado. Então, em Jope, Pedro foi usado para trazer Dorcas de volta à vida, e isso levou muitos naquela cidade a crer no Senhor. Isso também levou Pedro a ficar muito tempo na casa de Simão, o curtidor.

Enquanto isso, também o Espírito de Deus estivera em ação no coração de Cornélio, o centurião romano, o qual era marcado como fruto da piedade e de temor de Deus, com esmola e oração a Ele. Agora chegara a hora de trazer este homem e seus amigos de mesma opinião para a luz do evangelho. Ora a Pedro foram dadas “as chaves do reino dos céus” (Mt 16:19); assim como ele usou as chaves no dia de Pentecostes para admitir a eleição entre os judeus, agora é sua vez de admitir esta eleição entre os gentios. Este capítulo relatou como Deus chamou e converteu o homem que seria o apóstolo dos gentios, o próximo conta como Pedro foi libertado de seus preconceitos e levou a abrir a porta da fé aos gentios, abrindo assim o caminho para o ministério subsequente do apóstolo Paulo.

ATOS 10

A primeira coisa no capítulo é o ministério angélico a Cornélio, pelo qual ele é direcionado a enviar homens a Jope e chamar a Pedro. Nenhuma dificuldade surgiu aqui, pois Cornélio imediatamente fez o que lhe foi dito. O anjo, como notamos, não encurtou uma longa história dizendo por si mesmo a mensagem a Cornélio. A mensagem da graça só pode ser corretamente contada por um homem que ele mesmo seja um objeto da graça. Então, Pedro deve ser chamado. Deus tinha respeito pelas orações e esmolas de Cornélio, pois expressavam a sincera busca de seu coração por Deus. Se, depois de ouvir o evangelho, ele tivesse ignorado sua mensagem e continuado com suas orações e esmolas, teria sido um assunto diferente. Então elas não teriam “subido para memória diante de Deus”.

Em seguida vem o relato dos tratamentos preliminares de Deus com Pedro por meio de um êxtase. Havia mais dificuldade aqui, pois ele ainda estava preso aos seus pensamentos judaicos, e destes ele tinha que ser libertado. Os ouvintes estavam prontos, mas o pregador tinha que ser aprontado para partir. O registro é que ele “subiu ao terraço para orar”, consequentemente ele estava na atitude correta para receber a orientação necessária. Não havia apenas um ávido que orava, mas também um servidor que orava. Daí resultados notáveis aconteceram.

O grande lençol que Pedro viu descendo de um céu aberto e que continha em suas dobras todos os tipos de criaturas limpas e impuras, foi recebido acima no céu. Pedro foi convidado a satisfazer sua fome tomando dele, e ele poderia ter feito isso selecionando um animal limpo para sua comida. No entanto, eles estavam todos misturados, então Pedro recusou. Foi-lhe dito, no entanto, que Deus poderia purificar o impuro: que, na verdade, Ele o fizera e o que Ele limpara não era para chamar de comum. Isso aconteceu três vezes, de modo que o significado disso pôde aprofundar na mente de Pedro. Podemos ver na visão uma figura apta do evangelho, que vem de um céu aberto, que abraça em suas dobras uma multidão, entre as quais se encontram muitos gentios, que eram cerimonialmente impuros; mas todos eles purificados pela graça e finalmente levados para o céu.

A princípio, Pedro duvidou do significado de tudo isso, pois preconceitos antigos morrem lentamente; mas, enquanto continuava a ponderar, a situação foi esclarecida com a chegada dos mensageiros de Cornélio. O Espírito instruiu-o claramente a ir com eles e, assim, levar o evangelho ao romano que buscava. O “impuro” gentio deveria ser salvo.

Em Atos 8, vimos com que precisão Deus planejou a interceptação da carruagem etíope por Filipe. Agora vemos os servos de Cornélio chegando no preciso momento para assentar as instruções divinas à mente de Pedro. A coisa era de Deus, e Pedro foi irresistivelmente impelido a prosseguir.

Chegando a Cesareia, tudo estava pronto na casa de Cornélio. Ele também estava consciente de que a coisa era de Deus, e assim ele não teve nenhuma dúvida quanto a Pedro vindo, e ele convocou um número de pessoas que, como ele, buscavam a Deus. O versículo 25 nos revela o estado de espírito reverente e submisso que marcou Cornélio. Ele levou sua reverência longe demais; ainda que não fosse pouca coisa que o arrogante romano caísse aos pés de um humilde pescador galileu.

Pedro encontrou-se agora na presença de um grande número de gentios, e suas palavras de abertura a Cornélio mostram como ele aceitou a instrução transmitida a ele pela visão. A resposta de Cornélio revela como ele simplesmente acreditou na mensagem do anjo e prontamente obedeceu a ela. Ele havia aceitado a gentil repreensão de Pedro quando afirmou: “Eu também sou homem**”**, embora soubesse que _Deus_ estava trabalhando e que a reunião seria realizada como que em Sua presença. Ele, portanto, colocou a si mesmo e toda a audiência como **“aqui na presença de Deus”** (ARA), pronto para ouvir do pregador **“tudo o que te foi ordenado por Deus”**. Eles estavam prontos para ouvir TUDO. Muitas pessoas não se importam em ouvir coisas agradáveis e reconfortantes, enquanto se opõem aos anúncios mais severos que o evangelho faz.

Pedro abriu seu discurso com mais um reconhecimento de que agora ele percebia que Deus teria respeito a toda alma que sinceramente O buscasse, de acordo com a luz que ele pudesse ter, não importando a que nação ele pertencesse. A graça de Deus estava agora fluindo ricamente para além das fronteiras de Israel, embora a palavra que Deus enviara em conexão com Jesus Cristo, pessoalmente presente entre os homens, tivesse sido dirigida apenas aos filhos de Israel. Ainda assim, aquela palavra havia sido bem publicada na Galileia e na Judeia, e Cornélio e seus amigos sabiam disso, sendo residentes naquelas partes. As coisas que aconteceram na vida e na morte de Jesus Nazareno eram bem conhecidas por eles.

Então Pedro poderia dizer: “Esta palavra, vós bem sabeis**”**. Havia, no entanto, coisas que _eles não sabiam_; e são esses assuntos essenciais que ele passou a desvendar. A morte de Jesus foi um espetáculo público e todos sabiam disso. Sua ressurreição havia sido testemunhada por poucos e o relato comum a negava. A negação tinha o apoio das autoridades religiosas, como aprendemos em Mateus 28:11-15. Por isso Pedro agora anunciou a extraordinária notícia de que o crucificado Jesus havia sido ressuscitado de entre os mortos por um ato de Deus, que ele e seus companheiros apóstolos realmente O viram, comeram com Ele, e receberam d’Ele uma ordem sobre o que deveriam pregar aos outros. Nos versículos 42 e 43, Pedro anunciou o que lhes foi ordenado fazer.

Esses versículos nos dão os dois temas de sua pregação, dois anúncios que devem ter chegado com grande poder a seus ouvintes gentios. Primeiro, o Jesus, a Quem os homens crucificaram, é ordenado por Deus para ser o Juiz tanto dos vivos como dos mortos. Sua crucificação foi um ato de judeus e gentios. Cornélio devia estar familiarizado com os detalhes, e conhecia alguns que participaram dela, se é que, na verdade, ele mesmo não estivesse envolvido. Ele estava informado de Sua vergonha e desonra e aparente fracasso. Bem, o desprezado Jesus deve vir no devido tempo como o Juiz universal. O destino de todos os homens está em Suas mãos. Que declaração surpreendente! Calculado para destruir todos os adversários com terror!

Segundo, antes que este Juiz Se assente no trono do julgamento, todos os profetas testificam que há perdão oferecido em Seu nome. Esse perdão é recebido por “todo aquele que n’Ele crer”. Perdão por meio do Nome do Juiz! Poderia alguma coisa ser mais estável e satisfatória do que isso? O Juiz Se tornou o Fiador para os homens pecadores e, portanto, o crente n’Ele recebe a remissão de pecados, antes que o dia amanheça, quando serão realizados os grandes julgamentos para os vivos e para os mortos.

Cornélio e seus amigos creram. A fé estava presente em seus corações antes mesmo de ouvirem a mensagem. Ao ouvi-la, a fé deles imediatamente a abraçou, e Deus sinalizou esse fato instantaneamente concedendo-lhes o dom do Espírito Santo. Sua fé saltou como o relâmpago e foi imediatamente seguida pelo trovão do Espírito Santo. O Espírito foi derramado sobre esses gentios crentes, assim como Ele havia sido no princípio sobre os judeus crentes, seguido com o sinal das línguas. Os dois casos eram idênticos, e desta forma “os fiéis que eram da circuncisão” que tinham vindo com Pedro tiveram todas suas dúvidas dissipadas. Não havia nada a fazer a não ser batizar esses gentios. Se Deus os havia batizado pelo Espírito no um só corpo, os homens não poderiam negar a eles a entrada entre os crentes na Terra pelo batismo com água.

Existe exatamente essa diferença entre Atos 2 e este capítulo, que lá os que perguntavam tiveram que se submeter primeiro ao batismo com água, e então deveriam receber a promessa do Espírito. Eles tiveram que cortar seus elos com a massa rebelde de sua nação antes de serem abençoados. Aqui Deus deu o Espírito primeiro, pois se Ele não tivesse feito isso, os preconceitos judaicos teriam levantado um muro contra o batismo e a recepção deles. Assim, Deus Se adiantou a eles: na verdade, todo o capítulo nos mostra como essa abertura da porta da fé para os gentios foi o movimento da mão de Deus no cumprimento de Seu propósito. Também nos mostra que nenhuma lei rígida pode ser estabelecida quanto à recepção do Espírito. É sempre o resultado de fé, mas pode ser com ou sem o batismo, com ou sem a imposição de mãos apostólicas – veja Atos 19:6.

ATOS 11

Este capítulo abre com a agitação que foi criada em Jerusalém por esses acontecimentos em Cesareia. Aqueles que tinham fortes preconceitos judaicos contenderam com Pedro sobre suas ações. Isso levou Pedro a repassar o assunto desde o princípio e apresentá-lo em ordem, para que todos pudessem ver claramente que a coisa era de Deus. É notável que o Espírito de Deus tenha pensado que seria bom registrar o próprio relato de Pedro, bem como o que Lucas nos deu como historiador, no capítulo anterior. Isso enfatiza a importância do que aconteceu de forma tão privada na casa do oficial romano. Na verdade, foi um evento que marcou época.

Na narrativa de Pedro, naturalmente temos o lado dele da história, e não o de Cornélio. No entanto, ele nos fornece um detalhe sobre a mensagem do anjo a Cornélio, que não é mencionado no capítulo anterior. Pedro deveria lhe dizer “palavras”, pelas quais ele e toda a sua casa deveriam ser “salvos”. A lei exige obras dos homens: o evangelho traz palavras aos homens, e essas palavras os levam à salvação, se crerem. Note também que eles não foram “salvos” até que ouviram o evangelho, e creram nele; embora sem dúvida houvesse uma obra de Deus no coração dessas pessoas, que as levou a buscá-Lo.

Nos versículos 15 e 16, vemos que Pedro reconheceu, no dom do Espírito a Cornélio, o batismo do Espírito, suplementar àquele que fora realizado em Jerusalém no princípio. Era Deus fazendo aos gentios crentes o que Ele havia feito anteriormente aos judeus crentes. Deus colocou os dois no mesmo patamar e quem era Pedro ou qualquer outra pessoa para resistir a Deus?

Este relato claro e direto dado por Pedro silenciou toda a oposição. De fato, a graça trabalhou de tal forma nos corações daqueles que se opuseram, que eles não apenas reconheceram que Deus havia concedido aos gentios “arrependimento para a vida”, mas eles glorificaram a Deus por fazer isso. Eles atribuíram o arrependimento ao dom de Deus, assim como fé é atribuída ao Seu dom em Efésios 2:8.

Com o versículo 19, deixamos Pedro e retomamos o assunto de Atos 8:1. Nesse meio tempo, tivemos o trabalho evangelístico de Filipe, a conversão de Saulo, que é o apóstolo dos gentios e as atividades de Pedro, culminando em sua abertura formal da porta da fé aos gentios. Descobrimos agora que enquanto a massa de crentes espalhados pela perseguição levava o evangelho com eles, mas pregavam-na apenas aos judeus, havia alguns de Chipre e Cirene que chegaram a Antioquia e começaram a pregar aos gregos, declarando Jesus como Senhor – porque de fato Ele é o Senhor de TODOS. Esses homens, então, começaram a evangelizar os gentios – exatamente a ocupação especial que o Espírito Santo tinha agora em mãos. Como consequência surpreendentes resultados surgiram. A mão de Deus trabalhava com eles, embora fossem homens sem nenhuma nota especial, e uma grande multidão creu e se converteu ao Senhor.

Assim, a primeira igreja gentia foi formada, e o trabalho atingiu rapidamente dimensões que atraem a atenção da igreja em Jerusalém, e os levou a enviar Barnabé para visitá-los. Barnabé veio e imediatamente reconheceu uma verdadeira obra da graça de Deus. Em vez de ficar com ciúmes de que outros, além dele ou dos líderes em Jerusalém, tivessem sido usados por Deus para isso, ele ficou contente e promoveu o trabalho por meio de suas exortações. Ele era um homem de bem e cheio do Espírito Santo e de fé, e por isso não se importava com sua própria reputação, mas com a glória de Cristo. Sua exortação era de que, como haviam começado com fé no Senhor, continuassem a se apegar ao Senhor com propósito de coração. A obra da graça de Deus era o que importava a Barnabé, não importando por quem fosse efetuada. Quão bom teria sido se o espírito de Barnabé tivesse prevalecido durante toda a história da Igreja.

Outra coisa caracterizou este bom homem, Barnabé, foi que ele evidentemente reconheceu suas próprias limitações. Ele sentiu que outro que não ele mesmo seria aquele a ser especialmente usado para instruir esses gentios convertidos, e assim ele partiu para buscar Saulo. Barnabé parece ter sido o exortador e Saulo o mestre, e durante um ano inteiro eles se entregaram a esse trabalho. E em Antioquia, bastante significativo, o nome “Cristão” surgiu pela primeira vez. Deve-se notar como o senhorio de Cristo é enfatizado neste relato do trabalho em Antioquia; e onde Cristo é, de coração sincero e consistente, reconhecido como Senhor, ali os crentes se comportam de tal maneira que fazem com que os espectadores os nomeiem Cristãos. Ao chegarmos em Atos 26, descobrimos que Agripa conhece a denominação. Em 1 Pedro 4:16, encontramos o Espírito de Deus aceitando a denominação como adequada.

No final deste capítulo, temos permissão para ver como livremente os servos de Deus, como os profetas, se moviam entre as várias igrejas. Os dons, concedidos à Igreja, devem ser usados de maneira universal e não meramente local. E aconteceu que, por meio de Ágabo, um profeta de Jerusalém, a igreja de Antioquia foi informada de uma fome vindoura e tomou medidas com antecedência para atender às necessidades dos santos na Judeia. Assim cedo os crentes gentios tiveram oportunidade de expressar amor pelos seus irmãos judeus.

ATOS 12

Este capítulo tem um pouco a natureza de um parêntese. Somos novamente levados de volta à Jerusalém, para ouvir sobre a perseguição de Herodes aos santos e sobre como Deus lidou com ele. Tiago, o irmão de João, caiu como vítima. Ele foi um dos três especialmente favorecidos no monte da Transfiguração, no Getsêmani e em outras ocasiões. Por que o Senhor não interferiu em seu favor, como fez com Pedro, quem pode dizer? Mas Ele não o fez, e o primeiro do grupo apostólico caiu. Herodes estava procurando o favor dos judeus, assim como Pilatos estava quando crucificou o Senhor; e, vendo que os judeus estavam satisfeitos, ele efetuou a prisão de Pedro. Então, novamente, encontramos o judeu fazendo a parte que trouxe sobre eles “a iraaté ao fim [ao máximo – JND], de acordo com 1 Tessalonicenses 2:14-16.

A prisão de Pedro colocou a Igreja de joelhos. Seu apelo era para Deus e não para o homem. As últimas dez palavras do versículo 5 apresentam de maneira notável a essência da oração eficaz. Foi “a Deus” e, portanto, oração verdadeira. Era “da igreja” e, portanto, uma oração unida. Era “por ele” e, portanto, definida – não se perdendo entre centenas de pedidos, mas concentrada em um objeto especial. Foi “sem cessar” e, portanto, fervorosa e insistente – o tipo de oração que obtém respostas, de acordo com Lucas 18:1 e Tiago 5:16. A oração da Igreja trouxe um anjo do céu para libertar.

Herodes tinha seu prisioneiro nas mãos de dezesseis soldados, acorrentados e trancados atrás das grades: rumores sobre libertações anteriores devem ter chegado aos seus ouvidos. Todas estas coisas foram como nada diante do anjo, e Pedro foi conduzido à liberdade. Muitos ainda estavam orando na casa de Maria, mãe de Marcos e irmã de Barnabé. Para ali Pedro se dirigiu. Enquanto eles ainda estavam suplicando a Deus pela libertação de Pedro, o homem libertado bateu na porta. Oh! A resposta à oração deles estava ali. Eles dificilmente puderam acreditar, e nisso eles eram muito parecidos conosco. A resposta de Deus foi além de sua fé.

Os judeus ficaram desapontados e Herodes foi frustrado quanto à sua presa. As únicas pessoas que morreram no dia seguinte foram os desafortunados soldados responsáveis pela guarda de Pedro.

Mas Deus não tinha terminado com Herodes, embora Herodes tenha terminado com Pedro. O infeliz rei glorificou-se diante do povo de Tiro e Sidom com o trono e a vestimenta da realeza e fazendo-lhes uma declamação pública. Foi um enorme sucesso diplomático, e o povo lhe concedeu, e ele aceitou, honras devido a “um deus” (ARA). Naquele momento, o anjo do Senhor o feriu. Ele, um mero mortal, aceitou honras que eram devidas a Deus. Hoje homens poderosos, ainda que mortais, estão chegando perto de fazer a mesma coisa, e poderemos ainda vê-los desaparecer de maneira miserável do palco da vida.

Duas vezes neste capítulo temos o anjo do Senhor tocando alguém. Ele “tocou o lado de Pedro” (ARA) e, como resultado, o despertou. Ao tocar Herodes, ele o “feriu” e instantaneamente o derrubou, pois ele foi “comido de vermes e expirou”. A carne humana tem sido frequentemente comida de vermes após a morte, mas no caso de Herodes, foi antes da morte. Um fim mais horrível dificilmente poderia ser concebido. Com Tiago, Herodes foi autorizado a ter a sua pequena diversão; com Pedro, ele foi frustrado; e então Deus fez dele um tolo, exigindo sua alma em meio a cenas de miséria e angústia indescritíveis.

O versículo 24 nos fornece um contraste impressionante. À medida que os vermes cresciam e se multiplicavam no corpo miserável de Herodes, a Palavra de Deus crescia e se multiplicava nos corações de muitos. Quando agrada a Deus derrubar um adversário, Ele não precisa Se esforçar: alguns vermes bastarão para cumprir o Seu fim. A Palavra de Deus é aquela que realiza o seu fim de bênção nas almas dos homens.

O versículo 25 retorna ao assunto do último versículo do capítulo anterior. Barnabé e Saulo tinham ido a Jerusalém com a oferta dos santos de Antioquia, e tendo cumprido este serviço eles retornaram, levando Marcos com eles. Ao abrirmos o próximo capítulo, nossos pensamentos se centram uma vez mais em Antioquia e no trabalho ali.

ATOS 13

Esta grande igreja, composta principalmente de gentios, tinha nada menos que cinco profetas e mestres no meio dela. Seus nomes são dados e se mostram muito instrutivos; porque um deles tinha um sobrenome que provavelmente indica que ele era um homem negro (Níger significa Negro), um era suficientemente distinto tendo sido um irmão adotivo de Herodes, Barnabé era um judeu helenista, Saulo tinha sido um fariseu dos fariseus e Lúcio pode ter sido um gentio. Assim, desde o princípio era manifesto que a raça e a criação não são as coisas que contam mais decisivamente na Igreja, mas o dom que é concedido do alto. Esses homens não somente ministravam aos santos para sua instrução, mas também ao Senhor em ações de graças, intercessão e jejum; e foi em uma dessas ocasiões privadas que o Espírito Santo deu instruções definidas de que Barnabé e Saulo deveriam ser separados especialmente para ir com o evangelho ao mundo gentio.

O primeiro e o último dos cinco foram escolhidos para esta missão. Os outros oraram por eles e se identificaram com eles em seu próximo serviço pela imposição de mãos. Esta imposição de mãos não era o que hoje é chamado de “ordenação”, pois os dois homens escolhidos já estavam em pleno exercício de seu ministério. A imposição de mãos invariavelmente expressa identificação. Os outros disseram de fato: “Estamos inteiramente com você em sua missão”; de modo que em plena comunhão, e sem ciúmes ou rivalidade, eles os enviaram.

Mesmo assim, foi realmente o Espírito Santo que os enviou, como diz o versículo 4; e eles foram, em primeiro lugar, para Chipre, à antiga casa de Barnabé, e Marcos, seu sobrinho, os acompanhou. Chegados a Pafos, eles tiveram o encorajamento de encontrar o governador principal da ilha pronto para a Palavra de Deus; mas ao mesmo tempo encontraram oposição satânica. A oposição dos poderes das trevas é um sinal encorajador, e não o inverso.

Elimas era um judeu apóstata, que se vendeu ao serviço do diabo, e ele se tornou o principal oponente do evangelho em Pafos. Mas assim como o poder de Satanás foi expresso nele, assim o poder do Espírito Santo energizou Saulo, e ali foi dada uma prova muito impressionante e drástica de que “maior é O que está em vós do que o que está no mundo” (1 Jo 4:4). O verdadeiro caráter do homem foi desmascarado, e a mão do Senhor foi colocada sobre ele em julgamento. É impressionante que Saulo deva agora ser usado para trazer algo semelhante àquilo que havia caído sobre si mesmo. Depois de três dias, as escamas caíram dos olhos de Saulo. Em Elimas, desceu “uma névoa e trevas” (TB), que combinavam apropriadamente com a escuridão enevoada de sua mente. O procônsul creu, e foi a doutrina do Senhor que o impressionou e não o milagre.

A partir deste ponto da narrativa, Lucas dá a Saulo seu novo nome de Paulo (significando Pequeno), e ao mesmo tempo vemos o Espírito empurrando-o para a posição de liderança no serviço e ministério, de modo que no versículo 13, “Paulo e seus companheiros” (ARA), é a frase usada. Existe uma conexão intencional, pensamos, entre a mudança de nome e a mudança de posição. Aquele que é Pequeno se torna o líder; e isso ilustra as palavras do Senhor em Mateus 18:4. Será que isso tem algo a ver com João Marcos deixando a companhia neste momento, nos perguntamos? Barnabas, seu tio, estava sendo um pouco ofuscado.

Em Antioquia, na Pisídia, os governantes da sinagoga convidaram os visitantes para que falassem uma mensagem, e novamente Paulo é aquele que aproveita a oportunidade e fala. O registro de sua pregação é dado – versículos 17 a 41 – então aqui temos uma visão valiosa de sua apresentação do evangelho a uma audiência mista de judeus e prosélitos.

Ele começou com a escolha de Deus por seus pais no Egito, tirando-os de lá e, a partir daí, levou-os à escolha de Deus por Davi e à Sua promessa de um Salvador da semente daquele homem. Ele então apresentou Jesus como sendo a Semente prometida, como testemunhado por João Batista. Agora, a notícia da salvação que está centralizada naquele Salvador foi enviada a todos os seus ouvintes, incluindo: “os que dentre vós temem a Deus”; isto é, os prosélitos gentios entre eles.

Ele então passou a falar da morte e ressurreição de Jesus: Sua morte, o ato iníquo dos judeus de Jerusalém, Sua ressurreição, o ato de Deus, e aquela ressurreição amplamente confirmada pelo testemunho de confiáveis testemunhas. Por isso, ele lhes trouxe “boas-novas” de dois modos. Primeiro, as boas-novas de Deus cumprindo Sua promessa de “suscitar [levantar – AIBB]” (TB) Jesus. Esse versículo 33 se refere à vinda do nosso Senhor ao mundo, de acordo com o Salmo 2. Então, segundo, houve a boa notícia de que, quando os homens entregaram Jesus à morte, Deus O ressuscitou dos mortos para nunca mais morrer. Paulo encontrou uma alusão à ressurreição em “as firmes beneficências [seguras misericórdias – JND] de Davi” (Is 55:3), bem como nas palavras bem conhecidas, que ele cita do Salmo 16. Uma foi escrita sobre Davi, e a outra escrita por Davi; mas em nenhum dos casos o Espírito de Deus realmente Se referiu a Davi, como diz o versículo 36. Davi “havendo servido à sua própria geração pela vontade de Deus” (AIBB), viu corrupção, e as palavras de seu Salmo só poderiam se referir a Cristo.

Tendo assim estabelecido a ressurreição de Cristo, Paulo levou seu discurso ao ponto mais alto pelo anúncio do perdão dos pecados por meio deste “Homem”, ressuscitado dos mortos. O anúncio foi feito com uma entonação como uma proclamação divina. Não havia citações das Escrituras do Velho Testamento para isso. “Seja-vos, pois, notório”, disse ele. O que ele anunciou eles deveriam saber, pois realmente era Deus Quem estava falando por meio de seus lábios. Em 1 Coríntios 2:13, encontramos Paulo reivindicando a inspiração do Espírito Santo para suas palavras faladas; e assim sendo, não hesitamos em concordar com a mesma inspiração aos seus escritos, preservados para nós no Novo Testamento. Quando Paulo disse: Seja-vos, pois, notório, então aqueles que criam poderiam saber. E da mesma maneira nós sabemos, quando cremos nas Sagradas Escrituras.

Paulo não apenas deixou claro este anúncio geral do perdão; ele também declarou o resultado positivo que seguiria a crença na mensagem do evangelho. Por Cristo, o crente é justificado de tudo. Pelas obras da lei, nenhum de nós pode ser justificado de nenhuma forma: pela fé de Cristo somos justificados de tudo. Somos absolvidos de toda acusação que poderia se levantar contra nós e investidos da “justiça que vem de Deus pela fé” (Fp 3:9). Tudo isso depende da fé em Cristo, ressuscitado dos mortos. É “por intermédio d’Este” (v. 38 – ARA) e “por Este” (v. 39 – TB).

Paulo fechou seu discurso com uma palavra de advertência, e isso estava de acordo com o que ele afirma em Romanos 1:16-18. No evangelho, a “justiça de Deus” é revelada, como acabamos de ver no versículo 39 de nosso capítulo; mas é revelada sobre terrível pano de fundo da “ira de Deus”. Daí as suas solenes palavras nos versículos 40 e 41. O modo como ele cita Habacuque 1:5 é muito marcante, pois a alusão é clara aos caldeus. No entanto, embora os caldeus tenham sido um cumprimento imediato da profecia, evidentemente haverá um cumprimento maior e final no julgamento do Dia do Senhor. Nenhuma profecia da Escritura é de qualquer “particular interpretação” (2 Pe 1:20).

Os versículos 43-48 mostram que o evangelho é de fato o “poder de Deus” para a salvação de todos os que creem. Judeus e prosélitos foram alcançados primeiramente; mas quando a massa dos judeus, cheios de inveja, começou a violenta oposição, os apóstolos definitivamente se voltaram para os gentios com a oferta de salvação, encontrando em Isaías 49:6 uma ordem clara do Senhor para fazê-la. Luz e salvação para os gentios tinham sido o propósito de Deus desde os dias da antiguidade. Muitos gentios creram e assim se tornou manifesto que eles foram ordenados para a vida eterna. Não sabemos quem é ordenado para a vida eterna, por isso não podemos prever quem vai crer. Quando encontramos alguém realmente crente, sabemos imediatamente que são ordenados para a vida eterna.

Não somente em Antioquia era pregada a Palavra, mas também em toda a região circunvizinha; e a prosperidade da obra provocou tamanha perseguição que Paulo e Barnabé tiveram que partir. Poderíamos ter considerado desastroso que esses novos discípulos deveriam achar perseguição e perder os seus pregadores. A obra em suas almas, no entanto, era de caráter tão sólido que, em vez de estarem deprimidos, estavam cheios de alegria e do Espírito Santo. Sem dúvida, os discípulos são mais frequentemente prejudicados pela prosperidade do que pela perseguição.

ATOS 14

Em Icônio, o próximo local visitado, o trabalho foi semelhante ao de Antioquia. A sinagoga foi visitada e a Palavra pregada de tal modo que uma multidão de judeus e gentios creu. Novamente, os judeus tornaram-se opositores e perseguidores e, em vista de ações desenfreadas, os apóstolos fugiram para outras cidades.

Em Listra, um notável milagre foi realizado por meio de Paulo. Um homem coxo desde o nascimento foi curado; um milagre quase igual àquele feito por Pedro, o qual lemos no capítulo 3. Isso foi feito no próprio seio do judaísmo e, embora tenha dado uma grande abertura para o testemunho, também trouxe sobre os apóstolos a ira dos líderes judaicos. Isso foi feito na presença dos pagãos, que interpretaram o maravilhoso acontecimento à luz de suas falsas crenças, e teriam feito uma festa idólatra, se os apóstolos não tivessem protestado, aproveitando a oportunidade para declarar a eles o Deus verdadeiro e vivo, que é o Criador. Os Licaonianos teriam feito exatamente o que Paulo acusou os gentios de fazer em Romanos 1:25, dizendo que eles “honraram e serviram mais a criatura do que o Criador, que é bendito eternamente”.

A inconstância dos homens é ilustrada no versículo 19. As pessoas que teriam deificado Paulo são facilmente persuadidas contra ele por certos judeus que seguiram seus passos, e eles o apedrejaram, como eles pensavam, até a morte. Paulo agora sofre a mesma coisa que ele ajudou a trazer sobre Estevão. No caso de Estêvão, Deus não interveio; no caso de Paulo, Ele interveio. Se Paulo estava realmente morto, ou se só estava quase a ponto de morrer, não temos como saber: o que quer que tenha sido, sua restauração, quase num instante, da saúde e a força normais, era um milagre. No dia seguinte, ele viajou para pregar o evangelho em outra cidade, como se nada tivesse acontecido com ele.

Sua jornada exterior terminou em Derbe, tendo sido um dos trabalhos e sofrimentos evangelísticos. Na viagem de volta, eles se entregaram ao trabalho pastoral, para que as almas dos discípulos fossem confirmadas e estabelecidas na fé. É digno de nota que eles não esconderam dos discípulos que o sofrimento estava diante deles, mas disseram que era inevitável. Eles não disseram que podemos por meio de alguma tribulação entrar no Reino, mas que devemos entrar por meio de muita tribulação.

Esse dito permanece válido hoje. Podemos tentar evitar a tribulação, mas não conseguimos. Se por covardia nos afastamos do conflito com o mundo, temos o problema em nossas circunstâncias cotidianas, ou mesmo no seio da Igreja de Deus. O próprio apóstolo Paulo escreveu: “a nossa carne não teve repouso algum; antes em tudo fomos atribulados: por fora combates, temores por dentro**”** (2 Co 7:5). Hoje temos a dizer algo semelhante, só que muitas vezes temos que inverter a última parte e dizer que temos muitos temores em relação aos muitos combates **“por fora”**, e consequentemente estamos muito envolvidos em combates **“por dentro”** do círculo dos santos de Deus – isso é, _“por fora temores, combates por dentro”_. Porém, de uma ou de outra forma, a tribulação nos pertence.

Na jornada de volta, eles também descobriram que, entre os convertidos mais velhos, alguns manifestavam o caráter que os tornava aptos a exercer a supervisão espiritual, e a esses homens eles ordenaram como anciãos. O discernimento apostólico era necessário para fazer a escolha, e também um verdadeiro espírito de dependência de Deus – daí a oração – e uma recusa dos desejos da carne – daí o jejum. E quando os anciãos eram escolhidos para que todos pudessem reconhecê-los, eles não entregaram o restante dos crentes nas mãos dos anciãos. Não, eles “os encomendaram ao Senhor, em Quem haviam crido”. Cada crente foi colocado em direta conexão e comunhão com o Senhor por fé. Os anciãos foram instituídos, não para obstruir a fé dos santos, mas para incitá-la a ser mais real e profunda.

Chipre não foi visitada na viagem de volta, e de Atália eles tomaram o navio direto para Antioquia; e lá, a igreja sendo reunida, lhes contaram a história de sua missão. Eles não haviam sido enviados pela igreja em Antioquia, mas pelo Espírito Santo, mas a igreja tinha um interesse muito profundo por esses servos que haviam saído do meio deles. Por sua parte, os servos disseram “quantas coisas fizera Deus com eles”. Deus era o Trabalhador, e eles, apenas os instrumentos que Ele tinha o prazer de usar; e foi Deus Quem abriu a porta da fé aos gentios. A primeira viagem missionária provou isso além de qualquer dúvida.

Contudo, embora fosse assim, a maneira de seu serviço não estava além de qualquer disputa. Ninguém os desafiou em Antioquia durante sua longa estadia lá, mas a maioria naquela igreja era de origem gentílica. Quando alguns homens desceram da área de Jerusalém, tudo foi mudado pelo ensino de que a observância da circuncisão era absolutamente necessária para a salvação, e que Paulo e Barnabé não haviam observado isso. Ao ler a primeira parte de Atos 11, vimos que o grupo judaizante em Jerusalém havia questionado a ação de Pedro na evangelização dos gentios, na pessoa de Cornélio e seus amigos. Sua oposição foi rejeitada, e foi aceito que o evangelho deveria ir para os gentios. O ponto agora levantado era que, mesmo admitindo isso, eles devem se submeter à circuncisão para serem salvos, e a circuncisão deve ser “à maneira de Moisés”, assim, definitivamente, conectando-a com o sistema legal. Esta nova demanda foi firmemente resistida por Paulo e Barnabé, e finalmente eles e outros subiram aos apóstolos e anciãos em Jerusalém sobre esta questão.

ATOS 15

Quatorze anos haviam se passado desde a primeira breve visita de Paulo a Jerusalém, três anos depois de sua conversão, conforme registrado em Atos 9:26-29 e em Gálatas 1:18. Todo o capítulo 2 de Gálatas nos fornece uma visão notável do que estava no centro da discussão iniciada em Antioquia e concluída em Jerusalém; nada menos do que a verdade e liberdade do evangelho. Descobrimos também que, embora em nosso capítulo diga “os irmãos resolveram” (TB) que Paulo e outros deveriam ir a Jerusalém, o próprio Paulo subiu “por revelação”; isto é, o Senhor revelou-lhe distintamente que ele deveria ir. Também descobrimos que Paulo foi levado a adotar uma linha muito firme no assunto; não cedendo àqueles que se opunham a ele, “nem ainda por uma hora”; tendo Tito, que era grego, com ele, e recusando-se a ter qualquer coação sobre ele quanto a ele ser circuncidado. A epístola de Gálatas mostra claramente que Paulo estava plenamente seguro de qual era a mente de Deus nesta questão, mas que lhe foi revelado que ele deveria consentir que fosse a questão encaminhada a Jerusalém para ser resolvida ali.

Nisto, é claro, vemos a sabedoria e o poder de Deus. Se Paulo tivesse tentado resolver a questão e agido sobre sua própria autoridade apostólica em Antioquia, poderia facilmente ter causado uma cisão entre ele e os outros apóstolos. Tendo a decisão em favor da liberdade concedida aos gentios convertidos sido alcançada no próprio lugar onde, se, por assim dizer, Deus não tivesse controlado por Seu Espírito, a decisão teria tomado outro rumo. Mas ao dizer isso, estamos conjecturando.

Na jornada à Jerusalém, as novas da graça de Deus para os gentios causaram grande alegria aos irmãos, mas em Jerusalém a questão logo foi levantada. Aqueles que contendiam pela observância da lei pelos convertidos dentre os gentios eram crentes que pertenceram à seita dos fariseus. Presentemente eles mantiam seu farisaísmo, embora crentes. Isto ocasionou uma reunião formal dos apóstolos e anciãos para entrarem na questão como diante de Deus.

Houve muita “contenda” ou “discussão” (TB), e então Pedro fez um pronunciamento decisivo, referindo-se ao caso de Cornélio, no qual ele próprio estivera envolvido. Ele apontou que Deus, o conhecedor dos corações deu testemunho a esses gentios convertidos, dando-lhes o Espírito Santo, assim como Ele O havia dado a eles (judeus) no dia de Pentecostes. Esses gentios tinham sido purificados, como a visão do grande lençol indicava, e Deus havia operado a purificação em seus corações por fé, e não como uma simples purificação cerimonial. O fato era que Deus já havia decidido o assunto a princípio pelo que Ele fez no caso de Cornélio. Agora podemos entender por que tanto espaço é dedicado a esse caso em Atos; porque esta é a terceira vez que temos isso diante de nós.

A lei era um jugo que Deus havia colocado sobre o pescoço do judeu, e ambos, eles e seus pais, acharam seu peso esmagador. Tentar impor tal jugo a pescoços que nunca haviam sido por Deus submetidos à lei, seria tentar o próprio Deus. A graça do Senhor Jesus Cristo era a única esperança de salvação, seja para judeus ou gentios. A maneira como o versículo 11 coloca a questão é bastante notável. Não é, “eles, gentios, serão salvos como nós, judeus”, mas “seremos salvos assim como eles” (TB). A salvação dos gentios não poderia estar em qualquer outro terreno além do da graça; e o judeu deve entrar nesse terreno também.

Não deixemos de perceber o belo contraste entre Mateus 11:29 e o versículo 10 de nosso capítulo. O jugo esmagador da lei não deve ser colocado sobre os nossos pescoços gentios, mas por causa disso, não somos deixados sem jugo algum. Nós tomamos sobre nós o jugo leve e suave do Bendito Jesus, que Se tornou para nós o Revelador do Pai.

Das palavras de Pedro, é evidente quão profundamente ele aprendeu a lição que lhe foi ensinada em conexão com Cornélio. Ele apontou como a coisa havia sido estabelecida ali; e assim o caminho foi limpo para Barnabé e Paulo repetirem como Deus havia trabalhado em poder miraculoso entre os gentios. Barnabé é agora mencionado primeiro, pois evidentemente ele, livre de qualquer ciúme ou inveja, poderia falar mais livremente das coisas feitas, principalmente por meio de Paulo. O testemunho deles foi que o que Deus fez na prática por meio deles concordava com o que Ele estabeleceu em princípio por meio de Pedro.

Tendo Pedro, Barnabé e Paulo acabado seus discursos, falou Tiago. Ele parece ter tido um lugar de responsabilidade especial em Jerusalém, e Gálatas 2:12 indica que ele era notado como tendo opiniões estritas quanto à medida de associação que era permissível na Igreja de Deus entre judeus e gentios. No entanto, ele endossou a declaração de Pedro e, em seguida, apontou que as Escrituras do Velho Testamento a apoiavam. Amós previra como dias viriam quando o Nome de Deus seria chamado sobre os gentios. Se nos voltarmos para sua profecia, podemos ver que ele tinha as condições do Milênio em vista, de modo que Tiago não citou suas palavras como se estivessem sendo cumpridas, mas como estando de acordo com o que acabavam de ouvir.

As palavras em que Tiago resumiu o testemunho de Pedro são dignas de nota especial. “Deus visitou os gentios, para tomar deles [de entre eles – JND] um povo para o Seu Nome**”**. Este é o programa de Deus para a presente dispensação. O evangelho não é enviado entre as nações com o objetivo de convertê-las como nações, e assim fazer da Terra um lugar apropriado para Cristo retornar, mas para converter indivíduos, que assim são tirados das nações para serem Sua possessão especial – **“um povo para o Seu Nome”**. Este é um fato de natureza mais fundamental. Se estivermos errados neste ponto, estaremos errados quanto ao caráter total da dispensação em que vivemos. As nações somente serão subjugadas quando os _juízos de Deus_ estiverem na Terra, como Isaías 26:9 diz tão claramente. O evangelho é anunciado pela Terra para que _uma eleição_ de judeus e gentios seja convocada; e _essa eleição é a Igreja de Deus_.

Tendo dito isso, Tiago deu o que ele julgou ser a mente de Deus quanto ao assunto em questão. Sua “sentença” (KJV), ou “julgamento” (“pelo que julgo”), era que o jugo da lei não deveria ser colocado no pescoço dos Cristãos gentios, mas que eles meramente deveriam ser instruídos a observar certas restrições em assuntos sobre os quais eles tinham sido notoriamente descuidados. A idolatria e fornicação eram conhecidas como mal, mesmo antes da lei ser dada, e assim também era o comer sangue, como mostra Gênesis 9:4. Deus sabe desde o início tudo o que Ele irá desenvolver com o passar do tempo. O chamamento e eleição dos gentios era novo para eles, mas não para Deus. Era responsabilidade deles seguir em frente com Deus; e quanto a Moisés, as suas palavras eram bem visíveis em todas as sinagogas todos os sábados.

O julgamento que Tiago expressou trouxe todo o conselho com ele. Eles tiveram diante deles primeiro, o testemunho de Pedro sobre o que Deus havia feito em conexão com Cornélio: segundo, por meio de Barnabé e Paulo, um relato dos atos de Deus durante sua jornada missionária: terceiro, a voz das Escrituras, citada por Tiago. O que Deus disse concordava com o que Deus havia feito. Eles haviam se reunido para buscar Sua mente e, por Sua Palavra e Suas ações, eles claramente a discerniram; e todos eram concordes. Assim, uma questão difícil, que poderia ter dividido toda a Igreja, foi resolvida e terminou por reuni-los juntamente. Quando Barnabé e Paulo subiram a Jerusalém, foi como homens cujo serviço estava aberto a desafios e suspeitas. Quando saíram, eram portadores de uma carta na qual eram citados como “nossos amados Barnabé e Paulo”.

Eles também foram mencionados como “homens que já expuseram [entregaram – JND] suas vidas pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo”. Expor a própria vida é arriscar, pois um apostador arrisca seu dinheiro em um arremesso de dados: entregar a própria vida é aceitar a morte como uma certeza e não como um risco. Qualquer um que entrega sua vida dessa maneira deve ser estimado como amado na Igreja de Deus. Esta carta dos crentes judeus aos crentes gentios respira por meio de um espírito de amor e companheirismo e unidade. Eles foram capazes de dizer: “Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós”; Tão certo eram eles que o Espírito Santo havia governado sua decisão. Colocar os gentios sob a lei teria o efeito de “perturbar” suas almas.

Tudo isso é muito importante para nós hoje. O mesmo tipo de problema surgiu entre os Gálatas um pouco mais tarde, e a tentativa de misturar a lei e a graça é frequentemente vista em nossos dias. Não pode ser feita sem destruir a plenitude da graça e subverter as almas daqueles que absorverem tal ensinamento. Os versículos 30-33 do nosso capítulo mostram como a vindicação da graça e a liberdade que ela traz contribuíram para o estabelecimento e o gozo dos crentes gentios em Antioquia. Também Judas e Silas, os delegados de Jerusalém, exerceram seu ministério profético e fortaleceram os irmãos. Isso mostra quão livremente aqueles que tinham o dom eram autorizados a exercê-lo em qualquer lugar, e na presença de homens cujo dom pode ser em muitos aspectos superior ao seu próprio – pois Paulo e Barnabé estavam agora de volta a Antioquia.

Pouco depois, Paulo propôs a Barnabé que eles fizessem outra jornada com o trabalho pastoral em vista. As palavras do versículo 36 respiram o espírito de um verdadeiro pastor, que deseja ver como os crentes estão se saindo. O bem-estar de suas almas é o grande ponto diante dele. O triste foi que essa excelente proposta se tornou a ocasião de uma cisão entre esses dois servos devotados do Senhor. Barnabé propôs que Marcos, seu sobrinho, voltasse a acompanhá-los. Paulo, lembrando-se de sua deserção inicial, foi contra, e essa diferença de julgamento gerou um sentimento tão caloroso que eles se separaram, incapazes de trabalhar juntos. Barnabé foi para Chipre, onde sua primeira jornada havia começado, e Paulo para a Ásia Menor, onde aquela jornada se estendera. Paulo encontrou um novo companheiro em Silas e partiu depois que os irmãos os encomendaram à graça de Deus. Parece que Barnabé saiu apressadamente, antes que os irmãos tivessem tempo de orar por ele.

Fica-nos mal julgar esses servos eminentes de nosso Senhor, mas o registro certamente parece indicar que Barnabé foi influenciado demais pelo relacionamento natural, e que a simpatia dos irmãos estava com Paulo. Ainda assim, a sensação de calor e disputa estava entre eles, e o Espírito de Deus não esconde isso. Não devemos conceber Paulo como outro além de um homem de paixões semelhantes a nós mesmos. Ele não era perfeito, como era seu Senhor.

ATOS 16

Este capítulo abre com Paulo de volta para Derbe e Listra, isto é, para as cenas em que ele havia sofrido o apedrejamento. Naqueles mesmos lugares ele agora encontra Timóteo, que se tornaria um conforto para ele em seus últimos anos. Uma ilustração feliz de como o governo de Deus age em favor dos piedosos. Estamos aptos a pensar nele apenas como agindo contra os ímpios. Do próprio lugar dos sofrimentos de Paulo surgiu um dos seus maiores confortos.

Ora, como o pai de Timóteo era grego, ele não havia sido circuncidado e não teria sido aceito nos círculos judaicos. Paulo sabia disso e o circuncidou; uma ação que se superficialmente analisada parece totalmente em desacordo com a atitude dele em relação a Tito – veja Gálatas 2:3-5. Mas ali toda a verdade do evangelho dependia da questão, enquanto aqui não havia nenhuma questão envolvida. No caso de Timóteo, era apenas uma questão de remover algo que seria um obstáculo em seu serviço ao Senhor, e Paulo não estava preocupado em manter para si uma aparência de consistência que teria sido apenas superficial. Ali estava um companheiro dado por Deus no trabalho, e era conveniente remover tudo o que pudesse impedir seus esforços.

A longa permanência de Paulo na Ásia Menor nesta segunda jornada é apresentada em quatro curtos versículos (5-8). Isso incluía trabalhos do tipo pastoral, pois eles passavam por regiões onde as igrejas já estavam estabelecidas por meio de seus primeiros trabalhos, e a estes eles instruíram a observar o que havia sido decidido na reunião em Jerusalém, e eles foram estabelecidos e aumentados em número. Então eles foram para novas regiões, Frígia, Galácia e Mísia, e nestes, é claro, fizeram o trabalho de evangelistas. Isto evidentemente foi a ocasião em que ele teve uma recepção tão maravilhosa dos Gálatas, a qual ele se refere em Gálatas 4:13-15. Foi também um tempo em que Deus exerceu um controle muito forte sobre seus movimentos. Quando a Mísia foi alcançada, Bitínia ficava ao norte ou nordeste, e a Ásia ao sul. Em ambas as direções ele teria ido, se permitido. No primeiro caso, ele foi diretamente impedido pelo Espírito Santo, e no segundo, o Espírito não o permitiu ir, o que aparentemente indica direção de um tipo menos direto, e mais por meio de circunstâncias.

Trôade estava na costa do mar da Mísia, e aqui Paulo recebeu direção clara quanto a seus movimentos por meio da visão do homem da Macedônia. Então, aqui na abrangência de cinco versículos, encontramos a orientação divina transmitida a Paulo de três maneiras diferentes, duas vezes de forma negativa e uma vez de forma positiva. Isso deve fornecer alguma orientação a qualquer um que, muito desejoso da direção divina, espera recebê-la de uma forma de sua própria escolha.

Aceitando a visão como dando-lhes a direção de Deus, Paulo e seus cooperadores imediatamente obedeceram, e o versículo 11 mostra que Deus mudou os ventos em seu favor e eles tiveram uma viagem muito rápida; porque vemos, em Atos 20:6, que, anos depois quando ele tomou a jornada na direção inversa, levou cinco dias. Em Trôade, Lucas, o escritor do livro, evidentemente se uniu a Paulo, pois nos versículos 4, 6, 7, 8, ele usa invariavelmente “eles” e “lhes”, enquanto no versículo 10 os pronomes repentinamente se tornam “nós” e “nos” e assim continuam por todo o relato dos feitos em Filipos.

Filipos tinha o status de colônia romana, então o elemento romano era forte ali, e talvez consequentemente o elemento judaico fosse fraco. Nenhuma sinagoga existia ali, e tudo o que se encontrava era um local fora da cidade perto de um rio onde a oração ao verdadeiro Deus era oferecida. Eles procuraram por aquele local e encontraram apenas algumas mulheres reunidas; sentaram-se e conversaram com elas. Isso não parecia um começo muito promissor, mas Paulo era o tipo de homem que aceitava e utilizava pequenas coisas. Ele não tentou pregar formalmente, apenas sentou-se e conversou de maneira informal. Este começo humilde teve um ótimo final. Estabeleceu-se uma igreja que, acima de outras, estava cheia de graça e era um conforto para ele.

O trabalho começou no coração de Lídia, que foi aberto por Deus. As palavras “que servia a Deus” indicam que ela era uma perscrutadora, e havia se tornado prosélita, e agora, no evangelho que Paulo pregou, encontrou tudo aquilo que buscava. O trabalho foi tranquilo, mas muito real, pois ela e sua casa foram batizadas, e ela imediatamente se identificou com os servos do Senhor abrindo sua casa para eles.

O próximo incidente foi o encontro com a escrava que abriu seu coração a algum agente tenebroso do diabo. Ela fingiu aprovar Paulo e seus cooperadores, e isso poderia agradar alguns, que poderiam ter imaginado: “Bem, somos servos de Deus, e se ela gosta de nos anunciar, deixe-a!” Paulo, no entanto, não era míope assim. Ele viu que o patrocínio do diabo não é para ganho, mas para desastre, e ele recusou seu testemunho, ordenando que o espírito maligno saísse dela. O espírito tinha que obedecer e seus senhores sabiam que seu plano de ganhar dinheiro estava arruinado. Isso incitou sua ira, e Paulo e Silas foram arrastados perante os magistrados com uma acusação formulada de modo a levantar o preconceito romano contra eles. Isso agitou a multidão, e também moveu os magistrados para ação excitada e não romana. Nenhum julgamento adequado foi realizado; eles foram açoitados e lançados na prisão.

Sob essas circunstâncias, até mesmo o carcereiro agia com extrema severidade, e a noite caía sobre eles nessa triste situação. Foram eles tentados a vacilar e duvidar, achando que a visão do macedônio fora um pouco fantasiosa? Possivelmente; porque eram homens de fraqueza semelhante a nós mesmos. Mas, se o fizeram, a fé logo triunfou, e na hora mais sombria eles não estavam apenas orando, mas cantando louvores a Deus. Repentinamente Deus interveio e não apenas pelo terremoto, pois neles, mais frequentemente, as portas se tornam emperradas do que abertas; e nenhum terremoto comum atinge os grilhões dos prisioneiros.

Conhecendo a severidade da lei romana em relação à custódia dos prisioneiros, o carcereiro estava à beira do suicídio quando o grito de Paulo chegou aos seus ouvidos. O fato de que ele pediu por uma “luz” (v. 29), mostra que eles estavam todos no escuro. Como Paulo sabia o que o carcereiro estava prestes a fazer? O chamado repentino de Paulo foi evidentemente inspirado pelo Espírito de Deus, e veio como uma voz de Deus para o carcereiro. Aqui finalmente estava o macedônio! Ele estava tremendo: ele estava face a face diante de seus prisioneiros! Dali a pouco ele estaria fazendo a grande pergunta, que desde então tem sido feita por milhões de pecadores convictos. Ele recebeu a resposta imortal, que foi usada para a iluminação e salvação de inúmeras almas.

Costumamos citar Atos 16:31, mas muitas vezes omitimos as últimas três palavras. Deus ama identificar a casa de um homem consigo mesmo e incluí-los em Sua oferta de bênção. Por que não abraçamos com mais frequência esse fato em nossa fé? Já tivemos no capítulo a mulher convertida e sua casa: agora temos o homem convertido e sua casa. Isso certamente é muito encorajador para todos os chefes de casas que podem ser alcançados pela graça de Deus; já que não há acepção de pessoas com Deus, e o que Ele é para um é para todos.

O carcereiro creu e mostrou sua fé por suas obras sem um momento sequer de atraso. Então, embora ainda fosse noite, “ele e todos os seus” foram batizados imediatamente. Esta é uma evidência bastante clara de que o batismo não é uma ordenança que pretende ser uma confissão da fé de alguém e, portanto, deve ser observada em público. Se fosse assim, que oportunidade teria se perdido aqui! Quão efetivamente a coisa poderia ter sido feita no dia seguinte, quando a opinião pública teria se tornado um pouco a favor de Paulo! A cidade deveria estar numa confusão total após o terremoto, mas o carcereiro e sua casa tiveram os elos cortados com a velha vida sem qualquer demora: pois o batismo significa dissociação, por meio da morte de Cristo.

Quando os magistrados cederam no dia seguinte, Paulo aproveitou a oportunidade para mostrar-lhes como eles mesmos haviam transgredido, vendo que ele e Silas eram cidadãos romanos. Ele não forçou o ponto adiante, nem de alguma forma revidou. No entanto as maneiras dos magistrados foram suavizadas, e eles tiveram tempo de ver os irmãos e exortá-los antes de partirem. Da epístola aos Filipenses, podemos ver quão bem o trabalho progrediu após a partida deles.

ATOS 17

Lucas não nos dá detalhes sobre o que aconteceu em Anfípolis e Apolônia, mas transmite os acontecimentos em Tessalônica. Neste capítulo, notamos que o pronome “nós” não é usado; então possivelmente Lucas, não estando tão envolvido como Paulo e Silas estavam nos distúrbios em Filipos, permaneceu ali para ajudar ainda mais os que haviam se convertido.

Paulo primeiro se dirigiu aos judeus em sua sinagoga, como era seu costume. O versículo 3 nos dá a linha em que ele se aproximou deles. Ele provou pelas próprias Escrituras que o Messias, quando viesse, deveria sofrer a morte e ressuscitar dos mortos. Estabelecido isto, seria simples apontar para Jesus como inquestionavelmente sendo o Messias. Então, em um versículo, de uma forma resumida, nos é dada a coisa toda. Por mais que os discursos tenham se prolongado, a questão toda é resumida nessas poucas palavras, e elas servem de orientação para todos os que se aproximariam do judeu hoje. Nem todos criam, mas alguns sim, e também muitos prosélitos gregos e algumas das principais mulheres.

Em Filipos, o comportamento desordenado originou-se de gentios decepcionados pelo fim de seus lucros; em Tessalônica, judeus incrédulos estavam no fundo de uma oposição e desordem ainda pior. Ao estigmatizar Paulo e Silas como: “estes que têm alvoroçado o mundo”, eles involuntariamente renderam um tributo ao grande poder do evangelho, pregado com o Espírito Santo enviado do céu. Eles podem se opor, mas não podem impedir seu avanço.

O serviço de Paulo em Tessalônica foi abreviado por esse motim, pois ele serviu no espírito da instrução do Senhor registrada em Mateus 10:23. Assim, um movimento foi feito agora em direção a Bereia, onde os judeus mostraram um espírito muito diferente. Eles tinham uma mente aberta, que os caracterizou como “mais nobres”, e quando Paulo lhes mostrou o que as Escrituras haviam predito, eles as examinaram com diligência e, com isso, muitos creram. Uma mente que está pronta e livre de preconceitos, e que de bom grado se curva à Escritura, é de fato uma coisa nobre.

Tal hostilidade à Palavra de Deus marcou os judeus tessalonicenses, porém, eles perseguiram Paulo a Beréia e, em face de mais problemas, Paulo fugiu para Atenas, despistando seus perseguidores por uma simples artimanha. Silas e Timóteo permaneceram em Beréia, pois evidentemente a animosidade era agora especialmente dirigida contra Paulo. Assim, aconteceu sua visita a Atenas, o grande centro da cultura e da sabedoria gregas, Paulo estava sozinho no que dizia respeito a seu serviço.

Atenas era o grande centro de aprendizado e filosofia gregos; também estava cheio de ídolos. A mais alta cultura humana e a mais grosseira idolatria podem existir de forma bastante amigável lado a lado. No meio desse estado de coisas Paulo andou, e a visão disso dolorosamente inquietou seu espírito. Embora ainda sem seus companheiros, ele não podia descansar diante daquela situação, e assim começou a testemunhar tanto aos judeus como aos gentios. Deste modo, certos filósofos tiveram a atenção atraída para ele, e esses homens, embora pertencessem a escolas opostas e tratando-o com desprezo, tiveram sua curiosidade suficientemente despertada para desejar ouvir mais. Assim aconteceu que lhe foi dada a oportunidade de falar diante de uma assembleia dos intelectos mais cultos da época.

É-nos dado um vislumbre, nos versículos 18-21, das condições que prevaleceram em Atenas. Havia imensa atividade mental e uma insaciável investigação de novas ideias. Eles passavam o tempo falando ou ouvindo “alguma novidade”; não, é claro, apenas fofoca ou tagarelice, mas as mais recentes noções filosóficas. Por isso, a pregação de “Jesus e a ressurreição” feita por Paulo pareceu-lhes uma grande novidade ligada a algumas divindades, para as quais até então haviam sido estranhos. Os epicureus acreditavam que o bem maior seria encontrado na gratificação dos desejos da pessoa, e os estóicos diziam que esse bem maior estava em reprimi-los, mas quais eram essas novas ideias?

Paulo abriu seu discurso no Outeiro de Marte (o significado de Aerópago), dizendo-lhes que eram muito “supersticiosos” ou “entregues à adoração demoníaca” (JND). Entre seus muitos santuários, eles tinham até um altar dedicado “ao deus desconhecido”, para que não houvesse algum demônio, desconhecido deles, que precisasse ser aplacado. Paulo se apegou a isso e fez dele o tema de seu discurso, pois era perfeitamente verdade que o Deus vivo era completamente desconhecido para eles. Paulo anunciou o Deus que eles não conheciam; e se examinarmos o breve relato de seu discurso, podemos ver como colocou Deus diante deles. Quanto às coisas de Deus, esses atenienses cultos eram simplesmente pagãos; então aqui somos instruídos como o evangelho deve ser apresentado aos pagãos.

Paulo começou apresentando-o como o Deus da criação. Isso está na base de tudo. Se não O conhecemos assim, definitivamente não O conhecemos. É por isso que a teoria da evolução funciona tão desastrosamente. Sua principal atração para muitos é que ela permite dispensar completamente a Deus, ou pelo menos empurrá-Lo para tão longe – a um remoto segundo plano, para torná-Lo indigno de consideração. Paulo O trouxe para frente da cena que apresentou, Ele não apenas fez o mundo, mas todas as coisas que ele contém. Ele não pode estar contido nas construções dos homens, nem adorado como se precisasse de alguma coisa das mãos dos homens. Ele é o próprio Dador da vida e todas as coisas. Todos os homens são Suas criaturas, feitas de um só, e seus tempos e limites são determinados por Ele.

Permaneceram alguns lampejos de luz quanto a isso entre eles, e Paulo foi capaz de citar alguns de seus próprios poetas como tendo falado da humanidade como sendo a descendência de Deus. Nisso eles estavam certos. Somente pela fé em Cristo Jesus nos tornamos filhos de Deus, mas todos os homens são Sua geração como Suas criaturas. Sendo assim, não devemos conceber Deus como algo menor que nós mesmos ou como obra de nossas próprias mãos; e devemos ser aqueles que buscam por Ele. Sua imanência2 é reconhecida nas palavras: “n’Ele vivemos, e nos movemos, e existimos”; Paulo, porém, pregou-O como o Único Transcendente3, que é o Senhor do céu e da Terra.

Mas esse Deus da criação é também o Deus de tolerância. Os homens não gostaram de reter Deus em seu conhecimento, e assim as nações haviam caído na ignorância de Deus. Por alguns séculos, os atenienses se orgulharam de sua cultura e aprendizado, embora durante todo o tempo eles estivessem nos “tempos da ignorância**”** – da ignorância de Deus – e Paulo lhes disse isso tão claramente. No entanto, Deus **“dissimulando”** (TB) ou não levando **“em conta”** essa ignorância, agiu com **“tolerância”** (Rm 3:25 – TB), em vista daquilo que Ele iria fazer por meio de Cristo.

Mas agora Cristo é vindo e Deus Se proclama como o Deus de justo julgamento. Ele designou o dia em que tomará as rédeas do governo pelo Homem de Sua escolha, e toda a Terra será julgada e administrada em justiça. Em vista disso, o arrependimento é a única coisa certa para os homens injustos, onde quer que estejam. É a única coisa certa, e Deus ordena isto.

A garantia da vinda deste dia do justo julgamento foi dada na ressurreição do Homem da escolha de Deus. Assim, finalmente, Paulo colocou Deus como o Deus da ressurreição. Algo inteiramente fora de todos os cálculos humanos havia ocorrido. Jesus havia sido ressuscitado da morte na qual o homem O havia entregado! Paulo começou seu trabalho em Atenas anunciando Jesus e a ressurreição entre os trabalhadores do mercado; ele terminou com o mesmo tema quando falou aos pensadores no Outeiro de Marte (Aerópago).

Seus cérebros ocupados giravam no mundo do homem e, portanto, a ressurreição estava bem fora de seu campo de visão. Para muitos deles parecia um absurdo, e eles zombavam. Outros manifestaram algum interesse, mas adiaram considerações adicionais, por não verem urgência no assunto. Alguns, no entanto, creram, tanto homens como mulheres, e estes se juntaram a Paulo. Essas três classes geralmente aparecem quando o evangelho chega a qualquer lugar: há os escarnecedores, os procrastinadores e os crentes.

A permanência de Paulo em Atenas foi curta: ele não esperou mais por seus companheiros, mas seguiu para Corinto. Portanto, é provável que aqueles que disseram: “Acerca disso te ouviremos outra vez” não tiveram oportunidade de fazê-lo.

ATOS 18

O capítulo abre com Paulo em Corinto, e lá ele conheceu Áquila e Priscila. O severo decreto de Cláudio operou para lançá-los no caminho de Paulo, e isto levou à conversão deles e depois ao seu serviço subsequente, que mereceu o alto louvor de Romanos 16:3-4. Deus transformou o decreto de expulsão para bem, fazendo com que a ira do homem O louvasse; e podemos esperar e orar para que Ele trabalhe da mesma maneira em relação aos decretos modernos contra os judeus. Com esse casal, Paulo habitou e começou seu trabalho na sinagoga. Aqui Silas e Timóteo se juntaram a ele, e o testemunho de Paulo tornou-se mais forte e mais direto. Então, diante da oposição dos judeus, ele se voltou para os gentios.

“E, saindo dali” (v. 7); isto é, da sinagoga, levou seu testemunho à casa de um certo homem, Tito Justo, que estava por perto. No entanto, uma obra bem definida e grande de Deus aconteceu, sendo o principal da sinagoga convertido. Por uma visão, o Senhor o encorajou a falar com ousadia, com a certeza de que ele não deveria ser molestado ali, como fora em outros lugares. Então, por dezoito meses ele trabalhou. Houve uma tentativa contra ele, mas sob a mão de Deus isso foi frustrado pela fria indiferença de Gálio, o procônsul romano, que tratou todo o assunto como uma disputa sobre palavras e nomes, e não se preocupou com nenhuma dessas coisas. Assim, Deus pode utilizar o temperamento de um governador, bem como o decreto de um César, para servir Seus fins, e Paulo não deixou Corinto até algum tempo depois.

Com esta longa permanência em Corinto, a segunda jornada de Paulo chegou ao fim, e ele partiu para Jerusalém e Antioquia, via Éfeso, onde sua estadia foi curta; ele prometeu voltar, “querendo Deus” (v. 21). Que Deus quis assim, vemos no próximo capítulo. O versículo 18 nos mostra que Paulo ainda observava os costumes judaicos, como na questão de um voto.

Em Antioquia, ele passou “algum tempo”, uma expressão que indica um período não muito longo: então ele partiu em sua terceira jornada, e inicialmente às cenas de labores anteriores, a fim de fortalecer os discípulos. Este é sempre um trabalho muito necessário, uma vez que existem muitas influências que contribuem para o enfraquecimento dos discípulos. Temos a história de Paulo no primeiro versículo de Atos 19, e os versículos 24-28 são um parêntese que trata com o pleno esclarecimento de Apolo e seu feliz serviço, no qual descobrimos que, embora Paulo tenha passado bem rapidamente em Éfeso, Áquila e Priscila permaneceram lá e, por meio deles, o Senhor forneceu a Apolo exatamente o que ele precisava.

Apolo possuía o dom natural da eloquência – ele era um mestre de palavras. Por estudo diligente ele se tornou “poderoso nas Escrituras”. No entanto, quando ele chegou a Éfeso, ele não estava bem informado quanto à intervenção de Deus em Cristo. Ele só sabia das coisas até a introdução de Jesus pelo batismo de João. O que ele sabia, diligentemente ensinava na sinagoga. Áquila e Priscila, ouvindo-o, imediatamente perceberam o que lhe faltava e realizaram o agradável serviço de mostrar-lhe hospitalidade, a fim de instruí-lo mais plenamente no que havia acontecido por meio de Cristo. Assim, Deus usou esses santos, que não tinham nenhum dom público específico, para fielmente introduzir um vaso muito talentoso em sua carreira de serviço. De Éfeso ele foi para Corinto, e não apenas ele convenceu muitos judeus quanto a Cristo, mas também ajudou muito os crentes. Quanto da recompensa de seu eficiente serviço irá a crédito de Áquila e Priscila, quem poderá dizer?

ATOS 19

Ao abrirmos este capítulo, encontramos Paulo chegando a Éfeso depois que Apolo partiu e lá encontrando certos discípulos que estavam em um estado similar de ignorância quanto à plena mensagem do evangelho. Eles eram verdadeiramente “discípulos”, e eles tinham crido em todos os fatos concernentes a Cristo que tinham ouvido. O Espírito Santo é dado àqueles que creem “na palavra da verdade, no evangelho da vossa salvação” (Ef 1:13). Eles não haviam crido, porque não tinham ouvido e, consequentemente, não haviam recebido o Espírito. Como Apolo, eles só tinham ouvido o começo das coisas, ligado a João Batista, e haviam sido batizados com o seu batismo. Quando Paulo instruiu-lhes mais profundamente, e tendo sido batizados reconhecendo o Senhorio de Jesus, e Paulo tendo colocado as mãos sobre eles, o Espírito veio sobre eles e tanto falaram em línguas como profetizaram. Assim, foi dada evidência impressionante de que eles haviam entrado no pleno estado Cristão.

Paulo de modo algum culpou esses doze homens. A transição para a plena luz do evangelho foi gradual naqueles dias de comunicações lentas. No começo de Hebreus 6, temos coisas ditas que sugerem reprovação. Havia aqueles entre os crentes judeus que eram dignos de censura por não terem deixado “os rudimentos [princípio – JND] de Cristo”, e irem para a perfeição plena do evangelho. O ministério de João tinha muito a dizer sobre “arrependimento de obras mortas” e de “batismos” e de “juízo eterno”, mas na época em que a epístola foi escrita, toda a verdade de Cristo havia sido amplamente anunciada; e eles deveriam tê-la abraçado, mesmo se isso fosse de encontro a muitos dos seus pensamentos judaicos. Não há desculpa para nós, se não prosseguirmos para a perfeição.

Tendo sido estes homens abençoados, Paulo voltou sua atenção para a sinagoga, onde havia testificado brevemente em sua visita anterior, e por três meses ele argumentou com os judeus, persuadindo-os ao evangelho. No final desse período, ele percebeu que seu trabalho estava concluído. O remanescente segundo a eleição da graça foi manifestado, e os demais estavam endurecidos, então ele fez a separação completa deixando a sinagoga e levando os discípulos com ele, para continuar seu serviço na escola de Tirano – assim como em Corinto ele tinha deixado a sinagoga para a casa de Justus. Desse modo, ficou bem claro que o que Deus estava estabelecendo não era um grupo novo de crentes iluminados entre os judeus, mas uma coisa totalmente nova, abrangendo judeus e gentios.

Um trabalho tão distinto e poderoso foi realizado lá que Paulo passou dois anos de trabalho naquela cidade. Deus o apoiou por manifestações miraculosas de natureza especial, e toda a província foi evangelizada. Como sempre acontece, uma poderosa obra de Deus desmascara a obra de Satanás e estimula sua oposição. O restante deste capítulo mostra como isso aconteceu em Éfeso.

O primeiro passo foi opor-se utilizando a imitação. Os sete filhos de Ceva pensaram que também eles poderiam expulsar demônios usando o nome do Senhor Jesus. Mas eles não O conheciam. Ele não era realmente Senhor para eles, e então só podiam falar d’Ele como “Jesus a Quem Paulo prega”, omitindo Seu título como Senhor. O demônio imediatamente mostrou que ele não os conhecia, e ele não foi enganado pelo uso emprestado do nome de Jesus. Os sete homens ficaram totalmente desconcertados e sua desgraça foi conhecida de todos. Em resultado, o nome do Senhor Jesus foi magnificado.

Isso levou a um grande e público triunfo sobre Satanás e sobre as obras das trevas, pelas quais os homens procuraram manter contato com ele. Muitos que creram foram levados a confessar como antigamente tinham sido envolvidos e as coisas más que haviam feito. Muitos outros se afastaram desse mal terrível e queimaram publicamente os livros que lidavam com essas coisas, apesar de seu valor monetário. A Palavra de Deus crescia e prevalecia, e esse mal satânico diminuiu e sofreu derrota. É uma reflexão dolorosa para nós que em nossos dias menos atenção do que antes está sendo prestada à Palavra, e as práticas espíritas estão aumentando.

Nessas práticas, Satanás se aproxima dos homens com todos os ardis da serpente. Derrotado assim, nesta ocasião, ele recorreu à ação na qual ele se revelou como o leão que ruge. Ele trabalhou com a cobiça dos homens. O sucesso do evangelho pusera em perigo o negócio dos ourives, e não era difícil tentar reavivar seu comércio sob a cobertura de zelo pela reputação de sua deusa Diana. Era para sua grandeza ser desprezada e sua magnificência destruída? Aqui estava a excelente camuflagem para a sua verdadeira preocupação quanto às suas próprias perspectivas de fazer dinheiro!

Seu grito de “grande é a Diana dos efésios” foi uma faísca que incendiou toda a cidade, pois Satanás estivera trabalhando na fabricação do material inflamável. Seguiu-se o tumulto alarmante, ao qual o apóstolo alude em sua segunda epístola aos Coríntios, quando ele e seus companheiros foram “sobremaneira oprimidos acima das nossas forças, de modo tal que até da vida desesperamos” (2 Co 1:8 – AIBB). Os excitados efésios estavam prontos para colocar a sentença de morte sobre Paulo, mas, como ele prossegue nos dizendo, **“**em nós mesmos tínhamos a sentença de morte, para que não confiássemos em nós, mas em Deus, que ressuscita os mortos”. Deus o libertou “de uma tão grande morte”, mas evidentemente o perigo era tão esmagador que Paulo comparava sua libertação a uma ressurreição dos mortos.

A partir do relato em Atos, podemos ver como Deus fez uso de uns e outros na realização da libertação – alguns dos chefes da Ásia; Alexandre, que desviou a atenção sobre Paulo; o escrivão da cidade com seu discurso diplomático. A maioria dos selvagens manifestantes não sabia exatamente por que estavam se manifestando, e o escrivão da cidade lembrou-lhes de que as autoridades romanas poderiam virar a situação e acusá-los de sedição. É digno de nota que ele foi capaz de dizer de Paulo e de seus companheiros que eles “nem são sacrílegos nem blasfemam [falaram injuriosamente – JND] da vossa deusa” o que mostra que evitaram cuidadosamente tudo o que poderia causar ofensa. Eles foram à pregação positiva do evangelho ao invés de, por uma forma negativa, expor as loucuras da idolatria.

Este grande alvoroço encerrou o serviço de Paulo em Éfeso, e ele partiu para a Macedônia, como o primeiro versículo de Atos 20 registra. É interessante, neste ponto, voltar novamente a 2 Coríntios e ler os capítulos 2:12-13 e depois 7:5-7. A partir desses versículos, obtemos que Paulo fez uma curta estadia em Trôade em sua jornada para a Macedônia, mas devido a sua ansiedade em encontrar Tito e ouvir as notícias dos santos coríntios, ele partiu para a Macedônia, apesar da porta aberta para o serviço. Chegou à Macedônia, ele ainda estava em grande inquietação e problemas, mas lá Tito apareceu e ele foi consolado. Então, evidentemente, o problema em Éfeso foi seguido por mais problemas tanto em Trôade quanto na Macedônia. No entanto, todo esse lado das coisas é passado em silêncio no que diz respeito a Atos. Lucas dificilmente poderia registrar esses detalhes mais íntimos das experiências do apóstolo: aprendemos sobre eles a partir de sua própria pena.

ATOS 20

Em Atos, somos simplesmente informados de que Paulo fez muita exortação aos santos na Macedônia, que visitou a Grécia e que, para evitar os judeus perseguidores, ele retornou pela Macedônia no caminho de volta à Ásia. O versículo 4 nos dá os nomes de seus companheiros de viagem nesta jornada de volta, embora eles tenham ido em frente pelo mar e esperado por ele em Trôade. No versículo 5, Lucas usa novamente o pronome “nós”, o que mostra que neste ponto ele novamente fez parte do grupo. Paulo, Lucas e outros tiveram uma viagem de cinco dias, que os levaram novamente a Trôade, onde não muito antes “foi aberta uma porta no Senhor” (TB). Os seguintes versículos do nosso capítulo mostram que um grande interesse pelas coisas de Deus ainda era encontrado naquele lugar.

Paulo passou apenas uma semana em Trôade, mas durante esse tempo ocorreu a reunião memorável registrada nos versículos 7-12, e nos é fornecida uma imagem muito agradável da simplicidade e zelo que caracterizavam aqueles dias. Havia se tornado o costume dos discípulos de se encontrar para o partir do pão – a ceia do Senhor – no primeiro dia da semana. Não o sábado, mas no dia seguinte, quando o Senhor ressuscitou dos mortos, foi selecionado para isso, embora não fosse um dia de lazer, como o dia anterior teria sido para aqueles que eram judeus. Daí os Cristãos se reuniram à noite, quando o trabalho do dia havia terminado. Um cenáculo era o lugar de encontro deles, sendo os “edifícios de igreja” desconhecidos por eles. Paulo, com poucos dias à sua disposição, aproveitou a oportunidade para falar a eles; e eles estavam tão cheios de interesse que ficaram a noite toda ouvindo suas palavras.

É fácil imaginar a cena. O cenáculo lotado; o jovem empoleirado na abertura da janela; as muitas luzes que aumentavam a opressão quente do ar sonolento flutuando pela janela; a súbita interrupção quando Êutico entra em colapso e cai. No entanto, o poder de Deus era tão manifesto por meio de Paulo que, em vez deste episódio interromper a reunião e distrair a todos da mensagem de Paulo, seus corações foram confortados e confirmados, para se acalmarem e o ouvirem até ao amanhecer. O apóstolo estava agora iniciando sua jornada final para Jerusalém; ação essa que pode ter sua retidão colocada em questão, mas não há dúvida de que o Espírito de Deus estava operando por meio dele como antigamente. Nenhum milagre mais notável do que este foi feito por meio de Paulo. A história é marcada pela ausência do que é cerimonial e oficial, mas pulsa com poder. No Cristianismo popular hoje, o que é cerimonial está no campo de ação e o poder está ausente. Ah! Como deveria ser daquele modo!

Tendo chegado o dia, Paulo deixou Trôade a pé; Lucas e seus outros companheiros indo por mar e encontrando-se com Paulo em Assôs. Chegando a Mileto, ele chamou os anciãos da Igreja em Éfeso para que ele lhes desse um encargo, sob a convicção de que ele não os veria novamente. Seu comovente discurso parece se dividir naturalmente em três partes.

Na primeira parte ele revisa seu próprio ministério entre eles; isso se estende dos versículos 18-27. Suas primeiras palavras foram: “Vós bem sabeis, desde o primeiro diacomo em todo esse tempo me portei no meio de vós”. Então, depois de falar da maneira de seu trabalho, ele prossegue para a maneira que o caracterizou. Nos dois modos e no assunto, podemos tomá-lo como modelo para nós mesmos.

Em primeiro lugar, seu trabalho era serviço. Ele não era um grande dignitário eclesiástico, ocupando-se do rebanho de Deus, mas um servo; servindo os santos de fato, ainda servindo principalmente ao Senhor ao servi-los, e fazendo sempre desde os primeiros dias até os últimos. Servindo, além disso, com humildade de mente, como tem sido tão evidente nos capítulos anteriores. Ele não era um homem que esperava que todos cedessem ou servissem a ele: ele era o ajudante de outros, trabalhando com suas próprias mãos para que pudesse assim fazer o que fazia. Mais uma vez foi com lágrimas, e no meio de muitas tentações que vieram dos judeus. As lágrimas falam de sentimento profundo e exercício do coração; enquanto as tentações mostram que ele foi continuamente confrontado por dificuldades e oposição.

Ele também foi marcado pela fidelidade na declaração da verdade e em sua aplicação aos santos. Ele não cortejou essa popularidade barata que vem da retenção de coisas que podem não ser palatáveis, mas sempre visava o benefício deles. E, além disso, ele não se limitou à pregação pública, o que muitas vezes significa uma boa visualização e aprovação, mas se entregou àquele trabalho de casa em casa (ARA), o qual é muito menos notado, mas muitas vezes mais eficaz. Tudo isso mostra como ele se portou enquanto estava entre eles. Mas há também aquilo de que ele fala no versículo 24; sua total devoção ao ministério confiado a ele e àqu’Ele de Quem ele o recebeu. Ele entregara sua vida por esse propósito e, portanto, nenhuma antecipação de problemas ou mesmo a própria morte iria afetá-lo. Quando um servo de Deus acrescenta à sua fidelidade uma devoção que não vacila diante da morte, haverá, com certeza, poder em seu ministério.

Então, quanto ao assunto que caracterizou seu ministério, ele menciona três temas. Primeiro o evangelho, que lhe havia sido confiado e que envolvia seu testemunho em todos os lugares e para todos, “o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo”. O evangelho anuncia “a graça de Deus”, que foi tornada conhecida em Cristo, em Sua morte pelos nossos pecados, Sua ressurreição para a nossa justificação; isso leva, por nosso lado, ao arrependimento e fé. Esse tem sido consistentemente o tema de sua pregação.

Ele também havia pregado “o reino de Deus”, mas isso não foi entre “todos”, mas “todos vós**”**. Isto é, ele pregou o reino em todos os lugares _entre os discípulos_. Isto evidentemente tem uma importância atual. Sem dúvida ele falou do reino que deve ser estabelecido publicamente, quando falou das coisas futuras; mas ele também manteve diante deles que eles já haviam sido colocados sob a autoridade de Deus ao receber a Cristo como Senhor, e ele lhes mostrou o que significava estar sujeito à santa vontade de Deus de uma maneira prática. É perceptível, por exemplo, que em suas epístolas Paulo nunca se contenta em apresentar a verdade em abstrato; ele sempre procedeu para impor a conduta que a verdade indicava como sendo a vontade de Deus para eles.

Então, em terceiro lugar, ele declarou a eles “todo o conselho de Deus”. Ele os trouxe à luz de tudo o que Deus propôs para Cristo, a Igreja e o mundo vindouro. Isso lhes deu o conhecimento do que até então tinha sido mantido em segredo, e mostrou-lhes que Deus tinha pensamentos mais elevados do que Seus propósitos anteriormente revelados em relação a Israel. Este terceiro tema de seu ministério foi o que despertou uma oposição tão furiosa por parte de muitos dos seus ouvintes judeus e finalmente levou à sua prisão. Daí suas palavras: **“**nunca deixei de vos anunciar”. Se ao menos ele tivesse evitado essa parte de seu ministério, ele poderia ter tido um tempo muito mais pacífico a seu serviço e evitado muitos problemas; porque o conselho de Deus envolveu a entrada dos gentios, de acordo com a verdade da Igreja. Ele sabia disso, mas não recuou.

Um ministério integral da Palavra de Deus hoje deve incluir estes três temas – o evangelho de Deus, o reino de Deus, o conselho de Deus.

Nos versículos 28-31, encontramos a segunda parte de seu discurso, na qual ele os exorta e os adverte. O Espírito Santo os fez bispos entre o rebanho que é a Igreja de Deus. Aquele rebanho não era deles, mas de Deus por direito de compra, e eles deveriam alimentá-lo ou pastoreá-lo. Mas primeiro deviam prestar atenção quanto a si mesmos, pois se um homem não se preocupa primeiro em cuidar de si mesmo como pode cuidar do rebanho? Além disso, deveriam vigiar e estar em guarda contra os adversários, lembrando-se de como o próprio Paulo os advertira com profundo sentimento durante três anos. Não é fato que esse ministério de advertência quase desapareceu por desuso?

Aqui Paulo adverte os anciãos de duas principais fontes de dano: primeiro, os lobos cruéis que entram de fora; segundo, o surgimento de homens pervertidos por dentro. Por “lobos” ele quis dizer sem dúvida homens que eram verdadeiros agentes do diabo; o tipo de que Pedro fala como trazendo “heresias destruidoras” (ARA). Como esta previsão foi cumprida, a história da Igreja é testemunha; como também testemunha do mal causado pelos homens que se levantaram do meio dos anciãos, falando coisas “perversas” ou pervertidas (ARA). Estes são homens que, muito possivelmente, são verdadeiros crentes, mas dão uma distorcida em seus ensinamentos, o que perverte a verdade. Assim, eles se tornam líderes de partidos e centros de atração para aqueles que eles enganam. Eles atraem a si mesmos em vez de levar a Cristo. Nessas palavras, Paulo esboçou o futuro do que conhecemos como Cristandade.

É por essa razão, talvez, que não encontramos na Escritura nenhuma instrução quanto à perpetuação dos anciãos de maneira oficial além do tempo da vida do apóstolo. Se de entre os anciãos viessem estes trabalhadores do engano, é bom que nos seja permitido reconhecer e aceitar com gratidão aqueles a quem Deus possa levantar, sem que eles tenham uma nomeação oficial. No caso de homens que falam coisas pervertidas, sua nomeação oficial só seria usada para sancionar o que está errado.

Na terceira parte de seu discurso, Paulo indicou os recursos que permaneceriam apesar de tudo o que iria acontecer. Suas palavras eram breves e compreendidas em um versículo, mas sua questão era do maior peso e importância. Nosso grande recurso está em Deus e não no homem. Ele não os encomendou aos outros apóstolos: ele certamente não podia encomendá-los aos anciãos, pois estava se dirigindo a eles e, do meio deles obreiros do engano surgiriam. Deus e somente Deus é o recurso do Seu povo. Mas então Ele deu Sua Palavra, que revela a Si mesmo. Anteriormente Ele falou por meio de Moisés, como registrado no Velho Testamento: essa era a Palavra de Sua exigência para com os homens. Agora Ele falou em Cristo, como registrado no Novo Testamento; e essa é a Palavra de Sua graça. A esta Palavra somos especialmente encomendados, pois ela é capaz de nos edificar na fé, e nos dar poder espiritual e gozar a herança junto com tudo o que é santificado, o qual é nosso. A herança é nossa por fé em Cristo (ver Atos 26:18), mas é ministrada a nós no poder presente pela Palavra de Sua graça.

A importância deste trigésimo segundo versículo para nós hoje dificilmente pode ser exagerada. Deus e Sua Palavra permanecem para nós, venha o que vier. Nenhum poder do mal pode tocar em Deus. Ele permanece e podemos manter contato com Ele em oração, em comunhão, em ação de graças e adoração. Sua Palavra permanece, pois Ele a guardou em Sua providência e a preservou para nós. No entanto, é claro, é objeto de incessantes ataques do inimigo. Muito cedo foi quase sufocada pelas tradições dos Pais na igreja primitiva; então foi enterrada em uma língua desconhecida e apartada do povo; agora que está disponível gratuitamente, é violentamente criticada, e toda tentativa é feita para destruir sua autoridade. Seguindo os passos de Judas, grandes homens a cumprimentam com um beijo, dizendo: “Salve, mestre de bela linguagem!” Mas apenas para traí-la àqueles que lhe arrancariam todo vestígio de autoridade divina. E, apesar de tudo, ela permanece como o recurso do coração crente e obediente.

Paulo termina seu discurso referindo-se novamente à retidão e sinceridade que o marcaram. Longe de desejar adquirir, ele tinha sido um doador para os outros. Ele registrou uma palavra do Senhor Jesus que não está registrada nos evangelhos, e aquela palavra que ele havia exemplificado. Ele tinha anteriormente falado de ter anunciado e ensinado a eles (v. 20), e ele repete que os havia anunciado todas as coisas. Ele praticava diante deles o que lhes pregava. E é o espalhar que fala tão efetivamente.

Paulo foi chamado para ser um modelo para nós tanto santo, como servo, por isso nos é dado este registro inspirado da sua revisão de seu serviço e, ao nos medirmos por esse modelo, somos profundamente humilhados. Tendo acabado suas palavras para os homens, ele se ajoelhou em oração com todos eles, em meio às suas lágrimas. Deve ter sido uma cena comovente. A palavra usada para “beijar” é aquela que significa beijar ardentemente; é a palavra usada para os beijos concedidos pelo pai ao pródigo em Lucas 15 (A tradução de J. N. Darby do v. 20 diz: e o cobriu com beijos”). No entanto, talvez detectamos um elemento de fraqueza pois o que os fez sofrer mais do que tudo foi o fato de que eles não poderiam esperar vê-lo novamente. Será que eles não deveriam ter se entristecido ainda mais pelo fato de que a formosa Igreja de Deus seria devastada por lobos e prejudicada por homens pervertidos?

ATOS 21

Ao começarmos este capítulo, vemos que Lucas ainda estava com Paulo e sua companhia, e traçamos sua jornada até Jerusalém. Chegando a Tiro, eles evidentemente procuraram se havia algum discípulo, e encontraram alguns. Por meio desses homens não identificados, o Espírito deu uma mensagem a Paulo, dizendo que ele não deveria ir a Jerusalém. Para os efésios, ele havia falado de estar ligado em seu próprio espírito para subir. Evidentemente, sua própria convicção interior era tão forte que ele não aceitou a palavra por meio dos homens humildes de Tiro. Parece ser um caso dele permitindo que convicções poderosas anulem a voz do Espírito que o alcança de fora. Aí devemos deixá-lo, apenas observando que, se assim for, podemos ver na história posterior como Deus prevaleceu sobre o erro para o bem final, embora isso significasse muitos problemas para Paulo.

Deixando Tiro, houve outra dessas belas reuniões de oração improvisadas, assim como, ao chegar à Cesareia, temos um vislumbre da hospitalidade Cristã daqueles dias. Filipe, o evangelista de Atos 8, foi seu anfitrião. Suas filhas nos fornecem exemplos de mulheres que têm dons proféticos, que exerceram indubitavelmente de acordo com as instruções das Escrituras para o serviço das mulheres.

Naquela cidade, mais testemunho foi prestado pelo profeta Ágabo sobre o que havia diante de Paulo em Jerusalém. Mais uma vez vemos uma comovente demonstração de afeto por Paulo, tanto por parte de seus companheiros como pelos santos em Cesareia: uma demonstração também da prontidão de Paulo para dar a vida pelo nome do Senhor Jesus. A propósito, vemos o caminho sábio quando existe uma diferença de opinião que não pode ser removida. Todos temos que manter a nossa paz, desejando apenas que, no assunto, a vontade do Senhor, seja qual for, possa ser feita.

Tendo chegado a Jerusalém, Paulo relatou a Tiago e aos anciãos o que Deus havia operado por meio dele entre os gentios. Eles glorificaram o Senhor nisto, pois estavam preparados para reconhecê-los em Cristo, de acordo com o que havia sido decidido no concílio, do qual lemos em Atos 15. Os gentios não deviam ser submetidos ao jugo da lei. Mas se os judeus crentes deveriam observar seus antigos costumes era outra questão. Os irmãos de Jerusalém pediram a Paulo que ele aproveitasse a oportunidade de quatro homens que tinham um voto de se associar a eles, especialmente porque se alegava contra ele que havia ensinado os judeus a abandonar seus costumes. Eles sentiram que era conveniente que ele contradissesse esses rumores dessa maneira.

Outra coisa que estava por trás da sugestão era que agora havia milhares de judeus crendo em Cristo, mas todos eles eram zelosos da lei. Deveríamos ter pensado que eles teriam sido zelosos do evangelho e de suas esperanças celestes, mas evidentemente eles ainda não haviam entendido o verdadeiro caráter daquilo a que haviam sido introduzidos. Foi para esses Cristãos judeus como esses que a epístola aos Hebreus foi escrita. Eles realmente se fizeram “negligentes para ouvir”, e precisavam de alguém para lhes “ensinar quais sejam os primeiros rudimentos das palavras de Deus”, precisando de “leite, e não de sólido alimento”. Eles foram consequentemente exortados a “prosseguir até a perfeição” (Hb 5:11-6:2).

A ação recomendada a Paulo, e que ele aceitou, dificilmente foi calculada para levá-los à perfeição. Foi um ato de conveniência, feito para evitar problemas, e como tantas vezes acontece, falhou completamente em seu objetivo. Isso levou Paulo ao templo, onde seus adversários mais provavelmente seriam encontrados. Ele entrou no problema ao invés de evitá-lo. A revolta contra ele foi fomentada pelos judeus da Ásia, homens que sem dúvida haviam se envolvido no tumulto em Éfeso. Eles agiram sob a suposição de que Paulo havia profanado o templo, introduzindo nele um gentio de Éfeso. A suposição estava evidentemente errada. Ele não havia feito isso, mas o gentio entrou por si mesmo, supondo que desse modo desarmasse o preconceito deles, e essa suposição também se mostrou equivocada.

No entanto, a mão de Deus superou tudo o que aconteceu. A profecia de Ágabo foi cumprida. Paulo perdeu sua liberdade. No entanto, pela ação do tribuno romano, ele foi resgatado da violência do povo. Os dias de seu livre trabalho evangelístico acabaram – salvo talvez por um curto espaço de tempo pouco antes do fim. Agora começava o período em que ele deveria dar testemunho poderoso à população de Jerusalém, a ser seguido por testemunho perante governadores e reis, e mesmo diante do próprio Nero. Deus sabe como fazer a ira do homem louvá-Lo e restringir o restante da ira. Ele também sabe como prevalecer sobre quaisquer erros que Seus servos possam cometer e, de fechar diante deles, certas linhas de serviço para abrir outras, o que, em última análise, podem revelar-se de importância ainda maior. Foi o aprisionamento de Paulo que o levou a escrever aquelas epístolas inspiradas que têm edificado a Igreja por dezenove séculos.

ATOS 22

Em tudo o que aconteceu com Paulo em Jerusalém, não é difícil discernir a mão de Deus controlando os bastidores. Embora a cidade estivesse em alvoroço, ninguém deu um golpe fatal até que houvesse tempo suficiente para o tribuno intervir. Então, o fato de Paulo se dirigir a ele em grego criou a impressão favorável que levou à permissão para se dirigir às multidões barulhentas das escadas da fortaleza. Então a escolha de Paulo do hebraico para seu discurso levou a um completo silêncio e atenção ao que ele tinha a dizer.

É bastante notável que tenhamos três relatos completos da conversão de Cornélio nos Atos. Em Atos 10, Lucas registra isso como um historiador; então em Atos 11, ele registra como Pedro relatou isso. Em Atos 15, temos um breve terceiro relato de como Pedro se referiu a ela no concílio de Jerusalém. Novamente, temos três relatos da conversão de Paulo. Em Atos 9, Lucas registra isso como um historiador; em Atos 22, ele registra como o próprio Paulo a relatou ao seu próprio povo, e em Atos 26, como ele a relatou aos soberanos gentios. Ambas as conversões foram marcantes e de grande importância. No primeiro caso, foi o chamamento definitivo e formal dos gentios pelo evangelho às mesmas bênçãos que os judeus e nos mesmos termos; no outro, era o chamado do arquiperseguidor para ser o principal instrumento para levar o evangelho ao mundo gentio.

Quando lemos o relato em Atos 22, não podemos deixar de ver a habilidade dada por Deus com a qual Paulo falou. Ele começou afirmando o que tinha sido em seus primeiros dias, quando seu modo de vida estava de acordo com os pensamentos deles. Ele era perfeito quanto à sua linhagem, sua educação, seu zelo e seu ódio pelos Cristãos. Então veio uma intervenção do céu que foi claramente um ato de Deus. Ora, toda conversão verdadeira é o resultado de um ato de Deus, mas geralmente passa por algum instrumento humano e o ato divino é reconhecido apenas pela fé. No caso de Paulo, não havia instrumento humano, mas algo bastante sobrenatural, que atrai tanto o olho quanto o ouvido – uma grande luz e uma voz de poder – de modo a deixá-lo caído prostrado no chão. Ele conta a história de modo a impressionar seus ouvintes com o fato de que a mudança nele, que tanto ofendia a eles, havia sido feita por Deus.

A voz que o prendeu era a voz de Jesus, e eis que descobrimos que a frase completa proferida do céu era: “Eu sou Jesus NAZARENO, a Quem tu persegues”. Essa palavra não está inserida em Atos 9, nem aparece quando ele fala aos gentios no capítulo 26, mas aqui falando aos judeus, ela estava cheia de tremendo significado. Eles empregaram essa palavra em Seu nome como um insulto e uma censura; e agora Jesus Nazareno está no céu!

A partir disso, aceitemos o aviso de não dividir os nomes e títulos de nosso Senhor de qualquer maneira insensível e leviana; mesmo assim é muito útil discernir o significado de cada um. Poderíamos ter esperado que Ele dissesse: “Eu sou aqu’Ele que era Jesus Nazareno nos dias da Minha carne”; relegando assim esse nome à Sua jornada na Terra exclusivamente. Mas Ele não disse: “Eu era”, Ele disse: “Eu sou”. Ele não descartou Seus nomes, pois Ele é uno e indivisível.

Embora Paulo apresente sua conversão como sendo um ato puro de Deus, ele relata como Ananias foi usado por Deus para a restauração de sua visão, e para transmitir a ele o chamado para ser uma testemunha, e para ser batizado: ele também enfatiza que Ananias era um membro devoto e respeitado da comunidade judaica em Damasco. Note que Paulo estava tanto para ver o Salvador glorificado como para ouvir a Sua voz; e do que ele viu e ouviu, ele deveria dar testemunho. Daí o seu falar do evangelho que ele pregou como sendo “o evangelho da glória de o Cristo” (2 Co 4:4 – JND).

Note também como o batismo e a lavagem dos pecados estão conectados aqui, assim como eles estão em Atos 2:38, e como eles estavam no batismo de João. Ananias acrescentou: “invocando o nome do Senhor”, o que mostra que ele apontou para o batismo Cristão e não para o de João. O batismo é especialmente significativo no caso do judeu, que explica o lugar proeminente que teve no dia de Pentecostes e no caso de Paulo. Estes rejeitadores de Cristo devem curvar suas orgulhosas cabeças e descer simbolicamente para a morte, reconhecendo Seu nome. Foi o sinal de sua submissão àqu’Ele a Quem eles haviam recusado, e só assim seus pecados poderiam ser lavados.

Paulo então passou a relatar o que aconteceu em sua primeira breve visita a Jerusalém, mencionada em Atos 9:26. Nenhuma menção é feita a essa visão em Atos 9, nem em Gálatas 1; só lemos a respeito dela aqui. É notável que tanto os apóstolos Pedro e Paulo tenham tido um arrebatamento de sentidos e visto uma visão quanto ao seu serviço em relação aos gentios – Pedro, para que pudesse romper o costume judaico e abrir o reino aos gentios; Paulo, para que aceitasse a evangelização dos gentios como a obra de sua vida. Desta forma, foi duplamente enfatizado que a entrada dos gentios era a vontade deliberada e propósito de Deus.

Devido ao seu passado, Paulo sentiu que estava eminentemente preparado para evangelizar sua própria nação, e se aventurou a dizer isto ao Senhor, apenas para ser informado de que os judeus não aceitariam o testemunho de seus lábios, e que ele seria enviado para longe dali, para os gentios. Tudo isso ele disse ao povo, e quando se lê o registro, sente-se o poder convincente de suas palavras. Será que ele achava que pelo menos alguns de seu povo deveria estar convencido? No entanto, ali permanecia aquela palavra do Senhor, dita há mais de vinte anos: **“**Eles não receberão o teu testemunho acerca de Mim”; e isso foi apoiado pela mensagem especial do Espírito Santo de que ele não deveria ir a Jerusalém. Naquele momento, as palavras do Senhor foram comprovadas. Sua menção dos gentios se tornando objetos da misericórdia divina despertou seus ouvintes ao delírio extremo. Eles não receberiam suas palavras. Eles exigiram sua morte com violência quase incontrolável. Quando Paulo perseguiu sua missão dada por Deus aos gentios, recebeu o gozo de ser usado para alcançar “um remanescente segundo a eleição da graça” (Rm 11:5 – AIBB) de seu próprio povo; quando ele se virou para o lado, concentrando sua atenção em seu próprio povo, suas palavras não produziram frutos de bênção.

A fúria irracional do povo, juntamente com o uso da língua hebraica, evidentemente confundia o tribuno, e o interrogatório sob açoite era a maneira reconhecida de extorquir provas naqueles dias. A menção por Paulo de sua cidadania romana restringiu isso e, sob a mão de Deus, tornou-se a ocasião do testemunho adicional de Paulo diante dos líderes de sua nação. O Sinédrio foi convocado no dia seguinte pelas ordens do tribuno.

ATOS 23

À medida que abrimos este capítulo, encontramos Paulo em pé diante desse imponente conselho, e poderíamos ter esperado que ele desse o mais impressionante e convincente discurso de sua vida. Em resultado, no entanto, houve um mínimo de testemunho e um máximo de confusão. O comentário inicial de Paulo ficou amargamente ressentido, embora possamos ver que era verdade. Uma consciência “boa” é adquirida e mantida à medida que realizamos com sinceridade e rigidez tudo o que a consciência nos orienta. O fanático com consciência pervertida ou não iluminada faz as coisas mais ultrajantes a fim de preservar sua “boa” consciência. Assim Paulo tinha agido em seus dias de não convertido, e desde sua conversão ele tinha com sinceridade observado as advertências de sua consciência, agora iluminada e retificada. Quão claramente isso nos mostra que a consciência em si mesma não é um guia seguro: deve ser iluminada pela Palavra de Deus. Seu valor depende inteiramente da medida em que é controlada pela Palavra.

Furioso com esta declaração de abertura, o sumo sacerdote ordenou que Paulo fosse ferido na boca, violando assim a lei que estipulava que um ofensor só deveria ser espancado depois de um julgamento apropriado, e somente de maneira apropriada (Dt 25:1-3). Essa injustiça manifesta levou Paulo a uma afiada réplica; muito apropriada, mas não admissível como dirigida ao sumo sacerdote. Tendo o conselho sido convocado desta maneira apressada e informal, provavelmente não havia nada em seu traje para distingui-lo; contudo, quando o erro foi apontado, Paulo imediatamente reconheceu sua culpa e citou a passagem que proibia o que ele havia feito. Ele foi incapaz de perguntar com toda a certeza: “quem dentre vós Me convence de pecado?” como o seu Senhor tinha feito.

Houve imediatamente um movimento extremamente astuto da parte de Paulo. Ele se apresentou como fariseu, e como sendo questionado sobre a esperança da ressurreição. Sem dúvida, ele era fariseu por nascimento e formação inicial e, sem dúvida, a ressurreição está no próprio fundamento do evangelho. Sua exclamação teve o efeito que ele previu. Ele ajuntou os fariseus em seu auxílio, enquanto antagonizava violentamente aos saduceus. Eles eram todos homens partidários, vendo tudo do ponto de vista do partido. Assumindo que ele fosse do grupo deles, os fariseus penderam em seu favor. A verdade e a justiça não valiam com eles, mas o partido contava. O mesmo tipo de coisa é muito comum hoje em dia, e os Cristãos não estão imunes a isso; então vamos aceitar o aviso que nos é transmitido aqui.

Por todo o livro de Atos, o partido dos saduceus aparece como o principal opositor do evangelho. Por causa da sua visão materialista, negavam a ressurreição. Aqui temos nosso último vislumbre deles enquanto protestam furiosamente contra a súbita mudança de posição dos fariseus, e usam um tal vigor físico que Paulo poderia ter sido feito em pedaços. Sua violência derrotou seu propósito, pois forçou o tribuno a intervir, e Paulo foi, pela segunda vez, resgatado das mãos de seu próprio povo.

Quão lindo é o versículo 11! Não nos é dito nada sobre os sentimentos de Paulo, mas da mensagem do Senhor para ele de bom ânimo o que certamente se deduz é que ele estava deprimido. Não podemos deixar de pensar que todo esse episódio de Jerusalém havia caído abaixo do alto padrão que caracterizara todo o seu serviço anterior; todavia ele certamente testificou de seu Senhor. Seu gracioso Mestre fixou-se nesse fato, reconheceu-o e disse-lhe que ainda estava por prestar testemunho em Roma – Jerusalém, o centro religioso, Roma, o centro imperial e governamental da Terra daqueles dias. Que conforto para o espírito de Paulo!

No dia seguinte, houve a conspiração da parte de mais de quarenta homens para matar Paulo. A natureza da maldição sob a qual eles se vinculam testemunha a ferocidade de seu ódio, de modo que parece que eles eram do grupo dos saduceus que havia sido privado de sua vítima no dia anterior. Os chefes dos sacerdotes também eram daquele partido, e assim não havia nada contrário envolvido nesse negócio. Eles deveriam fingir que queriam examiná-lo ainda mais, e os quarenta homens estavam prontos para matá-lo.

Novamente encontramos a mão de Deus frustrando suas artimanhas. A história – como sempre nas Escrituras – é contada com brevidade e contenção. Descobrimos que Paulo tinha uma irmã e um sobrinho em Jerusalém, mas como o jovem conseguiu informações sobre o plano não nos é dito. Deus viu, contudo, que chegou aos seus ouvidos, embora tenha sido traçado apenas algumas horas antes, e também lhe deu coragem para revelá-lo. Por ele ter tido acesso tão fácil ao tio, e que o pedido de Paulo para que o sobrinho tivesse acesso ao tribuno encontrasse uma resposta tão cortês, conseguimos traçar o governo de Deus; embora muito provavelmente o comportamento ultrajante dos judeus tenha provocado uma reação na mente do tribuno em favor de Paulo. Como resultado, ele não apenas escutou o jovem, mas o aceitou sem hesitar, e imediatamente tomou medidas para frustrar a conspiração.

O restante do capítulo nos dá um vislumbre da eficiência que marcou o sistema militar romano. O tribuno agiu com a maior prontidão em sua decisão de remeter Paulo ao governador civil em Cesareia. Ele cuidou também de não correr riscos. Ele conhecia a fúria vingativa dos judeus quando questões religiosas estavam em jogo; então ele não cometeu o erro comum de subestimar o perigo. A força militar que tomou conta de Paulo deve ter chegado a praticamente quinhentos homens, uma proporção de doze para um contra possíveis assassinos. Toda consideração foi dada ao prisioneiro, até mesmo ao ponto de fornecer animais para ele montar.

ATOS 24

A carta escrita por Cláudio Lísias é um documento bastante típico, no qual ele apresentou suas próprias ações sob a luz mais favorável; mas, por outro lado, exonerava inteiramente a Paulo qualquer coisa realmente má ou digna de morte. As únicas acusações contra ele eram sobre “questões da lei deles” (TB). Assim fica claro que o primeiro oficial romano em cujas mãos ele caiu, rapidamente se convenceu de que as acusações contra ele eram quanto à sua fé, e não havia culpa nele quanto a questões de conduta. Deus, evidentemente, cuidou para que isso se tornasse abundantemente claro.

Assim foi ordenado que o propósito dos quarenta homens fracassasse, apesar de seu voto e maldição. Paulo estava em segurança nas fortes mãos de Roma, e no devido tempo seria capaz de expor seu caso em uma atmosfera mais calma, e levar o Nome de seu Mestre diante de “os gentios e reis”, bem como os filhos de Israel, como havia sido predito por Ananias. Antes de tudo ele teve que comparecer perante Felix, o governador.

A acusação de Paulo diante do governador carrega todas as marcas de amargo ânimo e preconceito. O fato de que não só os anciãos, mas até mesmo Ananias, o sumo sacerdote, achasse necessário descer para se apresentar contra ele, mostra a importância que deram ao seu caso. Então eles contrataram um advogado que, a julgar pelo seu nome, era um romano e não um judeu. Tértulo, eles sem dúvida achavam, saberia melhor do que eles o que apelaria à mente romana, e assim teriam mais chances de garantir uma condenação. Tértulo sabia e começou com exagerada bajulação, pois o relato dado sobre a administração de Félix na história secular está em plena oposição ao que ele afirmou. A isso ele acrescentou uma acusação quádrupla contra Paulo. Todas as quatro acusações eram vagas, particularmente a primeira, que ele era uma peste, e a segunda que ele era um promotor de sedições. Acusações vagas eram preferidas, pois ele sabia que elas não poderiam ser facilmente desmentidas como normalmente acusações claramente definidas podem ser.

A terceira e quarta acusações foram um pouco mais definidas. A quarta, quanto a profanar o templo, era falsa, como mostrava o capítulo anterior: a terceira era a única com alguma aparência de verdade. Ele provou ser um líder entre os Cristãos, que eram conhecidos pelos judeus como a seita dos nazarenos. Eles eram de fato seguidores do desprezado Nazareno, mas eram enfaticamente não apenas uma nova seita entre os judeus. O livro de Atos foi escrito para nos mostrar que eles não eram isso, mas sim algo inteiramente novo. O mundo nunca entende qualquer obra genuína de Deus.

Tértulo teve o cuidado de apresentar a ação de Lísias sob uma luz desfavorável, já que ele havia reprimido a violência dos judeus; e os judeus apoiaram as afirmações de seu advogado. Os judeus forneceram o ânimo e usaram o gentio como sua ferramenta, como fizeram no caso do Senhor.

A resposta de Paulo foi em todos os aspectos um contraste com a oratória de Tértulo. Ele reconheceu que Felix teve muitos anos de experiência como juiz entre os judeus, mas se absteve de lisonja. Ele evitou asserções vagas, negando explicitamente quaisquer disputas e sedições, e salientando que apenas doze dias haviam se passado desde o momento em que ele pusera os pés em Jerusalém. Ele mostrou que, embora tivessem feito muitas acusações, não haviam fornecido provas e não podiam fazê-lo. Então, fazendo uma confissão simples e clara do que o caracterizara, e o que realmente estava no fundo da hostilidade deles, lançou em destaque aquilo que estava no fundamento do evangelho que ele pregava. Eles chamavam isso de heresia, mas era o próprio fundamento da verdade.

Desta forma, com habilidade, Paulo anunciou sua crença em tudo o que havia sido escrito no Velho Testamento, e mostrou que todas as esperanças Cristãs são baseadas na ressurreição, a qual, é claro, foi confirmada em Cristo. E é igualmente certo que haverá uma ressurreição para os injustos. Isso foi, evidentemente, um tiro dirigido à consciência de Felix, bem como a todos os outros presentes. Ninguém permanecerá enterrado na sepultura para escapar da mão poderosa de Deus em julgamento.

Tendo proclamado sua fé nas Escrituras e na ressurreição, Paulo prosseguiu afirmando que sua conduta estava de acordo com o que ele cria. Sua consciência era clara, e ele só tinha vindo a Jerusalém em uma missão de misericórdia, e quando no templo, seu comportamento tinha sido perfeitamente ordenado e correto. Foram os judeus da Ásia que provocaram o tumulto, não ele; e agora que havia oportunidade para que eles apresentassem suas acusações contra ele de uma maneira ordenada, eles não estavam lá para fazê-lo.

Mas havia judeus presentes que o haviam visto comparecer diante do conselho, e ele sabia que eles não encontravam nenhuma falha nele, a não ser que declarava sua crença na ressurreição. Paulo não tinha dúvida de que era a facção dos saduceus que o perseguia tão implacavelmente e que comparecia contra ele, e ele teve o cuidado de deixar bem claro para Felix que sua crença na ressurreição dos mortos, como se verificou na ressurreição de Cristo, foi o verdadeiro ponto da questão. Pode ser também que Paulo quisesse reconhecer que a maneira pela qual ele clamara no conselho não tinha sido completamente livre de culpa.

Felix, como aprendemos no versículo 24, tinha uma esposa judia, e assim estava bem informado sobre as coisas, e percebeu imediatamente que não havia nada de mal em Paulo. Ele suspendeu a corte sob o pretexto de esperar por Lísias, o tribuno, então mais uma vez os acusadores foram frustrados, especialmente porque o adiamento era “sine die”4, como nossos tribunais colocam. Entrementes, Paulo recebeu uma medida extraordinária de liberdade, na qual novamente podemos ver a mão dominadora de Deus.

Não há registro de Lísias descendo, mas nos é dito como Félix, com Drusila sua esposa, chamaram por Paulo e lhe deram uma audiência privada, enquanto ele testificou da fé em Cristo. Esta foi uma grande oportunidade, e Paulo, evidentemente, conhecia o caráter fraco e corrupto do governador, e assim enfatizou a justiça, temperança e julgamento vindouro. Podemos tomar a justiça como resumo da mensagem do evangelho, como Romanos 1:16-17, mostra tão claramente. A temperança ou controle próprio é o resultado do evangelho na vida de quem o recebe; e o julgamento vindouro é o que aguarda aqueles que o rejeitam. Assim, embora o resumo dado do discurso de Paulo seja extremamente breve, podemos ver que as três palavras abrangem os fatos salientes do evangelho.

Havia grande poder com a mensagem e Félix tremia, mas ele adiou a questão para aquela “ocasião favorável” (AIBB), que tantas vezes nunca chega. Foi assim neste caso. Dois anos se passaram antes que Felix fosse substituído por Festo, e durante esse período houve várias entrevistas, nada aconteceu, e Felix deixou Paulo preso no esforço de alcançar favor dos judeus. O verdadeiro cancro no coração de Felix era o amor ao dinheiro. Seu caso ilustra de forma impressionante como pode haver uma obra poderosa do Espírito por meio do evangelho de forma exterior no homem, mas como qualquer trabalho no coração e a consciência interior podem ser sufocados por alguma concupiscência ativa, como o amor ao dinheiro. A verdadeira conversão ocorre quando a obra exterior do Espírito é complementada e correspondida pela obra interior do Espírito.

ATOS 25

Tendo Festo chegado ele subiu a Jerusalém depois de três dias, e tal foi a animosidade contra Paulo que imediatamente o sumo sacerdote e outros líderes o acusaram, e pediram a Festo que fosse trazido a Jerusalém. Embora anos tivessem passado, eles ainda cumpririam seu voto e fariam sua vingança. Tal é o rancor religioso! Festo, no entanto, recusou isso, então mais uma vez seus acusadores tiveram que viajar para Cesareia. Essa segunda audiência foi praticamente uma repetição da primeira, como é mostrado nos versículos 7 e 8. Paulo tinha apenas que rebater um grande número de afirmações não provadas. Ora Festo, como mostra o próximo capítulo, não tinha nenhum conhecimento íntimo das coisas judaicas; ainda assim, sabendo que era um povo difícil de lidar, desejou obter seu favor e assim sugeriu que, depois de tudo, Paulo poderia ir a Jerusalém para seu julgamento final.

Nesta súbita mudança da parte de Festo podemos ver a mão de Deus. Durante a noite que se seguiu ao alvoroço no concílio, o Senhor apareceu a Paulo e disse-lhe que ele deveria dar testemunho d’Ele em Roma, e agora Ele controla as circunstâncias para que isso aconteça. A sugestão de Festo levou Paulo a apelar a César, um privilégio que lhe pertencia como cidadão romano. Paulo sabia que a mudança de lugar proposta era o prelúdio de ser entregue a seus inimigos, embora Festo soubesse muito bem que não fizera nada errado. Se Festo começou a ceder ao clamor a fim de aplacar os judeus, ele acabaria cedendo tudo. O apelo de Paulo resolveu tudo. Tendo apelado para César, para Roma ele deve ir. Esta é a terceira ocasião em que encontramos Paulo tomando sua posição sobre sua cidadania romana, e aqui, evidentemente, foi feito para servir e executar o propósito de seu Senhor.

A vinda de Agripa e Berenice para saudar Festo tornou-se a ocasião para Paulo dar um terceiro testemunho perante governadores e reis, e agora temos uma visão muito mais completa do modo poderoso em que ele apresentou a verdade. Ele não falhou anteriormente em transmitir até mesmo a Festo aquilo que estava no coração de toda a questão, pois ao falar com Agripa de seu caso, Festo declarou a controvérsia ao redor de “um tal Jesus, morto, que Paulo afirmava viver”. Isso mostra que, apesar de pagão como era e sem real entendimento, ele havia alcançado o fato central do evangelho. A morte e ressurreição de Cristo estão na base de todas as bênçãos e da declaração completa do amor de Deus. Nós sabemos algo disso, enquanto ele não sabe nada disso. Ainda assim, Paulo tinha tornado isso claro.

Que tudo isso era um mistério para Festo, apesar de ter corretamente percebido o ponto da questão, fica evidente de seu discurso a Agripa, quando o tribunal se reuniu, Paulo foi trazido e o processo começou. Ele não tinha nada certo para escrever ao seu senhor, o imperador em Roma e esperava que Agripa, com seu conhecimento superior da religião judaica, pudesse ajudá-lo a entender mais claramente o que estava em jogo e saber o que dizer.

ATOS 26

Nesta ocasião não houve nenhum processo preliminar tedioso. Agripa imediatamente deu permissão a Paulo para falar por si mesmo. Assim libertado, ele foi capaz de dispensar todos os meros detalhes em defesa própria, e foi direto à mensagem a qual Deus havia confiado a ele, depois de reconhecer o profundo conhecimento de Agripa, e suplicar que fosse ouvido com paciência.

Começou afirmando que fora educado na mais estrita forma de judaísmo entre os fariseus, e que o que agora era acusado contra ele estava em conexão com a esperança que todo Israel alimentara desde os dias em que Deus deu Sua promessa. Essa esperança que eles ainda mantinham, mas Paulo sustentava que havia um cumprimento disso em Cristo, e particularmente em Sua ressurreição. Assim, desde o início de seu discurso, ele manteve a ressurreição bem em primeiro plano, como sendo o ponto principal da questão. No entanto, a ressurreição estava além dos pensamentos dos homens, fossem judeus ou pagãos; daí a sua pergunta: “Pois quê? julga-se coisa incrível entre vós que Deus ressuscite os mortos?” Seria absolutamente incrível se apenas homens estivessem em questão: Deus sendo introduzido – o real, verdadeiro e vivo Deus – seria incrível se assim não fosse.

Neste terceiro relato de sua conversão encontramos o apóstolo enfatizando grandemente a determinada e furiosa oposição a Cristo que o caracterizou no princípio. Ele era de fato “blasfemo, e perseguidor, e opressor [um homem prepotente e insolente – JND], como disse a Timóteo: ele se conduziu a ponto de estar “enfurecido demasiadamente” contra os discípulos e persegui-los até mesmo em cidades distantes. Foi assim que ele fez muitas coisas “contra o nome de Jesus Nazareno”. Foi ao meio dia, quando o Sol brilhava mais forte, que outra luz mais brilhante que o Sol o envolveu na estrada para Damasco, e a voz do Senhor foi ouvida. A luz incriada lançou a luz criada na sombra.

Várias características interessantes, não mencionadas nos relatos anteriores, aparecem aqui. A luz do céu lançou toda a companhia ao pó, e não apenas Paulo. Além disso, a voz estava em língua hebraica. Isso é notável, pois nos disseram anteriormente que, embora seus companheiros ouvissem a voz, nada lhes transmitia. Foi na sua própria língua, mas eles não entenderam. Eles foram afetados fisicamente, mas somente Paulo foi afetado espiritualmente. O elemento essencial na conversão não são grandes visões, nem sons maravilhosos, mas a obra vivificante do Espírito Santo. Jesus foi manifestado apenas a Paulo, e de tal maneira que ele descobriu que Ele era seu Senhor.

Quando ele reconheceu Jesus ser seu Senhor, foi-lhe dito claramente o que ele deveria fazer em relação à sua salvação pessoal. Isso aprendemos dos relatos anteriores. Aqui só nos é dito que, ao mesmo tempo, o Senhor disse-lhe com igual clareza, que Ele estava apreendendo-o para torná-lo o servo de Sua vontade de uma maneira muito especial. Ele deveria ser uma testemunha para os outros daquilo que acabara de ser revelado a ele, e de outras coisas que ainda seriam reveladas a ele pelo Senhor. Apenas aqui aprendemos sobre o modo como o Senhor o comissionou desde o início e quais eram os termos dessa comissão. Eles são muito impressionantes, e eles explicam completamente a notável carreira que temos traçado nos capítulos anteriores.

O propósito do Senhor era que ele fosse “livrado” ou tirado (JND) de entre o povo e dos gentios; isto é, ele deveria ser separado tanto de seu próprio povo, dos judeus e dos gentios, de modo a ficar em um lugar distinto de ambos. Muitas vezes tem sido dito que as palavras do Senhor: “Eu sou Jesus, a Quem tu persegues”, foram a primeira indicação de que os santos eram Seu corpo: talvez possamos dizer que as palavras que estamos considerando agora sejam a primeira indicação do lugar distinto que a Igreja ocupa, chamada para fora dos judeus e dos gentios. Paulo começou por ser colocado no lugar em que foram trazidos todos aqueles que creram no evangelho que ele foi comissionado para pregar.

Mas, como diz o final do versículo 17, ele foi especialmente enviado aos gentios. Como já notamos antes, ele foi abençoado por muitos judeus, enquanto seguiu sua comissão no mundo gentio; foi só quando ele se virou para o lado para se dirigir especialmente aos seus irmãos judeus, que ele falhou em alcançá-los. Quão plenamente nos adverte que nosso Mestre deve ser supremo e que nossa sabedoria é cumprir o Seu plano para nossas vidas e serviço. Aos gentios ele deveria ir, “para lhes abrir os olhos” (TB).

Este foi um novo começo nos caminhos de Deus, pois até agora os gentios haviam sido deixados seguir seu próprio caminho. Estavam em trevas e na ignorância, mas agora seus olhos deveriam ser abertos.

Se, por meio dos trabalhos de Paulo, seus olhos estivessem efetivamente abertos, eles se afastariam das trevas e do poder de Satanás para a luz e para Deus. Isto é o que entendemos por conversão. Deve, é claro, envolver a convicção do pecado, pois nenhum de nós pode entrar na luz de Deus sem que essa convicção seja formada em nós. Mas então, como resultado da mudança, há a recepção do perdão. Existe o divino ato de perdão em que podemos nos regozijar, e não apenas isso, mas também entramos em uma herança que compartilhamos em comum com todos aqueles que estão separados para Deus. Perdão é o que podemos chamar de bênção negativa do evangelho e a herança é a positiva. O perdão é uma perda e não um ganho – a perda de nossos pecados; do amor a eles, bem como da pena a qual eles implicam. A herança é o que ganhamos.

E tudo isso é “pela fé em Mim”. Aqui temos o caminho pelo qual a bênção é alcançada. Não por obras, mas por fé; e dessa fé, Cristo é o Objeto. A virtude não está na fé, mas no Objeto em Quem a fé repousa. Assim, desde o momento de sua conversão, o futuro curso e ministério de Paulo foi assinalado para ele e, por revelação do Senhor, foi-lhe dada a mensagem que ele deveria pregar. Temos, então, no versículo 18, um resumo completo das bênçãos que o evangelho traz para aquele que o recebe em fé. Os olhos de seu coração e mente estão abertos para a verdade; ele é trazido das trevas para a luz e do poder de Satanás para Deus; seus pecados são perdoados e ele sabe disso; ele compartilha da herança comum com aqueles que também são separados para Deus.

Tendo recebido estas instruções, Paulo tinha sido fiel à sua comissão, e começando onde estava e alargando-se para as nações, ele mostrou aos homens em todos os lugares qual deveria ser a resposta deles ao evangelho. Eles deveriam se arrepender; eles deveriam se voltar para Deus; eles deveriam fazer obras de acordo com o arrependimento que professavam. O arrependimento envolve a vinda para a luz que capacita a pessoa a ver e julgar a própria pecaminosidade, e então a confissão dela diante de Deus. Ora, quanto mais vemos nosso próprio pecado, mais desconfiamos de nós mesmos; quanto mais desconfiamos de nós mesmos, mais aprendemos a confiar em Deus: consequentemente, converter-se para Deus é seguido por uma negação de nós mesmos. Tudo isso é um processo interior de mente e coração de natureza mais ou menos secreta, mas, se for real, logo produz ações e trabalha em sintonia com a conversão. Se não houver “obras dignas de arrependimento”, podemos ter certeza de que o arrependimento declarado não é algo genuíno. Paulo insistiu em todas as três coisas, e ele sabia, é claro, que não são apenas o caminho designado por Deus, no qual as bênçãos do evangelho são recebidas, mas elas mesmas são produzidas pelo evangelho, onde ele é recebido em fé.

Ora, era exatamente isso que tanto instigava a animosidade dos judeus, pois se esse era o meio de entrar no favor de Deus, estava tão aberto aos gentios quanto aos judeus. Mas ele deixou muito claro a Agripa que o que havia sido predito por Moisés e pelos profetas era a base de tudo o que ele havia pregado. Ele anunciou o sofrimento de Cristo; Sua ressurreição; e que, como Ressuscitado, Ele deveria trazer a luz de Deus a toda a humanidade – não apenas judeus, mas gentios também. Quão claramente este último ponto é declarado em Isaías 49, assim como a morte e ressurreição de Cristo são preditas em Isaías 53.

No versículo 23, então, temos um claro testemunho prestado a Agripa, Festo e a todos os outros presentes, quanto à gloriosa base sobre a qual de fato repousa o evangelho. Na verdade, podemos dizer que primariamente a pregação do evangelho é a declaração desses fatos, e precisamos mantê-los na linha de frente de nossa pregação hoje tanto quanto nos dias de Paulo. Então, como vimos, o versículo 18 nos dá as bênçãos que o evangelho confere; e no versículo 20, o modo pelo qual as bênçãos do evangelho são recebidas.

Para a mente pagã dos romanos, a ideia de ressurreição era simplesmente inadmissível, como Paulo havia antecipado na abertura de seu discurso, de modo que a menção de Cristo ressuscitado dos mortos levou Festo a uma alta exclamação. Quantas vezes por meio dos séculos o Cristão foi acusado de loucura! Aqui está a primeira ocorrência registrada da provocação que está sendo lançada pelo homem do mundo. No entanto, não foi um abuso vulgar, pois Festo era um romano polido. Ele pelo menos atribuiu a “loucura” de Paulo a um excesso de estudo e aprendizado. Mesmo assim ele pensou que Paulo estava louco!

A defesa de Paulo estava se movendo em sua dignificada simplicidade. Ele dirigiu-se a Festo de uma maneira que se convinha à sua alta posição, e então afirmou que, ao contrário, o que ele dissera eram “palavras de verdade e de perfeito juízo” (TB). Para Festo, era tudo um romance de uma mente intoxicada, pois os deuses que ele venerava não exerciam nenhum poder além do túmulo. O homem fraco pode matar e derrubar até o túmulo – isso é uma coisa fácil: somente do Deus vivo se pode dizer: “O Senhor é o que tira a vida e a dá**: faz descer à sepultura** e faz tornar a subir dela**”** (1 Sm 2:6). Almejemos todos assim declarar o evangelho de forma que nossos ouvintes possam reconhecer que estamos falando da _sóbria verdade_.

Tendo respondido a Festo, Paulo lançou um apelo a Agripa, sabendo que ele professava crer nas Escrituras proféticas, portanto, saberia que o que ele pregava foi de fato predito ali. O apelo evidentemente atingiu sua consciência. A resposta de Agripa, tememos, não era uma confissão de que ele estava quase convencido da verdade do evangelho, mas sim de uma tentativa meio irônica de se livrar do efeito do apelo. Ele disse de fato: “Dentro em pouco você estará fazendo de mim um Cristão!” De suas palavras, é evidente que o termo “Cristão”, cunhado pela primeira vez em Antioquia, tinha agora obtido ampla circulação. Por ele os discípulos foram descritos com muita precisão. Na réplica de Paulo há uma dignidade moral que não é facilmente superada. Um pobre prisioneiro está em meio a grande pompa e magnificência e deseja a seus augustos juízes que eles sejam exatamente como ele é, exceto por suas cadeias! Enquanto os anjos olhavam abaixo para aquela visão, viram um herdeiro de eterna e superior glória em pé diante dos cacos de barro, vestidos por um breve momento em uma demonstração de mau gosto. Paulo sabia disso, e que não havia nada melhor para qualquer homem do que ser tal qual ele era.

Isso encerrou a sessão. Paulo teve a última palavra; e nos regozijamos ao notar como ele, cheio do Espírito Santo, está de pé no auge do grande chamamento que o tinha alcançado – o chamamento que nos alcançou também.

Mais uma vez também sua inocência é declarada pela autoridade competente. Se ele não tivesse apelado para César, ele poderia ter sido libertado.

ATOS 27

Enquanto em Éfeso Paulo “propôs, em espíritover também Roma” (At 19:21), e, o que é mais importante ainda, era o propósito do Senhor para ele – “assim importa que testifiques também em Roma” (At 23:11). Acabamos de traçar os caminhos de Deus nos bastidores, levando-se em conta que “se determinou que (nós) havíamos de navegar para a Itália”. Mais uma vez, Lucas usa “nós”, mostrando que agora era novamente um companheiro de Paulo assim que eles começaram nesta jornada, que seria tão cheia de desastres, e ainda assim teria um fim tão milagroso.

Olhando para as causas secundárias, Paulo poderia ter se arrependido amargamente de seu apelo a César, quando Agripa declarou que ele poderia ter sido colocado em liberdade. Olhando para Deus, tudo estava claro, e Paulo com outros prisioneiros começou a viagem. No entanto, embora a jornada fosse assim ordenada por Deus, não se seguiu que tudo se movesse com facilidade e suavidade. Muito pelo contrário, pois é registrado desde o início que “os ventos eram contrários” (v. 4). O fato de que circunstâncias são contra nós não é prova de que estamos fora do caminho da vontade de Deus, nem circunstâncias favoráveis necessariamente signifiquem que estamos no caminho de Sua vontade. Não podemos seguramente deduzir das circunstâncias o que pode ou não ser a Sua vontade para nós.

As circunstâncias continuaram contrárias e o progresso foi entediante, “não nos permitindo o vento ir mais adiante” (v. 7), e a época perigosa do ano chegou quando era costume suspender as viagens em algum porto seguro. O lugar chamado “Bons Portos” foi alcançado, que apesar de seu nome não era um local adequado, e aqui um conflito de opinião se desenvolveu. O capitão estava desejoso de chegar à Fenícia, enquanto Paulo avisava que eles estavam prestes a cair em desastre e perda, não só para o navio e carga, mas também para suas vidas. O centurião romano, encarregado do grupo de prisioneiros, realizou o voto de desempate e, tendo escutado a voz da sabedoria mundana e da habilidade náutica, por um lado, e o entendimento espiritual, por outro, decidiu em favor do conselho do capitão.

Qualquer pessoa comum, sem dúvida, teria decidido como o centurião e quando de repente o vento se desviou e soprou gentilmente do sul, parecia que Deus estava favorecendo a decisão do centurião. Mas, novamente, vemos que as circunstâncias não fornecem orientação verdadeira; pois partiram apenas para serem apanhados pelo temido Euro-aquilão, o que perturbou todos os seus planos. Eles procederam por vista e não por fé, e tudo terminou em desastre. Eles tomaram todas as medidas possíveis para operar a sua própria salvação, mas sem resultado, de modo que, finalmente, toda a esperança foi abandonada. É fácil ver que tudo isso pode ser efetivamente usado como uma espécie de alegoria; representando as lutas da alma por libertação, seja da culpa ou do poder do pecado. Nada estava certo até que Deus interveio, primeiro pela Sua Palavra por meio de Paulo, e então pelo Seu poder no naufrágio final.

Foi quando eles estavam quase morrendo de fome e sem esperança que o anjo de Deus apareceu a Paulo. Quase uma quinzena havia se passado desde o início da tempestade e, até esse ponto, Paulo não tivera nada de autoridade para dizer. Mas agora a Palavra de Deus havia chegado a ele, afirmando que ele deve comparecer diante de César, e que ele e todos os que navegam com ele devem ser salvos. Deus, tendo falado, Paulo podia falar com autoridade e máxima certeza. Depois de quinze dias jogados de um lado para o outro em mares bravios, a sensação de todos deve ter sido deplorável e deprimente. Mas o que tinham os sentimentos a ver com o assunto? Deus havia falado, e a atitude de Paulo era: “creio em Deus”, apesar de todos os sentimentos do mundo.

Todas as probabilidades da situação também teriam rejeitado o que o anjo dissera. Que um pequeno veleiro, repleto de 276 pessoas, deveria ser naufragado e destruído, em dias em que não havia botes salva-vidas, e mesmo assim cada um dos 276 ser salvo era tão altamente improvável a ponto de ser declarado impossível. Mas Deus havia dito isso, então Paulo riu da impossibilidade e disse: “há de acontecer”. Além disso, sua fé era tão forte que ele não apenas disse isso em seu coração, mas também disse em alta voz o testemunho para as outras 275 pessoas a bordo. Suas palavras exatas foram: “há de acontecer assim como a mim me foi dito”. A salvação de todos ainda não havia acontecido, mas ele estava tão certo disso como se tivesse acontecido.

Fé foi simplesmente definida como “crer no que Deus diz, porque Deus diz isso”, e isso é bem apoiado pelas palavras de Paulo: “creio em Deus”. Neste caso, sentimentos, razão, experiência, as probabilidades da situação, tudo teria contradito a declaração divina, mas a fé aceitou o que Deus disse, embora tudo o tenha negado. Fé em nossos corações falará da mesma maneira. O testemunho divino para nós lida com assuntos muito maiores do que a salvação temporal apenas, e não nos chega da boca de um anjo, mas por meio dos Escritos Sagrados e inspirados, os quais agora temos impressos em nossa própria língua; mas a nossa recepção é para ser igualmente definida. Nós simplesmente cremos em Deus e, assim, estabelecemos nosso selo de que Deus é verdadeiro.

Os versículos 34-36 nos mostram que a atitude e as ações de Paulo corroboravam suas bravas palavras de fé. Assim, vemos ele exemplificando o que Tiago enfatiza em sua epístola: fé, se estiver viva, deve se expressar em obras. Se, tendo proferido palavras de fé, ele permanecesse deprimido e abatido como os demais, ninguém prestaria muita atenção às suas palavras. Mas ao invés disso, tendo anunciado palavras de bom ânimo, ele próprio evidentemente tinha bom ânimo. Ele deu graças a Deus, comeu e exortou os outros a fazer o mesmo. Suas obras, assim, atestando a realidade de sua fé, todos ficaram impressionados com isso. Eles também estavam de bom ânimo e comeram. Até agora as circunstâncias não estavam alteradas, mas foram alteradas conforme a confiança da fé encontrava um lugar em seus corações, pois forneceu-lhes “o firme fundamento [a concretização – JND] das coisas que se esperam e a prova [convicção – JND] das coisas que se não veem” (Hb 11:1). Todo o episódio é uma excelente ilustração do que é fé e como ela funciona.

Também ilustra como a fé é vindicada. Deus foi tão bom quanto a Sua Palavra, e toda alma foi salva. Sua promessa foi cumprida literal e exatamente, e não aproximadamente e com precisão tolerável, como é tão comum entre os homens. Podemos aceitá-Lo em Sua Palavra com absoluta certeza. No entanto, isso não significa que podemos nos tornar fatalistas e ignorar as medidas ordinárias de prudência. Isso também é ilustrado em nossa história. Depois que Paulo anunciou que todos deveriam ser salvos, ele não permitiu que os marinheiros fugissem do navio, uma vez que sua presença era necessária; e, mais tarde, quando todos haviam comido o suficiente, aliviaram ainda mais o navio lançando o trigo no mar. Eles não dobraram os braços e não fizeram nada como o fatalismo teria decretado, mas tomaram as medidas ordinárias de prudência, confiando na Palavra de Deus. O final foi realmente milagroso. De um jeito ou de outro, todos foram salvos.

ATOS 28

Ainda vemos a mão protetora de Deus estendida sobre Paulo e seus companheiros quando eles desembarcaram em Malta. Embora os habitantes fossem “bárbaros” de acordo com os pensamentos romanos, eles mostraram uma bondade excepcional ao grupo naufragado, e as coisas estavam tão dominadas que logo descobriram que um dos visitantes naufragados não era uma pessoa comum. Paulo estava ocupado, fazendo o que podia para ajudar, quando uma víbora mordeu sua mão. Os ilhéus supersticiosos colocaram sua interpretação sobre isso, mas quando o esperado não aconteceu, mudaram de ideia, pulando para a conclusão oposta. A superstição nunca chega a conclusões corretas. Para Paulo, sem dúvida, foi um acontecimento muito menor, visto que ele havia passado pela longa lista de aventuras que catalogou em 2 Coríntios 11:23-28. E quando ele escreveu essa lista, ainda estava inacabada. Ele não passara, por exemplo, pelo naufrágio do qual estivemos lendo. Ele havia naufragado três vezes antes que isso acontecesse. Não há muitos que sobreviveram a quatro naufrágios, nos aventuramos a pensar, mesmo que fossem velejadores profissionais, o que ele não era.

Paulo teve oportunidade de recompensar o chefe da ilha orando e curando o pai dele, tendo em vista o gentil interesse que tivera por todos eles em suas necessidades. Não lemos sobre qualquer testemunho que Paulo tenha prestado, mas sua oração deve ter mostrado a todos que o poder de cura que ele exercia não era dele, mas ligado a Deus. Os ilhéus, achando que o poder de Deus estava no meio deles, não demoraram a buscá-lo para cura de seus corpos, e procurando, a encontraram. Tudo isso, na providência de Deus, levou a um tempo de conforto após a quinzena de terrível teste, e até mesmo a um tempo de honra, e isso durou três meses. O apóstolo havia registrado: “Sei estar abatido, e sei também ter abundância” (Fp 4:12). Estes três meses provaram ser um tempo de abundância.

O mesmo pode ser dito do resto da jornada, quando foi retomada. Tudo correu favoravelmente e chegando a Putéolos, e, encontrando irmãos ali que imploravam a Paulo que ficasse com eles por uma semana, a visita foi organizada de forma feliz. A essa altura, evidentemente, o centurião no comando havia tomado a medida de seus prisioneiros e estava disposto a conceder-lhe notável liberdade. Na viagem terrestre também, irmãos vieram ao seu encontro, tendo ouvido falar de sua aproximação, e isso foi um grande alento para Paulo. Embora fosse homem espiritual, e completamente em contato com Deus e dependente d’Ele, ele não estava acima de agradecer a Deus e se encorajando no amor e na comunhão dos santos, cuja estatura espiritual pode ter estado muito abaixo da sua. É impressionante ver isso e muito encorajador para nós. Tenhamos muito cuidado para não desprezar ou mesmo subestimar o valor da comunhão dos santos.

Assim Paulo chegou a Roma. Suas circunstâncias eram muito diferentes daquelas que ele tinha visualizado quando escreveu antes relatando o que pretendia fazer (veja Romanos 15:22-32), mas ele tinha chegado a eles com certa dose de alegria pela vontade de Deus, e ele foi marcado pela “plenitude da bênção do evangelho de Cristo”. A mão de Deus ainda estava sobre ele, pois, apesar de ser um prisioneiro, ele foi autorizado a habitar sozinho sob guarda, e isso deu-lhe certa liberdade de serviço e testemunho.

Apenas três dias depois de sua chegada, ele foi capaz de reunir o chefe da colônia judaica em Roma e colocar algo de seu caso diante deles. Ele deixou claro que não desejava ser um acusador de sua nação, mas que toda sua ofensa aos olhos dos judeus estava conectada com a “esperança de Israel”; isto é, o Messias há muito tempo prometido. Os judeus, por sua vez, professavam ignorância a respeito de seu caso, mas sabiam do Cristo que Paulo pregava e que ser um Cristão significava para eles pertencerem a uma “seitaque em toda parte se fala contra ela”. Em toda parte, note-se; não só entre os judeus, mas também entre os gentios. O Cristianismo genuíno nunca foi popular e nunca será. Ele corta profundamente contra a fibra da natureza humana.

Ainda assim, professavam o desejo de ouvir o que Paulo tinha a dizer; e então um dia foi combinado, muitos vieram, e por um dia inteiro ele foi capaz de expor e testificar e persuadir. Seu tema era o reino de Deus e Jesus, como aqu’Ele em Quem esse reino é centrado e estabelecido; e tudo o que ele tinha a dizer baseava-se na lei de Moisés e dos profetas, pois todos haviam sido tipificados e preditos. Os três verbos são dignos de nota. Primeiro ele expôs as Sagradas Escrituras, mostrando o que elas tinham a dizer e esclarecendo sua força. Então ele testificou de Jesus, relacionando sem dúvida o que ele conhecia pessoalmente de Sua glória no céu, e mostrando exatamente como Ele havia cumprido tudo o que as Escrituras haviam dito a respeito de Seu advento em humilhação. Por fim, ele se propôs a convencer seus ouvintes da verdade de tudo o que ele expôs. Paulo não pregou o que foi chamado de evangelho do “pegar ou largar”, mas trabalhou com zelo amoroso para alcançar os corações daqueles que ouviram, e garantir deles uma resposta em fé. Vejamos que o imitemos nisto, pois temos que lembrar de que, embora nada menos do que a ação do Espírito Santo nos corações dos homens seja eficaz, o Espírito frequentemente Se agrada em trabalhar por meio da capacidade de persuasão dos servos de Deus, que estão cheios de amor e zelo.

Foi assim neste caso. O registro aqui é que, enquanto alguns permaneceram na incredulidade, “alguns criam no que se dizia”. Quando a Palavra é pregada, é quase sempre assim. Somente em Atos – quando Pedro pregou a Cornélio – encontramos todos convertidos; mas isso não é o usual, pois no momento presente Deus está chamando uma eleição tanto de judeus quanto de gentios.

Para os judeus incrédulos, antes de partirem, Paulo falou uma última palavra, citando a passagem de Isaías 6, que o próprio Senhor citou em Mateus 13, e João cita no capítulo 12 de seu evangelho. Este triste e terrível processo de endurecimento e morte espiritual se instalou mesmo nos dias de Isaías, cerca de sete séculos antes de Cristo. Foi muito mais pronunciado quando Cristo estava na Terra; e agora o estágio final foi alcançado. Paulo pronunciou estas palavras, percebendo que durante esta era do evangelho, o dia de Israel como nação terminara. Nacionalmente, eles estão cegos e sem entendimento das coisas de Deus, embora sejam muito perspicazes quanto às coisas do mundo. Isso obviamente não entra em conflito com o fato de que Deus ainda está chamando um remanescente de acordo com a eleição da graça, como afirma Romanos 11.

É digno de nota que, citando esta passagem, Paulo diz: “Bem falou o Espírito Santo**”**. Se nos voltarmos para Isaías 6, encontramos o profeta dizendo a respeito desta mensagem: **“ouvi a voz do Senhor”**, referindo-se a _Jeová dos Exércitos_; e voltando-se para João 12, encontramos o comentário: **“Isaías disse isto quando viu a** Sua **glória e falou** d’Ele**”**, e temos apenas que olhar nos versículos precedentes para descobrir que a **“Sua”** e **“d’Ele”** referem-se a _Jesus_. Quão simples é, pois, que Jeová dos exércitos seja identificado tanto com Jesus como com o Espírito Santo – três Pessoas, mas um só Deus.

O versículo 28 nos dá as últimas palavras de Paulo, conforme registrado em Atos. Elas são muito significativas, como nos dando o ponto para o qual o livro nos conduziu. Ele proclama como uma mensagem definitiva de Deus que Sua salvação é agora enviada aos gentios como resultado da cegueira e dureza do judeu; e ele acrescenta: “e eles a ouvirão”. Isso não significa que todos eles ouvirão, mas sim que, distintamente do judeu, um ouvido que ouve será encontrado lá. Isso, graças a Deus, provou ser verdade ao longo dos séculos.

Quando o Senhor falou à mulher siro-fenícia sobre as crianças e os cães, a pobre mulher, entendendo o sentido, tomou o lugar de ser apenas um cão gentio, e ainda alegou que Deus era bom o suficiente para permitir que houvesse algumas migalhas de misericórdia para ela. Ela estava certa: o Senhor a chamou de grande e honrou essa fé, concedendo o desejo dela. Mas aqui encontramos algo mais maravilhoso ainda. Os filhos desprezaram e rejeitaram as boas coisas fornecidas, não apenas as migalhas, mas toda a refeição foi enviada aos cães. Como o próprio Paulo coloca em Romanos 11: “a sua queda é a riqueza do mundo, e a sua diminuição a riqueza dos gentios” e “a sua rejeição é a reconciliação do mundo”. Isso não significa que todo o mundo será finalmente reconciliado, mas que Deus agora Se voltou em favor para com o mundo, oferecendo a Sua salvação a todos os homens.

Paulo ainda era um prisioneiro, mas ele foi autorizado a alugar uma casa e morar lá e receber todos os que desejavam vê-lo. Assim, ele teve oportunidades de testemunho e a Palavra de Deus não estava presa. No que diz respeito a este livro, vemos que ele passou dois anos inteiros pregando o reino de Deus e ensinando as coisas concernentes ao Senhor Jesus Cristo, sem qualquer impedimento. Seu julgamento foi adiado pela providência de Deus, e uma porta de pregação foi assim aberta para ele. Durante esse tempo Onésimo foi convertido e, sem dúvida, outros também; algumas de suas Epístolas também foram escritas.

Encerrando os Atos, terminamos a história apostólica: passando para Romanos, começamos a doutrina apostólica. É a doutrina que nos permite entender o significado da história; enquanto a história nos permite apreciar a autoridade e o peso da doutrina.

Notas

[←1]

N. do T.: O autor aqui usa a palavra “Christhood” que não tem uma correspondente em português, mas cuja definição seria “estado ou fato de ser o Cristo”.

[←2]

N. do T.: Imanência é a qualidade ou característica do que é inerente ao mundo material e concreto. É o antônimo de transcendência

[←3]

N. do T.: Transcendência é a qualidade ou característica daquilo que excede ou está acima dos limites normais; muito elevado; sublime.

[←4]

N. do T.: Sem fixar uma data futura.

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