F. B. Hole

O Evangelho Segundo MARCOS

O Evangelho Segundo MARCOS

Comentário Sobre o Novo Testamento

F. B. Hole

O EVANGELHO SEGUNDO MARCOS – Comentário Sobre o Novo Testamento

F.B.Hole

Título do original em inglês: The Gospel of Mark

Texto obtido com autorização de STEM Publishing

www.stempublishing.com

Traduzido, publicado e distribuído no Brasil por:

ASSOCIAÇÃO VERDADES VIVAS, uma associação sem fins lucrativos, cujo objetivo é divulgar o evangelho e a sã doutrina de nosso Senhor Jesus Cristo.

atendimento@verdadesvivas.com.br

Primeira edição em português – Setembro 2019

e-Book v.1.1

Abreviaturas utilizadas:

ARC – João Ferreira de Almeida – Revista e Corrigida – SBB 1969

ARA – João Ferreira de Almeida – Revista e Atualizada – SBB 1993

TB – Tradução Brasileira – 1917

ACF – João Ferreira de Almeida – Corrigida Fiel – SBTB 1994

AIBB – João Ferreira de Almeida – Imprensa Bíblica Brasileira – 1967

JND – Tradução inglesa de John Nelson Darby

KJV – Tradução inglesa King James

Todas as citações das Escrituras são da versão ARC, a não ser que outra esteja indicada.

MARCOS 1

O escritor deste evangelho foi aquele “João, chamado Marcos” (At 15:37), que falhou em seu serviço quando foi com Paulo e Barnabé, em sua primeira viagem missionária, e depois se tornou um ponto de discórdia entre eles. Ele primeiro falhou consigo mesmo, e depois se tornou a ocasião de mais falhas com outros melhores que ele. Este foi um triste começo para sua história. Mas depois foi tão verdadeiramente restaurado que se tornou útil ao Senhor na exaltada obra de escrever o evangelho que apresenta o Senhor Jesus como o Servo perfeito de Jeová, o verdadeiro Profeta do Senhor.

Ele intitula seu livro, “evangelho” ou “boas novas” (JND) de “Jesus Cristo, o Filho de Deus”, então, desde o princípio, não podemos nos esquecer Quem é esse Servo perfeito. Ele é o Filho de Deus, e este fato é reforçado pelas citações de Malaquias e Isaías nos versículos 2 e 3, onde aqu’Ele, cujo caminho deveria ser preparado, é visto como Divino – o próprio Jeová. A missão do mensageiro – que clama no deserto – é o próprio começo de Suas boas novas.

Esse mensageiro foi João Batista e, nos versículos 4 a 8, temos um breve resumo de sua missão e testemunho. O batismo que ele pregou significava arrependimento, para a remissão dos pecados, e aqueles que se submetiam a isso, vieram confessando seus pecados. Eles tinham que reconhecer que estavam todos errados. Muito apropriadamente, portanto, João manteve-se severamente separado da sociedade que ele tinha que condenar. Em suas roupas, em sua comida e em sua localização, saindo para o deserto, ele tomou um lugar separado.

Moisés havia dado a lei; Elias havia acusado o povo de tê-la abandonado e os havia reconvocado a uma nova lealdade a ela. João, embora tenha vindo no espírito e no poder de Elias, não os pressionou a que a guardassem, mas que confessassem honestamente que eles a haviam violado totalmente. Isto os preparou para a sua mensagem seguinte concernente àqu’Ele infinitamente maior que estava para vir, que iria batizar com o Espírito Santo. Seu batismo seria muito maior que o de João, assim como pessoalmente ELE estava muito acima dele. Aqu’Ele que pode assim derramar o Espírito Santo não pode ser ninguém menos do que o próprio Deus.

Sendo assim descrito o princípio das boas novas na obra de João, somos apresentados agora ao batismo de Jesus. Isto é condensado nos versículos 9 a 11. Aqui, como em todo este evangelho, a maior brevidade e concisão caracterizam o relato. Jesus vem de Nazaré, o lugar humilde e desprezado na Galileia, e Se submete ao batismo de João; não porque tivesse algo a confessar, mas porque Se identificaria com essas almas que, em arrependimento, estavam fazendo um movimento na direção correta. Então foi exatamente antes de Ele surgir em Seu ministério público, que a aprovação do céu quanto ao Servo perfeito foi manifestada, para que ninguém pudesse interpretar mal Seu modesto batismo. O Espírito desceu sobre Ele como uma pomba, e a voz do Pai foi ouvida declarando Sua Pessoa e Sua perfeição. O próprio Servo do Senhor é selado com o Espírito; sendo a pomba emblemática de pureza e paz. Havendo Se tornado Homem, Ele próprio deve receber o Espírito; atualmente em Seu estado ressuscitado Ele derramou o Espírito como um batismo sobre outros. Nesse Espírito, Ele saiu com poder para servir. Também deve ser notado que pela primeira vez houve uma valiosa revelação da Divindade, como Pai, Filho e Espírito Santo.

A primeira ação do Espírito em Seu caso aparece nos versículos 12 e 13. Vindo para servir a vontade de Deus, Ele deve ser provado, e o Espírito O impele para isto. Aqui, pela primeira vez, encontramos a palavra “logo”, que ocorre com muita frequência neste evangelho, embora às vezes seja traduzida como “logo”, “imediatamente”, “naquele instante”. Se o serviço for prestado com justiça, deve ser caracterizado por imediata obediência, por isso vemos nosso Senhor como aqu’Ele que nunca perdeu um momento em Sua trajetória de serviço.

Ele deve ser provado antes de servir publicamente e a prova é realizada imediatamente. Quando o primeiro homem apareceu, ele logo foi provado pelo diabo e caiu. O segundo Homem agora apareceu e Ele também será provado pelo mesmo diabo. Só que em vez de estar em um belo jardim, Ele está naquilo em que o primeiro homem havia tornado o seu jardim – um deserto. Ele estava com feras que eram selvagens por causa do pecado de Adão. Ele foi provado por quarenta dias – o período completo de provação, e Ele emergiu-Se como Vitorioso, pois os santos anjos ministraram a Ele no final.

Nenhum detalhe sobre as várias tentações nos é dado aqui; apenas o fato delas, as condições sob as quais ocorreu e o resultado. O Servo do Senhor é plenamente provado e Sua perfeição é manifestada. Ele está pronto para servir. Assim, no versículo 14, João é dispensado da história. O começo das boas novas terminou e somos imersos, sem maiores explicações, em um breve relato de Seu maravilhoso serviço.

Sua mensagem é descrita como “o evangelho do reino de Deus”, e um breve resumo de seus termos é encontrado no versículo 15. O reino de Deus havia sido mencionado no Velho Testamento, especialmente em Daniel 9, onde um determinado tempo havia sido estabelecido para a vinda do Messias e o pleno cumprimento da profecia. O tempo foi cumprido e, em Si mesmo, o reino estava próximo deles. Ele convocou os homens a se arrependerem e crerem nisso. Com esta proclamação Ele veio para a Galileia. No momento, Ele estava sozinho neste serviço.

Mas Ele não ficou sozinho por muito tempo. Pouco a pouco, Sua mensagem foi recebida e, das fileiras daqueles que creram, Ele começou a chamar alguns que deveriam estar mais intimamente associados a Ele em Seu serviço, e, por sua vez, tornarem-se “pescadores de homens”. Ele mesmo foi o grande Pescador de homens, como é revelado pelos dois incidentes registrados nos versículos 16 a 20. Ele sabia quem chamar para o Seu serviço. Vendo os filhos de Zebedeu, Ele “logo” os chamou, e é dito dos filhos de Jonas que quando Ele os chamou, “deixando logo as redes, O seguiram”. Como o grande Servo de Deus, Ele foi rápido em emitir Seu chamado: como servos do Servo, eles foram rápidos em obedecer.

É digno de nota que todos os quatro que foram chamados eram homens diligentes em seu trabalho. Pedro e André estavam empenhados em sua pescaria. Tiago e João não estavam descansando durante o tempo de lazer. Eles estavam consertando as redes.

No versículo 16, **“**Ele andava”, mas no versículo 21 **“**eles entraram”. Os homens a quem Ele havia chamado estavam agora com Ele, ouvindo Suas palavras e vendo Sua obra de poder. Entrando em Cafarnaum, Ele “logo” ensinou no sábado, e autoridade marcou Suas declarações. Os escribas eram meros repetidores dos pensamentos e opiniões de outros, recorrendo à autoridade de grandes rabinos de épocas anteriores, de modo que foi essa nota de autoridade que surpreendeu o povo. Era tão distinta que eles imediatamente a detectaram. Ele era de fato aqu’Ele Profeta com as palavras de Jeová em Sua boca, de Quem Moisés havia falado em Deuteronômio 18:18-19.

E Ele não tinha só autoridade, mas também poder verdadeira força dinâmica. Isto foi manifestado na mesma ocasião quando Ele curou o homem com um espírito imundo. Controlado pelo demônio, o homem O reconheceu como o Santo de Deus, porém pensava n’Ele como aqu’Ele que estava inclinado à destruição. Assim desafiado, o Senhor revelou-Se como o Libertador e não o destruidor. O diabo é o destruidor e, portanto, o demônio, que era seu servo, fez o máximo que pôde nessa linha, convulsionando o pobre homem antes que saísse dele. Ele não conseguiu controlar sua vítima na presença do poder do Senhor.

Mais uma vez as pessoas ficaram maravilhadas. Eles agora viam a “autoridade” manifestada em Sua obra, da mesma forma que antes eles a viram em Sua palavra. A pergunta deles, portanto, era dupla: “Que é isso? que nova doutrina é essa?” Estas duas coisas devem sempre ser mantidas juntas no serviço de Deus. A palavra deve ser confirmada pela obra. Quando não é assim ou, pior ainda, quando nossas obras contradizem nossas palavras, nosso serviço é fraco ou em vão.

Em Seu caso, ambas eram perfeitas. Seu ensinamento era cheio de autoridade e, com igual autoridade, Ele ordenava a obediência mesmo dos demônios; por isso Sua fama se espalhou com uma prontidão que estava de acordo com a prontidão de Seu maravilhoso serviço a Deus em relação ao homem.

Ainda não terminamos as atividades desse dia maravilhoso em Cafarnaum, pois o versículo 29 nos diz que, saindo da sinagoga, entraram na casa de Simão e André. Isso eles fizeram “logo” – a mesma palavra característica, indicando prontidão. Não houve perda de tempo com nosso bendito Mestre, nem houve perda de tempo com Seus novos seguidores, pois eles apresentam a Ele “logo” – a mesma palavra – a necessidade naquela casa. A necessidade humana, o fruto do pecado humano, encontrava-O por toda a volta. Era tão evidente na casa daqueles que haviam se tornado Seus seguidores quanto na sinagoga, o centro local de suas observâncias religiosas.

O poder demoníaco manifestou-se no círculo religioso e a doença no círculo doméstico. Ambos se comportavam igualmente diante d’Ele. O demônio deixou o homem completamente e de uma só vez; a febre deixou a mulher com uma rapidez semelhante, e nenhum período de recuperação foi necessário antes que ela retomasse suas tarefas domésticas comuns. Não é de se admirar que muito rapidamente “toda a cidade estava reunida à porta” (ARA).

A figura apresentada nos versículos 32 a 34 é muito bonita. “Sendo já tarde, tendo-se posto o Sol” (AIBB), tendo o trabalho do dia acabado, as multidões se reuniram trazendo um grande ajuntamento de pessoas necessitadas, e Ele distribuiu a misericórdia de Seu poder curador em todas as direções. Mas Ele não permitiria que o testemunho de Si mesmo fosse pronunciado pelos poderes das trevas. A misericórdia e o poder exibidos eram testemunhas suficientes de Quem era que estava servindo entre os homens. Em seu evangelho, João nos diz que havia muitas outras coisas que Jesus fez que não foram registradas. Aqui algumas são indicadas sem que detalhes sejam dados.

A história, como nos foi dada por Marcos, avança rapidamente. Até tarde da noite, a obra de misericórdia prosseguiu, e muito antes do amanhecer Ele Se levantou e buscou um lugar retirado para orar. Acabamos de ver a autoridade e o poder do perfeito Servo de Deus. Aqui vemos Sua dependência de Deus sem a qual não pode haver serviço verdadeiro. O Servo deve depender do Mestre, e embora aqu’Ele que serve é “Filho”, Ele não Se abstém desse aspecto: antes, Ele é a mais alta expressão dela em perfeita obediência. Lemos que Ele “aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu” (Hb 5:8); e esta palavra sem dúvida cobre todo o Seu caminho aqui e não meramente as cenas finais de sofrimento sob um aspecto físico.

Que voz isso tem para todos os que servem, não importa quão pequeno seja nosso serviço! Seu dia foi tão cheio de atividade que Ele utilizou uma grande parte da noite para a oração: e Ele era o Filho de Deus. Grande parte da nossa impotência é ocasionada por nossa falta na questão de oração privada.

Os próximos quatro versículos (vs. 36-39) nos mostram a dedicação do Servo de Deus. Simão e outros parecem ter considerado Sua retirada como uma inexplicável desconfiança, ou talvez como um desperdício de tempo valioso. Todos estavam procurando por Ele, e Ele parecia estar perdendo esta maré de popularidade. Mas popularidade não era de modo algum Seu objetivo. Ele havia vindo em serviço para pregar a mensagem divina, e assim, independentemente do sentimento popular, prosseguiu com Seu serviço pelas cidades da Galileia. Ele Se dedicou à missão que Lhe havia sido confiada.

E agora, nos versículos finais deste primeiro capítulo, temos uma bela imagem da compaixão deste perfeito Servo de Deus. Ele é abordado por um leproso, corporalmente tão repugnante quanto alguém da espécie humana pudesse ser. O pobre homem tinha alguma fé, mas era defeituosa. Ele estava confiante em Seu poder, mas tinha dúvidas quanto à Sua graça. Nós nos sentiríamos em parte indignados e em parte zangados com o insulto aos nossos amáveis sentimentos. Ele foi movido de compaixão. Movido com isso, preste atenção! Ele não apenas viu esse miserável homem com amor compassivo, mas também agiu. A profunda fonte do amor divino dentro d’Ele elevou-se e transbordou. Com Sua mão, tocou-o e, com os Seus lábios, falou-lhe e o homem foi curado.

Não havia necessidade real de que Ele devesse tocá-lo, pois o Senhor curou muitos casos desesperadores à distância. Nenhum judeu teria sonhado em tocá-lo e assim contrair contaminação, mas o Senhor o fez. Ele estava além de qualquer possibilidade de contaminação, e Seu toque era de empatia e também de poder. Isso foi confirmado por Sua palavra: “quero”, e removeu toda dúvida de Sua disposição de vontade da mente do homem para sempre.

Mais uma vez vemos como nosso Senhor não cortejou entusiasmo e notoriedade populares. Sua instrução ao homem era que ele deveria permitir que o testemunho de sua cura fluísse pelo canal indicado por Moisés. Ele, porém, cheio de regozijo, fez exatamente o que lhe foi dito que não fizesse, e, como consequência, durante alguns dias, o Senhor teve de Se afastar das cidades e habitar em lugares desertos. Poucas coisas despertam mais interesse e excitação humanos do que curas milagrosas, mas Ele estava buscando resultados espirituais. Existem movimentos modernos de cura que criam uma excitação considerável, apesar do fato de que suas chamadas “curas” são muito diferentes das do nosso Senhor. Os atores desses movimentos certamente não se afastam das chamas da publicidade, mas se deleitam nela.

MARCOS 2

Este capítulo inicia com outra obra de poder que teve lugar em uma casa em particular, quando depois de algum tempo Ele foi novamente a Cafarnaum. Desta vez, a fé de um tipo muito robusto aparece, e isso, notavelmente, por parte dos amigos e não por parte daquele que sofria. O Senhor estava novamente pregando a Palavra. Esse era o seu principal serviço; a obra de cura foi incidental.

Os quatro amigos tinham fé do tipo que sorri diante das impossibilidades e diz: “isso será feito”, e Jesus viu isso. Ele tratou imediatamente com o lado espiritual das coisas, concedendo perdão de pecados ao paralítico. Isso era blasfêmia para os escribas racionais que estavam presentes. Eles estavam certos o bastante em seus pensamentos de que ninguém, a não ser Deus, podia perdoar pecados, mas estavam totalmente errados em não discernir que Deus estava presente entre eles e falando na Pessoa do Filho do Homem. O Filho do Homem estava na Terra e na Terra Ele tem autoridade para perdoar pecados.

O perdão dos pecados, porém, não é algo que é visível aos olhos dos homens; deve ser aceito por fé na Palavra de Deus. A cura instantânea de um caso grave de enfermidade corporal é visível aos olhos dos homens, e o Senhor realizou esse milagre. Eles não podiam liberar o homem das garras de sua doença mais do que poderiam perdoar seus pecados. Jesus poderia fazer as duas coisas com igual facilidade. Ele fez as duas coisas, recorrendo ao milagre no corpo como prova do milagre na alma. Assim, Ele coloca as coisas em sua ordem correta. O milagre espiritual era primário, o corporal era apenas secundário.

Aqui novamente o milagre foi instantâneo e completo. O homem, que tinha sido completamente impotente, de repente se levantou, pegou sua cama e caminhou diante de todos de uma forma que induziu glória a Deus vinda de todos os lábios. O Senhor ordenou e o homem teve que obedecer, pois a capacitação foi junto com a ordem.

Este incidente, que enfatiza o objetivo espiritual do serviço de nosso Senhor, é seguido pelo chamamento de Levi, conhecido mais tarde por nós como Mateus, o publicano. O chamamento deste homem para seguir o Mestre exemplifica a poderosa atração de Sua palavra. Uma coisa era chamar pescadores humildes de suas redes e fadigas, outra, era chamar um homem abastado de sua agradável tarefa de arrecadar dinheiro. Mas Ele fez isso com duas palavras. “Segue-Me”, caiu sobre os ouvidos de Levi com tal poder que “ele se levantou e O seguiu”. Deus conceda que possamos sentir o poder dessas duas palavras em nosso coração!

Que maravilhoso vislumbre recebemos do Servo do Senhor, Sua prontidão, Sua autoridade, Seu poder, Sua dependência, Sua devoção, Sua compaixão, Sua recusa do popular e superficial em favor do espiritual e permanente; e, finalmente, Sua poderosa atração.

Tendo se levantado para seguir o Senhor, Levi logo declarou seu discipulado de maneira prática. Ele recebeu seu recém-encontrado Mestre em sua casa junto com um grande número de publicanos e pecadores, mostrando assim algo do espírito do Mestre. Ele trocou o estar “sentado na coletoria”, pela distribuição de generosidades, para que outros pudessem se sentar à sua mesa. Ele começou a cumprir a palavra “Ele espalhou, deu aos necessitados” (Sl 112:9 – ARF), e evidentemente sem ter sido instruído a fazê-lo. Ele começou a mostrar hospitalidade ao seu próprio grupo, a fim de que eles também pudessem conhecer aqu’Ele que havia conquistado seu coração.

Nisso, ele é um excelente exemplo para nós mesmos. Ele começou a se dedicar aos outros. Ele fez a coisa que mais prontamente chegou à sua mão. Ele reuniu aqueles que eram necessitados, e que sabiam disso, para se encontrarem com o Senhor, em vez daqueles que se satisfaziam religiosamente. Ele descobriu que Jesus era um Doador, que estava procurando por aqueles que fossem recebedores.

Tudo isso foi observado pelos presunçosos escribas e fariseus, que expressaram sua objeção na forma de uma pergunta aos seus discípulos. Por que Ele Se associa com tais pessoas tão baixas e degradadas? Os discípulos não precisavam responder, pois Ele mesmo assumiu o desafio. Sua resposta foi completa e satisfatória e tornou-se quase um ditado proverbial. Os doentes precisam do médico e os pecadores precisam do Salvador. Ele não veio chamar os justos, mas os pecadores.

Os escribas e fariseus podem ter sido bem versados na lei, mas não tinham entendimento da graça. Ora Ele era o Servo da graça de Deus, e Levi teve um vislumbre disso. Temos nós isso? Muito mais do que Levi, deveríamos ter isso, visto que vivemos no momento em que o dia da graça chegou ao seu ponto culminante. No entanto, é possível que nos sintamos um pouco magoados com Deus porque Ele é tão bom para com as pessoas que gostaríamos de criticar, como Jonas fez no caso dos ninivitas, e como os fariseus fizeram com os pecadores. O grande Servo da graça de Deus está à disposição de todos os que necessitam d’Ele.

O próximo incidente – versículos 18 a 22 – revela os opositores novamente em seu trabalho. Antes eles se queixaram do Mestre para os discípulos: agora se queixam dos discípulos para o Mestre. Eles evidentemente não tinham coragem de enfrentar face a face. Este método evasivo de achar defeitos é muito comum: devemos abandoná-lo. Em nenhum dos casos os discípulos precisaram responder. Quando os fariseus mantiveram a exclusividade da lei, Ele os enfrentou afirmando a expansividade da graça, e os silenciou. Agora eles desejam colocar sobre os discípulos a servidão da lei, e Ele efetivamente afirma a liberdade da graça.

Da parábola ou figura que Ele usou claramente se deduz que Ele mesmo era o Noivo – a Pessoa de importância central. Sua presença governava tudo e assegurava uma maravilhosa plenitude de suprimento. Atualmente Ele estaria ausente e então o jejum seria suficientemente apropriado. Vamos tomar nota disso, pois vivemos no dia em que o jejum é algo apropriado. O Noivo está ausente há muito tempo e estamos esperando por Ele. No momento em que o Senhor falou, os discípulos estavam na posição de um remanescente divino em Israel recebendo o Messias quando Ele veio. Depois do Pentecostes, eles foram batizados em um só corpo e foram edificados sobre os fundamentos daquela cidade que é chamada de “a Noiva, a esposa do Cordeiro” (Ap 21:9 – ARA). Então eles têm o lugar da Noiva, em vez do lugar dos filhos das bodas; e essa posição é nossa hoje. Isso só torna ainda mais claro que não festejar, mas jejuar é o adequado para nós. O jejum é abster-se de coisas lícitas, a fim de estar mais inteiramente para Deus, e não apenas a abstinência de alimentos para uma certa exibição.

Os fariseus faziam de tudo para manter a lei intacta. O perigo para os discípulos, como depois os acontecimentos provaram, não foi tanto isso, mas a tentativa de uma mistura do judaísmo com a graça que o Senhor Jesus trouxe. O sistema legal era como uma roupa desgastada ou um velho odre de vinho. Ele estava trazendo aquilo que era como um forte pedaço de tecido novo, ou vinho novo com seus poderes de expansão. Nos Atos dos Apóstolos, podemos ver como as velhas formas exteriores da lei se perderam diante do poder expansivo do evangelho.

De fato, vemos isso no próximo incidente com o qual o capítulo 2 se encerra. Mais uma vez os fariseus reclamam dos discípulos para o Mestre. A ofensa agora era que suas atividades não se encaixavam exatamente no “odre velho” de certos regulamentos relativos ao sábado. Os fariseus pressionaram a guarda do sábado até o ponto em que condenavam até mesmo esfregar espigas de milho na mão, como se estivessem trabalhando num moinho. Eles contendiam por uma interpretação muito rígida da lei nesses assuntos menores. Eles eram as pessoas que guardavam a lei com cuidado meticuloso, ao passo que consideravam os discípulos frouxos.

O Senhor enfrentou sua queixa e defendeu Seus discípulos lembrando-os de duas coisas. Primeiro, eles deveriam ter conhecido as Escrituras, que registravam o modo como Davi havia se alimentado a si mesmo e a seus seguidores em uma emergência. Aquilo que normalmente não era lícito foi permitido em um dia em que as coisas estavam fora de curso em Israel por causa da rejeição do legítimo rei. 1 Samuel 21 nos fala sobre isso. Mais uma vez as coisas estavam fora de curso e o legítimo Rei prestes a ser rejeitado. Em ambos os casos, as necessidades relacionadas com o Ungido do Senhor devem ser mantidas para se sobreporem aos detalhes relacionados com as exigências cerimoniais da lei.

Segundo, o sábado foi instituído para o benefício do homem, e não o contrário. Portanto, o homem tem precedência sobre o sábado; e o Filho do homem, que detém o domínio sobre todos os homens, de acordo com o Salmo 8, deve ser o Senhor do sábado e, portanto, competente para dispor dele de acordo com a Sua vontade. Quem eram os fariseus para desafiar Seu direito de fazer isso? – apesar de Ele ter vindo entre os homens na forma de um Servo.

O Senhor do sábado estava entre os homens e estava sendo rejeitado. Sob essas circunstâncias, a disposição desses defensores da lei cerimonial estava fora de lugar. Seus “odres” estavam velhos e incapazes de conter a expansiva graça e autoridade do Senhor. O “odre” sábado se quebra diante de seus olhos.

MARCOS 3

Os fariseus, no entanto, não estavam de modo algum convencidos, e reabriram toda a questão um pouco mais tarde, quando, num outro sábado, Ele entrou em contato com a necessidade humana em uma das sinagogas deles. O conflito se descontrolou em torno do homem com uma mão atrofiada. Eles observavam Jesus esperando encontrar um motivo de ataque. Ele aceitou o desafio que estava silente em corações dizendo ao homem: “Levanta-te” (v. 3), tornando-o bem evidente, e assegurando que o desafio fosse percebido por todos os presentes.

Outro ponto referente ao sábado é agora levantado. Seria intenção de Deus pela lei proibir tanto o bem quanto o mal? O sábado consideraria ilegal um ato de misericórdia?

A pergunta: “É lícito fazer bemou fazer mal?” pode ser conectada com Tiago 4:17. Se soubermos fazer o bem e ainda assim o omitimos, é pecado. Deveria o Servo perfeito de Deus, que conhecia o bem e, além disso, tinha poder total para executá-lo, reter Sua mão de fazê-lo, porque aconteceu de ser o dia de sábado? Impossível!

Desta maneira surpreendente, o santo Servo de Deus defendeu Seu ministério de misericórdia na presença daqueles que teriam amarrado Suas mãos com rígidas interpretações da lei de Deus. É importante que aprendamos a lição ensinada por tudo isso, no caso de cairmos em erro semelhante. A “ lei de Cristo” é muito diferente em caráter e espírito da “lei de Moisés”, mas pode ser mal utilizada de maneira semelhante. Se o jugo leve e suave de Cristo for tão retorcido a ponto de se tornar opressivo, e também um obstáculo positivo para o fluir da graça e da bênção, torna-se uma perversão mais grave do que qualquer coisa que vemos nesses versículos.

O coração dos fariseus era duro. Eles eram suficientemente cuidadosos sobre os aspectos técnicos da lei, mas eram rígidos quanto a qualquer preocupação com a necessidade humana ou qualquer sentimento de seu próprio pecado. Jesus viu o estado terrível em que estavam e ficou condoído, mas não reteve a bênção. Ele curou o homem e deixou os fariseus em pecado. Eles ficaram indignados porque Ele havia quebrado um dos seus preciosos pontos legais. Eles se foram para ultrajar uma das principais considerações da lei ao tramarem homicídio. Tal é o farisaísmo!

Diante desse ódio mortal, o Senhor Se retirou com Seus discípulos. Vemo-Lo Se retirando do brilho da popularidade no final do capítulo 1. Ele não cortejou o favor, nem desejou provocar discórdia. Aqui encontramos o Servo perfeito agindo exatamente do modo que é ordenado aos menores servos em 2 Timóteo 2:24.

Mas tal era a Sua atratividade que os homens O oprimiam mesmo quando Se retirava. Multidões se aglomeravam em torno d’Ele, e Sua graça e poder se manifestavam de muitas formas, e espíritos imundos reconheciam n’Ele o Mestre a Quem tinham que obedecer, embora Ele não aceitasse o testemunho deles. Ele abençoava e libertava os homens, mas não procurava nada deles. No início prepararam-Lhe um pequeno barco no lago no qual poderia Se retirar da opressão da multidão; e então subiu a um monte, onde Ele chamou a Si somente aqueles que desejava, e deles Ele escolheu doze que deviam ser apóstolos.

Assim, Ele não apenas respondeu ao ódio dos líderes religiosos Se retirando deles, mas também chamando os doze que no devido tempo deveriam sair como uma extensão de Seu incomparável serviço. Ele assim preparou para ampliar o serviço e o testemunho. Os doze escolhidos deveriam estar com Ele, e então, quando seu período de instrução e preparação estivesse completo, Ele os enviaria. O período de seu treinamento dura até o versículo 6 de Marcos 6. No versículo 7 daquele capítulo, começamos a ler o relato do envio deles.

Esse “estarem com Ele” é de imensa importância para aqueles que são chamados ao serviço. É tão necessário para nós como foi para eles. Eles tiveram Sua presença e companhia na Terra. Não temos isso, mas temos o Seu Espírito dado a nós e a Sua Palavra escrita. Assim, podemos estar habilitados pela oração a manter contato com Ele, e obter a instrução espiritual, a única que nos capacita a servi-Lo inteligentemente. Os doze foram primeiramente escolhidos, em seguida instruídos, e depois enviados com um poder conferido a eles. Esta é a ordem divina, e vemos essas coisas expostas nos versículos 14 e 15.

Tendo chamado e escolhido os doze sobre o monte, Ele retornou às habitações dos homens e estava em uma casa. As multidões se reuniram imediatamente. A atração que Ele exercia era irresistível, e as exigências sobre Ele eram de tal forma que não havia tempo para as refeições. Assim, a primeira coisa a ser testemunhada pelos doze quando começaram a estar com Ele foi essa forte maré de interesse e a aparente popularidade de seu Mestre.

Eles logo viram um outro lado das coisas, e em primeiro lugar que Ele era totalmente mal entendido por aqueles que estavam mais próximos a Ele de acordo com a carne. Os “Seus parentes**”** estavam, sem dúvida, cheios de preocupação bem-intencionada para com Ele. Eles não podiam entender tais trabalhos incessantes e sentiam que deveriam colocar uma mão restritiva sobre Ele como Se estivesse fora de Si. Luz sobre esta atitude extraordinária da parte deles é lançada em João 7:5. Neste ponto, em Seu serviço, Seus irmãos não acreditavam n’Ele, e aparentemente até Sua mãe ainda não tinha uma concepção clara do que Ele realmente estava fazendo.

Mas em segundo lugar, havia inimigos, que estavam se tornando ainda mais amargos e inescrupulosos. No versículo 6 de nosso capítulo, vimos os fariseus fazendo amizade com seus antagonistas, os herodianos, a fim de tramar Sua morte. Agora encontramos os escribas fazendo uma viagem de Jerusalém para se opor e denunciá-Lo. Isso eles fazem da maneira mais imprudente, atribuindo Suas obras de misericórdia ao poder do diabo. Não foi apenas um abuso vulgar, mas algo deliberado e astuto. Eles não podiam negar o que Ele fez, mas tentaram obscurecer Seu caráter. Eles presenciaram Seus milagres de misericórdia, e então deliberada e oficialmente os declararam como sendo as obras do diabo. Esse foi o caráter de sua blasfêmia, e é bom estarmos bem esclarecidos a respeito disso em vista das palavras do Senhor no versículo 29.

Mas antes de tudo, Ele os chamou para Si e lhes respondeu com um apelo à razão. A oposição blasfema deles envolvia um absurdo. Eles sugeriram, com efeito, que Satanás estava empenhado em expulsar Satanás; que seu reino e casa estavam divididos contra si mesmo. Se isso fosse verdade, significaria o fim de toda obra satânica. Satanás é muito astuto para agir dessa maneira.

Temos que admitir, infelizmente, que nós, Cristãos, não fomos tão astutos para agir dessa maneira. A Cristandade está cheia desse tipo de divisão que é autodestrutivo, e é o próprio Satanás, sem dúvida, que é o instigador disso. Não fosse o poder do Senhor Jesus no alto permanecer inalterado, e o Espírito Santo habitando na verdadeira Igreja de Deus, a confissão pública do Cristianismo teria perecido há muito tempo. O fato de a fé não ter perecido da Terra é um tributo não para a sabedoria dos homens, mas para o poder de Deus.

Tendo exposto a absurda insensatez de suas palavras, o Senhor passou a dar a verdadeira explicação do que estava acontecendo. Ele era aqu’Ele mais Forte do que o homem forte, e agora estava ocupado em saquear seus bens, libertando muitos que haviam sido cativados por ele. Satanás foi amarrado na presença do Senhor.

Em terceiro lugar, Ele advertiu claramente esses homens miseráveis quanto à enormidade do pecado que haviam cometido. O Servo perfeito havia libertado os homens das garras de Satanás na energia do Espírito Santo. Para evitar admitir isso, eles denunciaram a ação do Espírito Santo como uma ação de Satanás. Isso era pura blasfêmia; blasfêmia cega de homens que fecham os olhos para a verdade. Eles se colocam além do perdão com nada além da condenação eterna diante deles. Haviam chegado a esse terrível estado endurecido de ódio e cegueira que uma vez caracterizou Faraó no Egito, e que em uma data posterior marcou o reino do norte de Israel, quando a palavra do Senhor foi: “Efraim está entregue aos ídolos; deixa-o” (Os 4:17). Deus deixaria esses escribas de Jerusalém sozinhos, e isso não significava perdão, mas condenação.

Este então era o pecado imperdoável. Entendendo o que realmente é, podemos facilmente ver que as pessoas de consciência sensível, que hoje estão perturbadas porque temem que possam ter cometido esse pecado, são as últimas pessoas que poderiam realmente tê-lo cometido.

O capítulo termina com a chegada dos parentes dos quais o versículo 21 nos fala. As palavras do Senhor a respeito de Sua mãe e Seus irmãos pareceram desnecessariamente severas. Certamente havia nelas uma nota de severidade, que foi ocasionada por Sua atitude. O Senhor estava aproveitando a oportunidade para dar instruções necessárias a Seus discípulos. Eles O viram em meio a muito trabalho e aparentemente popular; e também no centro da oposição blasfema. Agora eles devem ter uma demonstração impressionante do fato de que os relacionamentos que Deus reconhece e honra são aqueles que têm uma base espiritual.

Antigamente, em Israel, os relacionamentos na carne contavam muito. Agora eles devem ser colocados de lado em favor do espiritual. E a base do que é espiritual reside na obediência à vontade de Deus: e para nós hoje a vontade de Deus está conservada nas Sagradas Escrituras. Obediência é a grande coisa. Está na base de todo serviço verdadeiro, e deve nos marcar se estivermos em relação com o único Servo verdadeiro e perfeito. Nunca nos esqueçamos disso!

MARCOS 4

O capítulo anterior termina com a solene declaração do Senhor de que as relações que Ele agora reconheceria eram aquelas que tinham uma base espiritual em obediência à vontade de Deus. Esta Sua declaração deve necessariamente ter levantado nas mentes dos discípulos algumas perguntas sobre como eles poderiam saber qual é a vontade de Deus. Quando abrimos este capítulo, encontramos a resposta. É pela Sua Palavra, que nos transmite as boas novas do que Ele é e do que Ele fez por nós. Sua vontade emana para nós desses dois fatos.

Ainda havia grandes multidões que iam ter com Ele, de modo que os ensinou de um barco; mas foi a partir desse momento que Ele começou a falar em parábolas. A razão para isso é dada nos versículos 11 e 12. Os líderes do povo já O haviam rejeitado, como o capítulo anterior tornou manifesto, e o próprio povo estava, em grande parte, insensível, exceto pela curiosidade e o interesse pelo sensacionalismo, e pelos “pães e peixes”. Conforme o tempo passava, eles se afastavam e apoiavam os líderes em sua hostilidade homicida. O Senhor sabia disso, por isso começou a divulgar o Seu ensino de tal forma que seria restrito apenas para aqueles que tinham ouvidos para ouvir. Ele fala no versículo 11 de “aos que estão de fora”.

Isso mostra que uma ruptura já estava se manifestando, e aqueles “de dentro” podiam ser distinguidos daqueles “de fora”. Aqueles que estão dentro podem ver e ouvir com percepção e entendimento, e assim o “mistério” ou “segredo” do reino de Deus tornou-se claro para eles. Os demais eram cegos e surdos, e o caminho da conversão e do perdão estava sendo fechado para eles. Se as pessoas não querem ouvir, chega um momento em que elas não conseguirão mais ouvir. O povo queria um Messias que lhes trouxesse prosperidade e glória no mundo. Eles não tinham utilidade, como os eventos comprovaram, para um Messias que lhes trouxesse o reino de Deus na forma misteriosa de conversão e perdão de pecados.

Temos o reino de Deus hoje apenas nessa forma misteriosa, e entramos nele pela conversão e perdão, pois é assim que a autoridade de Deus é estabelecida em nosso coração. Ainda estamos esperando o reino ser manifestado em sua glória e poder.

A primeira parábola deste capítulo é a do semeador, da semente e seus efeitos. Tendo-a proferido, Ele a terminou com palavras solenes: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”. A posse de ouvidos que ouvem, ou sua falta, indicaria, imediatamente, se um homem pertencia aos “de dentro” ou aos “de fora”. A massa de Seus ouvintes, evidentemente, achava que era uma história bonita e agradável ao ouvido, mas se considerada assim, mostravam que eles eram os “de fora”. Alguns outros, juntamente com os discípulos, não se contentavam com isso. Eles queriam chegar ao seu significado interior e intensificaram suas perguntas ainda mais. Eles pertenciam aos “de dentro”.

A palavra do Senhor no versículo 13 mostra que essa parábola do semeador precisa ser entendida ou não entenderemos Suas outras parábolas. Ela contém a chave que desbloqueia toda a série. O Senhor Jesus, quando veio, imediatamente trouxe uma prova suprema a Israel. Receberiam o Bem-Amado Filho e dariam a Deus o fruto que Lhe era devido sob o cultivo da lei? Estava se tornando evidente que isso não aconteceria. Então uma segunda coisa deveria ser introduzida. Em vez de exigir qualquer coisa deles, Ele semearia a Palavra, que no devido tempo, pelo menos em alguns casos, produziria o fruto desejado. Isto é o que essa parábola indica, e a menos que entendamos seu significado, não entenderemos o que Ele tem a nos dizer posteriormente.

O próprio Senhor era o Semeador, sem dúvida, e a Palavra era o testemunho divino que Ele disseminava, pois era a “tão grande salvação, a qual, começando a ser anunciada pelo Senhor, foi-nos depois confirmada pelos que a ouviram” (Hb 2:3). No evangelho de João, descobrimos que Jesus é a Palavra. Aqui Ele semeia a Palavra. Quem poderia semear como Ele que era a própria Palavra? Mas mesmo quando Ele semeou a Palavra, nem todos os grãos que semeava frutificaram. Apenas um caso em quatro, produziu fruto.

Também é certo que a parábola se aplica, em seus princípios, a todos aqueles “semeadores do Semeador” que saíram com a Palavra conforme enviados por Ele, desde aquele dia até hoje. Todo semeador, portanto, deve esperar encontrar todas essas variedades de experiências, como indicado na parábola. Os servos imperfeitos de hoje não podem esperar coisas melhores do que aquelas que marcam a semeadura do Servo perfeito em Seus dias. A semente foi a mesma em cada caso. Toda a diferença estava no estado do solo no qual a semente caía.

No caso dos ouvintes à beira do caminho, a palavra não teve entrada alguma. O coração deles era como o caminho bem pisado. Não houve nem mesmo uma impressão superficial, e Satanás, por seus muitos agentes, removeu completamente a palavra. O caso deles era de total indiferença.

Os ouvintes do solo pedregoso são as pessoas impressionáveis, mas superficiais. Eles logo respondem à palavra com alegria, mas são bastante insensíveis quanto às suas verdadeiras implicações. Foi dito dos verdadeiros convertidos que eles receberam “a palavra em muita tribulação, com gozo do Espírito Santo” (1 Ts 1:6). Essa tribulação, que precedeu a sua alegria, foi o resultado de serem despertados quanto ao seu pecado sob o poder convincente da palavra. O ouvinte do solo pedregoso salta por sobre a aflição, porque é insensível à sua real necessidade, e pousa numa alegria meramente superficial, que se desvanece na presença da provação; e ele desaparece com isso.

Os ouvintes do solo espinhoso são as pessoas preocupadas. O mundo preenche seus pensamentos. Se forem pobres, são inundados em seus cuidados: se ricos, em suas riquezas e nos prazeres que as riquezas trazem. Se nem pobre nem rico, há a cobiça de outras coisas. Eles saíram da pobreza e anseiam por mais coisas boas do mundo que parecem estar ao alcance deles. Absorvido pelo mundo, a palavra é sufocada.

Os ouvintes do solo bom são tais que não apenas ouvem a palavra, mas a recebem e produzem frutos. O solo está sob a ação do arado e da grade. Assim foi preparado. Mesmo assim, todo bom terreno não é igualmente fértil. Pode não haver a mesma quantidade de fruto; mas existe o fruto.

Houve grande instrução para os discípulos em tudo isso e também para nós. Em breve, Ele os enviaria a pregar, e então eles também se tornariam semeadores. Eles tinham de saber que era a palavra que tinham que semear e também o que esperar quando a semeassem. Então eles não seriam indevidamente afetados quando grande parte da semente semeada se mostrasse perdida; ou quando, algum resultado aparecendo, desapareceu depois de um tempo; ou mesmo quando o fruto apareceu, não havia tanto fruto como eles esperavam. Se sabemos, por um lado, o que está sendo visado e, por outro, o que esperar, ficamos grandemente fortalecidos em nosso serviço.

Devemos lembrar que esta parábola se aplica tanto para a semeadura da semente da palavra no coração dos santos como no coração dos pecadores. Então, vamos meditar sobre isso com coração muito exercitado sobre como nós mesmos recebemos a palavra que temos ouvido, bem como a forma como os outros podem receber a palavra que lhes apresentamos.

Nos versículos 21 e 22, segue-se a breve parábola da candeia e, no versículo 23, outra palavra de advertência sobre ter ouvidos para ouvir. À primeira vista, a transição da semente semeada no campo para a candeia acesa em uma casa pode parecer incongruente e desconectada, mas, se é certo que temos ouvidos para ouvir, logo veremos que, em seu significado espiritual, ambas as parábolas são congruentes e conectadas. Quando a palavra de Deus é recebida em um coração exercitado e preparado, produz frutos que Deus aprecia e também luz que deve ser vista e apreciada pelos homens.

Nenhuma candeia é acesa para se esconder debaixo do alqueire1 ou da cama. É para amplamente lançar seus feixes de luz desde o candelabro. A segunda parte do versículo 22 é bastante notável na tradução de J. N. Darby, “nem qualquer coisa secreta acontece, mas ela deve vir à luz”. A obra de Deus no coração pela Sua palavra ocorre secretamente, e o olho de Deus discerne o fruto quando ele começa a aparecer. Mas na época certa, a coisa secreta que aconteceu deve vir à luz. Toda conversão verdadeira é como a iluminação de uma nova candeia.

O alqueire talvez simbolize as ocupações da vida, e a cama, a tranquilidade e o prazer da vida. Não deve ser permitido que a luz seja ocultada, assim como não deve ser permitido que os cuidados, as riquezas e as “outras coisas” sufoquem a semente que é semeada. Temos ouvidos para ouvir isso? Estamos deixando a luz da nossa pequena candeia brilhar? Não há nada oculto que não seja manifesto; por isso é certo que, se uma luz foi acesa, está destinada a brilhar. Se nada é manifestado, é porque não há nada para se manifestar.

Esta parábola é seguida pela advertência sobre o que ouvimos. As relações de Deus em Seu governo com os homens entram neste assunto. Conforme medimos as coisas, as coisas serão medidas para nós. Se realmente ouvirmos a palavra de modo a tomar posse dela, ganharemos mais. Se não o fizermos, começaremos a perder até mesmo o que temos. Em Lucas 8:18, recebemos instruções similares relacionadas a “como” ouvimos. Aqui elas estão conectadas com “o que” ouvimos.

Como ouvimos é enfatizado na parábola do semeador, mas o que ouvimos é pelo menos de igual importância. De não poucos foi tirado o que tinham, por terem emprestado os seus ouvidos ao erro. Eles ouviram e ouviram muito atentamente, mas, infelizmente, o que ouviram não era a verdade, e isso os perverteu. Se por nossos ouvidos o erro é semeado em nosso coração, isso trará sua desastrosa colheita, e o governo de Deus permitirá isto, e não o impedirá.

Os versículos 26 a 29 estão ocupados com a parábola a respeito da obra secreta de Deus. Um homem semeia a semente e, quando o fruto está maduro, ele volta a trabalhar, passando a foice para colher. Mas quanto ao crescimento real da semente desde os seus primeiros estágios até o pleno amadurecimento, ele não pode fazer nada. Por muitas semanas ele dorme e se levanta noite e dia, e os processos da natureza, que Deus ordenou, fazem silenciosamente o trabalho, embora ele não os entenda. “Não sabendo ele como”, é verdade hoje. Os homens têm levado suas investigações muito longe, mas o verdadeiro modo dos maravilhosos processos, levados adiante na grande oficina da natureza de Deus, ainda lhes escapam.

E assim acontece no que podemos chamar de oficina espiritual de Deus, e é bom para nós nos lembrarmos disso. Alguns de nós somos muito ansiosos para analisar e descrever os processos exatos do trabalho do Espírito na alma. Essas coisas ocultas às vezes exercem um grande fascínio sobre nossas mentes e desejamos dominar todo o processo. Isso não pode ser feito. É nosso feliz privilégio semear a semente e também, no devido tempo, passar a foice e ceifar. O funcionamento da palavra no coração dos homens é secretamente realizado pelo Espírito Santo. Seu trabalho, sem dúvida, é perfeito.

A imperfeição sempre marca o trabalho dos homens. Se permitido, como somos, a ter uma participação na obra de Deus, trazemos a imperfeição para aquilo que fazemos. A próxima parábola, ocupando os versículos 30 a 32, mostra isso. O reino de Deus hoje existe vital e realmente na alma daqueles que pela conversão vieram sob a autoridade e controle de Deus. Mas também pode ser visto como uma coisa mais exterior, a ser encontrada onde quer que os homens professem reconhecê-Lo. Um é o reino estabelecido pelo Espírito. O outro, o reino estabelecido pelos homens. Este último se tornou uma coisa grande e imponente na Terra, estendendo sua proteção a muitas “aves do céu”; o que elas significam acabamos de ver – nos versículos 4 e 15 – os agentes de Satanás.

Essa última parábola da série estava cheia de advertência para os discípulos, assim como as outras estavam cheias de instrução. Eles estavam com Ele sendo instruídos antes de serem enviados em sua missão. Vimos pelo menos sete coisas:

  1. Que a presente obra do discípulo é, em sua natureza, semear.

  2. Que o que deve ser semeado é a palavra.

  3. Que os resultados da semeadura devem ser classificados em quatro grupos; em apenas um caso há frutos e em graus variados.

  4. Que a palavra produz tanto luz quanto fruto, e que a luz deve ser manifestada publicamente.

  5. Que o discípulo é ele próprio um ouvinte da palavra, bem como um semeador da palavra, e, nesse contexto, deve tomar cuidado com o que ouve.

  6. Que o trabalho da palavra nas almas é obra de Deus e não nosso. Nosso trabalho é a semeadura e a colheita.

  7. Que, como o trabalho do homem entra para a presente obra de estender o reino de Deus, o mal vai encontrar uma entrada. O reino, visto como obra do homem, vai resultar em algo imponente, porém corrupto. Esta é a solene advertência que devemos ter no coração.

Houve muitas outras parábolas faladas pelo Senhor, mas que não foram registradas para nós. As outras, faladas e explicadas aos discípulos, eram, sem dúvida, muito importantes para eles em suas circunstâncias peculiares, mas não da mesma importância para nós. Aquelas que eram importantes para nós estão registradas em Mateus 13.

Com o versículo 34 Seus ensinamentos terminam e do versículo 35 até ao final de Marcos 5 retomamos o relato de Seus maravilhosos atos. Os discípulos precisavam observar de perto o que Ele fazia e o modo como agia, bem como ouvir os ensinamentos de Seus lábios. E nós também precisamos.

A multidão, que ouviu essas palavras, mas sem entendê-las, foi dispensada e eles atravessaram para o outro lado do lago. Era noite e Ele estava na popa, dormindo sobre uma almofada. O lago se mostrou com súbita e violenta tempestade que o agitava, e um perigo especial surgiu, ameaçando afundar o barco. Satanás é “o príncipe das potestades do ar” e, portanto, acreditamos que seu poder está por trás das forças da natureza. Imediatamente, portanto, os discípulos foram confrontados com uma prova e um desafio. Quem era essa Pessoa que dormia na popa?

Poderia Satanás manejar as forças da natureza de tal maneira a afundar um barco no qual repousava o Filho de Deus? Mas o Filho de Deus é encontrado em Humanidade e Ele dorme! Bem, o que isso importa – visto que Ele é o Filho de Deus? A ação do adversário, provocando a tempestade enquanto Ele dormia, foi de fato um desafio. Até agora, porém, os discípulos perceberam essas coisas muito vagamente, se é que perceberam. Então ficaram cheios de temor quando os recursos de suas habilidades marítimas foram exauridos; eles O despertaram com um clamor incrédulo, que lançou uma ofensa sobre Sua bondade e amor, embora mostrando alguma fé em Seu poder.

Ele surgiu imediatamente na majestade de Seu poder. Ele repreendeu o vento, que era o instrumento mais direto de Satanás. Ele disse ao mar para ficar quieto e imóvel, e ele obedeceu. Como um cão barulhento que se deita humildemente à voz de seu dono, assim o mar se deitou a Seus pés. Ele era o Mestre pleno da situação.

Tendo assim repreendido as forças da natureza e o poder que estava por trás delas, Ele Se voltou para administrar uma gentil repreensão a Seus discípulos. Fé é visão espiritual, e até agora os olhos deles dificilmente estavam abertos para discernir Quem Ele era. Se eles tivessem percebido um pouco de Sua própria glória, não teriam sido tão temerosos. E tendo testemunhado esta demonstração de Seu poder, eles ainda estavam temerosos, e ainda questionavam sobre que tipo de Homem era Ele. Um Homem que pode comandar ventos e mar, e eles fazem Sua vontade, obviamente não é um Homem comum. Mas Quem é Ele? – essa é a questão.

Nenhum discípulo poderia sair em Seu serviço até que essa pergunta fosse respondida e completamente estabelecida em sua alma. Por isso, antes de enviá-los, deve haver mais manifestações de Seu poder e graça diante de seus olhos, como registrado para nós no capítulo 5.

Em nossos dias, devemos também estar plenamente seguros de Quem é Ele, antes de tentarmos servi-Lo. A pergunta: “Quem é Este?” é muito insistente. Até que possamos responder com muita precisão e clareza, devemos nos aquietar.

MARCOS 5

A convicção, quanto a “que tipo de Homem” (KJV) o Senhor Jesus é, uma vez tendo sido alcançada pela fé, traz consigo a certeza de que Ele deve atender todas as emergências de igual modo. Contudo, mesmo assim, é bom que o discípulo realmente O veja lidando com os homens e com os problemas que lhes sobrevieram em razão do pecado, em Sua libertadora misericórdia. Neste capítulo, vemos o Senhor demonstrando Seu poder e, assim, instruindo ainda mais os discípulos. Que a instrução pode ser nossa também à medida que avançamos no relato.

Ao cruzar o lago, o poder de Satanás esteve em ação oculto atrás da fúria da tempestade: ao chegar ao outro lado, tornou-se muito manifesto no homem com um espírito impuro. Derrotado em seus trabalhos mais secretos, o adversário agora lança um desafio aberto sem perda de tempo, pois o homem O encontrou imediatamente quando Ele desembarcou. Foi uma espécie de prova. O diabo transformara o pobre homem em uma fortaleza que ele esperava manter a todo custo; e na fortaleza ele havia lançado toda uma legião de demônios. Se alguma vez um homem foi mantido em cativeiro sem esperança sob os poderes das trevas, esse era o homem. Em sua história, vemos espelhada a profundeza em que a humanidade afundou sob o poder de Satanás.

Ele “tinha sua morada nos sepulcros” e os homens de hoje vivem em um mundo que está se tornando cada vez mais um vasto cemitério enquanto geração após geração passa à morte. Então, “nem ainda com cadeias o podia alguém prender”, pois grilhões e correntes tinham sido frequentemente tentados sem nenhum resultado. Ele estava além da detenção. Portanto, hoje não faltam movimentos e métodos destinados a coibir as más propensões dos homens, a restringir suas ações mais violentas e reduzir o mundo ao prazer e à ordem. Mas tudo é em vão.

Então, com o endemoninhado, outra coisa foi tentada. Poderia sua natureza ser mudada? Afirma-se, no entanto, que “ninguém o podia amansar”; então essa pergunta foi respondida de forma negativa. Assim tem sido sempre: não há mais poder nos homens para mudar suas naturezas do que há para coibi-las e reprimi-las, para que elas não ajam. “a inclinação da carnenão é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser” (Rm 8:7), por isso não pode ser contida. Novamente, “o que é nascido da carne é carne” (Jo 3:6), não importa quais tentativas possam ser feitas para melhorá-la. Por isso, não pode ser alterada ou modificada.

“Sempre, de dia e de noite, clamando pelos montes, e pelos sepulcros” – totalmente inquieto – “clamando” – completamente infeliz – “ferindo-se com pedras” – prejudicando-se em sua loucura. Que cena!

E devemos acrescentar que cena característica do homem sob o poder de Satanás! Este foi um caso excepcional, é verdade. O domínio de Satanás sobre a maioria é de um tipo menos violento e os sintomas são muito menos pronunciados; porém ainda estão lá. O clamor da humanidade pode ser ouvido, pois os homens se prejudicam por seus pecados.

Quando o homem falou, as palavras foram proferidas por seus lábios, mas a inteligência por trás delas era a dos demônios que o controlavam. Eles sabiam que tipo de homem o Senhor era, mesmo que outros não o soubessem. Por outro lado, eles não conheciam a maneira de Seu serviço. Haverá, verdadeiramente um momento quando o Senhor entregará esses demônios junto com Satanás, seu mestre, ao tormento, mas essa não era Sua obra naquele momento. Muito menos era a maneira de Seu serviço naquele tempo em relação aos homens. Para o endemoninhado Jesus veio trazendo, não tormento, mas livramento.

O Senhor mandou que os demônios saíssem e eles sabiam que não podiam resistir. Eles estavam na presença da Onipotência, e eles devem fazer o que lhes foi dito. Eles tinham até que pedir permissão para entrar nos porcos que estavam se alimentando não muito longe. Os porcos, sendo animais imundos de acordo com a lei, não deviam estar lá. Sendo os demônios imundos também, havia uma afinidade entre eles e os porcos, uma afinidade com resultados fatais para os animais. Os demônios haviam levado o homem à autodestruição, usando as pedras afiadas; com os porcos, o impulso foi imediato e completo. O homem foi libertado; os porcos foram destruídos.

O resultado, em relação ao próprio homem, foi de gozo. Suas inquietas peregrinações haviam terminado, porque ele estava “assentado”. Anteriormente ele “não andava vestido”, como Lucas nos diz (Lc 8:27), agora ele está “vestido”. Suas alucinações cessaram, pois ele está “em perfeito juízo”. A aplicação do evangelho em tudo isso é muito evidente.

O resultado, no que diz respeito às pessoas dessa localidade, foi muito trágico. Eles manifestaram um pensamento que era tudo menos correto, embora nenhum demônio tivesse entrado neles. Eles não tinham entendimento ou apreciação por Cristo. Por outro lado, eles apreciavam e entendiam de porcos. Se a presença de Jesus significasse ausência de porcos, mesmo que também significasse ausência de um furioso endemoninhado, então eles prefeririam não ter Sua presença. Eles começaram a rogar-Lhe para que Ele partisse de seus territórios.

O Senhor concedeu o desejo deles e partiu. A tragédia disso foi muito grande, embora eles não tenham percebido isso naquele momento. Ela foi sucedida por uma ainda maior tragédia: a do Filho de Deus sendo expulso deste mundo; e agora temos dezenove séculos2 cheios de todo tipo de mal como resultado disso. A partida do Senhor criou uma nova situação para o homem que acabou de ser libertado dos demônios. Ele naturalmente desejou a presença de seu Libertador, mas foi instruído que, no momento, ele deveria se contentar em permanecer no lugar de Sua ausência e ali testemunhar para Ele, particularmente para seus próprios amigos.

Nossa posição hoje é muito parecida. No presente momento, gostaríamos de estar com Ele, mas agora nossa porção é testemunhar d’Ele no lugar onde Ele não está. Também podemos dizer aos nossos amigos que grandes coisas o Senhor tem feito por nós.

Tendo atravessado novamente o lago, o Senhor foi imediatamente confrontado com outros casos de necessidade humana. Em Seu caminho para a casa de Jairo, onde estava sua filha perto da morte, Ele foi interceptado pela mulher com um fluxo de sangue. Ela tinha estado doente por doze anos e totalmente fora do alcance de toda a habilidade dos médicos. O caso dela era sem esperança, tanto quanto o caso do endemoninhado. Ele estava em um desamparado cativeiro por uma grande multidão de demônios, e ela também, por uma doença incurável.

Novamente, podemos ver uma analogia com o estado espiritual da humanidade e, particularmente, com os esforços de uma alma despertada, conforme descrito em Romanos 7. Há muitas lutas e esforços muito severos, mas “sem nada aproveitar, antes ficando cada vez pior” (v. 26 – TB). Este era o resultado do caso delineado ali, até que a alma chegue ao fim de suas buscas, tendo “gastado tudo” (TB), e tenha “ouvido falar a respeito de Jesus” (TB). Então, terminando todos os esforços de aperfeiçoamento próprio e vindo a Jesus, Ele Se mostra ser o grande Libertador.

No caso do homem, dificilmente podemos falar de fé, pois ele foi completamente dominado pelos demônios. No caso da mulher, só podemos falar de uma fé imperfeita. Ela estava confiante em Seu poder, um poder tão grande que até mesmo Suas roupas poderiam transmitir-lhe esse poder; mas ainda duvidava de Sua acessibilidade. As aglomerações de multidões a impediram, e ela não percebeu quão completamente Ele – o Servo perfeito – estava à disposição de todos os que precisavam d’Ele. No entanto, a cura que ela precisava era, antes de tudo, dela mesma. O acesso de que ela precisava foi possível, e a bênção foi trazida a ela. Satisfeita com a bênção, ela teria se retirado ocultamente.

Mas isso não era para ser assim. Ela também deveria dar testemunho daquilo que Seu poder havia operado, e por meio disso ela receberia uma bênção adicional para si mesma. Os tratamentos do Senhor com ela estão cheios de instrução espiritual.

O perfeito conhecimento de Jesus vem à luz. Ele sabia que a virtude tinha saído de Si e que o toque havia sido em Suas roupas. Ele fez a pergunta, mas Ele sabia a resposta; pois olhou em volta para ver “quem” tinha feito isso.

Sua pergunta também trouxe à luz o fato de que muitos O haviam tocado de várias maneiras, mas nenhum outro toque tirou qualquer virtude d’Ele. Por que isso? Porque, de todos os toques, o dela era o único que surgiu de uma consciência de necessidade e fé. Quando essas duas coisas estão presentes, o toque é sempre eficaz.

Muitos de nós seríamos como a mulher e desejaríamos obter a bênção sem qualquer reconhecimento público do Abençoador. Isso não deve ser assim. É devido a Ele que devemos confessar a verdade e tornar conhecida Sua graça salvadora. Virtude saiu diretamente d’Ele para nossa libertação, e o tempo de prestar testemunho chegou para nós. Assim como o homem deveria ir para casa, para seus amigos, a mulher teve que se prostrar aos Seus pés em público. Ambos deram testemunho d’Ele; e, note-se, isso foi no sentido oposto ao que poderíamos esperar. A maioria dos homens acharia o testemunho em casa o mais difícil: a maioria das mulheres acharia o testemunho em público o mais difícil. Mas o homem tinha que falar em casa e a mulher na presença da multidão. Ela falou, porém, não para a multidão, mas para Ele.

Como fruto de sua confissão, a própria mulher recebeu mais uma bênção. Ela obteve a certeza definitiva de Sua palavra, que sua cura foi inteira e completa. Poucos minutos antes, ela **“**sentiu no seu corpo estar já curada” e confessou que **“**sabia o que lhe havia acontecido”. Isso foi muito bom, mas não foi o suficiente. Se o Senhor permitisse que ela fosse embora simplesmente com esses “sentimentos” agradáveis e esse “conhecimento” do que havia sido “feito a ela”, estaria aberta a muitas dúvidas e temores nos dias que viriam. Cada pequeno sentimento de indisposição aumentaria a ansiedade quanto ao fato de sua antiga doença voltar a ocorrer. Assim, ela recebeu a Sua palavra definitiva: “Sê curada desse teu mal”. Isso resolveu tudo. Sua palavra era muito mais confiável do que seus sentimentos.

Assim é conosco. Algo foi realmente feito em nós pelo Espírito de Deus na conversão, e sabemos disso, e nossos sentimentos podem ser felizes: ainda assim, não há qualquer base sólida sobre a qual a certeza possa descansar em sentimentos, ou no que tem sido feito em nós. A base sólida para a certeza é achada na Palavra do Senhor. Hoje em dia, não poucos têm falta de segurança apenas porque cometeram o erro que a mulher estava prestes a cometer. Eles nunca confessaram propriamente a Cristo e nem reconheceram sua dívida para com Ele. Se eles corrigirem esse erro como a mulher fez, eles terão a certeza da Sua Palavra.

No exato momento da libertação da mulher, o caso da filha de Jairo assumiu um tom mais sombrio. Notícias de sua morte chegaram, e aqueles que enviaram a mensagem presumiram que, embora a doença pudesse desaparecer diante do poder de Jesus, a morte estava fora de Seu domínio. Temos visto Ele triunfar sobre demônios e doenças, mesmo quando as vítimas estavam além de toda ajuda humana. A morte é a coisa mais sem esperança de todas. Pode Ele triunfar sobre isso? Ele pode e o fez.

A maneira que Ele sustentou a fé vacilante do principal da sinagoga é muito bonita. Jairo estava bastante confiante quanto à Sua capacidade de curar; mas então, o que fazer quanto à morte? Essa foi a grande prova da sua fé, como também do poder de Jesus. “Não temas, crê somente”, era a palavra. A fé em Cristo irá remover o medo da morte para nós, bem como para ele.

A morte era apenas um sono para Jesus, mas os pranteadores profissionais zombavam d’Ele em sua incredulidade. Então, Ele os removeu e, na presença dos pais e dos discípulos que estavam com Ele, restaurou a menina à vida. Assim, pela terceira vez neste capítulo, a libertação é trazida àquele que está além de toda a esperança humana.

Mas o início do versículo 43 está em nítido contraste com os versículos 19 e 33. Desta vez não deveria haver qualquer testemunho disso; isso se deve, supomos, à incredulidade desdenhosa que acabara de se manifestar. Ao mesmo tempo, havia a mais cuidadosa consideração quanto às necessidades da menina com relação à alimentação, assim como havia sido para a necessidade espiritual de Jairo um pouco antes. Ele pensou tanto em seu corpo quanto em _sua fé.
_

MARCOS 6

Após estas coisas, deixando as margens do lago Ele entrou na região onde passara os primeiros anos de Sua vida. Ensinando na sinagoga, Suas palavras os admiravam. Eles profundamente reconheciam a sabedoria de Seus ensinamentos e o poder de Seus atos, e ainda assim tudo isso não criava convicção ou fé em seu coração. Eles conheciam a Ele e a Seus parentes segundo a carne, e isto cegou seus olhos quanto a Quem Ele realmente era. Eles não O estavam insultando em sua expressão de incredulidade, como os que estavam de luto na casa de Jairo; mas, era um nível de incredulidade tão grande que Ele ficou maravilhado com isso.

A visão que eles tinham de Jesus era justamente a do unitarismo moderno. Eles estavam totalmente convencidos de Sua humanidade, pois estavam muito bem familiarizados com Suas origens quanto à Sua carne. Eles viram isso tão claramente que foram cegados para qualquer coisa além, e se escandalizavam n’Ele. O unitarista vê Sua humanidade, mas nada além disso. Vemos Sua humanidade não menos claramente do que os que seguem o unitarismo, mas, além disso, vemos Sua divindade. Não nos incomoda que não possamos entender intelectualmente como ambas possam ser encontradas n’Ele. Sabendo que nossas mentes são finitas, não esperamos explicar aquilo em que o infinito entra. Se tentássemos entender e explicar, deveríamos saber que o que assim entendêssemos não seria divino.

Como resultado dessa incredulidade, “não podia fazer ali coisas maravilhosas”, a não ser curar alguns enfermos que, evidentemente, tinham fé n’Ele. Isso enfatiza o que acabamos de ver em conexão com o versículo 43 de Marcos 5. Igualmente como na presença de grosseira incredulidade, o Senhor reteve qualquer testemunho a Si mesmo na presença de Seus incrédulos compatriotas; Ele não fez ali obras poderosas.

Agora podemos nos sentir inclinados a pensar que Sua ação deveria ter sido exatamente a oposta. Mas percebemos nas Escrituras que quando incredulidade sobe à altura de zombaria, o testemunho cessa – ver Jeremias 15:17; Atos 13:41, 17:32, 18:6. Também é evidente que, embora “Jesus Nazareno” tenha sido “aprovado por Deuscom milagres, maravilhas e sinais” (At 2:22), ainda assim, o objetivo principal não era convencer a incredulidade obstinada, mas sim encorajar e confirmar a fé fraca. João 2:23-25 nos mostra que quando Seus milagres produziram convicção intelectual em certos homens, Ele mesmo não confiava na convicção assim produzida. Por isso, Ele não fez grandes obras na cidade de Nazaré. Ele “não poderia fazer ali”, pois estava limitado por considerações morais, e não físicas. Milagres não eram adequados para a ocasião, de acordo com os caminhos de Deus, e Ele era o Servo da vontade de Deus.

O que era adequado era a prestação fiel de um afetuoso testemunho; por isso “percorreu as aldeias vizinhas, ensinando”. Uma grande manifestação de milagres poderia ter produzido uma repulsa de sentimentos e convicções intelectuais, o que não valeria a pena. O firme ensinamento da Palavra significava semear a semente, e haveria algum fruto que valeria a pena, como já vimos.

Isso nos leva ao versículo 7 deste capítulo, onde lemos sobre os doze sendo enviados em sua primeira missão. Seu período de treinamento acabou. Eles tinham escutado Suas instruções, como em Marcos 4, e testemunharam Seu poder, como mostrado no capítulo 5. Eles também tiveram essa ilustração impressionante do lugar que os milagres deveriam ocupar, e do fato de que, embora houvesse momentos em que eles poderiam ser inadequados, o ensino e a pregação da Palavra de Deus sempre estavam no tempo adequado.

Genuínos milagres e sinais não estão em evidência hoje; mas a Palavra de Deus permanece. Sejamos gratos pelo fato de a Palavra estar sempre na estação apropriada e sejamos diligentes em plantá-la.

O envio dos doze foi a inauguração de uma extensão do ministério e serviço do Senhor. Até então, todos haviam estado em Suas próprias mãos, com os discípulos como espectadores; agora eles devem agir em Seu nome. Ele era absolutamente suficiente em Si mesmo: eles não são suficientes, e então devem sair de dois em dois. Existe ajuda e coragem na companhia, pois onde um é fraco, o outro pode ser forte, e aqu’Ele que os enviou sabia exatamente como colocá-los juntos. O companheirismo é especialmente útil quando o trabalho pioneiro está sendo feito; e assim no livro de Atos vemos Paulo agindo sob esta instrução do Senhor. O serviço é uma questão individual, é verdade, mas até hoje fazemos bem em estimar corretamente a comunhão no serviço: “somos cooperadores de Deus” (1 Co 3:9).

Antes de saírem, receberam poder ou autoridade que lhes foi dada sobre todo o poder de Satanás. Eles também receberam instruções para se desfazer até mesmo das necessidades ordinárias, levadas pelo viajante daqueles dias. Além disso, eles receberam sua mensagem. Como seu Mestre havia pregado o arrependimento tendo em vista o reino (cap. 1:15), eles também deveriam pregá-lo.

Aqueles que servem hoje não possuem sua comissão vinda de Cristo na Terra, mas de Cristo no céu; e isso introduz certas modificações. Nossa mensagem centra-se na morte, ressurreição e glória de Cristo, ao passo que a deles, na própria natureza das coisas, não poderia ser assim. Eles descartaram as necessidades da viagem, na medida em que representavam o Messias na Terra, que não tinha nada, mas que era bem capaz de sustentá-los. Somos seguidores de um Cristo que Se elevou, e Seu poder é geralmente exercido para libertar Seus servos da dependência de ornamentos de natureza espiritual, e não daqueles de natureza material. Contudo, podemos certamente ter grande consolo com o pensamento de que Ele não envia Seus servos adiante sem lhes dar poder para o serviço diante deles. Se nosso serviço for para expulsar demônios, Ele nos dará poder para fazê-lo; E se o nosso serviço não é isso, mas alguma outra coisa, então teremos o poder para essa outra coisa.

Eles – e nós também – deviam ser marcados pela maior simplicidade: não andar de casa em casa em busca de algo melhor. Eles O representaram. Ele agiu por procuração por meio deles; e, portanto, recusá-los era recusar a Ele. Sua fala no versículo 11, quanto a Sodoma e Gomorra, é semelhante ao que Ele disse sobre Si mesmo em Mateus 11:21-24. Aqueles que O servem hoje não são apóstolos, mas ainda que em menor grau a mesma coisa, sem dúvida, é válida. A mensagem de Deus não deixa de ser Sua mensagem por vir de lábios débeis.

O serviço deles, seja na pregação, expulsando demônios ou na cura, foi tão eficaz que Seu Nome – não o deles – foi espalhado amplamente, e até mesmo Herodes ouviu Sua fama. Este miserável rei tinha uma consciência tão má que ele assumiu imediatamente que João Batista, sua vítima, tinha ressuscitado. Outros consideravam que Cristo era Elias, ou um dos antigos profetas. Ninguém sabia, pois ninguém pensava em Deus como capaz de fazer alguma coisa nova.

Neste ponto, Marcos desvia um pouco o assunto para nos contar, nos versículos 17 a 28, como João foi morto a mando de uma mulher vingativa. Sendo o homem mau que era, Herodes possuía uma consciência que lhe falou, e vemos a astuta maestria pela qual o diabo o capturou. A armadilha foi colocada por meio de uma jovem de rosto e formas belos, uma mulher mais velha atraente e vingativa e uma tola vaidade que fez o infeliz rei pensar muito mais em seu juramento do que na lei de Deus. Assim, o homem vaidoso e lascivo foi conduzido ao ato do homicídio, com a condenação final sobre si mesmo. Sua consciência inquieta só provocou medos supersticiosos.

No versículo 29, Marcos simplesmente registra que os discípulos de João fizeram o enterro do seu corpo mutilado. Ele não acrescenta, como Mateus, que eles “foram anunciá-lo a Jesus” (Mt 14:12). Ele passa a registrar o retorno dos discípulos de suas jornadas, dizendo ao seu Mestre tudo o que eles haviam feito e ensinado. Foi então que o Senhor os retirou para um lugar deserto, para além da multidão e do serviço ativo, para poderem passar um tempo sossegado em Sua presença. É instrutivo notar que a passagem em Mateus torna quase certo que os angustiados discípulos de João também chegaram exatamente naquele momento.

Nunca nos esqueçamos de que um período de descanso na presença do Senhor, fora da vista dos homens, é necessário após um período de serviço intenso. Os discípulos de João vieram do seu triste serviço com um coração pesado e angustiado. Os doze vieram de encontros triunfantes com o poder de demônios e doenças, provavelmente entusiasmados pelo sucesso. Ambos precisavam da quietude da presença do Senhor, que serve igualmente para levantar o coração abatido e controlar a indevida exaltação do espírito.

No entanto, o período de descanso foi curto, pois as pessoas buscavam por Ele às multidões, e Ele não as dispensaria. O coração do grande Servo aparece mais admiravelmente no versículo 34, onde nos é dito que Ele “teve compaixão deles”. A visão deles, “como ovelhas que não têm pastor”, apenas produziu compaixão n’Ele, não – como muitas vezes acontece conosco, infelizmente! – sentimentos de aborrecimento ou desprezo. Ele foi movido pela compaixão que sentiu; essa é a maravilha disso.

Sua compaixão O levou em duas direções. Primeira, a ministrar-lhes as coisas espirituais. Segunda, a ministrar-lhes as coisas carnais. Observe a ordem: o espiritual veio primeiro. Ele “começou a ensinar-lhes muitas coisas”, embora o que Ele disse não esteja registrado; então, quando a noite chegou, Ele aliviou a fome deles. Vamos aprender com isso como agir. Se os homens têm necessidades corporais, é bom que atendamos a eles de acordo com nossa capacidade; mas vamos sempre manter a Palavra de Deus em primeiro lugar. As necessidades do corpo nunca devem prevalecer sobre as necessidades da alma, em nosso serviço.

Ao alimentar os cinco mil, o Senhor primeiramente provou Seus discípulos. Quanto eles haviam absorvido em relação à Sua suficiência? Muito pouco aparentemente, pois em resposta à Sua palavra: “Dai-lhes vós de comer”, eles pensam em recursos humanos e em dinheiro. Ora, nenhum dos recursos humanos de qualquer tipo que estavam presentes foi ignorado. Eles eram muito insignificantes, mas foram usados por Jesus, para que neles Seu poder pudesse ser manifestado. Ele poderia ter transformado pedras em pão ou até produzido pão do nada; mas a Sua maneira foi utilizar os cinco pães e dois peixes.

Seu trabalho foi realizado exatamente desta maneira ao longo da presente época. Seus servos possuem certas particularidades que Ele tem o prazer de usar. E mais, Ele demonstrou Sua generosidade de uma maneira ordenada, as pessoas sentadas em grupos de cem em cem e de cinquenta em cinquenta, e Ele empregou Seus discípulos no trabalho. Os pés e mãos que transportavam a comida para as pessoas eram os deles. Hoje os pés e as mãos de Seus servos são usados, suas mentes e lábios são colocados à Sua disposição, para que o pão da vida alcance os necessitados. Mas o poder que produz resultados é totalmente d’Ele. A própria fraqueza dos meios usados torna isso manifesto.

Como Servo perfeito, Ele teve o cuidado de conectar com o céu tudo o que fez. Antes do milagre, Ele olhou para o céu e deu graças (TB). Desse modo, os pensamentos da multidão foram dirigidos a Deus como a Fonte de tudo, e não a Si mesmo, o Servo de Deus na Terra. Uma palavra para nós mesmos, contendo um princípio semelhante, é encontrada em 1 Pedro 4:11. O servo que ministra alimento espiritual deve fazê-lo a partir de Deus, para que Deus seja glorificado nisso e não o servo.

Também podemos extrair encorajamento do fato de que, quando a grande multidão era alimentada, muito mais havia sobrado do que o pouco com o qual eles haviam começado. Os recursos divinos são inesgotáveis, e o servo que confia em seu Mestre nunca ficará sem suprimentos. A este respeito, há uma semelhança muito feliz entre os pães e os peixes colocados nas mãos dos discípulos e a Bíblia colocada nas mãos dos discípulos hoje.

Havendo finalizado a alimentação da multidão, o Senhor logo enviou os Seus discípulos para o outro lado do lago e Se entregou à oração. Ele não só conectou tudo com o céu pela ação de graças na presença do povo, mas sempre manteve o contato para Si mesmo como o Servo da vontade Divina. Em João 6, aprendemos que neste ponto o povo estava entusiasmado e faria d’Ele um rei à força. Os discípulos poderiam ter sido apanhados por isso, mas Ele não foi.

A travessia do lago forneceu aos discípulos uma nova demonstração de Quem era o Seu Mestre. O vento contrário impedia o progresso deles, e, com dificuldade, avançaram devagar. Ele novamente Se mostrou supremamente acima do vento e das ondas, andando sobre a água e capaz de passar pela tempestade. Sua palavra acalmou seus medos e Sua presença no barco acabou com a tempestade. Apesar de tudo isso, o real significado disso lhes escapou. O coração deles ainda não estava pronto para aceitá-Lo. No entanto, as pessoas no geral aprenderam a reconhecer o Senhor e Seu poder. Abundância de necessidade foi apresentada a Ele, e Ele respondeu à necessidade com abundância de graça.

MARCOS 7

Ao começar este capítulo, vemos a oposição dos líderes religiosos vir à tona novamente. Os discípulos, cheios de labores – como o versículo 31 do capítulo anterior nos disse – não estavam observando certas lavagens tradicionais, e isso despertou os fariseus, que eram os grandes defensores da tradição dos anciãos. O Senhor aceitou o desafio em favor dos discípulos e respondeu por uma exposição de toda a posição farisaica. Eles eram hipócritas e Ele lhes disse isso.

A essência de sua hipocrisia repousava na profissão de adoração, consistindo em cerimônias exteriores, quando interiormente O coração deles estava completamente distanciado. Para Deus nada conta se o coração não estiver correto.

Então, ao realizar suas cerimônias, eles ignoraram o mandamento de Deus em favor de sua própria tradição. O Senhor não apenas afirmou isso, mas provou-o dando um exemplo cotidiano em que eles separavam o quinto mandamento de suas regras concernentes a “Corbã”; isto é, coisas dedicadas ao serviço de Deus. Sob o disfarce de “Corbã”, muitos judeus se despojaram de todos os seus deveres legais em relação a seus pobres e velhos pais. E faziam isso com um ar de santidade, pois não parecia mais piedoso devotar coisas a Deus do que aos pais?

As coisas que vieram sob “Corbã” não eram coisas que Deus exigia; se fosse assim, Sua demanda deveria ter prevalecido. Havia coisas que podiam ser dedicadas, se assim desejado; enquanto a obrigação de apoiar os pais era um comando distinto. A tradição farisaica permitia a um homem usar uma tradição permissiva para escapar da obediência de um mandamento claro. Eles poderiam tentar apoiar sua tradição com evasivas que pareciam piedosas, mas o Senhor os acusou de anular a Palavra de Deus. As palavras escritas de Êxodo 20:12 eram, para Jesus, “a Palavra de Deus”. Não há apoio aqui para essa minuciosa religiosidade que se recusa a atribuir a designação “Palavra de Deus” às Escrituras.

Cremos que devemos estar certos ao dizer que toda a tradição humana nas coisas de Deus, em última análise, define a Palavra de Deus como sendo nada. Os criadores da tradição provavelmente não tinham esse pensamento, mas o espírito mestre do mal, por trás da questão, tinha exatamente essa intenção.

Tendo desmascarado os fariseus como homens cujo coração estava distante de Deus, e que ousaram tornar sem efeito a Palavra de Deus, o Senhor chamou o povo e publicamente proclamou a verdade que cortava pela raiz toda a pretensão religiosa. O homem não é contaminado pelo contato físico com coisas externas, mas é ele mesmo a sede do que contamina. Um duro discurso foi esse, e somente aqueles que têm ouvidos para ouvir o receberão.

Os discípulos tiveram que perguntar-Lhe em particular sobre isso, e nos versículos 18 a 23, temos a explicação. O homem é corrupto em sua natureza. O que vem do seu próprio coração o contamina. De seu coração procedem os maus pensamentos que se desenvolvem em todo tipo de ato maligno. Esta é a mais tremenda acusação da natureza humana já proferida. Não é de se admirar que o coração farisaico estivesse longe de Deus; mas que coisa terrível que homens com coração assim professem se aproximar d’Ele e O adorar.

Estas perscrutadoras palavras do nosso Senhor cortaram pela raiz todo o orgulho humano, e mostraram a inutilidade de todos os movimentos humanos, sejam religiosos ou políticos, que lidam apenas com aparências e deixam o coração do homem intocado.

Seus discípulos ainda mal entendiam essas coisas, e a experiência vai mostrar-nos que os Cristãos professos são muito lentos para aceitar e entender essas coisas hoje; mas não iremos muito longe, a não ser que as entendamos. No entanto, uma coisa é expor o coração do homem: porém algo mais é necessário – o coração de Deus deve ser expresso. Isto o Senhor fez, como mostra o resto do capítulo.

Ele foi para as próprias fronteiras da terra que abrigava tanta hipocrisia, e entrou em contato com uma pobre mulher gentia em desesperada necessidade. Sua fama chegou até ela e ela não seria renegada. No entanto, o Senhor a provou por Sua pequena parábola sobre o pão dos filhos e os cachorrinhos. Sua resposta: “Sim, Senhor; mas também os cachorrinhos comem, debaixo da mesa, as migalhas dos filhos”, estava felizmente livre de hipocrisia. Ela disse de fato: “Sim, Senhor: é verdade que não sou como os filhos do reino, mas um pobre cachorrinho gentio sem qualquer pretensão; mas estou confiante de que há poder suficiente com Deus e bondade suficiente em Seu coração, para alimentar um pobre cachorrinho como eu”.

Ora isso era fé. Mateus, de fato, nos diz que o Senhor a chamou de “grande fé”, e isso O maravilhou. Também trouxe a ela tudo o que seu coração desejava. Sua filha foi libertada. Quão grande é o contraste entre o coração de Deus e o coração do homem! Um cheio de benevolência e graça; outro cheio de todo tipo de mal. Que gozo para nós quando, em vez de abrigarmos a hipocrisia, somos marcados pela honestidade e fé.

No versículo 31, Ele volta novamente às vizinhanças do lago, onde encontra um homem que era surdo e mudo – uma condição que era um símbolo do estado em que a massa dos judeus se encontrava. A pobre mulher gentia teve ouvidos para ouvir e, consequentemente, sua língua encontrou palavras de fé para proferir, mas eles eram surdos e não tinham nada a dizer.

Ao curar esse homem, o Senhor realizou certas ações, que sem dúvida têm significados simbólicos. Ele o levou para longe das multidões, para que pudesse tratar com ele em privacidade. Seus dedos, simbólicos da ação divina, tocam seus ouvidos. O que veio da Sua boca tocou a boca do homem mudo. Assim o trabalho foi feito, e o surdo e mudo ouviu e falou. Se qualquer ouvido é aberto para ouvir a voz do Senhor, é o fruto da ação divina que ocorre em oculto. E se qualquer língua pode proferir o louvor de Deus ou a Palavra de Deus, é porque aquilo que vem de Sua boca foi colocado em contato com a nossa.

Nada é dito quanto à fé do homem. Ele era incapaz de expressar o que sentia, e outros o trouxeram a Jesus. Ele foi encontrado, no entanto, em completa e ilimitada graça. Mais uma vez, foi um caso da bondade do coração de Deus sendo manifestada por Jesus.

Evidentemente, as pessoas em alguma medida estavam conscientes disso e, em sua admiração, confessaram: “Ele tudo tem feito bem” (TB). Vinda de onde ela vinha, essa palavra é ainda mais surpreendente. A parte inicial do capítulo revela o homem em seu verdadeiro caráter, e vemos que o seu coração é uma fonte de onde procede nada além do mal – ele faz todas as coisas más! O Servo perfeito revela a bondade do coração de Deus. Ele faz todas as coisas bem.

Com este veredicto, também temos abundantes motivos para concordar.

MARCOS 8

Quando os cinco mil foram alimentados, como registrado em Marcos 6, os discípulos tomaram a iniciativa chamando a atenção de seu Mestre para a condição de necessidade da multidão. Nesse segundo momento, o Senhor tomou a iniciativa e chamou a atenção de Seus discípulos para a necessidade deles, expressando Sua compaixão e preocupação por eles. Como na primeira ocasião, assim novamente os discípulos têm simplesmente o homem diante deles, e pensam apenas em seus poderes que são totalmente desiguais para a situação. Eles ainda não haviam aprendido a medir a dificuldade pelo poder de seu Senhor.

Daí a instrução, que foi transmitida pela alimentação de uma enorme multidão com recursos terrestres da mais ínfima ordem, foi repetida. Havia pequenas diferenças, tanto no número de pessoas alimentadas quanto no número de pães e peixes usados, mas em todos os aspectos essenciais, esse milagre era uma repetição do outro, pois mais uma vez Ele cumpriu o Salmo 132:15 e manifestou o poder de Deus diante dos olhos deles.

Tendo alimentado a multidão, Ele a dispensou, e imediatamente depois partiu com Seus discípulos para o outro lado do lago, assim como na ocasião anterior. Na Sua chegada, alguns fariseus vieram com intenção agressiva, solicitando um sinal do céu. De fato, Ele estava dando sinais muito impressionantes do céu na presença de milhares de testemunhas. Os fariseus não tinham intenção de segui-Lo, e, portanto, não tinham estado presentes, de modo a ver o sinal por si mesmos; ainda havia amplo testemunho disso se eles se importassem em ouvir. O fato era que, por um lado, eles não tinham nenhum desejo de testemunhar qualquer sinal que pudesse certificar a Ele e Sua missão, e, por outro lado, não tinham capacidade de ver e reconhecer o sinal, mesmo quando estava claramente diante de seus olhos. Sua total incredulidade entristeceu Seu coração.

No versículo 34 do capítulo anterior, quando Ele foi confrontado com fraqueza e deficiência humanas de um tipo corporal, Ele suspirou: aqui confrontado com a cegueira de um tipo espiritual, Ele suspirou profundamente em Seu espírito. A incapacidade espiritual é uma questão muito mais séria do que a incapacidade corporal. Eles eram líderes cegos de uma geração cega e tateavam em busca de um sinal. Nenhum sinal seria dado a eles, pois, para os cegos, os sinais são inúteis. Esta foi a ocasião em que, como registrado no início de Mateus 16, o Senhor lhes disse que eles podiam discernir a face do céu, mas não os sinais dos tempos.

Não descartemos este assunto como sendo algo que só diz respeito aos fariseus: em princípio, também diz respeito a nós mesmos. Quantas vezes o verdadeiro crente tem sido perturbado e desanimado, achando que Deus não falou, não agiu ou não respondeu, quando na verdade Ele tem feito, somente nós não tivemos olhos para ver. Podemos ter continuado suplicando a Ele por mais luz, quando todo o tempo tudo o que era necessário eram algumas janelas em nossa casa!

O motivo que atuava nesses fariseus era totalmente errado, já que o objetivo deles era tentá-Lo. Então o Senhor abruptamente os deixou e partiu novamente para o outro lado do lago, que Ele havia deixado pouco antes, e os discípulos estavam sem pão. Assim, pela terceira vez, eles estavam frente a frente com o problema levantado na alimentação dos cinco mil e dos quatro mil, apenas em uma escala muito pequena.

Infelizmente os discípulos não enfrentaram o problema com a força da fé quando era em pequena escala mais do que quando era em grande escala. Eles também não tinham até agora tido olhos para ver o poder e a glória de seu Mestre, como mostrado duas vezes em Sua multiplicação dos pães e peixes. A verdadeira fé tem visão penetrante. Eles deveriam ter discernido Quem Ele era, e então não teriam olhado para seus insignificantes pães ou peixes, mas para Ele, e toda dificuldade teria desaparecido. Nas pequenas crises que marcam nossa própria vida, somos melhores do que eles?

A acusação do Senhor sobre o fermento dos fariseus e de Herodes não nos é explicada aqui, como é em Mateus, mas devemos notar seu significado. Ele Se referiu à doutrina das duas facções, que funcionavam como fermento naqueles que estavam sob a influência de um e de outro. O fermento dos fariseus era hipocrisia. O dos herodianos era o absoluto mundanismo. Em Mateus, lemos sobre o fermento dos saduceus, e esse foi o orgulho intelectual que os levou à incredulidade racionalista. Não há nada que mais efetivamente cegue a mente e entendimento do que fermento destes três tipos.

O cego de Betsaida, de quem lemos nos versículos 22 a 26, ilustra exatamente a condição dos discípulos naquele momento. Quando o cego foi trazido ao Senhor, Ele o pegou pela mão e o levou para fora da cidade, separando-o assim dos lugares dos homens, assim como anteriormente Ele havia voltado as costas aos fariseus e àqueles que estavam com eles (v. 13). Fora da cidade, o Senhor tratou com ele, realizando o trabalho em duas partes – a única vez, tanto quanto nos lembramos, que Ele agiu assim. Como resultado do primeiro toque, ele viu homens “como árvores que andam”. Ele viu, mas as coisas estavam muito fora de foco. Ele sabia que os objetos que via eram homens, mas pareciam muito maiores do que eram.

Assim foi com os discípulos – o homem era grande demais diante dos olhos deles. Mesmo quando olhavam para o próprio Senhor, parece que Sua Humanidade eclipsava Sua Deidade em seus olhos. Eles precisavam, como o cego, um segundo toque antes de verem tudo claramente. A presença do Filho de Deus entre eles em carne e osso foi o primeiro toque que os alcançou, e como resultado eles começaram a ver. Quando Ele morreu e ressuscitou e ascendeu à glória, Ele colocou Seu segundo toque sobre eles ao derramar Seu Espírito, como registrado em Atos 2. Então eles viram todas as coisas claramente. Podemos muito sinceramente orar para que nossa visão espiritual não seja uma visão míope e fora de foco, a fim de que as grandes árvores que achamos que vemos, acabem sendo apenas um pequeno débil homem vaidoso andando nas imediações. Tal estado é possível para nós, como 2 Pedro 1:9 mostra, e não há desculpa para nós, já que o Espírito foi dado.

O cego, quando curado, não deveria entrar na cidade nem testemunhar a nenhum da cidade; além disso, o próprio Senhor agora Se dirigiu com Seus discípulos para Cesareia de Filipe, a cidade mais ao norte, dentro dos limites da terra, e muito perto da fronteira com os gentios. Claramente Ele estava começando a retirar a Si mesmo e o testemunho de Seu messianismo das pessoas cegas e de seus líderes ainda mais cegos. Aqui Ele levantou a questão com Seus discípulos sobre Quem Ele era. As pessoas arriscaram palpites diferentes, mas todos imaginaram que Ele fosse algum antigo profeta revivido, apenas um homem, e ninguém tinha interesse suficiente para realmente descobrir.

Então Jesus desafiou Seus discípulos. Pedro se tornou o porta-voz e respondeu confessando Sua messianidade, mas isso só produziu uma resposta que provavelmente os surpreendeu muito, e pode nos surpreender ao a lermos hoje. Ele os admoestou a ficarem em silêncio a respeito de Seu messianismo e começou a ensiná-los quanto à Sua rejeição, morte e ressurreição que se aproximavam. Qualquer testemunho que tenha sido prestado a Ele como o Messias na Terra foi agora formalmente retirado. A partir deste ponto, Ele aceitou Sua morte como inevitável e começou a mudar os pensamentos de Seus discípulos para o que estava por vir como resultado da Sua rejeição. Este foi o progresso ordenado das coisas no lado humano; e não contradiz nem colide com o lado divino – que Ele sabia desde o princípio o que estava diante d’Ele.

Além disso, os discípulos ainda não estavam em condições de prestar mais testemunho, se fosse necessário. Pedro de fato teve alguma medida de visão espiritual, pois ele tinha acabado de confessá-Lo como o Cristo; ainda assim, a declaração de Sua rejeição e morte que se aproximava, levantou uma veemente reprovação deste mesmo homem. Nisso a mente de Pedro estava sendo influenciada por Satanás, e o Senhor repreendeu este espírito maligno que estava por trás das palavras de Pedro. A mente de Pedro estava voltada para as coisas “que são dos homens**”**_,_ e assim Ele respondeu muito apropriadamente ao homem de quem acabamos de ler, que via homens caminhando como árvores. Embora ele reconhecesse o Cristo em Jesus, Pedro ainda tinha homens diante dele, e nisso os outros discípulos não eram melhores do que ele. Então, como poderia ele sair como uma testemunha eficaz para o Cristo a Quem ele reconhecia? Não é de admirar, afinal de contas, que neste momento Ele tenha advertido Seus discípulos de que eles não deveriam contar a nenhum homem sobre Ele.

Podemos fazer uma pausa aqui, para cada um de nós encarar o fato de que não podemos efetivamente sair em testemunho a menos que realmente conheçamos aqu’Ele de Quem testificamos, e também conhecer e entender a situação que existe, em face da qual o testemunho deva ser prestado.

Nos versículos finais de nosso capítulo, o Senhor começa a instruir Seus discípulos na presença do povo quanto às consequências que se seguiriam à Sua rejeição e morte. Eles imaginaram estar seguindo um Messias que deveria ser recebido e glorificado na Terra; e o fato era que Ele estava prestes a morrer e ressuscitar e ser, quanto ao presente, glorificado no céu. Isso implicou uma imensa mudança em suas perspectivas exteriores. Significava negar a si mesmo, tomar a cruz, perder a vida neste mundo, suportar a vergonha identificada com Cristo e Suas palavras, no meio de uma geração má.

A força de “negue-se a si mesmo” dificilmente é expressa por “abnegação própria”, que é a negação de algo. O que o Senhor fala aqui não é isso, mas a negação, ou a declaração do “não”, para si mesmo. Além disso, “tome sua cruz” não significa suportar provações e problemas apenas. O homem que naqueles dias tomava sua cruz estava sendo levado à execução. Era um homem que tinha que aceitar a morte nas mãos do mundo. Dizer “não” a si mesmo é aceitar a morte internamente, no seu próprio espírito: tomar a sua cruz é aceitar a morte externamente nas mãos do mundo. É isso que o discipulado deve significar, já que seguimos o Cristo que morreu rejeitado pelo mundo.

Este pensamento é expandido nos versículos 35-37. O verdadeiro discípulo de Cristo não está aspirando ganhar o mundo inteiro; ele está mais preparado para perder o mundo e sua própria vida, por causa do Senhor e de Seu evangelho. O Servo perfeito, a Quem Marcos descreve, deu a vida para que houvesse um evangelho para ser pregado. Aqueles que O seguem e são Seus servos devem estar preparados para dar sua vida pregando o evangelho. Se eles se vergonhassem d’Ele agora, Ele Se envergonharia deles no dia da Sua glória.

MARCOS 9

Essas palavras devem ter chegado aos discípulos, se realmente perceberam o significado delas, como um grande golpe. Por isso, o Senhor, em Sua terna consideração por eles, passou a dar-lhes uma certeza muito ampla quanto à realidade da glória que está por vir. Eles esperavam que o reino de Deus viesse com poder e glória enquanto estivessem ainda vivos, e sendo afastada essa ilusão, eles poderiam facilmente concluir que isso não aconteceria de forma alguma. Daí os três discípulos, que pareciam ser líderes entre eles, foram levados para o alto monte para que pudessem ser testemunhas de Sua transfiguração. Lá eles viram o reino de Deus vir com poder – não em sua plenitude, mas em forma de amostra. Eles receberam uma visão particular dele antecipadamente.

No primeiro capítulo de sua segunda Epístola, Pedro nos mostra o efeito que essa maravilhosa cena teve sobre si. Ele era uma testemunha ocular da majestade de Cristo, e assim sabia que Seu poder e a promessa de Sua vinda não eram uma “fábula engenhosamente inventada” (ARA), mas um fato glorioso, e assim a palavra profética foi tornada “mais segura” (TB), ou “mais confirmada” (ARA). Ele sabia, e podemos saber, que nem um jota3 ou um til4, do que foi predito a respeito da glória do reino vindouro de Cristo, falhará.

A cena da transfiguração em si mesma era uma profecia. Cristo é para ser o resplandecente centro da glória do reino, como foi no topo do monte. Os santos estarão com Ele em condições celestiais, assim como Moisés e Elias estiveram: alguns deles sepultados e chamados por Deus, como Moisés; alguns arrebatados para o céu sem morrer, como Elias. No reino também haverá santos na Terra abaixo, desfrutando de bem-aventurança terrena à luz da glória celestial, assim como os três discípulos estavam conscientes da bem-aventurança durante a breve visão. Aconteceu “seis dias depois”, e apenas seis estavam presentes, então tudo estava em uma escala pequena e incompleta; ainda assim, o essencial estava lá.

Pedro, pronto para falar como sempre, deixou escapar o que pretendia ser um elogio, mas que na realidade era totalmente contrário. A cena da glória não poderia então ser prolongada sobre a Terra, nem poderia o Cristo – nem mesmo Moisés e Elias – ser confinado aos tabernáculos terrenos. Mas mais grave do que esse erro foi o pensamento de que Jesus era apenas o principal entre os maiores homens. Ele não é o principal entre os grandes, mas “o Amado Filho” do Pai, perfeitamente único, incomensuravelmente além de qualquer comparação. Nenhum outro pode ser mencionado no mesmo fôlego com ele. Ele fica sozinho. Isso a voz do Pai declarou, acrescentando que Ele é aqu’Ele que deve ser ouvido.

A voz do Pai foi ouvida muito raramente pelos homens. Ele falou no batismo de Cristo e agora novamente em Sua transfiguração, desta vez acrescentando: “a Ele ouvi”. Desde então Sua voz nunca mais foi ouvida pelos homens de maneira audível. O Filho é o porta-voz da Divindade, e é a Ele que temos de ouvir. Deus uma vez falou por meio dos profetas, Moisés e Elias: Ele agora falou na Pessoa de Seu amado Filho. Isso exclui Pedro, assim como Moisés e Elias, o que é significativo quando nos lembramos do que o sistema romano faz de Pedro e de sua suposta autoridade. Neste incidente, Pedro mostrou novamente que ainda era como o homem cujos olhos estavam fora de foco, de modo que ele via homens andando como árvores.

Tão logo a voz do Pai exaltou Seu amado Filho, toda a visão se foi, e somente Jesus ficou com os três discípulos. Os santos desaparecem, mas Jesus permanece. As palavras “ninguém mais viram, senão só Jesus” são muito significativas. Se algum de nós se aproximar disso em nossa experiência espiritual, não seremos mais como um homem que vê os homens como árvores que andam, mas seremos como o homem após o segundo toque, vendo todas as coisas claramente. Jesus vai preencher a cena no que nos diz respeito, e o homem será eclipsado.

Tudo isso foi dado a conhecer aos discípulos, como mostra o versículo 9, em vista do tempo em que Sua morte e ressurreição deveriam ser cumpridas. Só então eles realmente entenderiam tudo, iluminados pelo Espírito Santo, e seriam capazes de usá-lo efetivamente no testemunho. Naquele momento, eles nem sequer entenderam o que ressuscitar de entre os mortos realmente significava, como mostra o versículo seguinte. A ressurreição dos mortos não os teria intrigado de alguma maneira especial: era esse “do meio dos” ou “de entre os” mortos – que aconteceu primeiro com Cristo – que levantava tais questões. A primeira ressurreição dos santos, a ressurreição da vida, é da mesma ordem. Não existem muitos, nomeando-se Cristãos, que estão cheios de perguntas a respeito disso hoje?

A pergunta dos discípulos quanto a Elias e sua vinda predita foi naturalmente levantada em suas mentes pela cena da transfiguração. O Senhor usou isso novamente para direcionar seus pensamentos para a Sua morte. Em relação a este primeiro advento, a parte de Elias havia sido desempenhada por João Batista; e seu homicídio era um presságio do que aconteceria com aqu’Ele Maior, de Quem ele foi o precursor.

A cena no alto monte logo chegou ao fim, mas não as cenas do pecado humano, miséria e sofrimento que enchiam as planícies abaixo. Das alturas às profundezas, eles tinham que vir, para encontrar o resto dos discípulos derrotados e ansiosos na ausência de seu Mestre. Ao aparecer, imediatamente as multidões ficaram surpresas, e todos os olhares se voltaram dos distraídos discípulos para o calmo e todo-suficiente Mestre. Um momento antes, os escribas estiveram interpelando os discípulos, agora Ele questiona os escribas, convida o pai perturbado à confiança e manifesta Sua suficiência.

Feliz é o santo que é capaz de trazer algo da graça e poder de Cristo para este mundo conturbado! Mas, mesmo assim, teremos que esperar por Sua vinda e reino para ver plenamente realizado o que esta cena antecipa. Só então Ele transformará o mundo todo, e a derrota e inquietação do Seu povo provado e desatento pela aflição se tornará na calma de Sua presença e em uma completa e manifestada vitória.

Houve uma manifestação singular da glória de Deus na cena pacífica no topo do monte, enquanto no seu sopé o poder tenebroso de Satanás havia sido exibido, com toda a distração que ele traz. O menino possesso de demônio, o pai decepcionado e perturbado, os discípulos derrotados e abatidos, os escribas dispostos a tirar proveito do incidente. O Senhor entra no meio e tudo muda.

Em primeiro lugar, Ele coloca o Seu dedo sobre o ponto onde estava a raiz do fracasso. Eles eram uma geração incrédula. A raiz era incredulidade. Isso se aplicava a Seus discípulos, assim como ao resto. Se a fé deles tivesse se apoderado plenamente de Quem Ele era, eles não teriam ficado mais perplexos com essa prova do que quando confrontados com a questão de alimentar as multidões. Eles ainda eram como o homem do capítulo 8, antes de ele ver todas as coisas claramente.

Mas agora o próprio Mestre está no meio, e a palavra é: “Trazei-Mo”. No entanto, o primeiro resultado do menino ser trazido foi decepcionante, pois o demônio o lançou numa condição terrível. No entanto, isso foi feito para servir ao propósito do Senhor, pois, por um lado, tornava mais manifesta a situação terrível do menino no próprio momento anterior ao que foi libertado e, por outro, serviu para revelar os sentimentos e pensamentos do pai angustiado. Seu clamor: “Se Tu podes fazer alguma coisa, tem compaixão de nós, e ajuda-nos”, revelou sua falta de fé quanto ao Seu poder, enquanto ele não estava muito certo de Sua bondade.

A resposta de Jesus foi: “O ‘se Tu podes’ é se Tu podes acreditar” (JND). Isto é, Ele na verdade disse: “Não há ‘se’ da Minha parte, o único ‘se’ que entra nesta questão é da sua parte. Não é ‘se Eu posso fazer alguma coisa’, mas ‘se você pode acreditar’. Isso colocou a coisa toda na verdadeira luz, e num piscar de olhos, o homem a viu. Vendo isso, ele creu, enquanto confessava sua velha incredulidade.

Tendo evocado a fé no homem, o Senhor agiu. O objeto diante d’Ele não era criar uma sensação entre o povo; Se fosse, Ele teria esperado a multidão se reunir. Seu objetivo era evidentemente confirmar a fé do pai e de qualquer outro que tivesse olhos para ver. O demônio tinha que obedecer, embora ele tenha feito o pior antes de abandonar sua vítima. Esta disputa de poder demoníaco, afinal, apenas deu uma oportunidade para uma demonstração mais completa do poder divino. Não só o menino foi completamente libertado, mas também foi libertado para sempre, pois ao demônio foi ordenado a não mais entrar nele.

Tendo assim manifestado o poder e bondade de Deus, o perfeito Servo não cortejou popularidade entre as multidões, mas retirou-Se para uma determinada casa. Lá, Seus discípulos, em quietude, O indagaram sobre o motivo de terem fracassado e obtiveram Sua resposta. Deveríamos frequentemente fazer essa pergunta, pois nos vemos fracos na presença do inimigo; e, ao fazê-lo, sem dúvida receberemos exatamente a resposta que receberam, conforme registrado no versículo 29. O Senhor já havia declarado como a incredulidade estava na raiz da impotência deles: agora Ele especifica duas outras coisas. Não só a fé é necessária, mas também a oração e o jejum.

A fé indica um espírito de confiança em Deus: oração indica dependência de Deus: jejum indica separação para Deus, na forma de abstinência de coisas lícitas. Estas são as coisas que levam ao poder no serviço a Deus. Seus opostos – incredulidade, confiança própria, indulgência própria – são as coisas que levam à fraqueza e ao fracasso. Estas palavras do nosso Senhor se dirigem como um holofote sobre os nossos muitos fracassos em servi-Lo. Vamos considerar nossos caminhos à luz delas.

Nos versículos 30 e 31, novamente vemos o Senhor Se retirando do público e instruindo Seus discípulos quanto à Sua morte e ressurreição que se aproximavam. Vimos isso nos versículos 30 e 31 do capítulo anterior.

Isso era o próximo grande evento no programa Divino, e Ele agora começou a estabelecê-lo firmemente diante das mentes de Seus discípulos, embora no momento, eles não conseguissem entender o pensamento. Suas mentes ainda estavam cheias de expectativas da vinda de um reino visível, então eles foram incapazes de acolher qualquer ideia que fosse contrária a isso.

A ideia de que o reino de Cristo se manifestaria imediatamente atraía a eles, pois esperavam ter uma grande posição de honra nele. Eles conceberam isso de uma maneira carnal e despertaram desejos carnais no coração deles. Por isso, na viagem a Cafarnaum, começaram a discutir quem seria o maior deles. A pergunta do Senhor foi suficiente para convencê-los de sua loucura, como foi evidenciado por seu silêncio desconcertante; todavia Ele sabia tudo, pois procedeu a respondê-la, embora não fizessem nenhuma confissão.

Sua resposta parece ser dupla. Primeiro, o único caminho que leva à verdadeira grandeza é aquele que nos leva abaixo, como servo de todos. Sendo assim, podemos ver como o Senhor Jesus é preeminente, mesmo à parte de Sua Deidade. Em Sua Humanidade Ele tomou o lugar mais baixo, e Se tornou Servo de todos de um modo que está infinitamente além do serviço de todos os outros. Aquele mais parecido com Ele provavelmente será o primeiro.

Em segundo lugar, Ele mostrou que a personalidade do servo é de pouca importância: o que conta é o Nome no qual ele se apresenta. Temos aquela maravilhosa e tocante cena em que Ele primeiramente colocou uma criança pequena no meio deles, e então a tomou em Seus braços, a fim de reforçar o Seu ponto. Aquela criança era um insignificante fragmento da humanidade, mas receber um deles em Seu Nome era receber o próprio Senhor e também o Pai que O enviou. A recepção de mil desses em qualquer outro nome ou em qualquer outro fundamento significaria pouco. O fato é que o próprio Mestre é tão supremamente grande que a posição relativa de Seus pequenos servos não vale a pena discutir.

Esse ensinamento parece ter surgido como um esclarecimento para João, que sentiu sua consciência incomodá-lo quanto a sua atitude em relação a um homem zeloso que agia em Seu Nome, embora não seguisse os doze. Porque ele não seguiu, não nos é dito; mas devemos lembrar de que não era permitido a ninguém se ligar aos doze como bem escolhessem: a escolha do próprio Senhor decidiu esse assunto. O que quer que fosse, a resposta do Senhor colocou novamente toda a ênfase no valor de Seu Nome. Agindo em Seu Nome, o homem era claramente por Cristo e não contra Ele.

De fato, esse indivíduo não oficial estava fazendo exatamente aquilo em que os discípulos tinham acabado de falhar – ele havia expulsado um demônio. Ofício é uma coisa: poder é outra bem diferente. Elas devem andar juntas, na medida em que o ofício é instituído no Cristianismo. Mas com muita frequência não aconteceu assim. E nestes últimos dias, quando ofícios são instituídos sem qualquer base escritural, mais e mais vezes vemos pessoas simples e informais sendo encarregadas de desempenhar aquilo que não têm poder para fazer. O poder está no Nome e não no ofício.

Versículo 41 mostra que a mínima dádiva em Nome e pela causa de Cristo, é de valor aos olhos de Deus e encontrará uma recompensa em Suas mãos. O versículo 42 nos dá o oposto disso: ser um tropeço para o mais fraco dos que são de Cristo é ser merecedor e obter julgamento severo. A perda da vida neste mundo é uma coisa pequena comparada com sua perda no mundo por vir.

Isso leva à passagem muito solene com a qual este capítulo se encerra. Alguns de Seus ouvintes poderiam ter considerado a palavra do Senhor sobre a pedra de moinho ao pescoço um pouco extrema. Ele acrescenta palavras ainda mais fortes, que têm o fogo do inferno em vista. Seus pensamentos neste ponto evidentemente se estenderam além de Seus discípulos, para os homens em geral, e Ele mostra que qualquer perda neste mundo é muito pequena comparada com a perda de tudo, que é a vida no mundo vindouro, e ser lançado no fogo da Geena5. Mãos, pés e olhos são membros muito valiosos de nosso corpo, e não serão naturalmente enjeitados; mas a vida na era vindoura está além de todo o preço, e o fogo do inferno, uma terrível realidade.

O Vale de Hinom6, o depósito de lixo fora de Jerusalém, onde o fogo sempre queimava e os gusanos7 continuamente faziam seu trabalho, era conhecido como Geena; e essa palavra nos lábios do Senhor tornou-se uma figura terrivelmente apropriada da morada dos perdidos. Em verdade, o inferno será o grande monte de refugo da eternidade, onde tudo o que é incorrigivelmente mau será segregado do bem e permanecerá para sempre sob o julgamento de Deus. Este fato terrível chega a nós pelos lábios daqu’Ele que amava os homens pecadores e chorou por eles.

A primeira declaração do versículo 49 surgiu do que o Senhor acabara de dizer. O fogo examina, consome e desinfeta. O sal não só tempera, mas preserva. O fogo simboliza o julgamento de Deus, que todos devem enfrentar de uma maneira ou de outra. O crente deve enfrentá-lo da maneira indicada por 1 Coríntios 3:13, e com isso será “salgado”, pois significará a preservação de tudo o que é bom. O ímpio será pessoalmente submetido ao fogo, e este o salgará; ou seja, ele será preservado nele ao invés de ser destruído por ele.

A última parte do versículo é uma alusão a Levítico 2:13. O sal foi descrito como um símbolo do “poder da santa graça, que liga a alma a Deus e interiormente a preserva do mal”. Não podemos apresentar o nosso corpo como um sacrifício vivo a Deus se essa graça santa estiver ausente. É realmente boa, e nada compensaria sua ausência. Devemos ter em nós mesmos essa santa graça que nos julgaria e separaria de tudo o que é mal. Se cada um estiver preocupado em ter sal em si mesmo, não haverá dificuldade em ter paz _entre nós.
_

MARCOS 10

A abertura deste capítulo nos aproxima das cenas finais da vida do Senhor. Ele estava do outro lado do Jordão, mas perto das fronteiras da Judéia, e os fariseus apareceram, opondo-se a Ele, tentando-O. Ao levantar questões quanto ao casamento e ao divórcio, esperavam envolvê-Lo em alguma contradição das coisas que Moisés havia ordenado, e assim encontrar um ponto de ataque. O Senhor não contradisse Moisés, mas retornou para além dele, ao pensamento original de Deus na criação do homem e da mulher. Os fariseus eram grandes defensores da lei de Moisés, mas Ele lhes mostrou que, neste caso, a lei não expressava o pensamento original de Deus. É importante perceber isso, pois nos fornece uma razão pela qual a lei não se torna a regra de vida para o Cristão.

A lei desceu abaixo da altura do pensamento de Deus, mas Cristo não: Ele o manteve totalmente. O versículo 9 eleva toda a questão do casamento desde o nível do homem e da conveniência humana até o nível de Deus e Sua ação. É uma instituição divina e não um arranjo humano e, portanto, não deve ser adulterado pelos homens. Se Deus une, não o separe o homem.

Este versículo afirma um grande princípio que é universalmente verdadeiro. O inverso também é verdadeiro – o homem não deve unir o que Deus separou. É um fato triste que desde que o pecado entrou, o homem tem sido consumido com o desejo de desfazer o que Deus fez. É assim nas coisas naturais, e muitos dos males que sofremos vêm da nossa adulteração das coisas dadas por Deus, mesmo em questões de comida, etc., e geralmente perturbando o equilíbrio das coisas que Ele estabeleceu. Certamente é assim nas coisas espirituais. Muitas dificuldades e muitos problemas desnecessários da alma nascem do mau entendimento quanto às coisas que Deus juntou em Sua Palavra, ou coisas que Ele separou.

Tendo estabelecido o casamento diante deles na luz correta, o Senhor trata, nos versículos 13 a 16, com as crianças. Quanto a estas, os discípulos compartilham os pensamentos comuns do mundo, que estão muito abaixo dos pensamentos de Deus. Os discípulos julgaram que elas eram demasiado insignificantes para a atenção do Mestre, mas Ele pensava de outra forma. Ele as recebeu com alegria, tomou-as em Seus braços, colocou as mãos sobre elas e as abençoou. Ele também mostrou que a única maneira de entrar no reino de Deus é ter o espírito e a mente de uma pequena criança. Se alguém se aproxima desse reino como alguém significante, ele encontra a entrada bloqueada. Se ele vier como um insignificante ninguém, ele poderá entrar.

Então, nos versículos 17-27, recebemos o ensinamento do Senhor em relação às possessões. É impressionante como casamento, filhos e posses se sucedem neste capítulo, pois muito de nossa vida neste mundo está ocupado com essas três coisas. Todas as três estão pervertidas e são mal-usadas nas mãos de homens pecadores; e todas as três são colocadas na posição correta nos ensinamentos de nosso Senhor.

Aquele que veio correndo para Jesus exibiu muitos aspectos louváveis. Mateus nos diz que ele era jovem e Lucas que ele era um príncipe. Ele era sincero e reverente e reconhecia n’Ele um grande Rabi8, que podia dirigir os homens para a vida eterna. Ele tomou como certo que a vida deveria ser obtida por ações humanas, de acordo com a lei. Evidentemente ele não tinha ideia da Divindade de Jesus e, portanto, temos as palavras do Senhor no versículo 18. Ele repudiou a bondade à parte de ser Ele Deus, ao dizer, de fato: “Se Eu não Sou Deus, não Sou bom”.

Quando o jovem fez sua pergunta com a lei em mente, o Senhor o remeteu à lei, particularmente aos mandamentos relacionados ao dever do homem para com o próximo. Ele poderia alegar ter observado esses mandamentos, pelo menos no que diz respeito a seus atos, e Jesus, olhando para ele, o amou. Isso mostra que sua alegação, de corretamente observar essas coisas que a lei impunha, era verdadeira. Ele tinha um caráter excepcionalmente bom, com características que em si eram prazerosas a Deus. O Senhor não menosprezou essas amáveis características. Ele as admitiu e olhou para ele com um olhar amoroso.

Ainda assim, Ele o provou. Uma coisa ele não tinha, e isso era a fé dada por Deus, que teria tomado posse de Quem era Jesus, e o levaria a tomar a cruz e segui-Lo; a fé que teria preferido o tesouro no céu ao tesouro na Terra. Ele esperava que o Senhor o direcionasse a alguma obra da lei pela qual a vida deveria ser alcançada; em vez disso, ele foi direcionado a uma obra de fé. Entristecido em seu coração, ele foi embora. Ele não possuía fé; então era impossível para ele mostrar sua fé por suas obras. A mesma prova nos vem. Como respondemos a isso?

Esta é uma questão tremenda. Quão lentos todos nós somos para desistir da lei em favor de Cristo e da Terra em favor do o céu! Não é de se admirar que o Senhor fale da dificuldade com que os ricos entram no reino. O versículo 23 fala daqueles “que têm riquezas”, e versículo 24 daqueles “que confiam nas riquezas”. O fato é que, é claro, é muito difícil ter riquezas sem confiar nelas. Naturalmente nos apegamos às riquezas e à Terra. Cristo oferece a cruz e o céu.

Os discípulos, acostumados a considerar as riquezas como um sinal do favor de Deus, ficaram muito surpresos com essas palavras; eles sentiram que elas completamente lhes tiraram o chão debaixo de seus pés. De fato, elas fazem isso. “Quem poderá, pois, salvar-se?” é uma significativa questão. O versículo 27 dá a resposta definitiva. A salvação é impossível por meio dos homens, embora seja possível por meio de Deus. Em outras palavras, era como se o Senhor dissesse: “Se for uma questão do que o homem pode fazer, ninguém pode ser salvo; mas se for uma questão sobre o que Deus pode fazer, qualquer um pode ser salvo”.

Enfatizamos essa palavra. Salvação conseguida pelos homens não é improvável, mas IMPOSSÍVEL. A porta, no que diz respeito aos nossos próprios esforços, está trancada para nós. Deus abriu outra porta, porém, é pela morte e ressurreição, para a qual o Senhor agora estava dirigindo os pensamentos de Seus discípulos.

Embora a morte e ressurreição estivesse diante da mente do Senhor, glória terrena ainda estava diante da mente de Pedro, e ele demonstrou isso por sua observação registrada no versículo 28. Ele se referia, certamente, para a prova que o Senhor tinha acabado de apresentar ao príncipe jovem e rico. Pedro achava que, embora o príncipe tivesse falhado diante da prova, ele e seus companheiros no discipulado não falhariam; na verdade, ele realmente acrescenta, como Mateus registra: “que recompensa, pois, teremos nós?” (Mt 29:27 – AIBB). Sua mente, investigativa e impetuosa, desejava antecipar as boas coisas que viriam. A resposta do Senhor indicava que na época atual deveria haver um grande ganho, embora com perseguições e, na era vindoura, a vida eterna.

Esta declaração de nosso Senhor é ilustrada pela vida de serviço de Paulo, como visto em Escrituras como Atos 16:15, 18:3, 21:8; Romanos 16:3-4, 23; 1 Coríntios 16:17; Filipenses 4:18; Filemon 22. Casas estavam à sua disposição em muitas cidades, e muitos consideravam uma honra cumprir a parte de irmão, irmã, mãe ou filho em relação a ele. As perseguições certamente pertenciam a ele. A vida eterna no mundo vindouro estavam diante dele. Tal é a porção daqueles que seguem e servem este perfeito Servo de Deus.

O versículo 31 foi evidentemente proclamado como um aviso e uma correção para Pedro. O ímpeto aqui pode não significar o primeiro lugar lá. Tudo depende do motivo por trás do serviço. Se Pedro quisesse fazer uma barganha – seguir tanto para receber tanto – isso por si só se mostraria um motivo incorreto. Ainda assim, não diz que todos os que são os primeiros, serão os últimos e que todos os últimos serão os primeiros. Paulo foi à frente de todos em seu dia, e quem pode desafiar a pureza de seu motivo, ou a realidade de sua devoção ao seu Senhor?

A coisa que Pedro e o resto mais precisavam era perceber e entender a morte e ressurreição do seu Mestre que se aproximava rapidamente. Não há nada que nós, hoje, dezenove séculos após o evento, mais profundamente precisamos perceber e entender. Não é apenas a base de toda a nossa bênção, mas transmite o seu próprio caráter para toda a vida e serviço Cristãos. Nenhum serviço inteligente pode ser prestado, exceto à luz disso.

Os versículos 32 a 34 nos dão a quarta ocasião em que o Senhor instruiu Seus discípulos a esse respeito; e o pedido de Tiago e João, registrado no versículo 37, forneceu ao Senhor uma quinta ocasião. A mente deles ainda estava cheia de expectativas relativas a um reino glorioso na Terra, e eles desejavam promover seus próprios interesses naquele reino. Agora o Senhor Jesus estava aqui como o perfeito Servo da vontade de Deus, e isto significava para Ele o cálice do sofrimento e o batismo da morte. Posições de honra no reino vindouro serão concedidas para aqueles que serviram este maravilhoso Servo, de acordo com a medida que aceitaram o sofrimento e a morte em Seu nome. Ainda assim, Ele não designa essas posições de distinção. Tudo isso fica a critério do Pai, pois Ele permanece fiel ao lugar de Servo que Ele tomou. A não ser que permaneçamos fiéis à posição em que fomos colocados – o lugar de identificação com nosso Senhor rejeitado – não podemos esperar nenhum lugar de reconhecimento especial na glória do reino.

Essa descarada caça por posição por parte de Tiago e João pode nos inclinar a culpá-los acima de todos os outros, se não fosse pelo versículo 41, que mostra que os mesmos desejos egoístas eram cogitados por todos, e que se opuseram, não por causa do pedido que os dois haviam feito, mas porque haviam sido postos para trás pela maneira como os dois agiram. O aborrecimento deles, porém, só deu mais ocasião para a manifestação da graça perfeita do Senhor deles.

Quão fácil era, e é, que os discípulos de Jesus aceitem e adotem os padrões e costumes do mundo em sua volta, para supor que, porque todos parecem estar fazendo algo, então essa é a coisa certa a se fazer. Repetidamente o Senhor nos diria: “Mas entre vós não será assim”. As nações têm seus grandes homens, que exercem sua autoridade de um modo arrogante. Entre os discípulos do Senhor, a grandeza se manifesta de uma maneira completamente diferente. Entre eles a verdadeira grandeza é manifestada ao se tomar a humilde posição de servir aos outros – servindo ao Senhor ao servir a outros.

O Filho do Homem é o brilhante exemplo de serviço deste tipo. Quem era tão grande como Ele em Seu estado original? Então “milhares de milhares O serviam” (Dn 7:10). Quem tomou um lugar tão humilde, ministrando aos outros? Quem prestou serviço a tal ponto de “dar a Sua vida em resgate de muitos”? Somente por essa razão, além de outras considerações, o lugar de preeminência deve ser d’Ele. Aqueles que O seguem mais de perto no serviço humilde neste dia, serão os mais importantes naquele dia.

No versículo 45, o Senhor não apenas traz a morte diante de Seus discípulos pela quinta vez, mas explica seu significado. Anteriormente, Ele havia evidenciado o fato de Sua morte, para que as mentes dos discípulos não mais estivessem obcecadas pelas expectativas de um reino visível chegando. Agora o significado do fato aparece. Ele iria morrer para pagar o preço do resgate de muitos. Aqui, então, vinda de Seus próprios lábios, temos uma afirmação clara quanto ao caráter substitutivo e expiatório de Sua morte. É por “muitos”, pois o ponto aqui é o efeito verdadeiro e percebido de Sua morte redentora. Em 1 Timóteo 2:6, onde a abrangência e o alcance dela estão em questão, a palavra é “todos”.

Esses tratamentos com os Seus discípulos aconteceram “no caminho subindo para Jerusalém” (v. 32). No versículo 46 eles chegam a Jericó, e as cenas finais de Sua vida começam. Bartimeu, o mendigo cego, forneceu-lhe uma notável oportunidade de manifestar a misericórdia de Deus. Misericórdia era o que o cego ansiava, embora o povo, que não entendia a misericórdia divina, o tivesse silenciado. No entanto, ele conseguiu misericórdia, e isso foi além de seus pensamentos, pois não só lhe deu a visão, mas o alistou como um seguidor daqu’Ele que lhe estendeu a misericórdia. A fé de Bartimeu foi mostrada ao se dirigir a Jesus como o Filho de Davi, embora outros falassem d’Ele apenas como Jesus, o Nazareno. Sua fé pode ter sido apenas uma pequena fé, pois não chegou ao apogeu de chamá-Lo de Filho de Deus; mas pouca fé recebe uma resposta abundante, tanto quanto, certamente, recebe a grande fé. Sejamos gratos por isso.

MARCOS 11

Jesus agora Se aproximou de Jerusalém. Seus discípulos estavam em Sua comitiva, não apenas aqueles que haviam passado três anos na companhia d’Ele, mas também Bartimeu, que havia passado talvez três horas. Betânia era o lar de alguns que O amavam, e lá Ele encontrou o jumentinho, para que pudesse entrar na cidade como Zacarias havia predito. O Senhor tinha necessidade daquele jumentinho, e Ele sabia quem era o proprietário e que Sua necessidade encontraria uma resposta pronta. Ele era o Servo da vontade de Deus, e Ele sabia onde colocar Sua mão sobre tudo o que era necessário para cumprir o Seu serviço, quer seja o jumento deste capítulo, ou o aposento em Marcos 14, ou como em outras ocasiões.

Ele entrou como o profeta disse que Ele entraria “justo”, “humilde” e “trazendo a salvação” (AIBB). Houve uma irrupção de entusiasmo transitório, mas os homens não tinham desejo permanente pelo que era justo, e a santidade não os atraía. Além disso, a salvação que desejavam era de um tipo meramente exterior: eles ficariam felizes em se libertar da tirania de Roma, mas não tinham desejo de ser libertados da escravidão do pecado. Suas hosanas9 tinham em vista o reino de Davi o qual esperavam que estivesse chegando e, portanto, seus clamores logo se desvaneceram. O Senhor dirigiu-Se diretamente ao coração das coisas ao entrar no templo. Quanto às relações de Israel com o seu Deus, este era o centro de todos; e aqui seu estado religioso era mais manifesto. Tudo veio sob Sua vista, porque Ele olhou para “tudo em redor”.

O incidente sobre a figueira aconteceu na manhã seguinte. A figueira é simbólica de Israel, e mais particularmente do remanescente da nação que havia sido restaurado à terra de seus pais e entre os quais Cristo havia vindo. Lucas 13:6-9 mostra isso. Toda a nação havia sido a vinha do Senhor, e o remanescente restaurado era como uma figueira plantada naquela vinha. Tendo o Rei entrado, de acordo com a palavra profética, o supremo momento de prova havia chegado. Não havia nada além de folhas. Embora não fosse a época dos figos, deveria haver muitos figos imaturos – a promessa de futura fecundidade. A figueira era inútil e para sempre não deveria produzir fruto.

Depois disso, nos versículos 15-19, temos a ação do Senhor na purificação do templo. O pensamento de Deus em estabelecer Sua casa em Jerusalém era para que pudesse ser um lugar de oração para todas as nações. Se algum homem, sem importar a que raça pertencesse, estivesse procurando por Deus, poderia ir a essa casa e entrar em contato com Ele. Os judeus a haviam transformado em um covil de ladrões. Este foi o espetáculo aterrador que encontrou Seu santo olhar quando inspecionou a casa na noite anterior.

Os judeus, sem dúvida, teriam se provido de boas razões para permitir essas abominações. Não precisaram os estrangeiros trocar suas variadas moedas? Não eram os pombos uma necessidade para os mais pobres que não podiam pagar sacrifícios maiores? Mas tudo isso havia sido rebaixado a um interesse de se fazer dinheiro. O homem que vinha de longe buscando a Deus poderia facilmente ficar revoltado quando chegasse à casa pela desonestidade daqueles que estavam ligados a ela. Um terrível estado de coisas! Os guardiões da casa eram um bando de ladrões, e o Senhor lhes disse isso. Isso despertou a fúria nos escribas e sacerdotes, e determinaram Sua morte.

Males semelhantes a esses têm sido há muito tempo manifestados na Cristandade. Isso é uma coisa terrível de se dizer, mas a verdade exige que isso seja dito. Mais uma vez, a religião se transformou em uma preocupação de se fazer dinheiro, tanto que aquele que queria buscar a Deus ficava muitas vezes revoltado. Isso pode ser visto em suas formas mais extravagantes no grande sistema católico romano, mas pode ser vista aqui de uma maneira modificada. É o erro de Balaão, e muitos correm atrás dele “movidos de ganância”, como nos diz Judas 11 (ARA). Vigiemos para que cuidadosamente o evitemos. A casa de Deus na Terra hoje é formada de santos – não pedras mortas, mas de “pedras vivas” – mas temos que aprender como devemos nos comportar nela, e a primeira carta de Paulo a Timóteo nos dá as instruções necessárias. Nessa carta palavras como estas são preeminentes: “Não avarento”, “Não cobiçoso de torpe ganância”, “privados da verdade, supondo que a piedade seja causa de ganhomas é grande ganho a piedade com contentamento” Se palavras como estas nos governam, seremos preservados desta armadilha.

Chegando à cidade na manhã seguinte, a figueira, à qual o Senhor havia falado, foi vista estando seca desde as raízes. A maldição que caíra sobre ela agiu de uma maneira contrária à natureza, que teria sido de cima para baixo. Este fato proclamou ser um ato de Deus, e Pedro foi tocado, e prestou atenção a isso, convidando assim o Senhor a comentar a ocorrência. Sua manifestação parece ser dupla, já que a palavra “Porque” (ARC, ARF, ARA, KJV), que inicia o versículo 23, parece ser de autoridade duvidosa.

A primeira coisa é: “Tende fé em Deus”. A tendência deles era ter fé nas coisas visíveis, no sistema mosaico, no templo, em si mesmos como um povo, ou em seus sacerdotes e líderes. Temos exatamente a mesma tendência, e podemos facilmente atribuir nossa fé a sistemas, movimentos ou líderes talentosos. Então, precisamos aprender justamente a mesma lição, que é que todas essas coisas falham, mas que Deus permanece. Ele é fiel e permanece como o Objeto da fé quando uma maldição cai sobre nossa querida pequena figueira. Literalmente a palavra é: “Tenha a fé de Deus”, é como se o Senhor nos dissesse: “Agarre-se à fidelidade de Deus, não importa o que venha a murchar e desaparecer”.

Mas isso levou à palavra adicional sobre a oração, na qual a ênfase é novamente colocada sobre a fé. “Qualquer que dissere não duvidar em seu coração, mas crertudo o que disser lhe será feito”. O qualquer e o tudo o que faz disso uma declaração muito abrangente; tão extensa como quase tirando o fôlego. Mas está relacionada com a oração contemplada no versículo seguinte, onde temos: “Tudo o que pedirdescredee tê-lo-eis”. Em ambos os versículos tudo evidentemente depende do crer.

Ora a crença é fé, e fé não é apenas um produto humano, uma espécie de fantasia ou imaginação. No versículo 24, por exemplo, não é que, se ao menos eu puder imaginar que recebo meu pedido, então eu o recebo. Minhas orações de acordo com o versículo 24 e minhas palavras, de acordo com o versículo 23, devem ser o produto de fé genuína; e fé é a faculdade espiritual em mim que recebe a Palavra divina. Fé é o olho da alma, que recebe e aprecia a luz divina. Se a minha oração é baseada em fé inteligente, acreditarei que recebo, e realmente receberei a coisa desejada. E assim também com o que eu possa falar, como no versículo 23.

Casos que ilustram o versículo 23 podem ser citados do serviço missionário atual. Não poucas vezes, em terras pagãs, os servos do Senhor foram confrontados com tristes casos de possessão demoníaca desafiando o poder do evangelho. Com plena fé no poder do evangelho, eles tanto oraram como falaram. O que eles falaram aconteceu e o demônio teve que sair.

Os versículos 25 e 26 introduzem um fator adicional de qualificação. Fé nos coloca em relações corretas com Deus, mas nossas relações com nossos semelhantes também devem estar corretas, se quisermos orar e falar eficazmente. Como aqueles que são recipientes de misericórdia, que foram tão grandemente perdoados, devemos estar cheios do espírito de misericórdia e perdão. Se não, estaremos expostos ao governo de Deus.

Estando novamente em Jerusalém e caminhando no templo, os principais sacerdotes e outras autoridades vieram desafiar a autoridade pela qual Ele havia agido na purificação do templo no dia anterior. O Senhor lhes respondeu, pedindo-lhes que se pronunciassem sobre uma questão preliminar quanto à validade ou não do batismo e ministério de João. Eles exigiam as credenciais do grande Mestre, mas e sobre das credenciais do Seu humilde precursor? Haveria tempo suficiente para considerar o problema maior quando resolvessem o menor. Deixemo-los decidir quanto à autoridade de João.

Eles foram traídos pela forma como lidaram com esse assunto. Eles não pensaram em ter que decidir o mérito da questão; a única coisa que pesava com eles era a conveniência e, quanto a isso, foram presos nas garras dum dilema. A decisão de uma ou de outra maneira os colocaria em dificuldade. Eles eram astutos o suficiente para perceber isso e, portanto, decidiram alegar ignorância. Mas essa alegação foi fatal para sua exigência de que o Senhor apresentasse Suas credenciais ao exame minucioso deles. Eles proclamaram sua incompetência no assunto mais simples, e por isso não podiam demandar o mais difícil.

**“**Do céu ou dos homens?” essa era a questão quanto a João. É também a questão quanto ao próprio Senhor. Em nossos dias, podemos ir mais longe e dizer que é a questão quanto à Bíblia. João era apenas um homem, mas seu ministério era do céu. O Senhor Jesus estava verdadeiramente aqui por meio da Virgem, contudo Ele era do céu, e assim também Seu incomparável ministério. A Bíblia é um livro que nos foi dado pelos homens, mas não é dos homens, pois os que escreveram foram “inspirados pelo [sob o poder do – JND] Espírito Santo” (2 Pe 1:21).

Uma vez que tenhamos em nossa alma uma convicção divina de que tanto a Palavra Viva quanto a Palavra escrita são do céu, a autoridade delas estará bem estabelecida em nosso coração.

MARCOS 12

No final de Marcos 11, ouvimos os líderes dos judeus alegando ignorância. Eles não puderam dizer se o batismo de João era do céu ou dos homens, e muito menos poderiam entender a obra e o serviço do Senhor. Neste capítulo percebemos claramente demonstrado que Ele os conhecia e os entendia perfeitamente. Ele conhecia seus motivos, seus pensamentos e o objetivo para o qual eles estavam se dirigindo. Ele revelou Seu conhecimento deles em uma parábola impressionante.

O primeiro versículo fala de “parábolas”, e o evangelho de Mateus nos mostra que neste momento Ele pronunciou três. Marcos registra apenas a segunda das três – aquela que predisse o que esses líderes judeus iriam fazer e quais seriam os resultados para eles. Nesta parábola, os “lavradores” representavam os líderes responsáveis de Israel, e um resumo é fornecido da maneira pela qual, através dos séculos, eles rejeitaram todas as exigências de Deus.

Ao falar de uma vinha, o Senhor Jesus estava dando continuidade a uma figura que havia sido usada no Velho Testamento – Salmo 80, Isaías 5 e em outros lugares. No salmo, a videira é claramente identificada com Israel, e dela virá um “Ramo [sarmento – ARC] (v. 15 – KJV) que é, “o Filho do Homem que fortificaste para Ti” (v. 17). Em Isaías é muito claro que Deus não estava recebendo nada de Sua vinha, aquilo que Ele tinha o direito de esperar. Agora descobrimos que a história avançou bastante. O proprietário da vinha tinha feito a sua parte providenciando tudo o que era necessário e a responsabilidade quanto ao fruto estava com os lavradores a quem a vinha foi confiada. Eles falharam em sua responsabilidade e, em seguida, passaram a negar os direitos do proprietário e a maltratar seus representantes. Por último, foram provados pelo advento do filho do dono. Então os líderes de Israel haviam maltratado os profetas e matado alguns deles. E agora o Filho apareceu, que é o Ramo de Quem o salmo fala. Esta foi a prova suprema.

A posição do judeu, como estando sob a lei, é retratada nesta parábola. Consequentemente, a questão era se eles poderiam produzir aquilo que Deus exigia. Eles não o fizeram. Não só houve ausência de frutos, mas também houve a presença de ódio positivo contra Deus e contra aqueles que O representavam; e esse ódio atingiu seu clímax quando o Filho apareceu. Os líderes responsáveis foram movidos por inveja, e desejavam monopolizar a herança para si mesmos, e assim estavam preparados para matá-Lo. Um ou dois dias antes tinham determinado a Sua morte, como nos disse o versículo 18 do último capítulo. Agora o Senhor revela para eles que Ele conhecia seus maus pensamentos.

E Ele também mostrou a eles quais seriam as terríveis consequências para eles mesmos. Eles seriam destituídos e destruídos. Isso foi historicamente cumprido na destruição de Jerusalém e, sem dúvida, terá um cumprimento mais além e final nos últimos dias. Aqu’Ele que eles rejeitaram Se tornará a Cabeça dominante de tudo o que Deus está construindo para a eternidade. Quando essa previsão for cumprida, será de fato uma maravilha aos olhos de Israel.

A afirmação de que o senhor da vinha “dará a vinha a outros” é uma declaração do que vem mais plenamente à luz em João 15. Outros vão se tornar ramos na Videira verdadeira, e produzirão frutos: somente que eles não mais estarão sob a lei ao fazê-lo, nem serão selecionados dentre os judeus apenas. As palavras do Senhor eram um aviso de que Sua rejeição significaria que Deus os abandonaria, e que ajuntaria outras pessoas, até que finalmente aqu’Ele que eles rejeitaram dominaria tudo. Eles perceberam que a parábola pronunciava julgamento contra eles.

Não ousando, no momento, impor as mãos sobre Ele, iniciaram uma ofensiva verbal contra Ele, esforçando-se por pegá-Lo em Suas palavras. Primeiro vieram os fariseus em conjunto com os herodianos. Sua pergunta quanto ao dinheiro do tributo foi habilmente projetada para torná-Lo um transgressor de uma forma ou de outra – seja contra os sentimentos nacionais do judeu ou do romano. Sua resposta, no entanto, os reduziu a impotência. Ele os fez admitir sua servidão a César por um apelo à cunhagem da moeda. Seus lábios, não os d’Ele, pronunciaram que era a imagem de César. Então Ele não apenas deu a resposta à sua pergunta que era perfeitamente óbvia à luz do que haviam acabado de reconhecer, mas também a usou como uma introdução à questão muito mais importante quanto às reivindicações de Deus sobre eles. Não é de admirar eles se maravilharam com Ele.

Podemos notar como, no versículo 14, esses oponentes pagaram o tributo à Sua perfeita verdade. De um modo muito além de qualquer coisa que eles percebessem – no sentido mais absoluto – Ele era a verdade e ensinava a verdade; totalmente impossível de ser desviado pelo homem e por seu pequeno mundo. De nenhum outro servo de Deus isso poderia ser dito. Até mesmo Paulo foi influenciado por considerações humanas, como mostra Atos 21:20-26. Somente Jesus é o perfeito Servo de Deus, e Ele era tão pobre que teve que pedir que uma “moeda” fosse trazida a Ele.

Em seguida vieram os saduceus, pedindo-Lhe para resolver o emaranhado matrimonial que Lhe propuseram. Ele fez isso e os convenceu da loucura deles; mas antes de fazer isso, Ele revelou a razão dessa loucura. Eles não conheciam as Escrituras – isso era ignorância. Eles não conheciam o poder de Deus – isso era incredulidade. Seu erro incrédulo se firmava nesses pilares gêmeos. A incredulidade moderna do tipo saduceu se baseia exatamente nesses mesmos dois pilares. Eles continuamente citam erroneamente, interpretam erroneamente, ou, de outra forma, mutilam as Escrituras, e concebem a Deus como se Ele fosse qualquer coisa, exceto o Todo-Poderoso – como apenas um homem, apesar de possuir poderes maiores que nós mesmos.

O Senhor provou a ressurreição dos mortos citando o Velho Testamento. O fato disso está implícito em Êxodo 3:6. Deus ainda era o Deus de Abraão, Isaque e Jacó centenas de anos após a morte deles. Embora mortos para os homens, eles viviam para Ele, e isso significava que eles deveriam ressuscitar novamente. Esse fato estava na Escritura e, ao negá-lo, os saduceus só se declararam ignorantes.

Como o fato estava presente nas Escrituras, o Senhor, fiel ao Seu caráter de Servo, apelou para a Escritura e não afirmou o fato por Sua própria autoridade. O que Ele afirmou autoritariamente está no versículo 25, onde Ele torna claro o estado ou condição ao qual a ressurreição nos introduzirá, indo além do que o Velho Testamento ensinou. O mundo da ressurreição difere deste mundo. Relacionamentos terrestres cessam nessas condições celestes. Não seremos anjos, mas devemos ser “como os anjos que estão no céu”. Imortalidade e incorruptibilidade serão nossas.

O fato claro era, portanto, que os saduceus tinham invocado uma dificuldade em sua ignorância que não existia de fato. A derrota deles foi completa.

Um dos escribas que estava ouvindo percebeu isso, e ele se aventurou a propor uma questão que eles muitas vezes debatiam entre si, sobre a importância relativa dos vários mandamentos. A resposta do Senhor afastou todos os seus elaborados argumentos e minúcias quanto a um ou outro dos dez mandamentos, indo diretamente à palavra contida em Deuteronômio 6:4-5. Aqui havia um mandamento que trazia sob seu alcance todos os outros mandamentos. Deus exigiu que Ele fosse absolutamente supremo nas afeições de Suas criaturas; se fosse exatamente assim, todas as outras coisas se encaixariam no lugar certo. Aqui está o grande mandamento-mestre que governa tudo.

Neste mandamento havia um elemento de grande encorajamento. Por que Deus deveria Se importar em possuir o amor indiviso de Sua criatura? A fé responderia a essa pergunta dizendo – porque Ele mesmo é amor. Sendo amor e amando a Sua criatura, embora perdida em seus pecados, Ele não pode ficar satisfeito sem o amor de Sua criatura. Israel não poderia olhar “firmemente para o fim” da lei. Se eles tivessem sido capazes de fazê-lo, é isso que eles teriam visto.

Quanto ao segundo mandamento, o Senhor dirigiu o homem para Levítico 19:18 – outra passagem inesperada. Mas este mandamento evidentemente decorre do primeiro. Ninguém pode ter habilidade e desejo para tratar seu próximo corretamente, a menos que primeiro seja correto em suas relações com seu Deus. Mas o amor é a essência deste segundo mandamento, não menos do que o primeiro. Amar o próximo como a si mesmo é o limite sob a lei. Somente sob a graça é possível dar um passo além desse, como, por exemplo, fizeram Áquila e Priscila, como registrado em Romanos 16:4. No entanto, “o amor é o cumprimento da lei” (Rm 13:10 – AIBB), e isso é dito em conexão com este segundo mandamento.

O escriba sentiu a força dessa resposta, como mostram os versículos 32 e 33. A série de perguntas começou com a confissão: “Mestre, sabemos quecom verdade ensinas o caminho de Deus” (v. 14). Isso foi dito pelos fariseus e herodianos no espírito de hipocrisia. Terminou com o escriba dizendo com toda a sinceridade, “Correto, Mestre, Tu falaste de acordo com a verdade” (v. 32 – JND). O homem viu que o amor que levaria ao cumprimento destes dois grandes mandamentos é de muito mais importância do que oferecer todos os sacrifícios que a lei impunha. Os sacrifícios tiveram seu lugar, mas eles eram apenas um meio para um fim. O amor é “o fim do mandamento”, como 1 Timóteo 1:5 nos diz. O fim é maior do que os meios. Assim, o escriba aprovou a resposta que tinha sido dado a ele.

A resposta do Senhor no versículo 34 é muito impressionante. Ele declarou àquele homem: “não estás longe do reino de Deus”. Isso mostrou duas coisas. Primeiro, que qualquer um que se afaste do que é exterior e cerimonial, para perceber a importância do que é interior e vital diante de Deus, não está longe da bênção. Em segundo lugar, por mais importante que seja tal percepção, ela não é suficiente, em si mesma, para colocar alguém no reino. Alguma coisa, além disso, é necessária, e é o próprio espírito de uma criança, como vimos ao considerar Marcos 10. O escriba estava próximo do reino, mas ainda não estava nele. Esta resposta, julgamos, desconcertou o homem, assim como os outros ouvintes, e por causa disso ninguém ousava fazer mais perguntas. Um homem como este, bem versado na lei de Deus, considerava estar no reino como uma consequência. As palavras do Senhor desafiaram seus pensamentos. Além disso, ele havia percorrido um longo caminho em direção ao reino, tendo em vista que Deus visa e valoriza o que é moral e espiritual mais do que o que é cerimonial e carnal. Romanos 14:17 reforça a mesma coisa em relação a nós mesmos, pelo menos em princípio. Reconhecemos isso totalmente?

Tendo Seus oponentes terminado com suas perguntas, o Senhor propôs a eles Sua grande questão, surgida do Salmo 110. Os escribas estavam bem conscientes de que o Messias seria o Filho de Davi; todavia aqui está Davi falando d’Ele como seu Senhor. Entre os homens naqueles dias, um pai nunca se dirigiu a seu filho em tais termos, mas o contrário: o filho chamava seu pai, senhor. Como poderia o Cristo ser então filho de Davi? Os escribas estavam errados no que afirmavam? Ou eles poderiam explicar isso?

Eles não conseguiam explicar. Eles ficaram em silêncio. A explicação foi extremamente simples. Mas face a face com o Cristo, e não querendo admitir Suas afirmações, eles fecharam os olhos intencionalmente a ela. Ele era o Filho de Davi, e Davi O chamou de Senhor pelo Espírito Santo, de modo que não houve erro algum. A explicação é que era o Filho de Deus que Se tornou o Filho de Davi segundo a carne, como é claramente afirmado em Romanos 1:3. Quando a Deidade do Cristo é plenamente reconhecida, tudo é claro. Esses versículos lançam uma boa dose de luz sobre a declaração em 1 Coríntios 12:3: “Ninguém pode dizer que Jesus é o Senhor, senão pelo Espírito Santo”.

O Senhor tinha agora respondido a todas as perguntas de seus adversários, e fez uma pergunta que eles não puderam responder. Se eles tivessem sido capazes de respondê-la, eles teriam sido colocados na posse da chave para toda a situação. A multidão do povo ainda estava feliz em ouvi-Lo, mas os escribas eram cegos, e nos versículos 38-40 o Senhor adverte o povo contra eles. Aqueles que estavam sendo cegamente levados são advertidos contra seus líderes cegos. Os verdadeiros motivos e objetivos dos escribas são desmascarados. A Palavra de Deus dos Seus lábios penetra entre a alma e o espírito de um modo infalível.

Seu pecado característico era o egoísmo nas coisas de Deus. Seja no mercado – o centro de negócios, na sinagoga – o centro religioso, ou nas festas – o círculo social, eles devem ter o lugar de comando, e para esse fim eles usavam suas roupas de distinção. Tendo ganhado a posição de liderança, usavam-na para emplumar seus próprios ninhos financeiramente às custas das viúvas, a classe mais indefesa da comunidade. A conquista de poder e dinheiro foi o fim e objetivo de sua religião. Eles seguiram “o caminho de Balaão, filho de Bosor, que amou o prêmio da injustiça” (2 Pe 2:15), e há muitos em nossos dias que ainda trilham o caminho do mal, cujo fim é “mais grave condenação”, ou “juízo muito mais severo” (ARA). O advérbio “mais”, observe, não é quanto à diferença na duração da punição, embora haja diferença quanto à sua severidade.

Os adversários provocaram essa discussão com suas perguntas, mas a última palavra foi a do Senhor. As palavras finais de Seus lábios devem ter caído com a força de uma marreta. Ele serenamente tomou para Si o ofício de Juiz de toda a Terra e pronunciou a condenação deles. Se Ele não fosse o Filho de Deus, isso teria sido loucura ou algo pior.

Mas o mesmo Filho de Deus assentou-Se defronte da arca do tesouro e viu as ofertas da multidão, e eis que Ele pode com igual exatidão estimar o valor de suas ofertas. Uma pobre viúva se aproxima – possivelmente alguém que sofreu com a fraude de vorazes escribas – e lança todo o seu pouco. Duas das menores moedas foram deixadas para ela, e ela depositou as duas. De acordo com os pensamentos humanos, sua oferta era absurda e desprezível pela sua pequenez, sua presença não seria notada, e sua ausência não seria sentida. Na avaliação divina, era mais valiosa do que todas as outras ofertas juntas. A contabilidade de Deus nessa questão não é como a nossa.

Para Deus, o motivo é tudo. Ali estava uma mulher que, em vez de culpar a Deus por causa das transgressões dos escribas, que afirmavam representá-Lo, devotava tudo o que tinha a serviço de Deus. Isso deleitou o coração de nosso Senhor.

Ele chamou Seus discípulos para Si, como o versículo 43 nos diz, e chamou a atenção para a mulher, proclamando a virtude de seu ato. Isso é particularmente impressionante se notarmos como Marcos 13 se inicia, pois Seus discípulos estavam ansiosos para mostrar a Ele a grandeza e a beleza dos edifícios do templo. Eles chamaram a atenção para pedras de grande valor feitas pelas atarefadas mãos dos homens. Ele chamou a atenção para a beleza moral do ato de uma pobre viúva. Ele disse a eles que seus grandes edifícios seriam destruídos. É o ato da viúva que será lembrado na eternidade.

E, no entanto, a viúva deu suas duas moedas para a arca do templo, que recebia contribuições para a manutenção da estrutura do templo! O Senhor já havia voltado Suas costas para o templo e agora estava pronunciando sua condenação. Ela não sabia disso; mas apesar de estar um pouco atrasada no tempo em seu entendimento, sua oferta foi aceita e valorizada de acordo com o coração devotado que a estimulou. Que conforto é esse fato!

Deus estava diante dela quando da sua oferta e Deus permanece mesmo quando os templos são destruídos. As coisas materiais – sobre as quais podemos colocar nosso coração – desaparecem, mas Deus permanece.

MARCOS 13

A predição do Senhor de que o Templo deveria ser totalmente destruído levou ao Seu discurso profético. Os discípulos não questionaram o cumprimento de Suas palavras, eles só queriam saber o tempo de seu cumprimento e, fiel aos seus instintos judaicos, qual seria o sinal disso. Sua resposta às suas perguntas é muito instrutiva.

Em primeiro lugar, Ele não fixou datas: qualquer resposta que Ele deu sobre tempo era de um tipo indireto. Em segundo lugar, Ele foi além da esfera imediata de suas perguntas, falando de assuntos maiores dos últimos dias e Seu próprio advento em glória. Esta característica é vista em muitas profecias do Velho Testamento, que foram dadas em vista de algum evento iminente da história, e que definitivamente se aplicava àquele evento, e ainda assim foram formuladas de modo a se aplicarem, com ainda maior plenitude, aos eventos que ocorrerão nos últimos dias. No caso diante de nós, houve um cumprimento na destruição causada por Roma no ano 70 d.C., que é apresentada mais claramente no discurso de Lucas sobre esse evento, mas ainda o seu cumprimento está conectado com a vinda do Senhor. Esta característica da profecia é aludida nas palavras: “Nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação” (2 Pe 1:20).

Em terceiro lugar, Ele colocou todo o peso de Sua profecia sobre a consciência e coração de Seus ouvintes. Se a pergunta deles foi motivada por uma considerável dose de curiosidade, Ele elevou toda a questão a um plano muito mais elevado, com Suas palavras iniciais: “Olhai que ninguém vos engane”. O curso das coisas que a profecia revela contradiz tudo o que os homens naturalmente esperariam. A atratividade dos falsos profetas reside no fato de que eles sempre predizem coisas que se enquadram nos desejos dos homens e parecem eminentemente razoáveis. Devemos estar vigilantes, pois os falsos profetas são abundantes hoje nos púlpitos da Cristandade.

A primeira advertência, no versículo 6, diz respeito àqueles que se levantam dizendo ser o Cristo. O ponto central do conflito está sempre aqui. O diabo sabe que, se puder enganar os homens quanto a Cristo, poderá enganá-los em todo o resto. Se estivermos errados quanto ao centro, estaremos errados por toda a circunferência. Estar o nosso conhecimento enraizado no verdadeiro Cristo se torna prova para nós contra as seduções dos falsos.

Em seguida, somos avisados para não esperar momentos fáceis com as condições do mundo. Guerras e tumultos entre as nações e distúrbios na natureza são esperados. Essas coisas não devem ser interpretadas como um indicativo do grande clímax, pois são apenas os espasmos preliminares. Além disso, os discípulos do Senhor devem esperar ser confrontados com dificuldades especiais. Eles serão submetidos à oposição e perseguição, e seus parentes mais próximos se tornarão contra eles, e o ódio dos homens no geral deve ser sua porção. Contra isso, contudo, o Senhor estabelece o fato de que essas circunstâncias adversas se tornarão em ocasiões de testemunho, e que eles teriam apoio e sabedoria especiais, quanto ao que haviam de dizer, vindas do Espírito Santo.

Alguns deduziram do versículo 10, lendo isto em conjunção com Mateus 24:14, que o Senhor não pode vir para Seus santos até que o evangelho tenha sido levado a todas as nações de hoje. Mas temos que ter em mente que os discípulos, a quem o Senhor estava Se dirigindo, eram naquele momento o remanescente temente a Deus em Israel, e ainda não tinham sido batizados em um só corpo, a Igreja: e também que o “evangelho” nesse versículo é um termo geral que cobriria não somente a mensagem que está sendo pregada hoje, mas também aquele “evangelho do reino” do qual fala Mateus, e que será levado adiante pelo remanescente temente a Deus, que será levantado depois que a Igreja for levada.

O versículo 14 nos dá o sinal pedido pelos discípulos. Daniel fala da “abominação que assola” (Dn 12:11 – TB), e isso é mencionado em nosso versículo, pois pela a palavra “assolamento”, nos é dito que “é uma palavra ativa”, tendo a força de “causar desolação”.

Deve haver o estabelecimento público de um ídolo no santuário em Jerusalém – tal como nos foi predito em Apocalipse 13:14-15 – um insulto a Deus do tipo mais flagrante. Esse sinal vai indicar duas coisas: primeiro, que o tempo da especial aflição, da qual Daniel 12:1 fala, começou, e: segundo, que o fim do século10, e a intervenção de Cristo em Sua glória, estão muito próximos. O restante do discurso do Senhor está ocupado com essas duas coisas. Os versículos 15 a 23 tratam da primeira; versículos 24-27 tratam da segunda.

A linguagem do versículo 19 mostra que o Senhor tinha a grande tribulação em vista, e os versículos anteriores mostram que seu centro e fúria mais intensa se encontram na Judeia. Versículos 15 e 16 indicariam que ele irá começar com grande rapidez. O voo instantâneo será o único caminho de escape para aqueles que temem a Deus. Sua ferocidade será tal que, se fosse permitido transcorrer um longo curso, isso significaria extermínio. Por causa dos eleitos não irá ser permitida continuar, mas será interrompida pela passagem do exército do Rei do Norte por Israel seguida pelo advento de Cristo. De Daniel 9:27 obtemos que a tribulação começará, quando a cabeça do império romano reavivado fizer “cessar o sacrifício e a oferta de manjares”, na metade dos últimos sete anos. Sendo assim, haverá apenas três anos e meio para transcorrer antes que o Senhor Jesus ponha fim a isto por Sua gloriosa Aparição.

Pela tribulação o diabo vai buscar esmagar e exterminar os eleitos. Mas isso não é tudo, como mostram os versículos 21 e 22. Haverá nesse momento um número especial de falsos cristos e profetas aparecendo, por quem ele espera seduzir os eleitos. Ele realizaria isso “se possível fora” (TB). Graças a Deus, isso não é possível. Os verdadeiros santos vão saber que o verdadeiro Cristo não vai Se esconder em algum canto, de modo que os homens tenham que dizer: “Eis aqui o Cristo, ou, ei-Lo ali”. Ele brilhará em Sua glória na Sua vinda, e todo olho O verá.

A tribulação vai chegar a seu fim em convulsões finais que irão afetar até mesmo os céus, como os versículos 24 e 25 mostram. Sol, Lua e estrelas são às vezes usados na Escritura como símbolos de poder supremo, poder derivado e poder subordinado, respectivamente; e “poderes que estão no céu” (AIBB) estão em vista, como mostra a última parte do versículo 25. Ainda este discurso do Senhor não é marcado por um grande uso de símbolos, como é o livro do Apocalipse. Então pensamos que as convulsões literais que afetam os corpos celestes não devem ser excluídas, especialmente porque sabemos que houve um blecaute literal do Sol quando Jesus morreu. O escurecimento daquele dia servirá para lançar maior destaque à liberação do brilho do Seu fulgor, quando Ele vem nas nuvens com grande poder e glória.

A Aparição gloriosa do Filho do Homem será seguida pela reunião dos “Seus eleitos” (TB). Estes foram mencionados no versículo 20, e eles são aqueles que perseveram “até ao fim” (v. 13), e eles serão salvos pela Aparição de Cristo. Esses eleitos são o remanescente de Israel fiel a Deus, nos últimos dias; pois o Senhor estava Se dirigindo aos Seus discípulos que naquele momento eram o remanescente temente a Deus no meio de Israel, e sem dúvida teriam entendido Suas palavras nesse sentido. Esses eleitos serão encontrados em todas as partes da Terra, e os instrumentos usados para a reunião desses serão os anjos: reunidos, eles se tornarão o Israel redimido que vai entrar no reino milenar. Tudo isso deve ser diferenciado da vinda do Senhor para Seus santos como previsto em 1 Tessalonicenses 4, quando o próprio Senhor descerá do céu e nossa reunião será para Ele.

A alusão à figueira no versículo 28 é uma parábola e, portanto, devemos esperar encontrar nela um significado mais profundo do que aquele que é conectado com uma figura ou uma ilustração. A figueira sem dúvida representa Israel, como vimos na leitura de Marcos 11, e, portanto, o surgimento de seus ramos estabelece o início do reavivamento nacional com esse povo. O “verão” representa a era da bem-aventurança milenar para a Terra. Quando o real reavivamento nacional se instala para Israel, então a aparição de Cristo e a era milenar estão muito próximas.

A palavra “geração” no versículo 30 é evidentemente usada em um sentido moral e não em um sentido literal, pessoas de certo tipo e caráter, assim como o Senhor usou a palavra em Marcos 9:19 e em Lucas 11:29. A geração incrédula não passará até o segundo advento, nem mesmo irá passar a geração daqueles que buscam ao Senhor. A vinda do Senhor vai significar o desaparecimento da geração má, e ao mesmo tempo o pleno estabelecimento de todas as Suas palavras, que são mais firmes e mais duráveis do que todas as coisas criadas.

O versículo 32 tem apresentado muita dificuldade a muitas mentes por causa das palavras “nem o Filho”. Podemos não ser capazes de explicá-las completamente, mas podemos pelo menos dizer duas coisas. Primeiro, que neste evangelho o Senhor é apresentado como o grande Profeta de Deus, e que este era um assunto reservado pelo Pai e não dado a Ele, como um Profeta, revelar. Segundo, se Mateus 20:23 e João 5:30 fossem lidos e comparados com nosso versículo, veríamos que as três passagens correm em linhas paralelas, quanto a conceder, conhecer e fazer, respectivamente. Em Mateus, temos as exatas palavras: “Não Me compete concedê-lo**”** (Mt 20:23 – TB). Poderíamos resumir Marcos como “não Me compete _sabê-lo_” e João como “não Me compete _fazê-lo_”_._ A incredulidade fez grande uso da palavra usada em Filipenses 2:7, **“aniquilou-Se a Si mesmo”**, ou mais literalmente, **“esvaziou-Se”** (TB), construindo sobre isso a teoria de que Ele Se despojou do conhecimento para Se tornar um judeu com as noções de Seu tempo; e assim eles estão habilitados – assim eles pensam – para imputar erro a Ele em muitos pontos. Ele Se esvaziou, pois as Escrituras dizem que Ele fez isso. As três passagens que mencionamos nos dão uma ideia apropriada do que estava envolvido nisso, e nos levam a bendizer Seu Nome por Sua graciosa humilhação. A teoria da incredulidade O roubaria de Sua glória, e a nós de qualquer consideração por Suas palavras – palavras as quais, como Ele acabou de nos dizer, nunca passarão.

Os cinco versículos que encerram este capítulo contêm um apelo muito solene, que deve ser aprofundado em todos nós. No versículo 33, recebemos pela quarta vez as palavras: “Estais de sobreavisovigiai” (ARA). O Senhor abriu Seu discurso com estas palavras, e o fechou com elas, e as pronunciou duas vezes entre elas (vs. 9 e 23). As revelações proféticas que Ele deu são todas feitas para ter um peso sobre nossa consciência e vida: Ele nos previne para que estejamos preparados. Conhecendo a infalibilidade de Suas palavras, mas não sabendo quando é a hora, devemos “vigiar”, isto é, estar ardentemente despertados e observando, e também orar, pois não somos páreo para os poderes das trevas, e assim devemos manter a dependência de Deus. Somos deixados aqui para fazer nosso trabalho designado em um espírito de expectativa, antecipando a vinda do Filho do Homem.

A tríplice repetição da palavra “vigiar” nesses cinco versículos é muito impressionante. Devemos colocar grande ênfase nisso em nossas mentes, e mais ainda porque nossa porção caiu nesses últimos dias desta dispensação, quando Sua vinda não pode estar muito distante. É muito fácil sucumbir à atração do mundo, quando nossas mentes se tornam sonolentas e desatentas. Uma ótima e importante palavra é esta – VIGIAI. E o último versículo do nosso capítulo mostra que seu propósito certamente é aplicar-se a nós.

MARCOS 14

À medida que abrimos este capítulo, voltamos aos detalhes históricos e alcançamos os momentos finais da vida de nosso Senhor. Os versículos 1 a 11 nos fornecem uma introdução muito marcante às últimas cenas. Nos versículos 1 e 2, o ódio astuto se eleva ao seu clímax. Nos versículos 10 e 11, a exposição suprema da cruel traição é brevemente registrada. Os versículos entre esses, contam uma história de amor devotado por parte de uma mulher sem destaque – a beleza do relato é reforçada por estar essa história entre o registro de um ódio tal e uma traição tal.

O ódio dos principais sacerdotes e escribas era igualado por sua astúcia, assim eram apenas ferramentas nas mãos de Satanás. Eles disseram: “Não na festa”, ainda assim foi na festa: e novamente: “Para que não haja tumulto entre o povo” (ARA), ainda assim houve tumulto entre o povo. Apenas que era em seu favor e contra o Cristo de Deus. Eles pouco sabiam o poder do diabo a quem eles se venderam.

A mulher de Betânia – Maria, como sabemos de João 12 – pode não ter entendido completamente a importância e o valor de seu ato. Ela foi movida provavelmente por instinto espiritual, percebendo o ódio homicida que estava cercando a Pessoa que ela amava. Ela trouxe seu unguento muito precioso e o derramou sobre Ele. Sua ação foi mal interpretada por “alguns” – Mateus nos diz que estes eram discípulos, e João acrescenta que Judas, o traidor, foi o criador da censura – que estava pensando no dinheiro e nos pobres, particularmente no primeiro. O Senhor a defendeu e isso foi o suficiente. Ele aceitou o ato dela e valorizou conforme o Seu entendimento de seu significado e não de acordo com o entendimento dela, mesmo que ela fosse, como supomos, a que tinha mais entendimento dentre os discípulos. Podemos ver nisso uma doce previsão da maneira graciosa em que Ele irá rever os atos de Seus santos no tribunal de Cristo.

Seu veredicto foi: “Ela fez o que pôde”, o que foi um grande elogio. Além disso, Ele ordenou que o ato dela fosse contado para sua memória onde quer que o evangelho fosse pregado. Seu nome é conhecido e seu ato lembrado por milhões nos dezenove séculos seguintes – com toda a honra, assim como também Judas é conhecido pela desonra, e seu nome tornou-se sinônimo de baixeza e traição.

Esses versículos iniciais nos mostram que, à medida que o momento de crise se aproximava, todos, à luz, manifestavam o que realmente eram. O ódio e a traição dos adversários tornaram-se mais negros: o amor da verdade foi aceso, embora nenhum tenha expressado isso como Maria de Betânia. No versículo 12, porém, passamos à preparação para a última ceia, durante a qual o Senhor deu um testemunho muito mais impressionante da força de Seu amor pelos Seus. Houve algum testemunho do amor deles por Ele, mas não foi nada na presença de Seu amor por eles.

O Senhor Jesus não tinha lar próprio, mas Ele bem sabia como colocar Sua mão em tudo o que era necessário para o serviço de Deus. O dono do aposento era, sem dúvida, alguém que O conhecia e O reverenciava. Os discípulos conheciam a suficiência de seu Mestre. Eles não tentaram nada por sua própria iniciativa, mas simplesmente olharam para Ele em busca de orientação, e agiram de acordo. Por isso, aqu’Ele que não tinha onde reclinar a cabeça não tinha falta de acomodação adequada para o último encontro com os Seus.

Por muitos séculos a Páscoa foi celebrada, e aqueles que a comeram sabiam que ela comemorava a libertação de Israel do Egito; poucos, se é que algum, perceberam que ela aguardava a morte do Messias. Agora, pela última vez, ela deveria ser comida antes de ter seu cumprimento. Não sabemos o que enchia a mente dos discípulos, mas evidentemente a mente do Senhor estava centrada em Sua morte, e Ele direcionou os pensamentos deles a ela ao anunciar que Seu traidor estava entre eles, e que um “ai” repousou sobre ele. Então instituiu Sua própria ceia.

Brevidade caracteriza toda a narrativa de Marcos, mas em nenhum outro lugar é mais pronunciada do que em seu relato da instituição da ceia. O essencial, no entanto, está todo aqui: o pão e seu significado, o cálice e seu significado e aplicação, o que faz com que seja designado por Paulo “o cálice de bênção que abençoamos”. Para o próprio Senhor o fruto da videira, e o que simbolizava – o gozo terreno – era todo passado: não mais o tomaria até que no reino de Deus Ele o experimentasse de uma maneira inteiramente nova. Todas as esperanças e gozos terrenos sob a base antiga foram fechados para Ele.

A lição que temos que aprender está de acordo com esse fato. Deus pode, em Suas providências graciosas, permitir que desfrutemos na Terra muitas coisas felizes e agradáveis, mas todos os nossos apropriados gozos como Cristãos não são de uma ordem terrena, mas de uma celestial.

Do cenáculo, onde Ele havia instituído Sua ceia, o Senhor levou Seus discípulos ao Getsêmani. Um hino ou salmo foi cantado – Salmos 115-118 é dito ser a porção usualmente cantada. Para os discípulos foi apenas algo costumeiro, sem dúvida; mas o que deve ter sido para o Senhor cantar, enquanto Ele saía para cumprir a figura da Páscoa, tornando-Se o sacrifício? E o Salmo 118, no final, fala: “Ata a vítima [o sacrifício – JND] com cordas até os chifres [as pontas – ARA] do altar”. Ele foi ao sofrimento e morte, atado pelas cordas do Seu amor; e os discípulos ao fracasso, derrota e dispersão.

Ele os avisou sobre o que estava diante deles, citando a profecia de Zacarias, que anunciava o Pastor de Jeová ser ferido e a dispersão das ovelhas. Mas o profeta prossegue dizendo: “voltarei a Minha mão para os pequeninos” (Zc 13:7 – TB), e isso corresponde ao versículo 28 do nosso capítulo. Aqueles que eram Suas ovelhas nacionalmente foram espalhados, mas os “pequeninos”, em outra parte chamados por Zacarias de “os pobres do rebanho”, foram reunidos em uma nova base, quando o Pastor ressuscitou dos mortos. Por isso, Ele não os encontraria em Jerusalém, mas na Galileia.

Pedro, cheio de confiança própria, afirmou que não iria tropeçar, embora todos os outros pudessem fazê-lo, e isso diante da mais explícita declaração do Senhor, predizendo sua queda. Os outros não queriam ser superados por Pedro e, portanto, comprometeram-se com uma afirmação semelhante. O que transparecia nisso era a rivalidade profana que existia entre eles, de quem seria o maior. Marcos faz este manifesto com uma clareza especial, como pode ser visto se compararmos com Marcos 9:33-34; Marcos 10:35-37 e 41. Pedro sem dúvida sentiu que agora tinha chegado a oportunidade em que poderia demonstrar, de uma vez por todas, que ele estava muito acima do resto. E o resto não estava disposto a deixá-lo se destacar à frente; eles tiveram que acompanhá-lo. A queda de Pedro parecia vir muito de repente, mas tudo isso nos mostra que as raízes ocultas dela remontam a um longo caminho ao passado.

As palavras ousadas de Pedro logo seriam provadas, e em primeiro lugar no Getsêmani, que foi alcançado imediatamente depois. Foi solicitado a ele e seus dois companheiros que vigiassem apenas por uma hora. Isso eles não podiam fazer; embora somente para Pedro, que tinha sido particularmente orgulhoso, o Senhor dirigiu a Suas gentis palavras de protesto, usando seu antigo nome de Simão. Isso era apropriado, pois, naquele momento, ele não estava sendo fiel ao seu novo nome, mas exibia as características da velha natureza que ainda estava nele. O Mestre deles estava tomado de “pavor” e “angústia” e “profundamente triste até a morte”, e mesmo assim eles dormiram, não apenas uma vez, mas três vezes.

No entanto, contrastando com o fundo escuro do fracasso deles, a perfeição de seu Mestre apenas brilhou mais intensamente. A realidade de Sua Humanidade vem diante de nós de maneira muito admirável nos versículos 33 e 34, assim como a perfeição dela. Sendo Deus, Ele conheceu em plenitude infinita tudo o que estaria envolvido em morrer como o Emissário do pecado. Sendo perfeito Homem, Ele possuía toda a sensibilidade humana imaculada – a nossa sensibilidade foi debilitada pelo pecado, mas n’Ele não havia pecado. Por isso, sentiu tudo em infinita medida e desejou fervorosamente que a hora passasse d’Ele. E mais uma vez, tomando o lugar de Servo, Ele era perfeito em Sua devoção à vontade do Pai, e assim, embora desejando que o cálice pudesse ser tirado d’Ele, acrescentou: “não seja, porém, o que Eu quero, mas o que Tu queres”.

Podemos resumir tudo isso dizendo que, sendo Deus perfeito, Ele tinha infinita capacidade de conhecer e sentir tudo o que a aproximação da hora da morte significava para Ele. Como Homem perfeito, Ele entrou completamente na tristeza daquela hora e não pôde fazer outra coisa senão orar para que aquele cálice Lhe fosse tirado. Como Servo perfeito, Ele Se apresentou ao sacrifício em total sujeição à vontade de Seu Pai.

Três vezes nosso Senhor assim comungou com Seu Pai, e então Ele voltou para enfrentar o traidor com seu bando de homens pecadores. Podemos lembrar que três vezes Ele foi tentado por Satanás no deserto no início, e parece certo, embora não mencionado aqui, que o poder de Satanás também estava presente no Getsêmani, porque quando saía do cenáculo Ele disse: “se aproxima o príncipe deste mundo, e nada tem em Mim” (Jo 14:30). Isso também ajuda a explicar a extraordinária sonolência dos discípulos. O poder das trevas era grande demais para eles, como sempre é para nós, exceto se formos ativamente apoiados pelo poder Divino. Notemos que o poder de Satanás não apenas desperta os crentes para atividades ilícitas. Por vezes, simplesmente coloca-os para dormir.

Ao dizer a Pedro: “O espírito, na verdade, está pronto [disposto – JND], o Senhor evidentemente admitia que havia em Seus discípulos aquilo que Ele podia apreciar e reconhecer. No entanto, “a carne é fraca”, e Satanás, naquele exato momento estava terrivelmente ativo, de modo que nada além de vigilância e oração teriam enfrentado a situação. Deixemos que a palavra entre profundamente em nós mesmos. À medida que o fim dos tempos se aproxima, as atividades de Satanás devem tornar-se maiores e não menores, e precisamos estar despertos com todas faculdades espirituais em alerta, e também sermos cheios do espírito de dependência em oração a Deus.

Versículos 42-52, ocupa-nos com a Sua prisão pela multidão enviada pelos chefes dos sacerdotes sob a liderança de Judas. Claramente eles não eram soldados romanos, mas servos do templo e das classes dominantes entre os judeus. Que história é essa! A multidão com sua violência, expressa em suas espadas e bastões; Judas com a mais vil traição, traindo o Senhor com um beijo; Pedro surgindo para a ação súbita e carnal; todos os discípulos O abandonando e fugindo; um jovem anônimo tentando seguir, mas terminando apenas em fuga com vergonha adicionada ao seu pânico – violência, traição, atividade falsa e equivocada, medo e vergonha. Mais uma vez dizemos: Que história! E tais somos nós quando confrontados com o poder das trevas e fora da comunhão com Deus.

Quanto a Pedro, esse era o terceiro passo em seu caminho em declínio. Primeiro foi seu envolvimento na destrutiva competição pelo primeiro lugar entre os discípulos, que resultou em confiança e afirmação próprias. Em segundo lugar, a falta de vigilância e oração, que o levou a dormir quando deveria ter estado acordado. Em terceiro lugar, sua ira e violência carnais, seguidas por uma desprezível fuga. O quarto passo, que trouxe as coisas ao clímax, temos no final do capítulo.

Quanto ao Senhor Jesus, tudo era tranquilidade em perfeita submissão à vontade de Deus, conforme expresso nas Escrituras proféticas. Sua luz brilhava como sempre sem o menor tremeluzir.

“Fiel em meio à infidelidade,

A única Luz em meio às trevas”

Os versículos 53-65 resumem para nós os procedimentos perante as autoridades religiosas judaicas. Todos foram reunidos para sentarem-se em juízo contra Ele, e isso, no que concerne a eles, não foi feito em um canto. Isso mostra de forma impressionante que profundidade de sentimento foi despertada. Um conselho lotado, e foi na calada da noite! O fogo queimava no pátio, e nos é permitido ver Pedro se rastejando entre os inimigos de seu Senhor por causa de um pouco de calor.

Não houve pensamento de um julgamento imparcial. Seus juízes estavam desavergonhadamente procurando testemunhas que lhes permitissem pronunciar sobre Ele a sentença de morte. No entanto, o poder de Deus estava em ação nos bastidores, e todas as tentativas de incriminá-Lo com as forjadas acusações não deram em nada. Muitos esforços foram feitos; uma amostra deles nos é dada no versículo 58 e reconhecemos uma distorção feita sobre Sua declaração que está registrada em João 2:19. Acusação após acusação era derramada pelos falsos acusadores que caíram em confusão e contradição entre eles. Parece que Deus envolveu suas mentes normalmente agudas em uma névoa de confusão.

Impulsionado pelo desespero, o sumo sacerdote levantou-se para examiná-Lo, mas à sua primeira pergunta, Jesus não respondeu nada – evidentemente pelo suficiente motivo de que ainda não havia nada a responder. Quando questionado se Ele era o Cristo, o Filho de Deus, Ele imediatamente respondeu, dizendo: “Eu o Sou”. Exatidão não faltava tanto na pergunta quanto na resposta. Ali estava o Cristo, o Filho de Deus, pela Sua própria clara confissão; e não apenas isso, mas Ele afirmou que, como Filho do Homem, Ele teria todo o poder em Suas mãos e que Ele viria novamente em glória do céu. Sob essa confissão Ele foi condenado à morte.

O profeta Miquéias havia previsto que o “Juiz de Israel” seria submetido ao julgamento humano. Isso aconteceu: no entanto, é mais impressionante que, quando o grande Juiz foi levado ao julgamento humano, todas as tentativas de condená-Lo pelos depoimentos humanos falharam: todas as testemunhas humanas caíram em confusão. Eles O condenaram com base no testemunho que Ele deu de Si mesmo; e, ao fazê-lo, eles mesmos violaram a lei. Estava escrito: “o sumo sacerdote entre seus irmãosnão rasgará os seus vestidos” (Lv 21:10). Isto o sumo sacerdote ignorou; tão agitado que estava na presença de sua Vítima; tão tomado de raiva e ódio.

A tempestade de ódio explodiu contra o Senhor assim que descobriram um pretexto para condená-Lo; mas em suas bofetadas e cuspidas eles estavam cumprindo inconscientemente as Escrituras. O julgamento fictício diante do Sinédrio terminou em cenas de desordem, assim como a confusão havia sido estampada em seus procedimentos anteriores – a confusão tornava o mais evidente por Sua presença serena no meio deles. A única palavra que Ele proferiu, no relato de Marcos, é registrada no versículo 62.

Os versículos 66-72 nos dão num parêntese o clímax do fracasso de Pedro: já vimos os primeiros passos que o levaram a isso. Ele agora estava aquecendo-se na companhia daqueles que serviram os adversários de seu Senhor, e três vezes ele O negou. Satanás estava por trás da prova, como Lucas 22:31 nos mostra, e isso explica a maneira hábil com que as observações dos diferentes servos o levaram a ficar encurralado. O primeiro afirmou que ele estava “com” Jesus. O segundo que ele era “um deles” (ARA), significando evidentemente um dos Seus discípulos. O terceiro reafirmou isto, e alegou que ele tinha uma prova disso em sua forma de falar, e este aparentemente era parente de Malco, cuja orelha Pedro cortara, como João registra.

Quando Pedro viu a rede de evidências com suas finas malhas se fechando ao seu redor, suas negativas tornaram-se mais violentas: primeiro, fingindo que não entendia; segundo, uma completa negação; terceiro, uma declaração que nem mesmo conhecia o Senhor, acompanhada de maldições e pragas. Eles não estavam dispostos a aceitar seus protestos de “infidelidade”, mas eles devem ter sido convencidos pelas tristes “obras” que ele produziu, de que para ele, Jesus era bastante desconhecido. Temos que contemplar a advertência com a qual Pedro nos fornece e olhar para ela vendo que temos que se expressa em obras apropriadas.

Mas se Satanás estava trabalhando com Pedro, assim também estava o Senhor, de acordo com Lucas 22:32. Ele havia orado por ele, e Sua ação trouxe de volta à mente febril de Pedro as próprias palavras de advertência que Ele havia proferido. A recordação delas feriu sua consciência e o levou às lágrimas; e nesse trabalho em seu coração e consciência estava o começo de sua recuperação. Quando é permitido qualquer santo assim falhar, de maneira que seu pecado se torna público e um escândalo, podemos estar certos de que isso tem raízes ocultas que remontam ao passado. Podemos ter certeza também de que a jornada de volta à recuperação completa não é tomada de imediato.

MARCOS 15

O primeiro versículo deste capítulo retoma o assunto do capítulo 14:65. Os romanos haviam tirado dos judeus o poder de decidir sobre a pena de morte e ela foi investida inteiramente no representante de César, por isso os líderes religiosos sabiam que deveriam apresentá-Lo diante de Pilatos e exigir dele a sentença de morte baseada em algo que lhe parecesse adequado. O versículo 3 nos diz que eles “O acusavam de muitas coisas”, mas não nos é dito por Marcos que coisas eram essas. Ficamos impressionados, no entanto, pela forma como uma frase ocorre repetidas vezes na primeira parte do capítulo – “O Rei dos Judeus” (vs. 2, 9, 12, 18, 26). Lucas nos diz definitivamente que eles disseram que Ele estava “proibindo dar o tributo a César, e dizendo que Ele mesmo é Cristo, o Rei” (Lc 23:2). Deduzimos isso do breve relato de Marcos, embora ele não o afirme.

Mais uma vez, diante de Pilatos, o Senhor confessou Quem Ele era. Desafiado ser o rei dos judeus, ele simplesmente respondeu: “Tu o dizes”, o equivalente a “sim”. Quanto ao resto, Ele novamente não respondeu nada, porque em todas as ferozes acusações dos principais sacerdotes não havia nada a se responder. É digno de nota que Marcos registra apenas duas declarações de nosso Senhor perante Seus juízes. Diante da hierarquia judaica, Ele confessou ser o Cristo, o Filho de Deus e o Filho do Homem: perante o governador romano, Ele confessou ser o Rei dos judeus. Nenhuma testemunha prevaleceu contra Ele; Ele foi condenado por causa de Quem Ele era e não podia negar a Si mesmo.

Além disso, Pilatos tinha conhecimento suficiente para discernir o que era a raiz de todas as acusações, “ele bem sabia que por inveja os principais dos sacerdotes O tinham entregado”. Isto levou à sua tentativa ineficaz de desviar para Jesus os pensamentos da multidão, quando se tratava da questão do prisioneiro a ser libertado. A influência dos sacerdotes com o povo era demais para ele e, portanto, desejoso de agradar a multidão, Pilatos violou o senso de justiça que tinha. Ele libertou o rebelde e homicida Barrabás, e açoitando Jesus, entregou-O para ser crucificado.

A voz do povo prevaleceu sobre o melhor julgamento do representante de César: em outras palavras, a autocracia abdicou em favor da democracia e o voto popular a determinou. Um antigo provérbio latino afirma que a voz do povo é a voz de Deus. Os fatos da crucificação negam categoricamente esse provérbio. Aqui a voz do povo era a voz do diabo.

Os versículos 16-32 nos dão, de maneira muito detalhada, as terríveis circunstâncias que cercam a crucificação. Todas as classes combinadas contra o Senhor. Pilatos já O havia açoitado. Os soldados romanos escarneciam d’Ele de formas cruéis e desdenhosas. As pessoas comuns – os que passavam – protestavam contra Ele. Os sacerdotes zombavam d’Ele com sarcasmo. Os dois ladrões crucificados – representantes das classes criminosas, a própria escória da humanidade – insultaram-No. Nobres e símplices, judeus e gentios, estavam todos envolvidos. No entanto, em consequência, todos estavam ajudando a cumprir as Escrituras, embora, sem dúvida, inconscientemente em si mesmos.

Isto é particularmente notável se tomarmos o caso dos soldados romanos – homens que desconheciam a existência das Escrituras. O versículo 28 toma nota de que a crucificação dos ladrões de ambos os lados era um cumprimento de Isaías 53:12, mas muitas outras coisas que eles fizeram também cumpriram a Palavra. Por exemplo, Seu semblante deveria estar “tão desfigurado, mais do que o de outro qualquer” conforme Isaías 52:14, e havia um cumprimento disso na coroa de espinhos e nos ferimentos. O Juiz de Israel deveria ser ferido “com a vara na face”, de acordo com Miquéias 5:1 – ACR; isso os soldados fizeram, como mostra o versículo 19 de nosso capítulo. O versículo 24 registra o cumprimento por eles do Salmo 22:18. “deram-Me felevinagre” diz o Salmo 69:21, e isto também os soldados fizeram, embora o cumprimento não esteja registrado aqui, mas em Mateus. Achamos que estamos corretos em dizer que pelo menos 24 profecias foram cumpridas no dia de 24 horas em que Jesus morreu.

Todos os homens nessa hora estavam se exibindo em sua tonalidade mais tenebrosa, e nestes versículos não lemos de nada que Ele tenha dito. Foi exatamente como o profeta disse: “como a ovelha muda perante os seus tosquiadores, Ele não abriu a Sua boca”. Era a hora do homem e o poder das trevas estava no auge. A perfeição do santo Servo do Senhor é vista em Seu sofrimento em silêncio em tudo aquilo que Ele suportou das mãos dos homens.

Aquilo que o Senhor Jesus sofreu nas mãos dos homens foi muito grande, mas cai em comparativa insignificância quando nos voltamos para considerar o que Ele suportou nas mãos de Deus como a Vítima, quando foi feito pecado por nós. No entanto, todo esse assunto muito maior é comprimido por Marcos em dois versículos – 33 e 34; enquanto seu relato do assunto menor abrange 52 versículos (Mc 14:53-15:32). Evidentemente o fato é que o assunto menor poderia ser descrito, enquanto que o maior não poderia ser. As trevas que desceram ao meio-dia esconderam dos olhos dos homens até aquilo que era externo àquela cena.

Tudo o que pode ser relacionado historicamente é que por três horas Deus colocou o silêncio da noite sobre a Terra e assim cegou os olhos dos homens, e que no final das horas Jesus proferiu o brado de angústia, que havia sido escrito como profecia mil anos antes, no Salmo 22:1. O santo Emissário do pecado foi abandonado, pois Deus deve julgar o pecado e bani-lo irrevogavelmente da Sua presença. Esse banimento total e eterno nós merecíamos, e que vai cair sobre todos os que morrem em seus pecados. Ele suportou isso por completo, mas como Ele possuía a santidade, a eternidade, a infinidade da Deidade plena, Ele poderia emergir dela no final das três horas. No entanto, o brado que veio de Seus lábios como Ele o fez, mostrou que Ele sentiu o total horror disso. E Ele tinha a capacidade de sentir que isso era infinito.

Aquilo que Ele sofreu nas mãos dos homens não deve ser considerado levianamente. Hebreus 12:2 diz: “O Qualsuportou a cruz, desprezando a afronta [vergonha – JND], mas devemos notar a diferença entre a vergonha e o sofrimento. Muitos homens de grande coragem física sentiriam mais vergonha do que sofrimento. Ele sentiu o sofrimento, mas desprezou a vergonha, na medida em que estava infinitamente acima dela, e sabia que Ele era “glorificado perante o Senhor” (Isaías 49:5 – ARA). Cremos que podemos dizer que Ele nunca foi mais glorioso aos olhos do Senhor do que quando estava sofrendo sob o julgamento de Deus como o Emissário do pecado. Tal era o paradoxo11 da santidade e amor divinos!

O efeito desse clamor sobre os espectadores nos é dado nos versículos 35 e 36. Eles dificilmente teriam visto uma referência a Elias em Suas palavras se não fossem judeus: mas, então, quão absurdo e ignorante não ter reconhecido o clamor a Deus que estava entesourado em suas próprias Escrituras.

A realidade do fato de Sua morte é dada por Marcos da maneira mais breve possível. Ele expirou, entregando Seu espírito nas mãos de Deus, logo após ter clamado em alta voz. O que Ele disse está registrado em Lucas e João. Aqui nos é dito simplesmente o modo como Ele disse isto. Não houve gradual diminuição de força, de modo que Suas últimas palavras fossem um débil sussurro. Em um momento uma grande voz e no momento seguinte Ele estava morto! Sua morte foi tão manifestamente sobrenatural que impressionou grandemente o centurião que estava de plantão e vigiando. O que quer que tenha sido o significado exato de Suas palavras na mente do centurião, ele deve ter pelo menos sentido que era uma testemunha de algo sobrenatural. Endossamos suas palavras e dizemos: “Verdadeiramente este Homem era o Filho de Deus”, no mais pleno sentido.

A verdade dessas palavras também foi testemunhada pelo véu do templo sendo rasgado. Este grande acontecimento parece ter ocorrido sincronizado com a Sua morte. Foi a mão divina que o rasgou, pois qualquer mão humana teria que rasgá-lo de baixo para cima. O elaborado sistema típico instituído em Israel, em conexão com os sacrifícios e o templo, todos aguardavam a morte de Cristo; e, sendo a morte consumada, a mão divina rasgou o véu como um sinal de que o dia da figura havia terminado, e o caminho para o Santo dos santos tornou-se manifesto.

Em todas as emergências, Deus tem em reserva algum servo que se manifestará e cumprirá Sua vontade. Pedras iriam clamar, ou seriam levantadas para se tornar homens se Deus precisasse deles em caso de emergência; mas isso nunca acontece pois Deus nunca está em emergência como essa. Ele sempre tem um homem na reserva e José era o homem nessa ocasião. Este tímido e secreto discípulo foi subitamente cheio de coragem e enfrentou Pilatos com ousadia. Ele era o homem nascido no mundo para cumprir, no momento oportuno, a palavra profética de Isaías 53:9 – “com o rico na Sua morte”. Tendo cumprido isso, ele sai completamente do relato.

Ele perdeu a oportunidade de ser identificado com Cristo em Sua vida, mas se identificou com Ele quando estava morto. Isso é notável, pois exatamente inverteu o procedimento dos discípulos. Eles se identificaram com Ele durante Sua vida e falharam miseravelmente quando Ele morreu. A aparente derrota de Jesus teve o efeito de encorajar José. Agitou as brasas fumegantes de sua fé em um repentino incêndio. Ele “esperava o reino de Deus”, e podemos ter certeza de que no dia do reino a fé e as obras de José não serão esquecidas por Deus. O tipo de sua fé é exatamente o que precisamos hoje – o tipo que desperta quando a derrota parece certa.

Consequentemente a ação de José teve o efeito de trazer diante de Pilatos o caráter sobrenatural da morte de Cristo. Nenhum homem poderia tirar Sua vida; Ele a entregou por Si mesmo, e no momento adequado, quando tudo foi cumprido. Os dois ladrões, como sabemos, permaneceram por horas após, e a morte deles teve que ser acelerada por meios cruéis. Pilatos ficou maravilhado, mas sendo o fato confirmado, ele concedeu o pedido. Assim, a vontade de Deus foi feita, e a partir daquele momento o corpo santo estava fora das mãos dos incrédulos. Mãos de amor e fé realizaram os serviços e O colocaram no sepulcro. As mulheres devotadas também foram testemunhas quando até mesmo os discípulos desapareceram e viram onde Ele havia sido colocado.

MARCOS 16

O amor e a fé estavam claramente ali, mas até agora a fé deles era lenta e pouco inteligente quanto à Sua ressurreição. Até mesmo as mulheres devotadas estavam cheias de pensamentos quanto ao embalsamamento de Seu corpo, como mostram os versículos iniciais deste capítulo. Mas essa lentidão deles apenas aumenta a clareza das provas que, por fim, os sobrepujaram com a convicção de Sua ressurreição. Ao nascer do Sol, no primeiro dia da semana, estavam no sepulcro, apenas para descobrir que a grande pedra, que bloqueava a entrada, havia sido rolada dali. Elas entraram para encontrar não um corpo sagrado, mas um anjo, da aparência de um jovem.

Mateus e Marcos falam de um anjo: Lucas e João falam de dois. Isso não apresenta nenhuma dificuldade, pois os anjos aparecem e desaparecem à vontade. O anjo, que apareceu como “um jovemvestido de uma roupa comprida, branca” para as mulheres temerosas, havia aparecido um pouco antes para os guardas como alguém com um aspecto de “um relâmpago, e o seu vestido branco como neve”, de modo que uma espécie de paralisia caiu sobre eles. Ele foi uma coisa para o mundo e outra bem diferente para os discípulos. Ele sabia como discriminar, e que essas mulheres estavam procurando por Jesus, embora pensassem que Ele ainda estivesse na morte. Eram ignorantes, contudo elas O amavam; e isso fez toda a diferença.

O testemunho angélico, porém, não operou muito no momento. Isso impressionou as mulheres, mas principalmente na forma de medo, tremor e assombro. Não produziu aquela calma certeza de fé que abre a boca em testemunho aos outros. Elas ainda não podiam entender as palavras: “Cri, por isso falei” (Sl 116:10; 2 Co 4:13). Em breve eles compartilhariam esse “espírito de fé”, que era possuído tanto por Paulo como pelo salmista, mas isso seria quando eles entrassem em contato, por si mesmos, com o Cristo ressuscitado.

As escrituras indicam claramente que os anjos têm um ministério para realizar a favor dos santos – como testemunhas (Hb 1:14). Seu ministério aos santos é pouco frequente e, geralmente, alarmante para aqueles que o recebem, como foi o caso aqui. No entanto, a mensagem deles era bem definida. “(Ele) não está aqui”, foi a parte negativa, e que as mulheres puderam verificar por si mesmas. A palavra positiva foi: “Ele ressuscitou” (ARA). Isso elas não puderam verificar, por enquanto, e, portanto, não parecem tê-las impressionado profundamente.

Segue-se, nos versículos 9-14, um breve resumo das três impressionantes aparições do Senhor ressuscitado; relatos que nos são mais detalhados nos outros evangelhos.

Primeiro vem o de Maria Madalena, que nos é dado tão plenamente no evangelho de João. Ela foi a primeira a realmente ver o Senhor em ressurreição: Marcos coloca esse fato além de qualquer dúvida. Isso é significativo, pois mostra que o Senhor pensava em primeiro lugar naquele cujo coração fosse, pela Sua perda, talvez mais devastado do que qualquer outro. Em outras palavras, o amor teve a primeira reivindicação em Sua atenção. Como resultado, ela realmente acreditava e, portanto, era capaz de falar na forma de testemunho aos outros. Mas, mesmo assim, suas palavras não tiveram efeito apreciável. Os outros realmente amavam o Senhor, pois lamentaram e choraram, e a própria profundidade de sua dor mostrou evidência de seu amor pelo Senhor embora ainda não O tivessem visto.

Em segundo lugar, vem a Sua Aparição para os dois que iam de caminho para o campo, que nos é dado em Lucas com tantos detalhes. Estes não haviam negado a Ele como Pedro fez, mas tinham perdido tanta afeição que se afastavam de Jerusalém sem rumo certo, como se agora desejassem dar as costas a um lugar para eles cheio de esperanças frustradas e a mais trágica perda e desapontamento. Sua visão do Cristo ressuscitado reverteu seus passos e os trouxe de volta a seus irmãos com as boas novas. Mesmo isso, no entanto, não superou o seu desprezo incrédulo. Foi bom para nosso ensino que tenha sido assim. Ressurreição nos leva para fora da atual ordem das coisas, e Sua ressurreição é um fato de tão imensa importância que deve, de fato, ser estabelecido por múltiplas evidências incontestáveis.

Terceiro, Sua aparição aos onze. Talvez essa não seja uma das ocasiões que nos são apresentadas com mais detalhes em Lucas e João, pois diz: “estando eles reclinados à mesa” (AIBB). Tome o relato em Lucas, por exemplo – Ele dificilmente teria perguntado: “Tendes aqui alguma coisa que comer?” se eles estivessem se reclinando à refeição. A presença de comida teria sido óbvia demais. Esta pode, portanto, ter sido uma ocasião não relatada nos outros evangelhos. Nesta ocasião Ele manifestou a incredulidade deles como uma questão de reprovação, e ainda assim, Ele lhes deu uma comissão.

É notável como as comissões registradas nos quatro evangelhos diferem uma da outra. Aquilo que é afirmado em Atos 1:3, nos prepararia para isso. Muitas vezes durante os quarenta dias Ele apareceu para eles, falando de coisas relacionadas ao reino de Deus. Durante esse tempo, Ele evidentemente apresentou a eles sua comissão sob diferentes pontos de vista, e Marcos nos dá um deles. Podemos muito bem nos admirar que, tendo sido forçado a censurá-los por sua incredulidade, Ele iria enviá-los para pregar o evangelho para que os outros cressem. Mas, afinal de contas, aquele que pela dureza de coração tem sido teimoso na incredulidade é, quando completamente conquistado, uma testemunha valiosa para os outros.

O escopo desta comissão do evangelho é o maior possível. É “todo o mundo” e não apenas a pequena terra de Israel. Além disso, deve ser pregado a “toda criatura”, e não apenas ao judeu. É, em outras palavras, para todos em todos os lugares. A bênção que o evangelho transmite é de natureza espiritual, pois traz salvação, quando a fé está presente e o batismo é submetido. Não devemos transpor as palavras, batizado e salvo, e escrever: “Quem crer e for salvo, será batizado”.

Em nenhuma escritura o batismo está ligado à justificação ou à reconciliação, mas há outras escrituras que conectam o batismo com a salvação. Isto é porque salvação é uma palavra de grande abrangência, e inclui dentro de seu escopo a libertação prática do crente de todo o sistema mundial, seja do caráter judaico ou gentio, em que uma vez ele estava conectado. Suas ligações com esse sistema mundial devem ser cortadas, e o batismo estabelece o corte desses elos – em uma palavra, a dissociação. Aquele que crê no evangelho e aceita o corte de suas ligações com o mundo que o prendeu, é um homem salvo. Um homem pode dizer que ele crê, e até mesmo o faz na realidade, mas se ele não se submeter ao corte dos velhos elos, ele não pode ser considerado salvo. O Senhor conhece os que são Seus, claro, mas isso é outro assunto.

Quando se trata de “condenação”, o batismo não é mencionado. Isso é muito significativo. Mostra o terreno sobre o qual repousa a condenação. Mesmo que um homem seja batizado, se ele não crer, será condenado. A ordenança externa é claramente prescrita pelo Senhor, mas só pode ser administrada se fé é professada; e a profissão, como sabemos muito bem, não é sinônimo de posse. A salvação não é eficaz à parte da fé.

Há muita controvérsia em torno dos versículos 17 e 18. As coisas milagrosas mencionadas são, por alguns, conectadas com os pregadores do evangelho, e afirma-se que elas devem estar em plena manifestação hoje. Duas ou três coisas podem ser úteis.

Em primeiro lugar, as coisas devem seguir não os que pregam, mas os que creem.

Em segundo lugar, o Senhor afirma que esses sinais se seguirão, independentemente de quaisquer condições anteriores por parte do pregador. Não há estipulação de que ele deva experimentar um “batismo do Espírito” especial, como é frequentemente instigado. Se os homens crerem, estes sinais seguirão; assim diz o Senhor. Tudo o que poderia ser deduzido de sua ausência seria que ninguém realmente creu.

Em terceiro lugar, certas palavras não aparecem na declaração, e que alguns parecem ler mentalmente. Ela não diz que estes sinais vão seguir todos que creem, em todos os lugares, e todo o tempo. Se dissessem assim, deveríamos chegar à conclusão de que até hoje quase ninguém creu no evangelho; nem nós mesmos cremos nele!

Estas palavras do nosso Senhor, é claro, foram cumpridas. Podemos apontar quatro coisas das cinco ocorrências, conforme registrado no livro de Atos. Não temos registro da quinta coisa – beber alguma coisa mortífera sem sofrer danos – mas não temos sombra de dúvida de que isso aconteceu. Ele disse que aconteceria e acreditamos n’Ele. Sua palavra é suficiente para nós. Ele dá os sinais de acordo com o Seu próprio prazer e quando vê que sejam necessários.

Os dois versículos que encerram o nosso evangelho são extremamente formosos. Lembramos que ele colocou diante de nós nosso Senhor como o grande Profeta, que nos trouxe a completa Palavra de Deus, o Servo perfeito, que realizou plenamente Sua vontade. Tudo foi relatado com notável brevidade, como se torna tal apresentação de Si mesmo. E agora, no final, com a mesma brevidade, o fim da maravilhosa história está diante de nós. Tendo o Senhor comunicado aos Seus discípulos tudo o que desejava: “foi recebido no céu e assentou-Se à direita de Deus”.

Da Terra Ele foi expulso, mas é recebido no céu. Suas obras na Terra foram recusadas, mas agora Ele toma Seu assento em uma posição que indica administração e poder de um tipo irresistível. Mas é colocado que Ele foi “recebido”, e assim o que é enfatizado é que tanto a Sua recepção como a Sua sessão de administração são devidas a um ato de Deus. O Servo perfeito pode ter sido recusado aqui, mas pelo ato de Deus, Ele toma o lugar de poder, onde nada impedirá Sua mão de realizar a vontade do Senhor.

O último versículo indica a direção em que Sua mão está se movendo durante o tempo presente. Ele ainda não está tratando com a Terra rebelde no governo justo: isso Ele fará quando a hora chegar, de acordo com o propósito de Deus. Hoje, Seus interesses estão centrados na propagação do evangelho, como Ele acabara de indicar. Seus discípulos saíram pregando sem fronteiras ou limitações, mas o poder que deu eficácia às palavras e trabalhos deles era Seu, e não deles. De Seu elevado assento no alto, Ele trabalhou com eles e deu os sinais que Ele prometeu, conforme registrado nos versículos 17 e 18. Ele deu estes sinais para confirmar a palavra, e essa confirmação foi especialmente necessária no início de sua proclamação.

Embora os sinais dos versículos 17 e 18 sejam raramente vistos hoje, os sinais ainda seguem a pregação, sinais na esfera moral e espiritual – personalidades e vidas são completamente transformadas. O Servo perfeito, à destra de Deus, ainda está trabalhando.

Notas

[←1]

N. do T.: Alqueire (do árabe al kayl) designava originalmente uma das bolsas ou cestas de carga que se colocavam, atadas, sobre o dorso e pendente para ambos os lados dos animais usados para transporte de carga.

[←2]

N. do T.: O autor – Frank Binford Hole – viveu entre 2/2/1874 e 25/1/1964, tendo escrito estes comentários na primeira metade do século XX.

[←3]

N. do T.: “Jota” – Refere-se à letra hebraica “ י ” (yod), a menor no alfabeto hebreu (Mt 5:18). A palavra usada é “jota”, que é a palavra grega equivalente para a mesma letra. “Concise Bible Dictionary”, pág. 454.

[←4]

N. do T.: “Til” – Suposto como se referindo ao menor sinal no alfabeto hebreu que serve para distinguir uma letra de outra, como “ ב ” diferencia-se de “ כ. ” – O menor ponto da lei deve ser cumprido. Mateus 5:18; Lucas 16:17. “Concise Bible Dictionary”, pág. 776.

[←5]

N. do T.: γέεννα – Geena é o equivalente grego para duas palavras hebraicas, significando “vale de Hinom”. Era o lugar perto de Jerusalém, onde os judeus faziam seus filhos passarem pelo fogo como sacrifício a deuses pagãos, e que depois foi profanado (2 Rs 23:10). Um fogo contínuo tornou-o um símbolo adequado do lugar do castigo eterno (Mt 5:22, 29, 30; 10:28; 18:9; 23:15, 33; Mc 9:43, 45, 47; Lc 12:5; Tg 3:6). No Velho Testamento, o local acima mencionado de contaminação e fogo também é chamado de Tofete (2 Rs 23:10; Is 30:33; Jr 7:31-32, 19:13) “Concise Bible Dictionary”, pág. 307.

[←6]

N. do T.: Isto é frequentemente chamado de “o vale do filho de Hinom”, mas não se sabe quem eram Hinom e seu filho (Js 15:8, 18:16; Ne 11:30). O vale que se estende de leste a oeste, ao sul de Jerusalém, leva agora esse nome. Supostamente no seu extremo leste, as crianças eram passadas pelo fogo em sacrifício a falsos deuses (Jr 7:31, 32, 32:35). Para evitar isso, Josias profanou a Tofete que estava neste vale (2 Rs 23:10; 2 Cr 28:3, 33:6). O profeta Isaías dá a explicação de ele ser associado no Novo Testamento (sob o nome de Geena) com o castigo eterno: “Porque uma Tofete (fogueira – ARA) está preparada desde ontem; sim, está preparada para o rei; ele a fez profunda e larga; a sua pilha é fogo, e tem muita lenha; o assopro do Senhor como torrente de enxofre a acenderá” (Is 30:33). Nos juízos de Deus, o vale se tornará o “Vale da Matança” (Jr 19: 2-14). “Concise Bible Dictionary”, pág. 365.

[←7]

N. do T.: Em Jó 25:6 o homem é comparado a um “verme” – literalmente um gusano (ARA – um verme onde há matéria orgânica em decomposição) – uma apta figura para descrever a corrupção moral. “Concise Bible Dictionary”, pág. 845

[←8]

N. do T.: Rabi é um título de respeito entre os judeus, significando “mestre”, “instrutor”, mas não se sabe que tenha sido usado até a época de Herodes, o Grande. Foi aplicado ao Senhor, embora muitas vezes traduzido como “mestre” (Mc 9:5, 11:21, 14:45; Jo 1:38, 49, 3:2, 26, 4:31, 6:25, 9:2, 11:8. Jesus proibiu os discípulos de serem chamados de Rabi, pois um era seu Mestre (καθηγητής – instrutor), a saber, Cristo (Mt 23:8). De acordo com os judeus, as graduações de honra subiam de rabi a rabino, e daí para raban ou raboni (Jo 20:16) “Concise Bible Dictionary”, pág. 647.

[←9]

N. do T.: Essa palavra, que é a mesma no grego, é considerada ser composta de duas palavras hebraicas e significa “salve agora”, como em Salmo 118:25. No Novo Testamento o sentido parece ser “concede bênçãos”. “Concede bênçãos sobre o Filho de Davi: concede bênção [Ó Tu que estás] ao mais alto” Mt 21:9; Mc 11:9-10; Jo 12:13

[←10]

N. do T.: O Senhor Se referiu a dois “séculos”: “o presente século” (o período mosaico, desde o Sinai, com a entrega da Lei, até a Sua Aparição, no final da tribulação. Após Sua rejeição, o “presente século” tornou-se “o presente século mau_”_ – Gl 1:4), e o **“século futuro”** (Mt 12:32) – o Milênio. Também houve **“outros séculos”** (Ef 3:5) – os períodos antediluviano, Patriarcal etc., e haverá também os **“séculos dos séculos” –** a eternidade (Gl 1:5 – ARA).

[←11]

N. do T.: Pensamento ou argumento que contraria os princípios do pensamento humano. É o oposto do que alguém pensa ser a verdade.

^
Topo