F. B. Hole

O Evangelho Segundo JOÃO

O Evangelho Segundo JOÃO

Comentário Sobre o

Novo Testamento

F. B. Hole

O EVANGELHO SEGUNDO JOÃO – Comentário Sobre o Novo Testamento

Frank Binford Hole

Título do original em inglês: The Gospel of John

Texto obtido com autorização de STEM Publishing

www.stempublishing.com/

Traduzido, publicado e distribuído no Brasil por:

ASSOCIAÇÃO VERDADES VIVAS, uma associação sem fins lucrativos, cujo objetivo é divulgar o evangelho e a sã doutrina de nosso Senhor Jesus Cristo.

atendimento@verdadesvivas.com.br

Primeira edição em português – novembro 2019

e-Book v.1.0

Abreviaturas utilizadas:

ARC – João Ferreira de Almeida – Revista e Corrigida – SBB 1969

ARA – João Ferreira de Almeida – Revista e Atualizada – SBB 1993

TB – Tradução Brasileira – 1917

ACF – João Ferreira de Almeida – Corrigida Fiel – SBTB 1994

AIBB – João Ferreira de Almeida – Imprensa Bíblica Brasileira – 1967

JND – Tradução inglesa de John Nelson Darby

KJV – Tradução inglesa King James

Todas as citações das Escrituras são da versão ARC, a não ser que outra esteja indicada.

JOÃO 1

O evangelho de João foi claramente escrito algum tempo depois dos outros três evangelhos. Mateus, Marcos e Lucas contaram, em sua maneira divinamente inspirada, a história do nascimento, dos primeiros anos e da entrada no ministério de Jesus Cristo, e João considera esses relatos como reconhecidos, pois sem isso seus parágrafos iniciais dificilmente seriam inteligíveis. À medida que o primeiro século chegava ao fim, havia decorrido tempo suficiente para o lançamento de ataques à Pessoa de Cristo, como sendo a própria cidadela1 da fé, e havia noções filosófico-pagãs, flutuando por toda parte e se ligando à doutrina, o que teria sido desastroso se elas não tivessem sido enfrentadas na energia do Espírito de Deus. Dessa forma, essa energia foi colocada nos escritos do apóstolo João, cerca de um quarto de século, ao que parece, depois que Paulo e Pedro terminaram suas carreiras.

Os primeiros Cristãos ficaram muito perturbados com os, assim chamados, “gnósticos”, isto é, os “conhecedores”. Tornamo-nos familiarizados com os agnósticos, que são pessoas que negam que seja possível qualquer conhecimento correto de Deus e de Suas coisas. Os gnósticos estavam no polo oposto: afirmavam serem iniciados e terem o conhecimento superior, mas suas teorias negavam tanto a Divindade essencial quanto a verdadeira Humanidade de Jesus. Depois houve aqueles que separaram Jesus do Cristo. O Cristo era para eles um ideal, um estado no qual o homem poderia se tornar; enquanto Jesus era o Homem histórico que apareceu em Nazaré. O evangelho que João escreveu enfrenta esses erros e foi escrito com esse propósito.

Antes de considerar as palavras de abertura, será bom ler os dois versículos que concluem João 20, pois neles está estabelecido o motivo diante da mente do Espírito ao escrever este evangelho. Os milagres registrados são todos “sinais” que provam que Jesus é o Cristo – de modo que não há separação entre os dois. Eles provam que Ele também é o Filho de Deus; estabelecendo assim a Sua Deidade. Com fé nessas coisas a vida é encontrada; enquanto recusá-las é permanecer na morte. Este é o objetivo do Espírito de Deus neste evangelho e precisaremos mantê-lo continuamente diante de nós enquanto avançamos através dele. Perceberemos que isso é uma chave muito importante para destrancar seus tesouros.

As palavras iniciais do primeiro versículo nos levam de volta ao momento mais remoto que nossa mente é capaz de conceber: o momento em que começou a primeira coisa que jamais teve um começo; o momento do outro lado no qual havia apenas – DEUS. Naquele momento de “princípio” o Verbo “era”, isto é, existia. Ele não começou ali; Ele existia então. Seu Ser eterno é proclamado e somos levados de volta para antes das palavras iniciais de Gênesis 1. Além disso, Ele estava “com Deus”. Nossa mente ainda está de volta àquele momento remoto, e descobrimos que ali Ele possuía Personalidade distinta. O Verbo não é um título da Divindade de uma maneira geral, à parte de qualquer distinção especial, pois, o estar “com Deus”, um lugar especial e distinto, é definitivamente declarado.

Sendo assim, a mente racional estaria inclinada a argumentar: então não podemos falar do Verbo como sendo Deus em qualquer sentido completo ou apropriado; mesmo que Ele não seja exatamente uma criatura, visto que Ele existia antes da criação. Tal raciocínio é categoricamente contradito pelas palavras finais do versículo 1, “o Verbo era Deus”. Deidade essencial era d’Ele. Tentativas foram feitas para enfraquecer a força desta grande declaração, e traduzi-la como “o Verbo era Divino”, ou “o Verbo era um deus”, baseada na omissão do artigo definido; isto é, não é dito: “o Verbo era o Deus”. Mas nos é dito por aqueles que conhecem o grego que não há nessa língua qualquer artigo indefinido, e a palavra traduzida por “Deus” é forte, indicando a própria e absoluta Deidade; e se tivesse afirmado que o Verbo era o Deus, teria confinado Deidade ao Verbo e excluída das outras Pessoas da Divindade. As palavras são escolhidas com precisão divina: o Verbo era propriamente e absolutamente Deus.

Então o segundo versículo nos leva de volta à primeira e segunda afirmações do versículo 1. Essa Personalidade distinta que descreve o caráter do Verbo não é algo que foi assumido em algum ponto subsequente do tempo. A Personalidade Eterna era d’Ele. No princípio Ele estava assim “com Deus”, pois essa distinção de Personalidade está na própria essência da Divindade. Assim, tivemos quatro coisas declaradas do Verbo. Seu Ser eterno; Sua Personalidade distinta; Sua Deidade essencial; Sua eterna Personalidade. Qualquer outra coisa que tenhamos que aprender sobre o Verbo, aqui estão quatro coisas que deveriam nos curvar em humilde adoração.

Somos confrontados com uma quinta coisa no terceiro versículo: Ele é o Originador Criacional, e isso no mais pleno sentido. Agora chegamos às coisas que foram feitas; isto é, que vieram a existir. Nos versículos 1 e 2, uma palavra diferente é usada. O Verbo não veio a existir: Ele era, porque o Seu ser era eterno. Mas Ele originou tudo o que veio a existir, pois criou “todas as coisas”. Para não deixar a menor lacuna para um erro, isso é enfatizado na segunda parte do versículo. A linguagem é notável em vista da moderna “falsamente chamada ciência”, tão amplamente popularizada, que se empenha em explicar tudo “sem Ele”. Mentes incrédulas agarram-se à teoria da evolução, apesar de uma escassez patética de fatos para apoiá-la, e as evidências alegadas, são da descrição mais frágil, porque enquanto glorifica o homem, ela elimina o ELE. Mas na verdade Ele não pode ser eliminado. De todas as incontáveis coisas que originalmente receberam existência, nenhuma delas a recebeu à parte d’Ele.

Pondere esse fato; pois aqui temos a explicação dos céus declarando a glória de Deus, e do fato de que Deus foi feito conhecido em certa medida na criação, como é indicado em Romanos 1:19-20. O Verbo criou todas as coisas e, portanto, na criação existe uma verdadeira expressão, tão longe quanto possa chegar, do próprio Deus e de Sua mente. Damos expressão aos nossos pensamentos por meio de verbos; e a importância deste grande nome, VERBO, é que aqu’Ele que O carrega é a expressão de tudo o que Deus é; e, como os versículos 1 e 2 mostram, Ele mesmo, na Sua essência, É tudo aquilo que Ele expressa. A criação, da forma como brotou por meio do Verbo, não era algo sem sentido, desordenadamente misturado, mas uma declaração do poder e sabedoria de Deus.

Alcançamos, então, um sexto grande fato no quarto versículo. O Verbo tem vitalidade essencial. N’Ele, a vida não é derivada, mas original e essencial. Juntando isto com tudo o que foi afirmado antes, percebemos quão plenamente a inerente Deidade do Verbo é declarada e guardada. As palavras usadas são da maior brevidade e simplicidade – a maioria das palavras utilizadas nos primeiros quatro versículos é um monossílabo – mesmo assim estão carregadas com uma plenitude divina de significado, e como a espada do querubim em Gênesis 3:24, elas direcionam todos os detalhes para manter inviolada em nossa mente a verdade concernente aqu’Ele que é a Árvore da Vida para o homem. Este evangelho nos mostrará agora quão verdadeiramente a vida do crente é derivada d’Ele, mas o ponto no versículo 4 não é isso, mas que “a vida era a luz dos homens”. Este é o ponto que é retomado mais plenamente nos primeiros versículos da primeira epístola de João. A vida se manifestou e, consequentemente, o Deus que é luz veio para a luz e, sob essa luz, o crente caminha.

A luz na qual os homens devem andar não é meramente a da criação – por mais maravilhoso que seja – mas naquilo que foi exposto nas ações e palavras do Verbo. Quando o Verbo foi manifestado, a luz brilhou, mas a cena, em que a manifestação foi feita, foi de trevas. Em Gênesis 1, lemos como, pela palavra divina, a luz da criação irrompeu nas trevas; e oh! As trevas desapareceram. Aqui, temos a luz de uma ordem muito superior e aparece em meio às trevas morais e espirituais, que só poderiam ser dissipadas por uma verdadeira apreensão da luz. Mas ai! Essa apreensão estava faltando. No entanto, embora as trevas permanecessem, não havia outra luz para os homens além de “a vida”. Não há contradição nessas afirmações, pois, como tantas vezes, João está falando aqui das coisas de acordo com sua natureza abstrata, e ainda não chegou à narração histórica dos eventos.

Mas como aconteceu que a vida no Verbo realmente brilhasse nas trevas e se tornasse luz para os homens? A resposta a essa pergunta está no versículo 14. Antes de chegarmos a esse versículo, temos o importante parágrafo, versículos 6-13, onde começamos a ver as coisas de um ponto de vista histórico, e João Batista é introduzido para trazer à tona a suprema importância da “verdadeira Luz”. Esse João foi apenas um homem que apareceu como enviado por Deus; Sua missão é dar testemunho da Luz. É verdade que ele é chamado de “a candeia … que alumiava” em João 5:35, mas a palavra usada ali é “lâmpada” (ARA) em vez de “luz”. João brilhou como uma lâmpada e prestou testemunho, mas a verdadeira Luz é Ele que “vindo ao mundo ilumina todo homem” (JND). Não é que todo homem seja iluminado, ou o versículo 5 seria contraditório, mas que Ele não era uma luz parcial, mas sim como o Sol que lança seus raios universalmente. Nenhuma nação poderia ter o monopólio da verdadeira Luz; assim, imediatamente, este evangelho leva nossos pensamentos para além das fronteiras estreitas de Israel.

No restante deste parágrafo (vs. 10-13), temos mais declarações de natureza histórica que ampliam e esclarecem o que nos foi dito nos versículos 4 e 5. Já aprendemos que o Verbo é uma Pessoa na Divindade, que Sua vida brilhou como luz para os homens, embora no meio das trevas; agora descobrimos que o mundo era o lugar daquelas trevas, nas quais Ele entrou e que, embora tivesse feito o mundo, ele se tornara tão alienado que não O conhecia. Neste versículo novamente não é Israel ou o judeu, mas o mundo. A luz, que foi derramada por meio dos profetas, pode ter sido confinada a Israel, mas não o brilho da verdadeira Luz.

O apóstolo João frequentemente menciona o mundo em seus escritos, e ele sempre usa uma palavra “cosmos”, ou seja, o universo como um todo ordenado, ou às vezes, em um sentido mais restrito, apenas o nosso mundo como um todo ordenado. Esse é o sentido do mundo neste versículo. Como Criador, Ele fez o universo como um todo ordenado, e um momento maravilhoso chegou quando Ele foi encontrado naquele cosmos de uma maneira especial. Ele estava lá entrando nesse cosmos mais restrito e menor, o que, infelizmente, se tornou pervertido e alienado pelo pecado – tão pervertido que nem mesmo a Ele conheceu.

Então, estreitando ainda mais o ponto, Ele chegou realmente a um canto mais obscuro daquele cosmos, onde foram encontradas Suas próprias coisas, como havia sido indicado pela profecia; mas Seu próprio povo – Israel – com quem aquelas coisas estavam conectadas, não O recebeu. Ele foi rejeitado, pois as trevas não puderam apreendê-Lo. Mas, embora fosse assim, havia exceções, como este evangelho continuará a nos mostrar. Alguns O receberam, crendo em Seu Nome. Eles não eram das trevas. Seus olhos estavam abertos e eles O apreenderam, vendo e crendo na glória de Seu Nome. Como consequência, receberam d’Ele autoridade para se tornarem filhos de Deus, e não judeus melhores e mais iluminados. A palavra “filhos (uihos)2 aqui significa especificamente “nascidos de Deus”; esta é outra palavra que João usa habitualmente, em vez da palavra “filhos (teknon), que é mais usada por Paulo. Há uma pequena diferença entre as duas. Está em vista o mesmo bendito relacionamento com Deus, mas, como “filhos (teknon), nossa maturidade e posição nessa relação estão mais em destaque; como “nascidos de Deus (uihos)”, a ênfase é colocada no fato de que nascemos verdadeira e vitalmente de Deus.

Essa é a ênfase aqui, como mostra o versículo 13. O judeu se vangloriava de ter o sangue de Abraão em suas veias, assim como hoje um homem pode gabar-se de ter nascido de sangue aristocrático ou mesmo real. Aquelas almas humildes, que, como exceções à regra, receberam a Cristo quando Ele veio, nasceram de Deus. A vontade da carne nunca teria produzido isso, pois a carne é totalmente oposta a Deus. A vontade do homem, nem mesmo dos melhores homens, poderia ter produzido isso: está totalmente além dos poderes do homem. O nascimento deles foi de Deus, como um ato divino; e aqu’Ele que eles receberam em fé deu-lhes o direito formal de tomar o lugar que essencialmente lhes pertencia.

Como foi que as almas piedosas, de quem temos um vislumbre em Lucas 1 e 2, receberam o Cristo no instante em que Ele apareceu? Não porque tivessem o sangue de Abraão: não porque a carne neles era de um tipo tão superior que os impelia a fazê-lo: não porque fossem influenciados pela poderosa vontade de algum homem bom. Simplesmente porque eles nasceram de Deus. Foi um ato divino. Quando chegarmos a João 10, encontraremos o mesmo fato básico declarado de outra maneira. Quando o Pastor chegou ao rebanho, encontrou alguns que eram “suas próprias ovelhas”, que ouviram Sua voz e foram conduzidas por Ele. Havia muitos que eram Suas ovelhas num aspecto nacional, mas que não eram Suas próprias ovelhas no sentido em que Maria Madalena e os discípulos e a família de Betânia e Simeão e Ana estavam. Essas pessoas nascidas de Deus foram as que O receberam.

Agora, no versículo 14, retornamos ao tema do versículo 5, e encontramos um sétimo grande fato quanto ao Verbo. Ele Se fez carne e habitou entre nós. Os versículos 1 e 2 nos dizem o que Ele era essencialmente e eternamente. O versículo 14 nos diz em que Ele Se tornou. Ele Se tornou carne; isto é, Ele assumiu a Humanidade perfeita; e assim todos os outros seis grandes fatos nos são revelados e se tornam disponíveis para nós. Somente quando Ele Se colocou em relação com a criatura dessa maneira, é que este Ser absoluto e com existência própria pôde ser corretamente conhecido pelos homens.

O fato de que o Verbo Se fez carne garante não apenas que Ele possuía um corpo humano real (que foi negado por alguns dos primeiros hereges), mas também que passou por anjos e “tomou a semente de Abraão” (Hb 2:16), Ele havia Se tornado, em todo o sentido, um homem. É significativo que é neste evangelho, que começa com uma afirmação tão completa de Sua divindade, que Ele fala de Si mesmo como um “Homem” (8:40). Por fim, tudo o que Deus é, foi revelado a homens em um Homem. Ele habitou entre nós “cheio de graça e verdade”. A base de toda verdade está no conhecimento de Deus. Se esse conhecimento chegasse a nós apartado da graça, teria nos destruído; mas aqui estava Um cheio de graça e verdade, e habitando entre nós.

No versículo 14, há um parêntese colocado entre colchetes em nossas bíblias3, mas o versículo 15 também é um parêntese, embora não colocado entre colchetes. O primeiro nos diz que os apóstolos, e tantos outros “quantos O receberam” (v. 12), viram Sua glória, e foi “como de um unigênito com um pai” (JND), e não como a glória do Sinai. Essa era a glória atribuída à Majestade e à justa exigência; esta era a glória conectada com um relacionamento íntimo e afetuoso.

O segundo parêntese traz brevemente o testemunho de João, que é referido mais detalhadamente em alguns versículos depois, para mostrar que ele discerniu a pré-existência e, portanto, a glória divina daqu’Ele de Quem ele deu testemunho. Historicamente Ele veio depois dele, tanto em Seu nascimento como em Sua entrada no ministério, mas Ele existiu antes dele, e assim tomou o primeiro e supremo lugar.

Eliminando em nossa mente os dois parênteses, teremos, “o Verbo Se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e verdade; e todos nós recebemos também da Sua plenitude”. Novamente aqui é afirmado o resultado para “nós” que cremos. Somente “todos quantos O receberam” podem verdadeiramente dizer “nós recebemos” da Sua plenitude; mas estes tais podem dizê-lo, e todos esses “quantos” podem em sua totalidade, graças a Deus! A plenitude da graça e a plenitude da verdade são a porção de cada um, até mesmo do mais fraco, embora eles nunca conseguirão explorar toda a plenitude dela. Graça é especialmente enfatizada. Precisamos dela, empilhadas às alturas das montanhas – “graça sobre graça”. Por meio de Moisés a lei foi dada, formulando as exigências de Deus, mas não estabelecendo nada. A graça e a verdade surgiram aqui e foram estabelecidas pelo advento de Jesus Cristo.

Finalmente, João claramente identificou a Pessoa, conhecida entre os homens que é o Verbo. O Verbo Se fez carne, habitando entre nós, cheio de graça e verdade. E a maravilha é que essa plenitude está em Jesus Cristo. Este magnífico prefácio ao evangelho levou-nos diretamente a JESUS.

Tendo chegado lá, nos é dado um outro vislumbre de Sua glória. Ele é o Revelador do Deus que nenhum homem jamais viu. Como o Filho Unigênito que está no seio do Pai, Ele poderia declará-Lo plenamente como o Pai. Na palavra “seio”, temos uma figura humana, mas não devemos usá-la de maneira humana. A figura é usada em outro lugar nas Escrituras como indicando união mais próxima e intimidade mais completa. O Filho é tão uno com o Pai e na intimidade de Sua mente, que Ele pode declará-Lo em perfeição. Nosso versículo não diz que Ele estava, como se fosse um lugar que Ele poderia ter deixado, mas que ELE ESTÁ. É um estar eterno, Ele sempre esteve, está e estará no seio do Pai. Assim, o Verbo fazendo-Se carne significava a vinda da graça e da verdade e a declaração completa de Deus como Pai.

Os versículos 19–28 nos dão o testemunho de João, prestado enquanto ele estava batizando no Jordão; um lado totalmente diferente do que é registrado em outros evangelhos. Houve primeiro o lado negativo, uma vez que os líderes religiosos estavam curiosos sobre ele e queriam saber se ele era o Cristo, ou Elias, ou o profeta de quem Moisés havia falado. Seu testemunho foi firme; ele não era nenhum desses, mas apenas a voz que clamava no deserto, de quem Isaías havia falado. Então, quando questionaram seu batismo, veio seu testemunho positivo. Já havia Alguém entre eles que eles não conheciam, muito maior do que ele mesmo, a Quem ele não era digno de desatar as correias das Suas sandálias. Pelo uso dessa figura, João expressou sua percepção da glória suprema daqu’Ele que estava prestes a Se manifestar.

Este foi o começo do testemunho de João o qual aumentou em exatidão e intensidade como os versículos seguintes mostram.

Algumas das poderosas implicações da encarnação vêm diante de nós na última parte do capítulo. Encontramos no primeiro capítulo de João não apenas muitos de Seus Nomes e Títulos, mas também um desdobramento dos variados ofícios e funções com que Ele Se ocupa.

Os grandes da Terra preenchem vários papeis. A rainha, por exemplo, aparece em uma ocasião como Comandante Chefe, em outra como uma Benfeitora, e assim por diante. Como Chefe de Estado, ela cumpre essas funções e outras além dessas. Não é de surpreender, portanto, que o Verbo, fazendo-Se carne, deva assumir cargos e cumprir funções de imenso alcance e significado eterno. Ao lermos o versículo 29 e observarmos o testemunho de João, nos encontramos com o primeiro da série. Ele é “o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo (kosmos).

João disse de fato: “Eis o único SACRIFÍCIO efetivo, que nunca seria repetido, de valor eterno”. No Velho Testamento, o cordeiro tinha sido especialmente marcado como o animal dedicado ao uso sacrificial: daí o título aqui. Jesus é o Cordeiro da provisão de Deus, e se Ele tira por sacrifício o pecado do mundo – não apenas o seu pecado ou o meu, ou o pecado de Israel, mas o pecado de todo o “cosmos” – então tem sido efetuada uma obra de tal magnitude cujo estabelecimento permanece para a eternidade. A coisa deve ser EXECUTADA, e aqui está o EXECUTOR dela. Geralmente pensamos no pecado em suas manifestações e inumeráveis detalhes, mas aqui ele é considerado como um problema gigantesco e terrível, encontrando sua completa solução e remoção. Deus terá um cosmos – o universo como um todo ordenado – totalmente e eternamente purificado do pecado; e aqui está aqu’Ele que por Seu sacrifício realiza isso. Ele é o Sacrifício de todos os tempos e nisso vemos a base de tudo o que se segue. Se Ele não fosse isso, não haveria nada a ser feito no caminho da bênção e da glória.

João procedeu a identificar Jesus como aqu’Ele de Quem ele havia falado anteriormente e a declarar que o objeto de seu batismo não era meramente a manifestação do remanescente divino em Israel, mas a manifestação do Cordeiro de Deus a Israel. João viu o Espírito descer sobre Ele como uma pomba descendo e permanecendo – não descendo e retornando, como a pomba que Noé enviou. Foi dito a João, quando foi comissionado, que esse era o sinal que identificava aqu’Ele a Quem ele deveria agir como precursor, e assim aconteceu; aqu’Ele que iria batizar não apenas com água, mas com o Espírito Santo.

Ao dizer isso, João evidentemente apresentou Jesus como o grande ABENÇOADOR. Como o Sacrifício, Ele tira o pecado do mundo: como o Abençoador Ele preenche o mundo com a luz e a energia do Espírito de Deus. É claro, portanto, que aqui temos duas partes de um todo, e ambas as declarações estão em linhas amplas e abrangentes. Cada crente hoje tem seus pecados removidos e recebe o Espírito Santo e é um pequeno item dentro de um todo. Mas o ponto aqui é o todo, considerado abstratamente. Ainda não vemos o pecado totalmente removido e o Espírito derramado sobre toda a carne; mas aqui estava aqu’Ele que fará esses fatos acontecerem.

A conclusão de João, declarada no versículo 34, é de muita importância. Ela certificava a João o testemunho que ele deu nos versículos 15 e 27. Aqui estava o Filho de Deus, e da Sua Filiação ele pôde dar testemunho. O Espírito Santo é uma Pessoa na Divindade, e aqui está um Homem que tem essa Pessoa Divina à Sua disposição, para derramá-Lo como um batismo. Quem pode ser este Homem? Ninguém menos do que o Filho de Deus – outra Pessoa na Divindade. Assim somos imediatamente conduzidos ao ponto que é o objetivo principal deste evangelho (cap. 20:31). O Filho estava aqui em Humanidade; então tal coisa poderia acontecer. O Filho de Deus e o Verbo são um.

No dia seguinte, João deu um testemunho semelhante, concentrando-se apenas na Própria Pessoa, e não em Sua obra. Ainda assim, foi a Pessoa em Seu caráter como o Cordeiro sacrificial, e é quando Ele Se reveste deste caráter que Ele Se torna especialmente atraente, como Apocalipse 5 mostra. Essa atratividade foi sentida aqui, pois dois dos discípulos de João O ouviram falar assim e imediatamente deixaram João para se apegarem a Jesus. Nenhum serviço mais verdadeiro pode ser atribuído a Deus do que aquele que desvia os ouvintes do servo humano e os une a Cristo. João Batista era um servo muito verdadeiro.

Jesus não impediu os dois discípulos em seu desejo de estar com Ele; antes, os encorajou a permanecer com Ele. Ele não é apenas o Sacrifício e o Abençoador, mas também o CENTRO a Quem todos devem ser reunidos. Os dois discípulos haviam descoberto isso por uma espécie de instinto, e a ação deles é suficiente para colocá-Lo diante de nós nessa função. Nesse momento, temos o Senhor dizendo: “Eu, quando for levantado da Terra, todos atrairei a Mim” (cap. 12:32) e nos dias vindouros isso será visivelmente cumprido. Mas entre todas as miríades, André e o outro discípulo terão a distinção de terem sido os primeiros a descobrir o Centro divinamente apontado em Jesus.

O versículo 41 nos mostra que o que havia acontecido tinha revelado à alma de André que Jesus era o Cristo. Novamente devemos pensar sobre esse versículo no capítulo 20 – Ele era o Batizador com o Espírito Santo, portanto, o Filho de Deus; Ele era o Centro, nomeado por Deus, portanto, o Cristo. A primeira ação de André foi procurar seu próprio irmão Simão e testificar a ele da sua descoberta, e assim “o levou a Jesus”. Muitas vezes tem sido assim desde então, que o homem mais impetuoso e notável tem sido conduzido ao Salvador por alguém de um tipo mais comum. Até onde temos algum registro, essa foi a coisa mais impressionante que André fez.

Simão estava sempre pronto para falar, e entre os discípulos era geralmente o primeiro a falar, mas quando trazido para Jesus ele não teve a primeira palavra. Jesus imediatamente mostrou que Ele sabia seu nome e ascendência, e então lhe deu um novo nome. Como vemos com Daniel e seus três amigos, grandes reis afirmaram sua propriedade sobre servos e escravos mudando seus nomes; da mesma maneira, quando Simão veio a Jesus, Ele afirmou Sua reivindicação sobre ele. Mas dando-lhe um nome que significava “uma pedra”, Ele fez mais do que isso: anexou Simão à edificação que Ele tinha em vista e, no momento, Simão não sabia de nada. Ele, de fato, no que diz respeito ao relato, nada tinha a dizer. O que o Senhor tinha em vista e o que Ele disse foi o que houve naquele momento.

Temos apenas de nos voltar para 1 Pedro 2, para descobrir que agora Simão sabia e tinha algo a nos dizer sobre isso. Vindo a Cristo, a Pedra Viva, ele se tornou pedra viva em vista da construção de Deus, que está ocorrendo durante a presente época; e, como ele nos mostra naquele capítulo, o que era verdadeiro para ele também é verdadeiro para nós, à medida que chegamos à Pedra Viva, cada um de nós por sua vez. Claramente, então, Jesus Se revelou como o CONSTRUTOR da casa de Deus pela maneira como conheceu Simão, embora o próprio Simão e os demais não soubessem disso na época. Essa é outra função que Jesus cumpre.

O próprio Jesus tomou a iniciativa ao encontrar Filipe, como mostra o versículo 43, apresentando-Se com a palavra: “Siga-Me”. A palavra evidentemente era suficiente. Ela O apresentou a Filipe como o LÍDER, que corretamente comanda a obediência leal de cada um e de todos. Filipe O seguiu e se tornou um que buscava outros, embora ainda não soubesse muito. Para Natanael Ele só poderia falar de “Jesus de Nazaré, filho de José”; nem era uma designação muito elevada nem muito correta daqu’Ele que ele havia acabado de começar a seguir. Isso teve o efeito de prejudicar um pouco Natanael: ainda assim, era suficiente levá-lo a um encontro com o Senhor.

Mais uma vez, Jesus tomou a iniciativa e por Sua exclamação inicial a Natanael Se revelou como o Ponderador do coração dos homens. Aqui estava um israelita, não sem pecado, mas sem dolo; isto é, sem engano ou desonestidade. Ali estava um homem que era correto e honesto em seu espírito diante de Deus; e Jesus sabia disso, como mostrou com a Sua resposta à pergunta admirada de Natanael: “Donde me conheces Tu?” O Senhor estava Se mostrando ser o JUIZ DE TODOS, diante de Quem todos os homens estavam nus e revelados, e Quem pode colocar cada homem em seu devido lugar. Natanael veio ver Jesus de Nazaré e descobriu aqu’Ele que sabia tudo sobre ele e o leu completamente, como se fosse um livro aberto. Quem poderia ser esse Jesus?

A resposta de Natanael é dada no versículo 49, e somos levados novamente a esse versículo em João 20:31. Ele é “o Filho de Deus”, e Ele também é “o Rei de Israel”. Como um fervoroso e piedoso israelita, ele estava esperando pelo Rei e estaria inclinado a estabelecer todas as possíveis ênfases ali. Mas, evidentemente, na presença deste Juiz dos homens e Ponderador dos corações, toda a ênfase estava no fato de que Ele deve ser o Filho de Deus; e se assim for, então é o Rei de Israel. Observe então como no versículo 50 Jesus aceitou a adoração de Natanael não como sendo fora do lugar, mas como fruto da fé. Ouvindo as palavras de Jesus, ele creu, e sua adoração era o fruto disso.

No versículo 50, parece haver um contraste entre ouvir e ver. Ouvir induz fé, mas um dia está chegando quando veremos coisas maiores do que ouvimos. Quando o dia chegar à vista, veremos o Filho do Homem como o grande ADMINISTRADOR do universo de luz e bênção de Deus. Os anjos terão seu lugar de serviço, mas todos os seus movimentos serão regulados e executados em referência a Ele. Esta função Ele cumprirá como Filho do Homem de acordo com o que é predito no Salmo 8. Esse Salmo fala d’Ele como “um pouco menor … do que os anjos”, mas isto foi por causa do sofrimento da morte, como Hebreus 2:9 nos informa. Também fala de ter domínio sobre as obras de Jeová na Terra e no mar. Nosso versículo em João 1 mostra que os anjos estarão sujeitos a Ele, mas Hebreus 2 o leva ainda mais longe, dizendo que “todas as coisas” (Hb 2:8) estando em sujeição significa que “nada deixou que não Lhe esteja sujeito”. O Filho do Homem dominará os céus e a Terra.

Antes de passarmos do primeiro capítulo, notemos que não só temos esses vislumbres das várias funções cumpridas pela Palavra que Se tornou carne, mas também temos trazidos à luz todos os Seus principais títulos: Jesus, o Messias; o Cristo; o Filho Unigênito; o Cordeiro de Deus; o Filho de Deus; Jesus de Nazaré; o Rei de Israel; o Filho do Homem. Todo o capítulo é como uma mina ricamente atravessada por esses veios de ouro.

JOÃO 2

Este capítulo começa: “E ao terceiro dia”. Se voltarmos no tempo, encontramos que o segundo dia foi aquele em que Filipe foi encontrado e o primeiro foi o que André e seu companheiro encontraram seu Centro em Jesus. Vendo essas coisas em um sentido figurativo ou alegórico, podemos dizer que o primeiro dia é aquele em que a Igreja é reunida a Cristo; o segundo, no qual Ele é reconhecido como Filho de Deus e Rei de Israel pelo remanescente piedoso em Israel; o terceiro é o da bênção e gozo milenares como o fruto do Filho do Homem sendo colocado sobre todas as coisas.

Na ocasião do casamento em Caná, nenhuma glória externa marcou a presença de Jesus. Seus discípulos estavam lá e Sua mãe também, mas Ele logo mostrou, pela resposta que deu à Sua mãe, que a iniciativa era Sua e não dela; e também que Sua hora ainda não havia chegado – nem a hora de Seu sofrimento, nem a hora de Sua glória, quando “todas as coisas” estarão à Sua disposição. Contudo, Ele rapidamente manifestou Sua glória mostrando que a água estava à Sua disposição e que poderia fazer dela aquilo que desejasse. Ele transformou a água da purificação no vinho do regozijo. Este foi o começo de Seus milagres ou sinais, e como um sinal, Ele contemplava para o resultado final de Sua obra. Não pode haver uma alegria duradoura a não ser sob a base de uma purificação que Ele realiza, e a alegria que surgirá quando finalmente chegar o dia do matrimônio a um Israel purificado; isso será o melhor de tudo. O “bom vinho” é mantido até aquele dia. Este sinal, demonstrando Sua glória, confirmou a fé de Seus discípulos e pode confirmar a nossa.

Depois de um curto período ainda na Galileia, subiu à Jerusalém para a Páscoa. Todas essas coisas aconteceram antes de João ser lançado na prisão e, portanto, antes de Ele entrar mais publicamente no Seu ministério, conforme registrado pelos outros evangelistas. A cena no templo, registrada aqui, aconteceu logo no começo de Seu ministério. Ele estava no centro dos acontecimentos quando chegou ao templo e aqui, no próprio centro, a necessidade de uma obra de purificação era mais fortemente manifesta. A casa de Deus, Seu Pai, fora transformada em uma casa de venda – um lugar de comércio e lucro mundano.

Isso ilustra como as bondosas provisões da lei poderiam ser e foram corrompidas para servir aos fins ambiciosos do homem. Havia instrução sobre essa questão em Deuteronômio 14:22-26, e eles poderiam alegar que estavam apenas fazendo o que a lei permitia. A lei lhes dizia que trouxessem seu dinheiro e comprassem o que precisassem, mas não apoiava as práticas ambiciosas que haviam introduzido, transformando a casa de Deus em um centro lucrativo. A mesma coisa em princípio pode ser vista em nossos dias; tais como santuários católicos com lojas vinculadas onde os devotos compram velas e outros pertences a altos preços!

O Senhor ainda não havia rejeitado o templo. Ele o tratou como a casa de Deus, e Ele estava cheio de zelo por ela. Ninguém poderia resistir a Ele e a Seu “chicote de pequenas cordas” (KJV), e os malfeitores tiveram que ir por um momento. Os judeus, no entanto, desafiaram o que Ele fez e exigiram um sinal, como se a irresistível autoridade de Sua ação não fosse sinal suficiente. Em resposta, Ele lhes deu o grande sinal de Sua própria morte e ressurreição, expressada somente em linguagem simbólica. O fato era que o templo, como morada de Deus, estava prestes a ser suplantado por Ele mesmo. Seu corpo era um “templo” muito mais maravilhoso do que aquele que esteve no monte Moriá. O Verbo habitou entre nós em carne e, portanto, “Deus estava em Cristo” de um modo muito mais profundo e íntimo. A plenitude da Divindade estava habitando n’Ele. O Templo tinha servido à uma certa função em Israel, mas agora Ele estava cumprindo essa função de uma maneira totalmente nova.

Desde o início deste evangelho Ele é visto como rejeitado. Então, aqui, Jesus considera sua animosidade mortal como certa. Suas palavras são uma predição de que eles dirigiriam suas mãos para dar-Lhe a morte; derrubando, até onde podiam fazê-lo, o templo do Seu corpo. Eles o derrubariam e em três dias Ele o levantaria. Note como diz que Ele faria isso. É igualmente verdade, é claro, que Deus O ressuscitou dos mortos, mas em João 10 Ele fala novamente de Sua ressurreição como um ato Seu próprio. Isto está de acordo com o evangelho que O apresenta como o Verbo que era Deus e Se fez carne. De todos os sinais que Ele mostrou, Sua própria ressurreição foi o maior.

No momento, ninguém, nem mesmo os Seus discípulos, O entendiam. Esta é outra característica do evangelho de João. Ele é continuamente mal entendido, tanto por amigos quanto por inimigos. Foi somente após a Sua ressurreição e o consequente dom do Espirito que o real significado dessas coisas se tornou evidente aos discípulos. Mas isso não é surpreendente. Se o Verbo Se faz carne, Ele certamente nos falará em linguagem humana: mas Ele também falará das coisas elevadas que Ele conhece como estando no seio do Pai. Por isso, as Suas declarações são destinadas a ter neles uma profundidade totalmente além de qualquer linha de prumo que o homem possui – profundezas que somente o Espírito Santo pode revelar.

Quando o Senhor falou figurativamente de Sua ressurreição, Suas palavras não foram entendidas por ninguém, e as obras de poder que Ele fez tiveram seu efeito em muitas mentes. Os versículos que encerram o segundo capítulo mostram que os milagres podem produzir uma “crença” de certo tipo. Muitos em Jerusalém naquela época teriam subscrito o ditado de que “ver é crer”; todavia, a crença que provém de visão de fatos, que não podem ser negados, não é a fé que salva dada por Deus. É meramente a convicção intelectual que, quando testada, colapsa facilmente, como vemos no versículo 66 do capítulo 6.

No momento, as coisas em Jerusalém deviam parecer bastante promissoras, mas Jesus viu o que estava abaixo da superfície e o evangelista aproveita a oportunidade para nos dizer isso. Ele faz a dupla declaração de que Jesus “a todos conhecia” e que “bem sabia o que havia no homem”. Ele faz novamente uma afirmação muito semelhante em João 6:64; mas isto em nosso capítulo é o primeiro de uma série de observações semelhantes que nos revelam a onisciência de nosso Senhor, e estão muito de acordo com o caráter deste evangelho. Conhecendo estes homens, Jesus não confiou neles. A palavra traduzida como “confiou” é a mesma que a traduzida como “creram” no versículo anterior, que nos ajuda a ver que a verdadeira fé não é uma mera convicção mental, mas o comprometimento de si mesmo em simples confiança para com aqu’Ele em Quem se crê.

JOÃO 3

Este capítulo realmente começa com uma palavra, que pode ser traduzida por “mas” (JND), embora seja omitida nas versões King James e nas em português. Nicodemos estava entre os impressionados com os milagres, “mas” no seu caso, algo a mais existia. Os sinais que ele havia testemunhado o haviam levado a pensar em Deus e a buscar a Deus. A maneira ortodoxa de buscar a Deus era ir ao templo e Nicodemos teria feito isso de dia. Ele escolheu a maneira pouco ortodoxa de buscar um encontro com esse “Mestre vindo de Deus”, que não foi popularmente aceito; Então ele fez isso à noite. Ele mesmo era um líder e mestre em Israel, e assumiu que tudo o que precisava para si mesmo era mais instrução. Não era pouca coisa para este orgulhoso fariseu tomar o lugar de um humilde aluno!

O Senhor o encontrou imediatamente com aquele grande e solene pronunciamento sobre a absoluta necessidade do novo nascimento. Sem isso, ninguém sequer vê o reino de Deus. Ele pode ver os milagres e sinais, mas ele não vê o reino. Nicodemos precisou do novo nascimento e não de ensino, pois de imediato mostrou-se incapaz de entender as palavras do Senhor, e assim confirmou a verdade delas. Ele não podia ver nada nelas, senão uma referência mística ao nascimento natural. Isso deu lugar a um segundo solene pronunciamento, em que o assunto é levado um passo adiante. O reino não é apenas para ser visto, mas para se entrar nele, e o nascimento para isso deve vir da água e do Espírito.

O que é necessário não é apenas um novo comportamento ou novos princípios de ação, mas um novo nascimento, e isso significa uma origem inteiramente nova. A origem e a linhagem de Nicodemos eram das melhores, visto que ele veio da verdadeira descendência de Abraão. Além disso, ele adquiriu toda a cultura possível na religião dos judeus. Se ele, um filho instruído de Abraão, precisava de um novo nascimento, então mostrava que toda a carne, mesmo a carne que descendia de Abraão, estava julgada diante de Deus. O fato de que o novo nascimento é universalmente necessário coloca o julgamento diante de todos nós. Em nosso primeiro nascimento, encontramos nossa origem em Adão, participando de sua vida e natureza. Somente experimentando um novo nascimento, que nos leva à outra vida e natureza, podemos ver ou entrar no reino.

As palavras do Senhor no versículo 5 são claramente uma referência à profecia de Ezequiel 36:24-32, que prediz as profundas e fundamentais lavagens que alcançarão Israel no começo da era milenar, quando Deus “espargir água pura” sobre eles, dando-lhes “um coração novo”, e colocando dentro deles “um espírito novo”, e então colocando o Seu Espírito dentro deles. Como resultado disso, eles estarão tão limpos em si próprios que irão ter repugnância de suas corrupções anteriores, e então serão abençoados por Deus. Essa passagem não nos dá toda a verdade sobre o assunto, mas deu o tanto que Nicodemos não deveria ter se surpreendido com as coisas que acabara de ouvir. Como mestre em Israel, ele deveria saber o que Ezequiel havia dito.

Uma boa dose de aspersão era ordenada sob a lei, geralmente de sangue, mas às vezes de água, como em Números 8 e 19. Pela aspersão o sangue ou a água era aplicada. A água é o grande agente de limpeza. Ezequiel usou essas figuras conhecidas para ensinar que Deus aplicaria Seu agente de limpeza a Israel para sua renovação espiritual. Seu agente purificador espiritual é a Sua palavra, como indicado no Salmo 119:9.

Então, aqui encontramos o Senhor em Seus primeiros pronunciamentos conectando Seus ensinamentos com o que foi dito por Ezequiel e, ao mesmo tempo, esclarecendo e expandindo a verdade. Ainda mais nos é revelado sobre isso nas epístolas, e devemos nos lembrar do que lemos sobre isso, em João 1:12-13, foi escrito pelo apóstolo João anos depois de ter sido concedida plena luz sobre o assunto. Para Nicodemos, Jesus afirmou que o novo nascimento é uma necessidade imperativa para toda alma que iria ver ou entrar no reino; pelo Espírito, como Agente ativo, e pela água da Palavra, como agente passivo. Tal é o estado de todos os homens a ponto de nada menos essencial e drástico do que um novo nascimento será suficiente.

Ele também afirmou que a carne sempre permanece carne, e o que é nascido do Espírito participa de Sua natureza e permanece espírito. O versículo 6 deixa bem claro que as duas naturezas são completamente distintas e nunca se fundem uma na outra. A frase, frequentemente repetida em Gênesis 1, se aplica – “conforme a sua espécie”. Não há mais traços de evolução aqui do que há em Gênesis 1: por nenhuma quantidade de melhoria ou seleção natural a carne pode ser transformada em espírito.

Uma boa dose de raciocínio e controvérsia ocorreu em relação ao novo nascimento que poderia ter sido evitada se o versículo 8 tivesse sido devidamente observado. A palavra grega para “vento” e “Espírito” é a mesma. Como o vento, o Espírito é invisível, e apenas pode ser apreendido por ouvi-Lo na palavra que Ele dá, ou sentindo os efeitos de Suas operações. Como o vento também, Ele não está sujeito ao nosso controle e Suas ações estão além de todos os nossos pensamentos. O mesmo se aplica a todos aqueles que são espírito, sendo nascido de Deus. Portanto, deve haver, sobre o novo nascimento e sobre aqueles que nasceram de novo, elementos que são incompreensíveis para nós; consequentemente, nossos raciocínios podem ser facilmente irrelevantes ou errados.

No versículo 11, recebemos a nota de ênfase especial – “em verdade, em verdade”, pela terceira vez neste capítulo. Nicodemos estava especialmente notando que o Senhor não falava como um mero profeta. Ele tinha conhecimento interior consciente das coisas que falou: Ele realmente havia visto aquilo a respeito do que testificava. Ele sempre esteve “no seio do Pai”, como antes anunciou. Não obstante, Seu testemunho não foi recebido pelo homem, à parte da operação do Espírito de Deus. E do que Ele deu testemunho? Ele havia falado de coisas anunciadas por Ezequiel como necessárias para a bênção terrena na era milenar, dando uma expansão à profecia de Ezequiel, e aqui estava Nicodemos cheio de hesitação e dúvida. Ele ainda tinha que falar coisas relacionadas aos propósitos de Deus para o céu; Essas coisas, então, seriam recebidas em fé?

As coisas celestiais, em sua própria natureza, devem ser totalmente inacessíveis aos homens. Seus pés pisam a Terra e eles têm uma familiaridade com ela, mas para o céu eles nunca foram. Mas aqui estava Alguém totalmente competente para revelar as coisas celestiais. Um paradoxo4 surpreendente se nos apresenta. Ele desceu do céu, mas estava no céu. Se, no entanto, nos lembrarmos de como o evangelho começou, o paradoxo desaparece. Aqui está o Verbo que era Deus e Se fez carne. Ao fazer-Se carne, Ele certamente desceu do céu; todavia, Ele nunca deixou de ser Deus que está no céu. Mas Ele disse: “o Filho do Homem que está no céu”. Sim, e, evidentemente, o Seu propósito é que com isso aprendamos que não temos a liberdade de dissecar Sua Pessoa em nossa mente, como alguns estão inclinados a fazer. Não devemos dizer que naquela posição Ele é totalmente como Deus; ou, que aquilo Ele fez completamente como Homem. Podemos distinguir, claro, mas não devemos dividir. Mesmo quando em Humanidade, Sua Personalidade é única e indivisível. Então o Filho do Homem é o Porta-voz totalmente competente das coisas celestiais. Quão diferente de todos que foram antes d’Ele!

Tendo mencionado as coisas celestiais, o Senhor procedeu imediatamente a predizer o grande evento que deveria ocorrer antes que essas coisas pudessem estar disponíveis para os homens, e a completa revelação delas fosse feita. O evento havia sido tipificado pela serpente de bronze no deserto – o próprio levantamento do Filho do Homem na cruz. Esta é a obra realizada para nós, fora de nós mesmos. O novo nascimento é uma obra realizada em nós. Quanto a ambos, Jesus usou a palavra, “IMPORTA” (vs. 7, 14 – ARA); pois ambos são imperativos, se tivermos que tratar com Deus em bênção. A morte sacrificial do Filho do Homem é o único caminho possível de vida eterna para o homem; um caminho que se torna eficaz para “todo aquele que n’Ele crê”; isto é, pela fé.

Os versículos 16 e 17 começam com “Porque”, e assim estão intimamente ligados aos versículos 14 e 15. Descobrimos que este Filho do Homem, que desceu do céu, ainda está no céu, e que foi levantado na cruz, é o Filho Unigênito que Deus deu. Quão surpreendentemente tudo isso se encaixa com Romanos 8:3, onde também é exposta a verdade tipificada pela serpente de bronze. Assim como Moisés fez a serpente de bronze à semelhança das serpentes de fogo que eram a fonte do dano, assim Deus enviou Seu próprio Filho em semelhança da carne do pecado, para que o pecado na carne pudesse ser condenado em Seu sacrifício pelo pecado. O pecado residia em nossa carne, dominando e corrompendo nossa velha vida. Crendo em Jesus, o Filho de Deus, a vida eterna é nossa; mas repousa na base de Deus condenando o pecado na cruz. Lá, o poder governante, ativo em nossa velha vida, foi condenado e temos a promessa de que, ao final, será removido para sempre. Com base nisso, a vida eterna é dada.

Ao ser dado o Filho Unigênito, o amor de Deus é revelado; um amor que envolveu não apenas Israel, mas o mundo. A maneira pela qual a graça, tornada conhecida neste evangelho, ultrapassa as fronteiras estreitas de Israel é muito impressionante. Nos versículos iniciais, vimos que “a vida era a luz dos homens”, não apenas de Israel; como também que a verdadeira Luz “ilumina a todo homem” (ARA). Porque, aqui, “Deus amou o mundo**”** e o dom do Filho é a medida do amor. Além disso, o termo **“unigênito”** expressa o supremo e exclusivo lugar que Ele ocupa no amor de Deus. A figura de Abraão e Isaque nos ajuda aqui. Hebreus 11 nos diz que Abraão ofereceu **“seu filho unigênito”** (TB), embora na verdade ele tivesse Ismael naquele tempo e subsequentemente muitos mais filhos. Isaque, porém, permaneceu sozinho e único no propósito de Deus e no afeto de Abraão. Dessa maneira impressionante, o termo é usado para o Filho de Deus, e destina-se a aumentar em nossa mente a grandeza do dom de Deus. Deus deu aqu’Ele que era Supremo e Único em Suas afeições.

Versículo 17 fornece uma reflexão além. Perecer é o fim do curso a que o mundo chegará, como o versículo 16 indica. Agora descobrimos que o julgamento e a condenação estão à frente dele. Perecer é estar eternamente em completa alienação e separação de Deus; isto é, em um estado de morte eterna. A vida é, consequentemente, uma urgente necessidade para os homens e o dom do Filho Unigênito tornou possível para o crente em Cristo ter, não meramente vida de um tipo qualquer, mas “vida eterna”, vida que é divina e de qualidade surpreendentemente maravilhosa. Assim também, a vinda do Filho ao mundo não foi para o propósito de condenação; a lei de Moisés já havia trazido isso de maneira muito eficaz. Ele veio para salvar. O piedoso em Israel esperava o levantamento de “um chifre de libertação” na casa de Davi, que os salvaria de seus inimigos (veja Lucas 1:68-71 – JND), mas isso é algo muito maior. A salvação é do pecado e de seus efeitos, e o alcance dela é o mundo.

Ainda que o Filho de Deus não tenha vindo à Terra com o objetivo de julgamento, Sua presença aqui incidentalmente trouxe julgamento, visto que Ele era a Luz, e a luz torna tudo manifesto, e assim traz todos os homens à prova. A luz age na iluminação e na manifestação e, na Sua presença, o homem age de duas maneiras. Se ele é um praticante do mal, ele ama a escuridão e odeia a luz porque ela o reprova. Se praticante da verdade, ele recebe a luz e se achega a ela. Esses versículos (18-20) assumem que “quem crê n’Ele” é o praticante da verdade; enquanto “quem não crê” é o praticante do mal. Aquele vem para a luz e não há julgamento para ele; o outro permanece nas trevas, e isso é suficiente para julgá-lo. A luz apareceu na vinda do Filho e Ele não foi crido. Isso basta, e não há necessidade de se esperar até a chegada do verdadeiro dia do julgamento, ele está julgado.

Os versículos 22-24 deixam bem claro que as coisas precedentes ocorreram antes de João ser lançado na prisão, que é o ponto de onde o ministério público do Senhor começou de acordo com Mateus 4:12; Marcos 1:14; Lucas 3:20. Por um curto período de tempo, o batismo estava sendo administrado tanto pelo Senhor – por meio de Seus discípulos (ver João 4:2) – quanto por João. Certos judeus aproveitavam a ocasião para avisar João sobre essa atividade do Senhor, como se eles o incitassem ao ciúme. Se esse era o objetivo deles, eles não conseguiam alcançá-lo.

Com verdadeira humildade e fidelidade, João manteve seu lugar como servo de Deus, que nada tinha a não ser o que recebera do céu. Eles tiveram que testemunhar que ele nunca alegou ser o Cristo. Ele alegou ser o precursor do Messias; ele também era amigo do Noivo. Nesta segunda afirmação ele evidentemente falou figurativamente a título de ilustração. A verdade, como temos em Apocalipse 19:7, ainda não tinha sido revelada, mas, sem dúvida, ele foi inspirado a se expressar em termos que correspondem exatamente a essa verdade, quando revelada. Ele não tinha vínculo com a noiva, mas como amigo do Noivo, tinha n’Ele o mais profundo interesse e afeição. Ouvir a voz do Noivo encheu seu cálice de gozo até a borda.

Então João pronunciou palavras que deveriam ser gravadas no coração de todos os que amam o Senhor Jesus – “é necessário que Ele cresça e que eu diminua”. Pela terceira vez neste capítulo, temos a palavra “NECESSÁRIO (IMPORTA)”. No versículo 7 está conectada com a grande necessidade do homem; no versículo 14 com o grande amor de Deus; aqui com a devoção do servo sincero. Como o Sol, Cristo deveria ascender ao seu auge com crescente glória; assim, como a Lua, João era para desvanecer e desaparecer. Ele sabia disso e se alegrou, pois naquele momento em seus pensamentos, Cristo era tudo. Ele O conhecia como Alguém vindo do céu e não da Terra. Sendo assim, Ele falou de uma maneira impossível para todos os outros. Ele estava em contato com a plena extensão de coisas celestiais de uma maneira que era impossível para o maior dos profetas, como João.

As palavras de João tornaram-se realidade e logo ele teve que diminuir e desaparecer de vista na prisão. Nisso ele não era exceção à regra. É a regra para todos os servos de Deus: de um modo ou de outro eles diminuem e partem. Foi assim com Moisés no Velho Testamento e com Paulo no Novo. Apesar de grandes servos como eram, não devemos pensar muito deles. Paulo teve seu dia como um fervoroso evangelista e alguém que estabelecia assembleias. Mas então a prisão veio para ele e o fracasso nas assembleias, e assim ele sai fora de nossa vista. Paulo diminui, mas apenas para aumentar a suprema excelência de Cristo. Então isso tem que ser para todos nós, e devemos nos alegrar com isso, como João fez.

As palavras de abertura do versículo 33 parecem contradizer as palavras finais do versículo 32, mas o paradoxo é puramente de palavras, e baseado em uma daquelas afirmações abstratas que aparecem tão repetidamente nos escritos de João. O homem em sua condição natural está totalmente morto e não responde ao testemunho divino. O fato é afirmado abstratamente no final do versículo 32. Mas, por outro lado, Deus opera pelo Seu Espírito no coração de alguns; e assim, do ponto de vista prático, encontramos aqueles que recebem o testemunho e, ao fazê-lo, estabelecem o selo de que Deus é verdadeiro. No início, o diabo contestou o testemunho que Deus deu a Adão, e assim o pecado foi introduzido. A fé defende a verdade do testemunho e assim a vida e a salvação são trazidas.

O testemunho de Deus existiu desde o tempo em que Deus falou a Adão sobre as árvores do Jardim, mas agora estava atingindo seu clímax naqu’Ele que Deus havia enviado, que conhecia por observação as coisas celestiais de que Ele falou, proferido a eles as “palavras de Deus”, possuindo o Espírito sem qualquer medida ou limite. Por fim, portanto, houve um testemunho de alcance infinito e de plenitude incomparável. É claro que ele transcendeu totalmente os poderes do homem natural, mas o simples crente pode aceitá-lo, confirmando seu selo sobre ele como a verdade de Deus.

Os versículos 35 e 36 parecem ser um parágrafo separado no qual as palavras do batista são complementadas pelo evangelista, que pode falar em plena luz de tudo o que foi revelado no Verbo Se fazendo carne. O Filho tendo sido manifestado, o Pai tendo sido dado a conhecer, juntamente com as relações entre estas Pessoas Divinas. Três grandes fatos concernentes ao Filho nos encontram aqui. Ele é o Objeto do amor do Pai. Pelo dom do Pai, todas as coisas estão em Sua mão, para serem arranjadas como Ele achar adequado. Ele é o Objeto da fé e, portanto, o teste de todo homem. Crer n’Ele é tornar-se possuidor da vida eterna. Recusar a sujeição de fé a Ele é ser excluído da vida e estar sob a ira de Deus.

Assim, bem cedo neste evangelho descobrimos que o Filho não é apenas o Criador de todas as coisas e o Revelador de todas as coisas como o Verbo, mas Ele também é o Operador de todas as coisas, o Concessor de todas as coisas e finalmente, como o Objeto do amor do Pai, Ele Se manifesta entre os homens, tornando-Se o Critério para tudo. Notamos que, no versículo 36, a vida deve ser possuída e também deve ser vista, o que mostra quão abrangente o termo “vida eterna” é: e ainda, que o oposto de ver a vida é permanecer sob a ira de Deus. Aqui, novamente, as coisas são afirmadas abstratamente, mas a linguagem é tal que nega ambas as teorias pelas quais os homens se esforçam para escapar do solene fato do castigo eterno. As palavras “não verá a vida”, nega a reconciliação universal, que declara que, de uma forma ou de outra, todos acabarão por vê-la. A teoria da imortalidade condicional, que significa a aniquilação de incrédulos impenitentes, é negada pelo fato de que a ira de Deus “permanece” sobre esses tais – portanto, eles existem permanentemente. Neste ponto, vamos nos lembrar novamente de João 20:31. Este evangelho está escrito para que possamos estar entre aqueles que creem e têm vida. A terrível alternativa a isso é colocada diante de nós muito claramente aqui.

JOÃO 4

Os parágrafos finais do terceiro capítulo emergem da intromissão dos judeus em relação ao batismo de João e sua reação a ele. Este capítulo começa com a reação do Senhor à interferência deles. João alegremente tomou a posição de diminuir para que seu Mestre pudesse crescer. O Mestre retirou-Se para a Galileia para que não se instituísse rivalidade, o que seria tão doloroso para o Seu servo. Tal era o Seu cuidado atencioso com João. Além disso, o próprio Senhor teria sido menosprezado se tratado dessa maneira. Teria O colocado ao lado de João como uma espécie de líder partidário, semelhante, em princípio, ao erro dos santos coríntios que associavam o nome de Cristo a Paulo, Apolo e Cefas. Isso nunca deve acontecer.

A rota direta para a Galileia passava pelo distrito de Samaria, de modo que “era-Lhe necessário passar por Samaria” por uma necessidade geográfica. Mas havia também uma necessidade relacionada com a graça de Deus que obrigou a Ele tomar uma estrada que O levou a uma cidade particular de Samaria, chamada Sicar. Jesus, o Verbo que Se fez carne, estava cansado com a Sua viagem, um testemunho à realidade da Sua Humanidade: e não apenas cansado, mas também faminto e sedento. Ele sentou-Se no lado do poço por volta do meio-dia, quando a hora do maior calor se aproximava. Nicodemos O procurou de noite. Ele procurou uma pecadora samaritana ao meio-dia. O evangelho de João toma especial cuidado no registro de Suas conversas e relações às pessoas. Também registra Suas conversas – geralmente de natureza controversa – com grupos de pessoas, mas nem uma vez registra Suas pregações mais formais, como o Sermão da Montanha ou as parábolas de Mateus 13. Muitos de nós reconhecem que é preciso mais habilidade espiritual para lidar corretamente com um indivíduo do que dirigir-se a uma multidão, e exige mais de nossa coragem. Um exemplo perfeito de negociação pessoal nos é apresentado aqui.

Jesus começou pedindo um copo de água fria. O Verbo feito carne toma o lugar de um humilde suplicante diante de um espécime muito pecaminoso de Suas criaturas! Uma visão maravilhosa, de fato! Pelo simples fato d’Ele ser um judeu, a mulher sentiu que Ele estava Se depreciando; mas à luz da verdadeira situação podemos ver como Ele realmente Se fez de nenhuma reputação e Se esvaziou. Mas essa Sua abordagem tão modesta e humilde à mulher permitiu um início muito favorável à conversa. Se nós, que almejamos servir à alma dos homens hoje, pudéssemos sempre abordá-los com humildade, seríamos realmente sábios.

A mulher, despertada pelo espanto e curiosidade, não resistiu em perguntar como tal pedido pôde ser feito. A resposta de Jesus no versículo 10 expõe diante dela três coisas. Primeiro, o fato de que Deus é um Doador. Ela conhecia um pouco da lei, mas a resposta O colocou diante dela sob uma nova luz. Segundo, Ele indicou a misteriosa grandeza de Sua própria Pessoa, visto que Ele era o Despenseiro do dom de Deus. Ela viu n’Ele, apenas um judeu que pediu um copo de água. Quando ela O conhecesse, descobriria que Ele era realmente o Doador de um Dom de valor insuperável. Terceiro, Ele indicou o Dom como sendo “água viva”, desviando os pensamentos dela do natural para o espiritual. Tanto Nicodemos como esta mulher anônima eram semelhantes por não terem, desde o começo, qualquer noção do significado das palavras do Senhor, muito menos das coisas de que Ele falou. Contudo, aqui novamente, havia alguma indicação dessas coisas no Velho Testamento. Duas vezes no livro de Jeremias, por exemplo, Jeová Se apresentou como a “Fonte das águas vivas” (Jr 2:13 – TB; 17:13).

A incompreensão da mulher levou a mais desdobramentos contidos no versículo 14, que novamente parecem se dividir em três direções. Primeiro, aquele que bebe da água viva como o dom de Cristo, terá essa fonte “nele”, permanecendo em seu próprio ser. Então, ela estará nele como uma “fonte” de água “a jorrar para a vida eterna” (ARA). Um manancial de vida interior que se jorre à altura de sua Fonte! Por fim, beber dessa água e possuir tal fonte produzirá satisfação permanente. O Senhor usou uma expressão muito forte – “nunca mais terá sede” (ARA).

Ao dizer “água viva” o Senhor Se referia ao Espírito de Deus como é evidente quando chegamos ao capítulo 7:39. No capítulo anterior, o Filho Unigênito é um Dom de Deus para o mundo, mas neste capítulo, o Espírito de Deus é um Dom de Deus para o crente, mas um Dom que é administrado pelo Filho de Deus, que era o Orador que falava, sentado ao poço de Sicar. Pelo Espírito temos a vida interior – Ele é mencionado em outro lugar como “o Espírito de vida em Cristo Jesus” (Rm 8:2) – e por Ele a vida interior jorra até a Fonte da vida acima. Desta forma, o Senhor indicou a vida de comunhão, adoração e satisfação que Ele estava prestes a disponibilizar para o crente. Como resultado, o crente hoje pode antecipar o gozo milenar, apresentado figurativamente no início dos milagres em Caná, na Galileia: e não apenas antecipar, mas também conhecê-lo em uma medida mais verdadeira e de maneira mais espiritual.

Antes de prosseguirmos com o nosso capítulo, observemos a notável sequência do ensinamento desde o registro daquele primeiro milagre. Tivemos a obra realizada em nós – novo nascimento pelo Espírito e pela palavra. Depois o testemunho prestado a nós, o qual, ao recebê-lo, confirmamos que Deus é verdadeiro. Em terceiro lugar, o dom do Espírito conferido a nós, estando em nós como um manancial sempre fluindo, jorrando para a Fonte eterna. Aqui temos apresentado a nós, de uma maneira embrionária, grandes realidades que são expandidas nas epístolas.

Prosseguindo em nosso capítulo, notamos que, embora a mulher ainda estivesse sem clareza quanto à importância da “água viva”, as palavras adicionais do Senhor havia, ao menos, despertado seus desejos suficientemente para levá-la a pedir por essa água. Antes de dá-la, sua consciência tinha que ser alcançada e convicção do pecado ser produzida. Ao lhe ordenar que chamasse seu marido, o Senhor colocou o dedo sobre um ponto especialmente sensível em sua vida, e o que se seguiu foi que ela pôde ver que sua triste história estava como um livro aberto diante de Seus olhos. Por seu lado, ela imediatamente viu e confessou que Ele era um profeta; assim, implicitamente, declarando-se culpada por Sua acusação; contudo, como tantas vezes acontece quando existe uma consciência ferida, ela se esforçou para desviar a conversa para uma discussão religiosa, eliminando assim a questão pessoal.

Desde muito tempo, o lugar onde a adoração deveria ser oferecida a Jeová era uma questão inflamada. Teria Gerizim substituído Moriá, como os samaritanos afirmavam? O Senhor aproveitou a oportunidade para mostrar à mulher não apenas seu pecado pessoal, mas também a falta de importância da “adoração” em que ela e seu povo haviam se engajado. Ao dizer: “Vós adorais, o que não conheceis” (ARA), Ele rejeitou essa adoração; ao dizer: “A salvação pertence aos judeus” (JND), Ele a convenceu de sua condição perdida. Ela estava entre os gentios – “estranhos aos concertos da promessa, não tendo esperança e sem Deus no mundo” (Ef 2:12). Assim, mesmo discutindo a questão da adoração, ela não estava além do alcance de golpes pontiagudos em sua consciência.

O Senhor, no entanto, levou toda a questão da adoração a um plano muito mais elevado. Ele falou em adorar a Jeová à luz da revelação que Ele estava trazendo – exatamente como “o Pai”. Isto imediatamente levantou a questão daquela ordem cerimonial de coisas que conectava a adoração com um lugar santo na Terra. A lei havia vinculado as pessoas estritamente a um lugar santo onde o nome de Jeová estava estabelecido; daí a disputa prolongada entre judeus e samaritanos: Ele ergueu os pensamentos dela para Deus que é um Espírito, revelando-O como Pai.

Essa nova revelação estava anunciando uma nova “hora”, que de fato já havia começado. A adoração que deve caracterizar essa hora deve estar de acordo com a revelação que a deu causa. Deus, que é Espírito, está buscando essa adoração como Pai, então agora adoração para ser aceitável deve ser “em espírito e em verdade”. Observe esse adicional “IMPORTA”. A adoração não é algo opcional ou variado conforme nossas preferências. Deus deve ser adorado da maneira que Ele mesmo prescreve. Tudo o mais que possa pretender ser “adoração” não é adoração de forma alguma.

A adoração verdadeira é “em espírito”; isto é, não em carne, não em atitude corporal. Esta palavra de nosso Senhor nega a linha ritualística e cerimonial das coisas que têm sido uma armadilha para muitos. Nossa capacidade de oferecer adoração em espírito repousa na posse do Espírito de Deus – a Fonte da água viva brotando para a vida eterna – como também é indicado em Filipenses 3:3. O Espírito de Deus pode envolver nosso espírito na verdadeira adoração a qualquer momento e em qualquer lugar; não apenas em algum santuário sagrado como no judaísmo.

Então novamente a adoração deve ser “em verdade”; isto é, à luz de tudo o que Deus revelou de Ele mesmo estar em Cristo. Isto nega a linha racionalista das coisas, que também é tão comum. Os homens falam, por exemplo, de adorar “a grande primeira causa”5 à luz das maravilhas da natureza, enquanto ignora ou recusa a verdade concernente a Ele, como Se fez conhecido em Cristo. Somente n’Ele conhecemos o Pai que deve ser adorado. Se conhecermos o Pai dessa maneira, nosso coração está destinado a ser preenchido com adoração daquela natureza espiritual que é aceitável por Ele.

O Pai procura adoradores desse tipo. Ele Se fez conhecido para produzir essa resposta. O fluxo descendente de Seu amor, na revelação feita a nós, produz o fluxo ascendente do amor que reage em adoração. Isto é aceitável para Ele e Ele procura isto.

A mulher samaritana sabia da promessa do Messias, e essas maravilhosas palavras do Senhor, juntamente com a convicção interior do pecado que a havia alcançado, converteram os pensamentos dela para Seu advento. A resposta dela parece indicar que ela percebeu um caráter messiânico nas declarações do Senhor. O Senhor imediatamente e com a maior clareza revelou-Se a ela como o Cristo. Ela evidentemente aceitou essa revelação imediatamente; e voltando para a cidade, em suas palavras para os homens, divulgou o que estava por trás de sua bem disposta fé. Ele deve ser o Cristo. Não havia Ele lhe contado todas as coisas que ela sempre fez? Não em detalhes, é claro, mas sim, Ele havia mostrado a ela, como num lampejo, que tudo o que ela já tinha feito estava resumido em uma única palavra – pecado. É exatamente o mesmo hoje. A fé em Cristo anda de mãos dadas com a verdadeira convicção do pecado.

O belo parágrafo dos versículos 31-38 vem como um parêntese na história. As palavras do Senhor aos discípulos, no versículo 32, têm sido traduzidas: “Eu encontrei uma comida para comer, a qual vocês não conhecem”. Ele estava trabalhando por “fruto para a vida eterna”, como Ele indica no versículo 36, e ver esse fim sendo alcançado na concessão da bênção sobre a samaritana pecadora era um deleitável alimento para Ele. Foi “a vontade daqu’Ele que Me enviou”, disse ele, fazer isso. A luz que Ele trouxe deveria brilhar para cada homem, como aprendemos no começo deste evangelho; então aqui a vemos brilhando sobre uma pecadora fora dos limites do judaísmo. A vontade de Deus, a obra de Deus e a vida eterna para o homem caminham juntas aqui; e quão abençoado para nós é que elas caminhem assim. Além disso, o Senhor indicou aos Seus discípulos que, quando chegasse a vez deles, deveriam ter uma participação nesta obra tão abençoada, seja semeando ou colhendo. Neste caso, o próprio Senhor estava fazendo a semeadura. Quando chegou a hora da colheita, registrada em Atos 8, a colheita foi muito grande.

O parágrafo nos versículos 39-42, conclui a história. Os homens vieram a Cristo como resultado do testemunho da mulher e alcançaram para si mesmos a mesma convicção. Muitos creram por causa do que ela disse, e muitos mais como resultado de ouvi-Lo. Eles creram e desejavam grandemente a Sua companhia.

Em sua confissão, eles foram ainda mais longe do que a mulher. Ele não era apenas o Cristo, mas também “o Salvador do mundo”. O mero orgulho religioso poderia ter feito com que eles se gabassem de que ali estava o Salvador do samaritano igualmente com o judeu; mas somente a fé poderia tê-los levado a tomar posse do grande pensamento de Deus para “o mundo”, de acordo com João 3:16. Eles tinham ouvido e conheceram; e, sustentando a audição e o conhecimento, estava a fé.

Ao relacionar tudo isso, o evangelista nos levou ao fato de que Jesus é o Cristo. O próximo capítulo, como veremos, nos conduz ao fato de que Ele é o Filho. Colocando os dois juntos, somos novamente levados ao ponto indicado no último versículo de seu evangelho (João 20).

No último parágrafo deste capítulo, encontramos o Senhor novamente na Galileia, e isso nos leva ao segundo dos sinais milagrosos que João menciona. Na Galileia, ele encontrou uma recepção que não lhe fora concedida em Jerusalém, e este segundo sinal também tinha ligação com a cidade de Caná, da Galileia.

O primeiro sinal prefigurou o tempo previsto em Isaías 62:4-5, quando o dia do casamento de Israel tiver chegado, e, da água purificadora, o vinho da alegria será produzido. O segundo sinal apresentou o Senhor como aqu’Ele que pode trazer vida e cura quando a morte parece iminente. Este judeu nobre não manifestou a forte fé que marcou o centurião gentio de Mateus 8. Sua tendência como judeu era exigir sinais e maravilhas antes de crer; e a crença desse tipo não é fé genuína, como vimos no final de João 2. Ainda assim, embora fraca, a fé estava presente no coração desse homem.

Ela se manifestou de duas maneiras. Primeiro, persistiu em seu apelo, quando, a princípio, a resposta do Senhor parecia desfavorável, expondo totalmente a necessidade desesperada do filho. Em segundo lugar, quando a resposta que ele recebeu foi uma simples ordem de retorno porque seu filho vivia, ele aceitou a palavra de Jesus sem nenhum sinal diante de seus olhos. Aqui, de fato, são as marcas da verdadeira fé; ela persiste e aceita a palavra de Deus sem sinais, maravilhas ou sentimentos.

O Senhor confirmou Sua própria palavra e no dia seguinte o homem viu que sua confiança não havia sido em vão. Jesus disse: “o teu filho vive”; No dia seguinte, seus servos o encontraram dizendo: “o teu filho vive”, embora não tivessem ouvido Jesus falar. A vida sendo concedida até mesmo no momento da morte é evidentemente o pensamento principal. E isso é exatamente o que o homem em geral precisa, e Israel em particular: não apenas a cura, mas a vida. Este foi o segundo sinal, e encontraremos muitas instruções sobre a vida – sobre Jesus como sua principal Fonte e Doador – nos capítulos seguintes.

JOÃO 5

Em primeiro lugar somos trazidos de volta à Jerusalém para que possamos considerar um terceiro sinal que Ele deu na cura do homem inválido em Betesda. O judeu que lê este evangelho pode dizer: “Bem, como uma nação, estamos doente até à morte e precisamos de vida; mas temos a lei. Não devemos encontrar cura lá?” O terceiro sinal nos fornece uma resposta para isso.

Um caminho de bênção foi trazido ao alcance do homem pela lei de Moisés. Apenas uma coisa era necessária por parte do homem, mas uma coisa que estava totalmente ausente. Exigia que ele tivesse poder para aproveitar o benefício fornecido. O caso do homem inválido à beira do tanque apresenta adequadamente o estado em que todo homem se encontra, quanto testado sob a lei. O pecado destruiu nosso poder para fazer aquilo o que a lei exige. Isso era tão óbvio no caso do homem que ele não fazia referência a seus próprios poderes, que haviam desaparecido, mas apenas admitia que ninguém estava disponível para fazer por ele o que ele próprio não podia fazer. “Não tenho homem algum”, disse ele.

No entanto, por sua confissão, ele reconheceu seu desejo de ser curado, e a cura completa foi concedida a ele imediatamente pela palavra do Senhor. O que a lei não podia fazer por ele, na medida em que era fraco pela incapacidade de sua carne, foi realizado em um instante como a obra do Filho de Deus, agora presente na Terra. O homem era capaz não apenas de andar, mas também de levar a cama que antes testemunhara seu desamparo. O Senhor ordenou que ele fizesse isso, embora fosse o sábado.

A lei do sábado era muito rigorosa. Todas as formas de trabalho eram proibidas, até mesmo pegar gravetos e acender um fogo. Os judeus, portanto, levantaram suas mãos para impedi-lo imediatamente quando viram o homem carregando sua cama. Ele tinha, no entanto, uma resposta pronta e suficiente. O Homem que o curara dissera-lhe para fazê-lo; e um pouco mais tarde ele foi capaz de nomear aquele homem – Jesus. O zelo deles pelo sábado era tal que, a partir daquele momento, Ele Se tornou o objeto de seu ódio e perseguição.

O Senhor não pronunciou qualquer palavra de desculpa ou mesmo de explicação; Ele simplesmente declarou aquilo que corta pela raiz essa instituição legal. Sob a lei de Moisés, o sábado foi instituído como um sinal entre Jeová e Israel, como é esclarecido em Êxodo 31:12-17, embora tenha sido baseado em Seu descanso quando a criação foi concluída. No que dizia respeito a Si mesmo, Jesus colocou-o de lado. Uma vez que a criação havia sido invadida pelo pecado, Seu Pai estava trabalhando e não descansando, e Ele estava trabalhando em comunhão com Seu Pai, e não guardando os sábados como relacionado a eles.

Essa contundente declaração instigou os judeus ao ódio homicida pelas duas razões indicadas no versículo 18. Ele havia quebrado o sinal do pacto no qual se orgulhavam, e acrescentara à Sua ação a afirmação de que Deus era Seu Pai; reivindicando igualdade com Deus. Note que o versículo 18 é a explicação de João por que os judeus procuraram matá-lo, e não seu relato da explicação fornecida pelos judeus – embora, é claro, possa ter sido a explicação que eles deram. É, portanto, o comentário do Espírito Santo por meio de João, e prova que na Filiação de nosso Senhor não há pensamento de qualquer tipo de inferioridade para com o Pai. Pelo contrário, é a afirmação da igualdade.

A resposta que Jesus deu ao ódio mortal deles, no versículo 19, é muito impressionante. O Filho, que estava aqui em Humanidade, tomou o lugar de realizar com perfeição toda a vontade e obra do Pai. Por isso, Ele nada podia fazer “por Si mesmo”, como algo originado independentemente do Pai; antes, agia em todas as coisas, como dirigido e ordenado pelo Pai. Mas a intenção disto é nos conduzir, cremos, à verdade ainda mais profunda de que esta necessidade estava enraizada em Sua perfeita unidade com o Pai. Embora Homem, Ele estava tão absoluta, perfeita e completamente em unidade da Divindade que era impossível para Ele agir à parte do Pai. Nesse sentido, “o Filho por Si mesmo não pode fazer coisa alguma”; e, portanto, esta afirmação longe de ser qualquer confissão de incapacidade ou mesmo inferioridade é uma afirmação absoluta de Sua Deidade.

“O Pai ama o Filho”. Essas cinco palavras ocorrem na declaração do evangelista no final de João 3. Elas agora ocorrem no versículo 20 na voz do próprio Jesus. O Filho, agora na Terra em Humanidade, estava em plena consciência de todos os atos do Pai, e deveria Se empenhar em obras maiores do que qualquer outra já manifestada. Ele atuaria como o Doador da vida e como o Executor do julgamento. Vivificar é dar vida; e nisso o Filho age de acordo com a Sua soberana vontade, embora, é claro, Sua vontade esteja sempre em completa harmonia com a vontade do Pai.

A ressurreição dos mortos e a vivificação são distinguidas no versículo 21. Os mortos ímpios devem ser ressuscitados, mas não diz que serão vivificados. Novamente, a vivificação acontece quando a ressurreição não está em questão, como mostra o versículo 25. O Filho ressuscitará os mortos, como Ele afirma nos versículos 28 e 29, mas o ponto no versículo 21 é que Ele dá a vida como o Pai faz. Nos versículos iniciais do evangelho, O vemos como tendo vida em Si mesmo, e como manifestando aquela vida para que ela seja a luz dos homens. Aqui vamos um passo além: Ele é o Doador da vida para os outros. Nisto Ele age com o Pai.

Mas, em matéria de julgamento, Ele age pelo Pai, como afirma o versículo 22. Há coisas que o Filho renuncia, como a determinação e a revelação de “tempos e estações”, como vemos em Atos 1:7 e Marcos 13:32; aqui encontramos que o Pai renuncia a todo julgamento, entregando-o nas mãos do Filho. Esses fatos, no entanto, não devem ser usados de forma alguma para depreciar a honra e a glória do Pai ou do Filho. Isto é especialmente apontado no que diz respeito ao Filho no versículo 23, visto que o fato de Ele assumir a Humanidade O deixa sujeito a uma depreciação injustificada na mente daqueles que não O entendem nem O amam. Ele será honrado por todos na hora do julgamento; e não honrá-Lo hoje é desonrar o Pai que O enviou. O Pai, evidentemente, não aceitará honra a não ser aquela em que o Filho é honrado conjuntamente.

Nesse discurso maravilhoso, o Senhor fez três declarações nas quais colocou uma ênfase especial, expressa pelas palavras “em verdade, em verdade”. No versículo 19, Ele enfatizou Sua unidade essencial com o Pai em todas as Suas obras, como vimos. No versículo 24 a ênfase novamente está em Sua conexão com o Pai. Como o Verbo Se fez carne Ele foi O enviado do Pai, e em Sua Palavra o Pai foi feito conhecido. Então, Ele não apenas disse: “Aquele que ouve a Minha palavra” e crê nela, mas “e crê naqu’Ele que Me enviou”.

Cremos no Pai pela palavra do Filho; de modo que atualmente Pedro escreve aos santos “por Ele credes em Deus” (1 Pe 1:21). Ora, aqui Ele anunciou que um simples ouvir de fé produziu três resultados surpreendentes: a posse da vida eterna, o livramento do julgamento, a passagem da morte para a vida.

Milhares de vezes esse grande versículo foi usado para trazer luz e certeza à alma de pecadores ansiosos e inquiridores! Que ainda seja usado milhares de vezes mais! A certeza digna de confiança que exala desse versículo se destaca por si só. Somos bem recompensados, no entanto, quando olhamos um pouco mais cuidadosamente para suas profundezas. O Filho dá a vida a quem Ele quer e executa todo o julgamento. Ele fala a palavra vivificante que conduz a alma em fé a Deus, e imediatamente possuímos a vida e nunca entraremos em julgamento. Somos feitos os possuidores da primeira daquelas magníficas obras das quais Ele falou, e na segunda nunca entramos. Ele colocou ênfase no lado positivo ao falar da vida de duas maneiras. Não é só aquilo que o crente possui, mas que também ele passa do reino da morte.

Se falamos da vida como conectada com essa criação inferior, lidamos com algo que desafia nossa análise e definições, ainda que, obviamente, essa palavra tenha mais de um sentido. Contemplamos, por exemplo, não apenas a centelha vital no homem ou num animal, mas também as condições necessárias para que essa centelha exista. Não há vida nos animais aquáticos sem água; não há vida humana sem ar. E também não há vida espiritual e eterna sem o conhecimento de Deus; e não há conhecimento de Deus sem a revelação que nos alcança pela palavra do Enviado e a fé que a recebe. Por causa disso, cremos, Jesus falou não somente do crente tendo a vida eterna, mas de ter passado daquela morte espiritual, que é marcada por total ignorância de Deus, para a esfera da vida que é preenchida com a luz do conhecimento do Pai. Não é de se admirar que Ele tenha colocado tal ênfase nessa maravilhosa declaração.

E no versículo seguinte, Ele enfatizou a afirmação adicional de que um tempo estava alvorecendo em que esta grande obra vivificante de Deus seria especialmente levada adiante. Nesse versículo, vemos a obra mais do lado de Sua própria ação soberana, e a fé não é especialmente mencionada, embora, é claro, ninguém ouvirá “a voz do Filho de Deus” sem a fé. Essa “hora” tem durado até o presente momento e, através dos séculos, multidões ouviram as vozes dos pregadores da palavra sem ouvir Sua voz na palavra. Somente aqueles que ouviram Sua voz viveram. Eles viveram porque, como o próximo versículo nos diz, o Filho que agora surge na Humanidade, tem vida em Si mesmo, como dada pelo Pai. A vida estava n’Ele essencialmente, porque a afirmação “n’Ele estava a vida” (Jo 1:4), está conectada com a Sua existência eterna, e Sua encarnação não é mencionada antes do versículo 14; mas aqui vemos que na Humanidade o Filho é dado pelo Pai como a Cabeça da Fonte da vida eterna para os homens. Possuímos a vida de forma derivada, enquanto apenas aquilo que é possuído de forma inerente e essencial pode ser comunicado a outros. Essa grande obra que dá vida é d’Ele somente e agora é o tempo d’Ele agir assim. No profundo silêncio de inumeráveis corações Sua voz soou: eles ouviram e viveram. Não devemos inverter a ordem das palavras, como alguns têm se inclinado a fazer. Não é “aqueles que vivem a ouvirão”, mas “os que a ouvirem, viverão”.

Mas, além disso, o Filho de Deus é também o Filho do Homem, e assim Ele não é apenas a Fonte da vida, mas também o competente Juiz de todos. Como Filho do Homem, Ele deveria ser “levantado” sob o julgamento do homem. Atualmente, ouviremos o povo dizendo: “como dizes Tu que convém que o Filho do Homem seja levantado? Quem é Esse Filho do Homem?” (Jo 12:34) Bem, no dia vindouro eles saberão Quem Ele é para a sua irremediável ruína! Embora, à primeira vista, pareça mais maravilhoso que todo julgamento seja investido em UM HOMEM, ainda assim não devemos nos maravilhar. Mas uma hora chegará quando a voz do Filho do Homem for ouvida, e isto não apenas por alguns, mas por todos – seja bom ou mau.

Somente aqueles que ouviram a voz do Filho de Deus e viveram tinham o poder de fazer o bem. A vida se expressou no bem, como seu produto e prova. O resto simplesmente fez o mal. A voz do Filho do Homem levantará a todos do túmulo, sem exceção, pois há uma ressurreição do julgamento e também uma ressurreição da vida. Eles são distinguidos aqui, embora tenhamos que ir a outras Escrituras para descobrir que um grande intervalo de tempo os separa. Ambos, no entanto, estão no futuro, pois as palavras “e agora é” (caps. 4:23; 5:25) não ocorrem nessa conexão. As palavras nos versículos 22, 24, 27, 29, traduzidas de várias maneiras, julgamento, juízo, condenação, são fundamentalmente as mesmas6. É bom ter isso em mente.

Mas, embora todo o julgamento esteja em Suas mãos, Ele nem mesmo nisso age independente ou separado do Pai. Tendo assumido a Humanidade, Ele não deixa a posição que assumiu, mas a desempenha em perfeição. Se Ele tivesse dito: “Meu julgamento é justo; porque Eu Sou o Verbo que Se fez carne”, teria declarado o que é absolutamente verdadeiro; mas Ele baseou a afirmação nisso: “porque não busco a Minha vontade, mas a vontade do Pai que Me enviou”. Todo julgamento pode ser confiado com segurança nas mãos de um Homem desta ordem, e nesse sentido, Ele disse: “Eu não posso de Mim mesmo fazer coisa alguma”.

Em Mateus 20:23, Jesus proferiu as seguintes palavras: “Não Me compete concedê-lo**”** (TB). Em Marcos 13:32 Ele disse de fato: “não Me compete _sabê-lo_”. Aqui Ele diz, com efeito: “não Me compete _fazê-lo_”. Todas as três afirmações são feitas em vista do humilde lugar de dependência que Ele tomou para a glória da Divindade e para a nossa salvação, e elas não militam contra o Seu lugar supremo na unidade da Divindade. Elas nos mostram algo sobre o que significa que Ele “aniquilou-Se” ou “esvaziou-Se” (ARA), segundo Filipenses 2, e assim temos um vislumbre da verdadeira _“kenosis”_ da qual a Escritura fala, e a encontramos longe da má “teoria da kenosis” formulada pelos teólogos incrédulos, que atribui falibilidade e erro ao nosso Senhor.

A verdade era que, embora Ele mesmo fosse tão grande, Ele estava aqui totalmente para a vontade do Pai, e todos os Seus julgamentos estavam de acordo com os pensamentos do Pai. Mesmo no que diz respeito ao testemunho de Si mesmo, tudo foi deixado nas mãos do Pai. É costume entre os homens chamarem atenção para si mesmos, mas assim não foi com ele.

A primeira testemunha, João, era apenas um homem. Jesus não precisava de tal testemunho, mas Ele o mencionou, se assim alguns pudessem ouvir e ser salvos. Nos versículos 33-35, Jesus está realmente dando testemunho de João, que havia manifestado a verdade como uma lâmpada acesa e brilhante. O testemunho de João era marcado pelo ardor e pela luz, mas ele era apenas uma lâmpada – pois essa é a palavra que o Senhor usou – enquanto Jesus era a verdadeira luz, como o Sol brilhando em sua força. Agora o Sol não precisa da luz de uma mera lâmpada, mesmo que ela arda e ilumine.

As obras que o Pai deu a Jesus para cumprir eram como raios de luz lançados pelo Sol; elas eram uma testemunha maior d’Ele do que qualquer coisa que João pudesse dizer. Elas eram tão obviamente divinas que provaram que Ele era o Enviado do Pai. E então, em terceiro lugar, o próprio Pai dera testemunho d’Ele – notavelmente no tempo do batismo de João – mas eles, sendo totalmente carnais, não tinham nenhuma apreciação por isso. Eles queriam algo que apelasse aos seus sentidos naturais de visão ou audição, e nada sabiam da palavra do Pai, que traz iluminação espiritual.

Por fim, havia as Escrituras Sagradas. Estas realmente testificaram d’Ele e eles as examinavam. Eles pensaram que tinham vida eterna nas Escrituras, mas Cristo é o Doador dela, e eles não queriam vir a Ele. Se, examinando as Escrituras, os homens são conduzidos a Cristo, então, de fato, eles têm vida eterna por meio das Escrituras, caso contrário, eles meramente obtêm conhecimento de um tipo técnico, teológico e permanecem na morte espiritual. Estas palavras são as mais esclarecedoras sobre qual é a verdadeira função da Escritura.

O Senhor prosseguiu para mostrar que Ele conhecia completamente Seus oponentes. Ele estava aqui em nome de Seu Pai e, portanto, a honra e a glória que o homem podia oferecer não eram nada para Ele. Eles não tinham nada do amor de Deus neles e, portanto, eram ávidos por honra, uns dos outros, em vez de buscar o que vem de Deus. Na mente deles, glorificavam os homens, e isso era como sempre uma barreira eficaz à fé, e eles não podiam crer. Jesus veio em nome de Seu Pai; o que significa que Ele estava buscando a glória de Seu Pai. Tudo era estranho para eles, e eles O recusaram. Outro viria em seu próprio nome e, portanto, procurando sua própria glória; isso seria exatamente adequado a eles e eles o receberiam. Com estas palavras, o Senhor predisse a vinda do anticristo, em quem a falsa glória do homem alcançará seu clímax.

Por estas palavras também foram expostos os motivos do mal assentado no coração de Seus oponentes, mas Ele não era seu acusador. Moisés era o que os acusava por meio da lei que havia sido dada por ele. Eles se vangloriavam em Moisés, porque sentiam que o grande homem conferia alguma honra a si mesmos, mas não criam realmente nele. Se tivessem crido, teriam recebido a Cristo. O versículo 39 se aplica a todas as Escrituras do Velho Testamento: elas “testificam de Mim” (ARA). O versículo 46 alude especificamente aos primeiros livros escritos por Moisés; e ele “escreveu de Mim” (TB). Esta, então, é a chave que destrava todo o Velho Testamento – o tema principal é o Cristo, que estava por vir.

A maneira pela qual o Senhor conectou Suas palavras aos escritos de Moisés é muito impressionante. Se os homens recusarem o testemunho anterior por meio do servo, eles não receberão o Filho quando Ele falar. E assim é realmente. Os homens de hoje, que não creem nos livros de Moisés e até negam sua autoria, não creem nas palavras de Jesus. Isto é perfeitamente claro, visto que Ele sustenta aqui a própria coisa que eles negam. Precisamos fazer nossa escolha entre os modernistas racionalistas e Cristo. Eles se colocaram no lugar de Seus oponentes judeus: isso é tudo. As duas perguntas: “Como podeis crer?” (ARA) e “como crereis?” (ARA) são muito impressionantes. Como o amor de Deus está em nós, como a glória do homem se desvanece diante de nossos olhos, devemos aceitar e crer nas Sagradas Escrituras, e elas nos conduzirão em fé a Cristo.

JOÃO 6

Este capítulo nos traz de volta à Galileia, e lemos sobre outro dos grandes “sinais” que Jesus fez. O milagre de alimentar os cinco mil tem evidentemente uma importância especial, já que é relatado em cada um dos quatro evangelhos. Nosso capítulo nos dá o ensinamento, baseado nele e relacionado a ele, o que torna aparente a sua significância. O próprio milagre é descrito de maneira a enfatizar o recurso e o pré-conhecimento do Senhor.

Jesus primeiro Se dirigiu a Filipe. Agora, este foi o discípulo que acreditou nos escritos de Moisés, como vimos em João 1:45; no entanto, quando testado aqui, ele não enxergou além do poder de compra do dinheiro. O próprio Jesus “sabia o que havia de fazer”. Em tal emergência, o melhor que poderia ser dito de outros servos de Deus seria que, não sabendo o que fazer, eles procuravam por orientação de Deus e conseguiam. Mas aqui estava Um, que sabia o que fazer, e sabia que Ele tinha o poder para fazer isso. Antes de André falar sobre o rapaz com seus pequenos pães e peixes, Ele sabia a respeito deles. Ter tal conhecimento e exercer tal poder a ponto de saber com absoluta certeza o que se fará é prerrogativa da Deidade. Declarações como esta são comuns neste evangelho: veja João 2:24-25, 13:3, 18:4.

Embora Seu conhecimento e poder fossem tais, Ele não desdenhou os pequenos suprimentos de que o rapaz dispunha, nem ignorou os discípulos com seu pequeno entendimento e sua débil fé. Ele fez deles os distribuidores de Sua generosidade. O suprimento inicial de comida era do rapaz; as mãos que distribuíam eram as dos discípulos; o poder e a graça eram d’Ele e só d’Ele. Tão manifesto foi isto para os homens que participaram da abundância, que eles a conectaram com o céu, e declararam que Ele deveria ser o Profeta que deveria vir ao mundo, como Moisés dissera. As pessoas foram levadas a essa conclusão em várias ocasiões – veja João 4:19, 7:40, 9:17 – contudo, para que fosse duradouro, isso tinha que ser o ponto de partida para conclusões mais profundas. Em João 4, isso levou ao convencimento de que Ele era o Cristo: em João 9, para a conclusão de que Ele era o Filho de Deus.

Com esses homens, os pães e os peixes haviam adquirido muita importância, e desejando uma continuação de suprimentos tão facilmente adquiridos, eles se aconselharam a levá-Lo a força e fazer Rei a Esse Profeta. Ora acabamos de ouvi-Lo dizer: “Eu não recebo testemunho de homem”, e novamente: “Eu não recebo glória dos homens”, por isso não ficamos surpresos ao descobrir que Ele não receberá um reino das mãos dos homens. A glória do maior reino terreno, que o homem pode erigir, é apenas ouropel7 diante d’Ele. Então partiu para a solidão de uma montanha, enquanto os Seus discípulos partiram para atravessar o lago. Mateus 14:22 nos diz que Ele obrigou Seus discípulos a entrar no barco enquanto Ele sozinho despedia as multidões. O relato de João explica Suas ações. Eles poderiam facilmente, e levados pelo entusiasmo, cair pelas propostas do povo, mas Ele propositalmente tirou-os da cena da tentação.

Mas embora Ele não aceitasse nenhuma realeza terrena por voto democrático, Ele Se mostrou ser Senhor pleno em outras esferas, embora a manifestação disto fosse somente para os olhos de Seus discípulos. Tanto o vento quanto o mar podem exibir uma força nas garras das quais o homem é apenas um brinquedo e um divertimento, mas sobre os quais Ele é o Senhor supremo. Os discípulos em seus dias precisavam apreendê-Lo nessa luz, assim como nós em nossos dias. Um reino terrenal com abundância de alimento facilmente apela para uma mente carnal. A mente espiritual é formada por conhecê-Lo como o Senhor dos ventos e das ondas, e dos poderes que eles representam. Revelando-Se assim aos discípulos, seus medos foram dissipados, e eles se viram imediatamente conduzidos ao seu destino, quando de bom grado O receberam no barco. Reflita sobre este incidente com cuidado, pois nós, muito especialmente, precisamos conhecê-lo dessa maneira. Ele hoje não está tratando com um reino terrenal, mas provando-Se supremo acima das forças adversas, enquanto conduz Seus santos através delas.

A multidão não sabia nada de Sua travessia milagrosa do mar, mas eles sentiram que algo incomum havia acontecido, e procuraram-no do outro lado, desejando satisfazer sua curiosidade quanto ao modo de Sua travessia. O Senhor não a satisfez, mas ao mesmo tempo mostrou-lhes que Ele conhecia os pensamentos escondidos no coração deles. A visão de milagres não é suficiente, como aprendemos em João 2:23-25, mas até mesmo a visão foi suplantada pela comida que perece: Ele, o Filho do Homem, selado pelo Pai, era o Doador da comida que permanece para a vida eterna. Eles deveriam procurar isso.

Sua resposta a esses homens tem uma forte semelhança com Sua aproximação à samaritana, em João 4: ali a água estava em questão, aqui o pão; mas em ambos os casos a conhecida substância material foi transformada em um símbolo de grande realidade espiritual, e o ouvinte colocado face a face com aquilo, embora não haja evidência de que esses homens tenham recebido a bênção como a mulher recebeu. A “água viva” era o Espírito que Ele daria. O “pão vivo” era o próprio Cristo, descido do céu, o alimento da vida eterna para os homens. Esse alimento somente pode ser recebido como uma dádiva na qual toda a Divindade está considerada, uma vez que ela vem do Filho do Homem, selado pelo Pai – e esse selo, sabemos, era pelo Espírito.

A princípio, a mulher não entendia a importância das palavras do Senhor além do que esses homens entendiam, mas a resposta dela foi: “Senhor, dá-me**”**, enquanto a deles foi: **“O que faremos para** executarmos…**?”** Uma diferença reveladora essa! A pergunta dos homens imediatamente trouxe a afirmação de que a fé no Enviado de Deus é o começo de toda obra que está de acordo com Deus. Se os homens não creem n’Ele que é Quem Deus enviou, em nenhum sentido apropriado creem em Deus, e permanecem na morte espiritual, uma vez que a vida lhes é apresentada n’Ele. Infelizmente eles não creram, como mostra o versículo 30, mas, ao contrário, exigiram um sinal, sugerindo que, se fosse espetacular o suficiente, criaria fé no coração deles. E então, prevendo que Ele poderia encaminhá-los para o sinal da multiplicação dos pães e peixes, que eles tinham acabado de testemunhar, tentaram desconsiderar o sinal referindo-se ao milagre do maná, ministrado aos seus pais no deserto por Moisés pelo espaço de quarenta anos.

Isso evocou a declaração enfática do versículo 32. Não foi Moisés, mas Deus Quem deu esse pão do céu, que era apenas uma figura do verdadeiro. O verdadeiro pão do céu é o dom de Deus, e Ele agora estava sendo revelado como Pai por aqu’Ele que era esse Dom. Ele próprio desceu do céu como o Doador da vida para o mundo. Nas coisas naturais, o pão apenas sustenta a vida e não a dá, em nenhum sentido; mas o espiritual sempre transcende o natural. A figura material serve para direcionar nossos pensamentos para o fato divino, mas nunca pode conter sua plenitude. Jesus estava aqui como o Doador e o Sustentador da vida; e isso em relação ao mundo e não apenas à pequena nação judaica, entre os quais Ele Se movia. Já notamos esta característica antes: o Verbo tendo Se tornado carne, não pode ser confinado em Sua luz e poderes de conceder vida a qualquer círculo menor que o mundo.

A resposta deles a isso, no versículo 34, parece mais encorajadora, mas nela não havia fé, como mostra o versículo 36. Conduziu, no entanto, ao Senhor, apresentando-Se clara e definitivamente como o pão da vida e afirmando que, ao chegar a Ele com fé genuína, todo desejo encontraria sua satisfação. O dom do Espírito que vinha d’Ele leva à satisfação do coração em João 4. Aqui, a recepção d’Ele mesmo em fé leva à mesma abençoada consumação. No conhecimento d’Ele próprio, toda a plenitude da Divindade é revelada a nós e pode ser apropriada por nós. Isso é o que satisfaz. Estes homens não mostraram nenhum sinal de vir a Ele, mas o Pai estava ativo em Seu propósito e graça, e então haveria uma resposta.

Nesse contexto, está aquela grande e segura afirmação do evangelho: “o que vem a Mim de maneira nenhuma lançarei fora”. Em João 3:32, vimos que, “ninguém aceita o Seu testemunho”, mas alguns receberam o Seu testemunho. Agora, pela primeira vez, descobrimos o que está por trás do paradoxo. Há a graça soberana do Pai, a qual deu alguns ao Filho, e estes, sem exceção, vêm a Ele. Esses felizes indivíduos são impelidos para Ele, no que diz respeito à sua própria consciência, por uma variedade de coisas, diferindo umas das outras em quase todos os casos; mas, sustentando tudo, como a explicação final, está este dom do Pai para Cristo – um dom de amor, podemos chamá-lo.

Tudo o que o Pai tem dado vem, e nenhum que vem é lançado pelo Filho; e isso não somente por causa de Sua própria graça e amor pessoal pelos tais, mas porque eles são o dom do Pai, e porque o próprio objetivo de descer do céu era para cumprir a vontade do Pai, e assim revelar o coração do Pai. O Pai os deu para que, vindo ao Filho, Ele pudesse ser para eles o Doador e o Alimento da vida e, assim, o Pai sendo feito conhecido a eles, poderiam estar realmente satisfeitos. Não há possibilidade de qualquer deslize entre o dom do Pai e a recepção do Filho. Quando observamos o contexto e o direcionamento da passagem, vemos quão justamente e de forma feliz o evangelista direciona as palavras de ouro à alma ansiosa, que está se voltando para Cristo e prestes a vir a Ele: “o que vem a Mim de maneira nenhuma lançarei fora”.

Então, novamente, a vontade do Pai não é apenas que o Filho receba em poder vivificante aquele que vem a Ele agora, mas que tudo deve ser consumado em ressurreição no “último dia”. Os judeus tinham a luz do Velho Testamento, e aguardavam o tempo da presença e glória do Messias como o último dia. As palavras do Senhor aqui confirmam plenamente o pensamento e mostram que, embora possamos ter a vida agora em um mundo que é marcado pela morte, devemos conhecer a plenitude dela na era que está por vir. Quão deleitosa é a conexão entre os versículos 37 e 39 – ninguém será lançado e nada (TB) será perdido enquanto nos movemos em direção ao dia de glória; e ambos estão de acordo com a vontade do Pai.

O versículo 40, embora expressando a mesma verdade do versículo 39, amplifica-a um pouco. As mesmas pessoas estão em vista, mas descritas primeiramente como “tudo o que Ele Me tem dado” (v. 39 – TB), e então como “todo aquele que vê o Filho e crê n’Ele” (v. 40). A primeira descreve do ponto de vista do propósito divino; a segunda mostra a ação correspondente de fé em nossa vida responsável aqui. Esse “ver” o Filho é, cremos, tanto fé quanto crer n’Ele. Muitos foram os que viram Jesus enquanto Ele andava na Terra sem “ver o Filho” em qualquer sentido verdadeiro. Mas onde os olhos estavam espiritualmente abertos, e eles viram o Filho e creram n’Ele; a vida eterna foi recebida no presente (veja cap. 20:31), e o mundo da vida ressurreta será introduzido no último dia.

Os judeus prontamente se mostraram totalmente sem fé. Eles só viram o Homem Jesus, achando que conheciam Seus pais; que Ele era o Filho, vindo da semente de Davi segundo a carne (Rm 1:3), foi totalmente despercebido por eles. Assim, eles deixaram claro que não tinham parte nem porção nesse assunto. Eles eram estranhos àquele plano do Pai, fora o qual nenhum homem realmente vem a Cristo.

Versículos 39, 40 e 44, terminam cada um com ressurreição. Eles colocam diante de nós o dom do Pai ao Filho segundo Seu propósito, Seu plano para tornar eficaz o dom, e a fé resultante de nosso lado, que leva à possessão presente da vida eterna, e a certeza de seu fundamento na ressurreição. O Senhor encontrou em Isaías 54:13 uma previsão dessa obra interior do Pai; e Ele sabia que o que vai fazer nos filhos de Israel, que será redimido e restaurado quando a era vindoura chegar, Ele estava fazendo então, e Ele ainda está fazendo hoje. Nenhum homem viu o Pai de maneira natural. Somente aqueles que são “de Deus” O veem; e isso por fé.

Os versículos 40 e 46 estão ligados entre si pelas duas expressões: “vê o Filho” e “vê o Pai”. A fé é necessária para ambos, e o Pai só é visto se o Filho for visto. Portanto, tenhamos cuidado com teorias que adulteram a filiação de Jesus. A Paternidade divina e eterna não pode ser retida se a Filiação divina e eterna for descartada.

O murmúrio dos judeus invocou outro daqueles convincentes pronunciamentos de ênfase especial, que são frequentes neste evangelho. Jesus é o pão da vida, e aqueles que O apropriam pela fé têm vida eterna. Este grande fato permanece sem qualquer reserva ou qualificação. O maná no deserto havia sido lembrado pelos judeus; o Senhor agora o usa em acentuado contraste Consigo mesmo. Seus pais estavam mortos, embora tenham participado do maná. Ele era o pão que desceu do céu, e participar d’Ele significava libertação da morte. Seus pais estavam mortos tanto espiritualmente quanto fisicamente, pois não tinham fé (veja Hb 3:19), embora comessem o maná. O homem que come o pão que desce do céu nunca morre espiritualmente, aconteça o que acontecer com ele fisicamente.

Nos versículos 50-58, o Senhor fala de comer d’Ele mesmo ou da Sua carne como o pão vivo não menos que sete vezes, e de beber o Seu sangue três vezes. Sua linguagem é figurativa, mas muito simples. Aquilo que comemos e bebemos nos apropriamos da maneira mais completa e intencional. É total e irrevogavelmente nosso e, finalmente, torna-se parte de nós mesmos. É, portanto, uma figura muito apropriada de fé, pois é exatamente isso que a fé produz de maneira espiritual. Por encarnação, o Filho do Pai estava entre os homens, verdadeiramente descido do céu, e assim tudo o que foi revelado n’Ele tornou-se disponível para os homens, mas apenas para ser realmente apropriado pela fé. Por isso os homens devem comer desse pão e comendo-o eles vivem para sempre.

A última parte do versículo 51 traz um pensamento adicional. Esse “pão” é a Sua carne, a ser dada não somente à nação judaica, mas “pela vida do mundo”. Aqui o Senhor indica que Sua encarnação era em vista de Sua morte. Totalmente cegos, os judeus mergulharam em discussões entre si, e isso fez surgir outra afirmação de extrema ênfase. À parte da morte do Filho do Homem, apropriada por fé, ninguém tem nenhuma vida espiritual n’Ele. Tendo o Filho vindo em carne como Filho do Homem e morrido, a vida depende da fé n’Ele. Antes que Ele chegasse, havia muitos que criam em Deus, de acordo com o testemunho que Ele havia dado, e eles viviam diante d’Ele. Mas agora que o Filho de Deus é chegado, Ele é o testemunho e tudo depende d’Ele.

O tempo do verbo “comer”, nos versículos 51 e 53, é digno de nota. Darby traduz: “se alguém tiver comido e “a menos que tenha comido respectivamente. Significa um ato de apropriação, realizado uma vez por todas. Este ato deve existir para que um homem viva diante de Deus – não há vida sem a apropriação por fé da morte de Cristo. Isso, no entanto, não se coloca contra comer de forma habitual, que é apresentado nas quatro ocorrências da palavra nos versículos 54, 56, 57, 58. A vida que é recebida tem que ser nutrida e sustentada; daí o que comeu ainda come; em outras palavras, aquele que recebeu a vida pela apropriação original da fé agora vive com o mesmo princípio – “O justo viverá por fé”. Ele creu e continua crendo.

Aquele que come habitualmente tem a vida eterna e, no versículo 54, pela quarta vez a ressurreição é trazida diante de nós. O que está implícito nesta menção quádrupla, sem dúvida, é que a vida eterna alcançará a sua plena expressão e desfrute na ressurreição no último dia. Isso é mencionado apenas duas vezes no Velho Testamento: “vida para sempre” (Sl 133:3), “vida eterna” (Dn 12:2), e em ambos os casos o dia do Messias, que é “o último tempo” (1 Pe 1:5) é antecipado. Daniel 12 fala de uma ressurreição nacional para Israel, como eles devem se levantar do meio do pó das nações; mas em nosso capítulo temos indivíduos em vista, e a ressurreição não é figurativa, mas vital e real. Quando Paulo menciona a vida eterna, ele geralmente tem em vista sua futura plenitude na ressurreição; por exemplo, “por fim a vida eterna” (Rm 6:22). Em João, é habitualmente apresentada como uma realidade presente, embora, como as palavras do Senhor aqui mostram, sua plenitude na era vindoura não é excluída de nossos pensamentos.8

Aquele que come e bebe não apenas tem a vida, mas “permanece” ou “habita” (JND) em Cristo, e Cristo nele. Além disso, como mostra o versículo 57, ele é colocado na mesma relação com Cristo na qual Ele está com o Pai. Como o Enviado do Pai, encarregado de revelar o Pai, toda a vida de Jesus foi vivida levando apenas em conta o Pai, como sendo Ele a fonte de tudo. Assim também viverá, em relação a Cristo, aquele que se apropria d’Ele habitualmente pela fé; e vivendo assim ele permanece em Cristo e Cristo nele. Só se pode exclamar: Que maravilhoso caráter de vida é assim aberto ao crente simples, e quão pouco temos entrado nisso em nossa experiência! Isto é, de fato, em contraste com o maná, o verdadeiro pão que desceu do céu; e a vida em que somos introduzidos, ao comê-la, permanece para sempre.

Os notáveis ensinamentos de nosso Senhor tiveram sobre Seus discípulos um efeito muito grande de testar e peneirar, e muitos ficaram ofendidos. Sua palavra era “dura” para eles; mas em que consistia sua dureza? Consistiu no corte das raízes de seu orgulho religioso nacional. Ser informado de que: “não tendes vida em vós mesmos”, exceto que houvesse este comer e beber, era intolerável para eles. Ora, eles tomaram como certo que a vida era deles, como a nação possuída por Deus, e não haviam abandonado essa ideia, embora pensassem que haviam encontrado o Messias prometido em Jesus. Ora Ele sabia “em Si mesmo” que esses discípulos estavam murmurando, já que Ele conhecia todas as coisas, e como consequência Ele propôs a eles um teste ainda maior.

Aquilo de que Ele havia falado envolveu Sua encarnação, pela qual a plenitude da Divindade havia sido trazida até nós, e Sua morte, pela qual a vida se tornou disponível para nós: agora Ele fala de Sua exaltação e glória. Se eles tropeçassem no pensamento do Filho de Deus descendo, o que diriam ao Filho do Homem subindo? Em nosso capítulo, temos os primeiros e últimos itens naquele “mistério da piedade”, do qual 1 Timóteo 3:16 fala – “Deus foi manifestado em carne… recebido em glória” (JND). Note que Ele sobe como Filho do HOMEM. Foi uma maravilha que Deus deveria descer à Terra: não era menos surpreendente que o Homem subisse ao céu. Jesus Nazareno está no céu (veja Atos 22:8). E Ele está “onde primeiro estava”. Este é um impressionante testemunho ao fato de que Sua Pessoa é una e indivisível, por mais que possamos enfatizar a força e o significado de Seus vários nomes e títulos, bem como distinguir entre o que Ele sempre foi e em que Ele Se fez, como fizemos ao considerar os versículos iniciais deste evangelho.

O ensinamento deste capítulo é completado pelo versículo 63, onde o Espírito Santo é trazido. Nada procede da carne que se beneficia nesse assunto: é o Espírito que dá vida. O Pai é o Doador do verdadeiro pão da vida: o Filho é esse pão e, como Filho do Homem, dá Sua carne pela vida do mundo: o Espírito vivifica. Tudo é de Deus e nada procede do homem. Este capítulo mostra o quão morto está o homem, pois as palavras do Senhor, que são espírito e vida, foram apenas uma ocasião de tropeço para eles. O evangelista interrompe seu relato nos versículos 64 e 65, para nos dizer que Jesus falou no pleno conhecimento disto, e que não apenas Ele sabia em Si mesmo o que eles pensavam e diziam, mas também quem cria e quem não cria desde o princípio, e quem deveria traí-Lo.

Foi neste ponto, aparentemente, que muitos dos mencionados em João 2:23-25, revelaram-se em seu verdadeiro caráter. A fé vital não era deles e eles desapareceram. Jesus então testou os doze, e Pedro, seu porta-voz, proferiu uma bela confissão de fé genuína. Ele reconheceu o Enviado de Deus, que tinha as palavras da vida eterna. Meros homens podem ter as palavras de ciência ou as palavras de filosofia, e ocasionalmente palavras de sabedoria, mas somente o Filho de Deus tem palavras de vida eterna. Portanto, não havia alternativa, nenhum rival possível no horizonte da fé de Pedro. Cristo era único e inigualável. Certamente, pela graça de Deus, Ele é também para nós. No entanto, Ele não era isso mesmo para cada um dos doze, e o Senhor aproveitou a ocasião para mostrar que o coração de Judas Iscariotes estava completamente aberto aos Seus olhos. Ele não o colocou entre os doze sob qualquer equívoco de seu verdadeiro caráter. Naquela época, a Galileia ainda era a cena do ministério do Senhor e, de maneira notável, o coração de todos os homens estava se manifestando. Vimos discípulos falsos recuando, um discípulo genuíno fazendo a confissão da fé e o discípulo traidor sendo desmascarado.

JOÃO 7

Aqui encontramos os judeus de Jerusalém adotando uma atitude de hostilidade homicida, e então Seus irmãos segundo a carne são vistos em um estado de espírito cético9. Eles realmente ainda não criam n’Ele, não entendiam seus métodos nem porque evitava Sua publicidade ostensiva. Eles desejavam que Ele exibisse Seus poderes na capital de uma maneira a atrair o mundo para Si mesmo. O Senhor recusou o conselho deles. O mundo não poderia odiá-los, pois eles ainda não estavam de forma alguma separados do mundo. Odiavam a Ele porque desde o início estava essencialmente separado do mundo e testemunhou contra as suas más obras.

Além disso, Ele só agia de acordo com a vontade do Pai e, portanto, a Sua hora ainda não havia chegado. Eles agiam de acordo com seus próprios pensamentos e, portanto, qualquer tempo era o tempo deles, de acordo com o espírito do mundo. Se lermos 1 João 3:12-13, vemos que a situação na qual o Senhor foi encontrado foi tipificada pela de Abel. Suas obras justas, em nome de Seu Pai, testificavam contra as más obras dos judeus, e eles estavam planejando Sua morte, e a iriam cumprir quando Sua hora houvesse chegado. No momento apropriado, Ele subiu à festa dos Tabernáculos, enquanto muitos O procuravam e outros discutiam sobre Ele em particular. Isso nos mostra que a massa do povo, embora não identificada com os líderes que queriam matá-Lo, era também indiferente. Eles estavam cheios de curiosidade e perguntas, e discutiram suas opiniões variadas, mas eles não foram suficientemente movidos para chegar a uma decisão. É como a situação hoje! Alguns se opunham mortalmente, alguns falsos discípulos céticos estavam preparados para trair, as massas eram indiferentes, mas alguns, como Pedro e os dez, descobrindo o Senhor da vida, que não tem rival.

No meio da festa, Jesus apareceu e ensinou. Imediatamente o poder de Suas palavras foi sentido e o questionamento é levantado. Ele não havia passado pelas escolas dos homens, mas mesmo assim ensinava! Como era isso? Ele respondeu à pergunta deles dizendo que Seu ensinamento procedia daqu’Ele que O enviou. Ele tinha vindo para proferir Suas palavras e estava fazendo isso com perfeição. Qualquer dificuldade que seus questionadores sentiam provinha da própria atitude deles. Se ao menos eles tivessem um desejo real de fazer a vontade de Deus, teriam reconhecido que Seu ensino era de Deus. Se desejarmos fazer a vontade de Deus, seremos necessariamente marcados pela sinceridade e pela sujeição, e nossas convicções se tornam claras e corretas. Sombras de dúvidas encobrem a mente daqueles que são meramente superficiais ou curiosos.

Jesus estava de fato falando não de Si mesmo, mas de Deus, e assim Sua verdade e justiça eram manifestas. Ele veio para buscar a glória de Deus, em vez de buscar a Sua própria, falando de Si mesmo. Se tinha sido injustiça para Ele ter buscado a Sua própria glória, embora toda a glória fosse justamente Sua, quanto mais injusto é para qualquer um de nós, que O servimos, buscar a nossa própria glória, visto que com razão não temos glória alguma. Um pensamento muito penetrante e convincente para todos nós! O padrão que o Senhor estabeleceu é o teste para nós.

Para o povo, no entanto, Moisés foi o teste, e julgado por isso, todos eram culpados. Jesus sabia que eles procuravam matá-Lo, e aqui estava uma violação mais flagrante da lei de Moisés. A multidão repudiou o que Ele disse, e é possível que ignorassem os artifícios de seus líderes; mas eles mostraram sua animosidade pela terrível acusação de que Ele tinha um demônio. Jesus respondeu referindo-Se ao milagre de João 5, realizado em Sua visita anterior a Jerusalém, e mostrando-lhes quão injustos e superficiais eram seus julgamentos por causa de suas práticas em relação à circuncisão. Outros intervieram neste ponto e, por suas observações, confirmaram a afirmação do Senhor sobre a intenção homicida deles e derrubaram o repúdio do povo quanto a essa intenção. No entanto, eles não acreditavam n’Ele; eles tropeçaram imaginando que conheciam Sua origem humana. Ainda assim, a realidade das coisas ficou clara por esses homens em consequência da contradição mútua deles.

Conhecendo suas palavras, Jesus os apanhou em Seu ensino no templo, mostrando que, embora O conhecessem e soubessem que ele havia vindo da carpintaria em Nazaré, não conheciam aqu’Ele que O enviara. Eles tinham algum conhecimento quanto ao lado humano, mas quanto ao lado divino, eles eram totalmente cegos. No entanto, houve aqueles impressionados com Seus milagres e inclinados a acreditar que Ele poderia ser o Messias. Os fariseus e principais sacerdotes permaneciam em implacável hostilidade e enviaram alguns para prendê-Lo, mas a Sua hora ainda não havia chegado. Eles não tinham poder real contra Ele, e os versículos 33 e 34 mostram isso. Quando a Sua hora chegasse, muito em breve, Ele iria àqu’Ele que O enviara e passaria por uma região em que jamais entrariam – uma região em que Ele sempre habitou. Ele falou assim de Sua morte e ressurreição de um ponto de vista muito exaltado. Os versículos 35 e 36 nos revelam, mais uma vez, a total incapacidade deles. Eles não tinham a menor ideia do significado de Suas palavras.

No oitavo dia da festa dos Tabernáculos deveria haver “santa convocação”, de acordo com Levítico 23. Naquele dia, quando a alegria do povo deveria atingir seu clímax, Jesus fez Seu segundo grande pronunciamento sobre os rios de “água viva”. Ele sabia que nenhum desses festivais judaicos saciava a sede dos homens, e que havia alguns que estavam conscientes disso. Então, Ele os convidou para virem a Ele e beberem, porque pela fé em Si mesmo o Espírito estava prestes a ser ministrado. Ele havia falado à mulher de Samaria da habitação do Espírito como uma fonte; agora Ele fala daqu’Ele mesmo Espírito correndo como um rio. Desde as partes internas do crente, esses rios devem fluir. O significado da figura parece ser que o Espírito deve ser não apenas recebido, mas espiritualmente assimilado, se o fluxo ocorrer. Os rios fluirão do seu “ventre” e não de sua cabeça.

Isso deve ocorrer “como diz a Escritura”, isto é, não é a citação de uma declaração escrita, mas algo indicado de uma maneira mais geral. Por exemplo, Ezequiel 47:1-9, previu que as águas deveriam fluir do templo milenar e que suas águas deveriam ser vivas, uma vez que “tudo viverá por onde quer que passe este rio” (ARA). Além disso, “o nome da cidade desde aquele dia será: o Senhor está ali” (Ez 48:35). As águas vivas irão sinalizar o fato de que o Senhor vivo está no meio deles. Mas o Espírito deveria ser dado quando Jesus fosse glorificado no alto, muito antes do Dia Milenar ser alcançado, e Ele sinaliza Sua presença e Sua habitação nos crentes pelo transbordar das águas vivas de um modo espiritual e não material. A Escritura, assim, tem falado dessas coisas. Vemos repetidamente confirmado o fato de que o que Israel desfrutará de maneira mais material naquela época é para ser conhecido pelo crente de maneira espiritual nesta presente época.

O versículo 39 é importante para definir claramente a relação entre a glorificação de Jesus e o derramamento do Espírito. Por esse ato a Igreja deveria ser formada e o corpo unido à sua Cabeça. Jesus estava aqui encarnado, mas antes de Ele assumir essa liderança íntima, como Senhor e Cristo, quatro passos adicionais foram necessários – morte, ressurreição, ascensão, glorificação. Então o Espírito Santo foi derramado e as águas vivas começaram a fluir em Jerusalém e em outros lugares. Olhando para o futuro, o Senhor Jesus prometeu isso e não deu nenhuma qualificação a “quem que crê em Mim”. Não foi somente para a era apostólica, mas para nós também. Por que os rios são tão pouco vistos? Não é porque nossas partes internas foram entupidas com outras coisas e estão pouco abertas às operações de Deus?

Os versículos 40-44 nos mostram as pessoas ainda hesitantes e confusas. Alguns expressaram uma opinião e outra. Alguns O teriam entendido, mas ninguém o fez. Parecia que ia terminar em discussões fúteis; mas revelou a presença de uma profunda fenda de divisão. Há muitos modos de ser contra Cristo e somente um modo de ser a favor d’Ele – a maneira que vimos Pedro tomar no final de João 6. A fenda, como um grande desfiladeiro do rio Colorado nos Estados Unidos, existe hoje, e todas as outras rachaduras entre os homens são apenas valas rasas comparadas com isso. Ainda existe uma dissensão entre as pessoas por causa d’Ele.

No final do sexto capítulo, tivemos o tributo de Pedro ao poder sobrenatural das palavras do Senhor; elas eram “palavras da vida eterna”. Agora percebemos que o mesmo poder foi sentido por homens que estavam do lado oposto da profunda fragmentação que atravessava a nação. Os líderes religiosos enviaram homens para prendê-Lo, mas voltaram sem Ele. A única explicação que deram de seu fracasso em tocá-Lo foi: “Nunca homem algum falou assim como este Homem”. Eles não entenderam o que Ele disse, mas sentiram que nenhum homem comum jamais falou como Ele; Suas palavras O colocaram em uma categoria completamente diferente. Eles podem ser ignorantes, mas suas sensibilidades não estavam totalmente mortas.

Seus líderes, que os haviam enviado, não tinham apenas falta de sensibilidade, mas também de escrúpulos. Eles não tinham falta de um imenso conceito de si mesmos; tanto que estavam certos de que sua própria rejeição de Jesus seria incontestável e tão definitiva que todos deveriam aceitá-la. Se a multidão, ou qualquer um dela, não a aceitasse, isso apenas mostrava que a multidão era ignorante e maldita. Então esses falsos pastores apenas amaldiçoaram as ovelhas, e a deixaram assim. No entanto, sua própria ignorância começou a aparecer, pois o efeito da presunçosa pergunta deles sobre se algum dos principais ou dos fariseus havia crido n’Ele, foi arruinado por Nicodemos, que era tanto um principal como um fariseu. Embora ainda não estivesse preparado para se mostrar como um crente definitivo, ele revelou pela sua pergunta que ele não se conformava com a incredulidade deles. Além disso, o desprezo deles pela Galileia só revelou a ignorância deles de onde Cristo tinha vindo.

A cena apresentada a nós, nestes versículos finais, mostra que existe uma semelhança surpreendente entre os religiosos modernistas de hoje, e esses homens. É verdade que a Palavra de Deus escrita está mais em questão agora do que a Palavra Viva como então, mas existe exatamente a mesma presunçosa afirmação do lugar supremo da habilidade e conhecimento humanos. A frase moderna é: “Todos os estudiosos concordam…” concordam em negar ou mesmo ridicularizar a Palavra de Deus. Mas agora, como naquele momento, todos os eruditos NÃO estão de acordo, e os dissidentes não são apenas uma unidade como Nicodemos no Sinédrio, como também a fé desses dissidentes em Cristo e Sua Palavra é muito mais clara e mais definida que a de Nicodemos. Além disso, como os antigos religiosos, os espécimes modernos são tão errados em seus fatos básicos. Cristo não era “da Galileia” como deveriam saber; mas eles não se preocuparam em olhar por baixo das aparências superficiais. A descrença moderna é rica em especulações, suposições, fantasias e, tristemente, falida quanto a fatos sólidos.

JOÃO 8

No entanto, os líderes sentiram que tinham decididamente resolvido a questão, e retiraram-se para o conforto de seus lares, enquanto Jesus, o Verbo feito carne, sem lar, passava a noite no Monte das Oliveiras. Retornando de manhã cedo ao templo, Ele foi confrontado por alguns desses próprios adversários com um caso que, como esperavam, O apanharia nas dificuldades de um dilema. A multidão poderia ser ignorante quanto à lei e ser maldita; Seus adversários conheciam bem a lei e se consideravam abençoados por ela; eles também conheciam a bondade e a graça de Jesus. Então eles colocaram a mulher pecadora no meio e citaram a lei de Moisés contra ela. O resultado não foi o que eles esperavam. O Senhor dirigiu a lei como um holofote sobre eles, e seu poder convincente alcançou até mesmo a consciência endurecida deles. Estes hipócritas religiosos duplamente mortos, que falavam sem hesitação sobre a maldição que se aproximava da multidão, viram agora a maldição da lei surgindo contra eles mesmos e desapareceram.

A ação de Jesus ao inclinar-Se e escrever no chão é muito significativa. Aqui estava, se assim podemos dizer, o dedo que uma vez escreveu a lei em duas tábuas de pedra – a lei que escreveu uma sentença de destruição contra Israel. O mesmo dedo havia escrito uma sentença de condenação contra uma orgulhosa monarquia gentia nos dias de Daniel, sobre a parede estucada do palácio real. Os materiais onde foram escritas são impressionantes. A lei inflexível escrita em pedra inflexível; consequentemente o desprezador da lei de Moisés “morre sem misericórdia” (Hb 10:28), já que a lei não pode ser flexionada como uma borracha. A parede estucada é frágil e facilmente quebrada, como os reinos humanos mais fortes e orgulhosos. Jesus escreveu no chão. O que Ele escreveu lá não nos é dito, mas sabemos que Ele estava indo para o “pó da morte” (Sl 22:15), onde Ele escreveu uma declaração completa do amor de Deus.

Em Apocalipse 5, o livro de julgamento é colocado à vista, e um anjo forte em voz alta lança o desafio: “Quem é digno de abrir o livro e de desatar os seus selos?” Jesus emitiu exatamente esse desafio, embora em palavras diferentes. O resultado do desafio então será que “ninguém no céu, nem na Terra, nem debaixo da Terra” foi capaz de abrir ou mesmo olhar para aquele livro; assim como aqui todos os acusadores se afastaram. Então o “Leão” que Se tornara o “Cordeiro” é deixado sozinho para executar os julgamentos. Aqui “ficou só Jesus e a mulher que estava no meio”; todavia não foi a hora do julgamento, mas da graça, e assim aqu’Ele que tinha o direito de condenar não o exerceu. Ele estava “cheio de graça e verdade”. Ele virou o holofote da verdade sobre os hipócritas e estendeu a graça à pecadora, com vistas à libertação dela do pecado.

Desse incidente surgiu uma solene controvérsia entre o Senhor e os judeus, e o relato dela preenche o restante do capítulo. Suas palavras de abertura, no versículo 12, referem-se ao incidente e é a chave para o que se segue. No início do evangelho, vimos que o Verbo era o Originador da vida e era a Luz que brilhava nas trevas. João 3-7 nos apresentou Ele como a Fonte da vida eterna. Agora Ele vem diante de nós como a Luz, e no final de João 12 o resultado dessa apresentação é resumido para nós. Jesus é a luz não somente de Israel, mas do mundo, e aquele que O segue terá a luz da vida que foi manifestada n’Ele, não importando de onde ele tenha vindo. Aquele que não O seguiu permaneceu em trevas, mesmo que ele fosse o judeu mais ortodoxo que se possa imaginar.

Em João 5, o Senhor havia indicado quão amplo era o testemunho que Lhe era prestado, de modo que Ele não estava na posição de Se chegar até eles com credenciais autoproduzidas. Os fariseus agora se agarram às palavras que Ele então usou e tentaram condená-Lo com base na inconsistência verbal. Ele não retirou Suas palavras nem as explicou. Ele simplesmente apelou para coisas de uma natureza muito mais elevada que os condenou por ignorância e erro. Como meros homens, seu conhecimento próprio é pequeno. O que está por trás deles e o que está adiante, ambos estão envoltos em um véu de mistério impenetrável. Não havia tal limitação com Ele. Seu conhecimento próprio era divino e eterno. Esses fariseus eram tão ignorantes de si mesmos quanto eram d’Ele. Eles também estavam em erro, uma vez que todos os seus julgamentos foram formados pela carne, na qual nenhum bem habita. No julgamento carnal deles em relação às Suas palavras, eles estavam errados, embora espertos em atacar o que parecia ser uma contradição.

No caso da mulher, o Senhor havia recusado o lugar do juiz. Será Seu num dia vindouro, mas não hoje; e Ele o nega novamente aos fariseus no versículo 15. No entanto, em Seu aviso, Ele novamente Se compromete com um paradoxo verbal, pois afirma a verdade de Seus juízos, visto que Ele é tão totalmente um com o Pai que O enviou. Na era vindoura, todo julgamento será d’Ele, mas Ele o executará em pleno acordo com o Pai. Assim também na questão do testemunho de Si mesmo, todo o peso da autoridade do Pai estava por trás dele. Esta referência ao Pai, de Sua parte, só serviu para trazer à luz a completa ignorância da parte deles. O Pai só pode ser conhecido no Filho, a Quem eles não receberiam. Se eles tivessem conhecido o Filho, eles conheceriam o Pai.

O versículo 20 testemunha o poder dessas palavras de nosso Senhor como também o poder de Sua Pessoa. Suas palavras fizeram com que eles O quisessem prender, mas havia algo sobre Ele que os impedia, até que chegou a hora em que Ele deu a Si mesmo à vontade deles. O Senhor, porém, continuou Seu testemunho a eles.

Ele estava seguindo o caminho deles e os procurando em graça. Estava chegando um momento em que Ele seguiria Seu próprio caminho e eles O buscariam inutilmente e morreriam em seus pecados. Então eles seriam cortados d’Ele e de Deus para sempre. Essa completa mudança na situação não seria apenas justa, mas apropriada. Novamente no versículo 22 vemos completa ignorância com os judeus, e que a mente deles era vil até o mais baixo nível. Eles eram de fato “cá de baixo” (ARA) em todos os sentidos das palavras. Isso levou o Senhor a traçar o nítido contraste entre eles e Ele mesmo. Primeiro a origem: eles são de baixo; Ele é de cima. Segundo, quanto ao caráter: eles são deste mundo; Ele não é deste mundo. Terceiro, quanto ao fim: eles estavam para morrer em seus pecados e serem excluídos de Deus; Ele estava indo para o Pai, como Ele já havia dito. Somente a fé n’Ele poderia evitar o destino deles – a fé que iria descobrir n’Ele o “EU SOU”. Em Êxodo 3:14, Deus revelou-Se como o grande “EU SOU”, portanto, essa declaração de Jesus era virtualmente uma reivindicação à Deidade.

Os judeus não haviam percebido isso até então, mas evidentemente viram que Sua reivindicação era grande, pois imediatamente perguntaram: “Quem és tu?” Eles receberam uma resposta surpreendente: “Exatamente o que venho dizendo que Sou” (AIBB). Ele era a verdade, e Sua linguagem era uma apresentação verdadeira e exata de Si mesmo. Isso não pode ser dito do melhor e mais sábio dos homens. Se disséssemos, não poderíamos nos manifestar com precisão em palavras. Se pudéssemos, deveríamos evitar fazê-lo, sendo o que somos. Suas palavras foram a verdadeira revelação de Si mesmo; como poderíamos esperar quando sabemos que Ele é o Verbo que Se fez carne. Vamos ponderar profundamente nesta palavra de Jesus, pois traz consigo a certeza de que nos evangelhos temos uma real e verdadeira revelação de Cristo. Eles nos dão o que Ele fez assim como o que Ele disse; mas somente por Suas palavras podemos verdadeiramente conhecê-Lo, embora nunca O tenhamos visto nos dias de Sua carne. O que Ele disse que é, Ele é totalmente.

O versículo 26 nos mostra que tudo o que Ele tinha a dizer sobre os homens era igualmente a verdade, porque tudo era falado a respeito do Pai e vindo do Pai. Eles eram totalmente ignorantes quanto ao Pai, e totalmente incrédulos quanto ao Filho presente entre eles. Quando eles levantassem o Filho do Homem, deveria haver uma demonstração do fato de que Ele realmente era o “EU SOU” e que, em todos os sentidos, o Pai estava com Ele. Sua elevação foi Sua morte, e, após consumada, ressurreição sobreviria, que O declararia ser o “Filho de Deus em poder, segundo o Espírito de santidade” (Rm 1:4 – JND). Então eles saberiam, no sentido de ter uma demonstração perfeitamente ampla diante de seus olhos. Alguns poucos sabiam, no sentido de ser iluminado pela demonstração, mas a massa deliberadamente fechou os olhos para a luz. Ainda assim, a demonstração de que Ele era total e sempre agradável ao Pai estava à disposição de todos os olhos para ver.

O poder de Suas palavras foi sentido e muitos tomaram o lugar de crer n’Ele. O Senhor os testou dizendo-lhes que aquele que não era um mero seguidor nominal, mas um verdadeiramente discípulo é caracterizado por continuar em Sua palavra; isto é, em toda a verdade que Ele trouxe. A continuidade é sempre o teste da realidade, e onde isso existe, a verdade é conhecida em seu poder emancipador. O diabo escravizado pelo poder de sua mentira: Cristo liberta pelo poder da verdade de Deus. Ele não os elogiou dizendo que, como nação de Deus, eles eram livres. Ele colocou diante deles a verdadeira liberdade espiritual que é o resultado do conhecimento da verdade. Isso era o que eles precisavam, e nós também!

Muitos falharam no teste, pois seu orgulho nacional e religioso foi ferido. Eles poderiam ser a semente de Abraão segundo a carne, mas para afirmar que nunca foram escravos de ninguém, enquanto estavam em completa sujeição aos romanos, apenas provava sua cegueira. Por Sua declaração enfática do versículo 34, Jesus dirigiu os pensamentos deles para a escravidão do pecado. Os homens não podem praticar o pecado sem estarem escravizados por ele – um tremendo pensamento para cada um de nós. Ora o lugar do escravo é do lado de fora da casa, mas em contraste com ele está o Filho, cujo lugar é dentro e para sempre. E o Filho não só tem esse lugar permanente, mas Ele pode libertar o escravo, levando-o para aquilo que é, de fato, liberdade. Assim, aquele que é um dos “discípulos de fato**”**(KJV) torna-se **“livre de** fato**”** (KJV)_._

Nessas palavras de nosso Senhor, registradas nos versículos 32 e 36, podemos certamente ver o germe daquilo que é mais plenamente exposto nas epístolas. Romanos 6 revela a nossa morte com Cristo, levando-nos a ser “libertado do pecado” (KJV), que por sua vez leva à “novidade de vida”. Isso responde ao versículo 32 do nosso capítulo; enquanto o versículo 36 encontra sua contrapartida em Gálatas 4:1-7, conectada com 5:1. A redenção de debaixo da lei, operada pelo Filho, juntamente com o envio do Espírito do Filho em nosso coração, nos trouxe à liberdade na qual devemos permanecer firmes. O Filho nos libertou de fato.

Nos versículos 37-44, o Senhor muito solenemente expôs a falsidade da pretensão deles de ser filhos de Abraão. Haveria algum valor em sua reivindicação se eles tivessem se mostrado seus filhos em um sentido espiritual, mostrando sua fé e fazendo suas obras. Na verdade, eles foram marcados pelo ódio e pelo espírito homicida. Caim havia mostrado esse espírito, e ele era “do maligno e matou a seu irmão” (1 Jo 3:12); assim também eles faziam as ações de seu pai e, assim, manifestavam-se como sendo de seu pai, o diabo, que desde o princípio era homicida e não tinha nenhuma verdade nele. O ódio e a mentira são ambos gerados pelo diabo, e aqueles caracterizados por essas duas coisas, portanto, demonstram sua origem espiritual.

Jesus fala de Si mesmo, no versículo 40, como um “Homem que vos tem dito a verdade”. Outros falavam d’Ele como um homem, e não viam n’Ele mais do que isso; mas é impressionante que neste evangelho, que O apresenta como o Verbo feito carne, Ele fale de Si mesmo como Homem. Assim, a verdade é balanceada para nós, e tanto Sua Divindade essencial quanto Sua perfeita Humanidade tornaram-se abundantemente claras. Ele estabeleceu a verdade, e aqueles que tinham Deus como seu Pai amariam a verdade e O amariam. Seus oponentes tinham uma origem maligna e não podiam ouvir Sua palavra – a revelação que Ele trouxe. Consequentemente, eles eram totalmente incapazes de entender a Sua linguagem – as palavras com as quais Ele revestiu a revelação. Isto é o que o versículo 43 nos diz.

Note como as palavras do Senhor destroem totalmente a falsa ideia sustentada por muitos sobre a “paternidade universal de Deus”; mas esses religiosos judeus chegaram a ponto de reivindicar uma paternidade universal de Abraão e, portanto, de Deus, por sua nação. Jesus disse: “Se Deus fosse o vosso Pai. Isso foi uma negação. O diabo era o pai deles. A paternidade de Deus é limitada àqueles que creem, como afirma Gálatas 3:26.

Diante destes judeus estava Um a Quem nem mesmo Seus mais amargos inimigos puderam convencer do pecado, e Ele lhes disse a verdade. Essa verdade honrou o Pai e libertou os homens da morte, mas eles recusaram a verdade, O desonraram, O chamaram de samaritano e disseram que Ele tinha um demônio. Eles se gloriaram em Abraão, embora admitissem que ele estava morto há muito tempo. O Senhor os encontrou como Alguém que sabia que Ele tinha vindo do Pai, que era honrado pelo Pai e que entraria em Seu próprio dia, para o qual Abraão havia esperado, e que pela fé ele o viu.

Os judeus, como sempre, se equivocaram completamente quanto às Suas palavras. Ele falou de Abraão vendo Seu dia, e eles pensaram que isso significava uma reivindicação de Sua parte de ter visto Abraão. O erro deles serviu para trazer à tona o grande e enfático pronunciamento: “Antes que Abraão existisse, EU SOU”. Em certo momento, Abraão “existiu”. O verbo usado aqui é o mesmo de João 1:14, onde lemos que o Verbo “Se fez” ou “Se tornou” (JND) carne. O verbo para “Sou” é aquele que significa a existência permanente, como usado em João 1:18; o Filho “está” no seio do Pai; e é usado no passado, como para o Verbo na eternidade passada, em João 1:1 e 2. Jesus, portanto, disse: Antes que Abraão viesse a existir, Eu eternamente Sou.

Esta tremenda reivindicação moveu os judeus a intentarem Sua morte por apedrejamento, e se a afirmação fosse falsa, eles teriam razão em fazê-lo. Certamente move nosso coração para adorá-Lo e para admirar a graça que O trouxe para a Humanidade e de forma tão humilde para a nossa salvação.

JOÃO 9

As intenções homicidas dos judeus falharam não porque não tinham rigidez de propósito, mas porque Ele estava além do alcance deles até que Sua hora chegasse. Escondendo-Se deles, Jesus deixou o templo e, ao passar, encontrou um homem cego que devia prestar um impressionante testemunho aos líderes de Israel e, em sua própria pessoa, tornou-se outro “sinal” de que entre eles estava verdadeiramente o Cristo, o Filho de Deus.

A pergunta que os discípulos levantaram pode parecer curiosa para nós, mas expressou pensamentos que eram comuns entre os judeus, encontrando sua base em Êxodo 20:5, que fala da iniquidade dos pais sendo visitada sobre os filhos. A resposta do Senhor mostra que a aflição pode vir sem que haja qualquer elemento de retribuição nela, mas simplesmente para que a obra de Deus seja manifestada. Foi manifestada aqui ao produzir uma libertação completa da aflição. Pode ser manifestamente demonstrada pela completa libertação da depressão e do peso da aflição, enquanto a aflição em si mesma ainda persista; e assim é vista frequentemente hoje em dia. Foi então o “dia”, marcado pela presença na Terra da “Luz do mundo”. Jesus sabia que a “noite” de Sua rejeição e morte estava se aproximando, mas até aquele momento Ele estava aqui para fazer as obras do Pai, e esse cego era uma pessoa adequada para a obra de Deus, embora não tivesse pedido por isso, até onde sabemos do relato.

A ação tomada pelo Senhor foi simbólica, como é mostrado pelo nome do tanque sendo interpretado para nós. Jesus era o “Enviado”, que havia Se tornado carne, e o lodo misturado com Sua saliva era o símbolo de Sua carne. Ora, os olhos que vissem ficariam cegos se estivessem cheios de lodo, e os olhos cegos ficariam duplamente cegos. Assim era para os espiritualmente cegos; a carne do Verbo era uma pedra de tropeço e eles viram apenas o Filho do carpinteiro. Para nós que cremos n’Ele como o Enviado, o contrário é verdadeiro. É pela Sua revelação em carne que chegamos a conhecê-Lo, como 1 João 1:1-2 mostra. Sua carne é trevas para o mundo: é luz para nós. Podemos adotar a linguagem em um sentido espiritual e dizer que “lavamo-nos e voltamos vendo”. O resto do capítulo mostra que o cego teve os olhos do coração abertos assim como os olhos da cabeça.

Uma vez que seus olhos espirituais foram abertos, sua medida de luz aumentou. A própria oposição que ele encontrou serviu para produzir o aumento. O questionamento dos vizinhos surgiu da curiosidade e não da oposição, e serviu para mostrar os fatos simples com os quais ele começou. Ele sabia como seus olhos estavam abertos e que devia isso a um Homem chamado Jesus, embora não soubesse nada a respeito d’Ele.

Seu caso era tão notável que o levaram aos fariseus e, imediatamente, prevaleceu o espírito antagonista. Não houve dificuldade em encontrar terreno para a oposição deles, pois o milagre fora realizado no sábado. Mais uma vez, Jesus quebrou o sábado, e isso imediatamente O condenou aos olhos deles. Fracassar nessa questão da observância cerimonial era fatal: Ele não podia ser de Deus – uma conclusão bastante típica da mente farisaica. Outros, no entanto, ficaram mais impressionados com o milagre, e assim uma divisão foi novamente manifestada, o que os levou a perguntar ao homem o que ele tinha a dizer sobre Ele. Sua resposta mostrou que o Homem chamado Jesus era, pelo menos para ele, um profeta. Isso era mais do que eles admitiam, então questionaram a verdade de sua cura milagrosa.

Os pais agora foram convocados para a discussão, apenas para testemunhar que ele nasceu cego de fato, de modo que sua cura estava fora de questão, embora o medo os levasse a encaminhar todas as perguntas para o próprio homem; e o fato é que o veredicto dos fariseus sobre o caso era uma coisa já decidida. Qualquer um que confessasse que Jesus era o Cristo deveria ser excluído de todos os privilégios religiosos do judaísmo. Assim, seus motivos básicos foram revelados, e eles continuaram a examinar o homem não para obter a verdade, mas para descobrir algum motivo possível para condenar Jesus ou o homem, ou ambos.

Atribuiria o cego o louvor a Deus, enquanto concordasse que o homem por Quem o poder de Deus era exercido era um pecador? Ele evitou essa armadilha sutil simplesmente afirmando novamente o único ponto para o qual ele estava inabalavelmente certo. Como um general habilidoso que declina a batalha no terreno escolhido pelo inimigo e só enfrentará o inimigo em sua própria posição inconquistável, assim ele recusou a mera discussão teológica, na qual não era páreo para eles, e tomou sua posição naquilo que sabia ter sido produzido em si mesmo. As palavras do homem no versículo 25 estão cheias de instruções para nós. Um iletrado menino lavrador de hoje pode, humildemente, mas ousadamente enfrentar numerosos adversários tanto dos fariseus quanto dos saduceus, se contente em apenas testificar daquilo que a graça de Deus fez por ele e nele.

Em seguida, tentaram extrair do homem detalhes mais exatos do método que Jesus utilizou, se por acaso pudessem encontrar um ponto de ataque. Entretanto, ele havia percebido a hostilidade deles e a pergunta “Quereis vós porventura fazer-vos também Seus discípulos?” tinha um toque de sarcasmo. Isso os feriu a ponto de perder o equilíbrio tanto que, embora declarando sua adesão a Moisés, eles se comprometeram com uma declaração de ignorância quanto à origem e credenciais de Jesus. Eles adotaram a atitude “agnóstica”, assim como muitos fazem hoje. Isso, no entanto, foi uma admissão fatal. A perda do seu temperamento foi seguida pela perda do seu caso de um ponto de vista argumentativo. Se o crente simples se apegar aos fatos fundamentais sobre os quais pode dar testemunho, não sofrerá nenhuma derrota quando encontrar o agnóstico.

Esses fariseus, que se apresentavam como as supremas autoridades religiosas da época, não apenas professavam ignorância quanto a essa tão vital questão, mas também exigiam um veredicto sobre a questão totalmente contrária à evidência. O poder benéfico operara inegavelmente, produzindo a libertação do mal: eles professavam a ignorância de sua fonte, mas exigiam que aqu’Ele que empunhava esse poder fosse denunciado como pecador. O homem, no entanto, sentiu a ação do poder; ele sabia que era de Deus, e a oposição perversa que ele encontrou só o ajudou a chegar à conclusão de que o próprio Jesus era verdadeiramente “de Deus”.

Tendo perdido o caso e tendo falhado em corromper os pensamentos do homem, eles recorreram à violência e expulsaram-no. No que diz respeito ao judaísmo, ele foi excomungado: haveria alguma coisa para o pobre homem, exceto o paganismo, com suas trevas vazias? Sim, havia. O próprio Jesus já estava moralmente fora do judaísmo; desde o início deste evangelho Ele tem sido visto assim, como já dissemos antes, apesar de não estar fora dele no sentido mais amplo até ser levado para fora do portão de Jerusalém para morrer a morte do malfeitor. No versículo 35 vemos o Salvador rejeitado encontrando o homem rejeitado e propondo-lhe a maior das questões – “Crês tu no Filho de Deus?” A questão chegou a ele de uma forma abstrata. O homem hesitou, pois desejou que o Filho de Deus estivesse diante dele em forma concreta. Onde ele deveria encontrá-Lo para que pudesse crer? Assim desafiado, Jesus Se apresentou claramente como o Filho de Deus. O homem imediatamente, e tão claramente, O aceitou como tal em fé e O adorou.

Então, mais uma vez, somos conduzidos ao ponto principal deste evangelho como expressado no versículo 31 do capítulo 20. O homem foi levado passo a passo à fé do Filho de Deus e à vida em Seu nome, e à abertura de seus olhos físicos tinham sido um sinal da obra maior de abrir os olhos de sua mente e coração. No versículo 39, temos o comentário do Senhor em toda a cena. Ele tinha vindo ao mundo para julgamento – não no sentido de condenar os homens, mas como produzindo uma discriminação que cortava as aparências superficiais e alcançava os homens como eles realmente eram. Alguns, como este homem, tiveram os olhos abertos para ver a verdade. Outros que professavam ser os que enxergavam, como os fariseus, podiam ser cegados e manifestados como cegos. Alguns fariseus que estavam presentes suspeitaram que Ele Se referiu a eles, e a pergunta deles deu uma oportunidade para que a perigosa posição deles fosse mostrada. O pecado deles estava na hipocrisia. Eles tinham visão intelectual, mas eram espiritualmente cegos e seu pecado permanecia; Por outro lado, aqueles que são realmente cegos e, confessam ser assim, são objetos de compaixão.

JOÃO 10

Na verdade não há uma interrupção onde este capítulo começa em nossas Bíblias. A resposta do Senhor, que começou no último versículo do nono capítulo, continua até o final do versículo 5 deste capítulo. Ele lhes propôs a parábola do Pastor e do rebanho, e ilustrou o ponto, visto que não havia apenas “as ovelhas”, mas também as “Suas próprias ovelhas” (ARA). Estas últimas conheciam a voz do Pastor e assim O reconheceram. O homem do capítulo anterior era uma das “Suas próprias ovelhas”.

O sistema religioso instituído por meio de Moisés era como um aprisco10. Desse modo, os judeus foram separados dos gentios, aguardando a vinda do verdadeiro Messias. A porta de entrada havia sido prescrita pelas vozes dos profetas: Ele devia nascer de uma virgem, em Belém etc. Impostores haviam aparecido, mas sem essas credenciais, eles haviam procurado uma entrada de alguma outra forma e, por isso, se denunciaram. Agora o verdadeiro Pastor aparecia entrando pela porta, que havia sido mantida aberta para Ele pela providência de Deus. Foi dito: “Eis que não tosquenejará nem dormirá o Guarda de Israel” (Sl 121:4), e aquele olhar e mão vigilantes impediram que Herodes fechasse a porta de entrada para Ele. Deus providenciou para que Ele tivesse pleno acesso às ovelhas.

Mas agora vem o que ninguém havia antecipado: Ele entra no aprisco não para reformá-lo ou melhorá-lo, mas para chamar uma eleição dentre a massa – “Suas próprias ovelhas” – e conduzi-las a algo novo. Israel tinha sido a nação eleita, mas agora é inteiramente individual, pois Ele chama Suas próprias ovelhas “pelo nome”, estabelecendo contato pessoal com cada uma delas. Além disso, Ele as lidera, saindo primeiramente Ele mesmo: elas O seguem porque esse contato existe e elas reconhecem Sua voz e confiam n’Ele. No começo deste evangelho, esses eleitos eram chamados de “nascidos… de Deus”, sendo “todos quantos O receberam” (Jo 1:12-13).

As ovelhas de Cristo não seguem estranhos, não porque tenham um amplo conhecimento deles e conheçam bem suas vozes, mas porque “não conhecem a voz dos estranhos”. Elas conhecem bem a voz do pastor e isso é suficiente. Quanto a todos os outros, elas simplesmente dizem: Essa não é a voz do pastor. Temos aqui em forma de parábola o mesmo fato básico como João declarou, quando escreveu às crianças da família de Deus, dizendo: “Não vos escrevi porque não soubésseis a verdade, mas porque a sabeis, e porque nenhuma mentira vem da verdade” (1 Jo 2:21). Como Paulo também diz que devemos ser “sábios no bem, mas símplices no mal” (Rm 16:19). Vamos cultivar esse conhecimento com nosso Senhor, pois isso desenvolve um instinto espiritual que preserva nossos pés de se afastarem.

Cegos como sempre, os fariseus não entendiam nenhuma dessas coisas; mas isso não impediu o Senhor de seguir Sua parábola um pouco mais adiante. Ele era a própria porta; pois toda saída do aprisco, e toda entrada no novo lugar de bênção a ser estabelecido, deve ser por Ele. Essa nova bênção de que geralmente falamos como Cristianismo, em contraste com o judaísmo. O versículo 9 começa a enumerar as bênçãos. A linguagem de parábola ainda é usada, como evidenciado pela palavra “pastagens”, mas ao dizer: “se alguém entrar”, Jesus mostrou que Ele estava falando de acordo com aquele grande capítulo do Velho Testamento que termina: “Vós pois, ó ovelhas Minhas, ovelhas do Meu pasto: homens sois” (Ez 34:31).

A bênção inicial do Cristianismo é a salvação. Ela nos encontra quando entramos por Cristo, a porta. A maioria das referências à salvação no Velho Testamento tem a ver com a libertação de inimigos e problemas. A emancipação espiritual que nos vem pelo evangelho não poderia ser conhecida naquela época, uma vez que a obra em que se baseia não havia sido realizada. Que Hebreus 9:6-14 e 10:1-14 seja lido e digerido interiormente, e este fato se fará muito claro. Somente pela morte e ressurreição de Cristo a porta é aberta para a salvação em sua plenitude.

As palavras “entrará e sairá” indicam liberdade. No judaísmo, não havia liberdade de acesso a Deus, visto que “o caminho para o Santo dos Santos ainda não havia sido feito manifesto” (Hb 9:8 – JND); nem tinham permissão para sair para as nações e espalhar qualquer conhecimento de Deus que tivessem. Eles foram trancados no aprisco da lei de Moisés e suas ordenanças, e lá eles tiveram que ficar. Como Cristãos, temos “ousadia para entrar no santuário [Santo dos Santos – ARA] pelo sangue de Jesus”, e podemos sair como os primeiros crentes que “iam por toda parte, anunciando a palavra” (At 8:4). Em ambas as direções, somos levados muito além dos privilégios do aprisco judaico.

Então, em terceiro lugar, podemos “achar pastagens”. Isso pode levar nossos pensamentos de volta a Ezequiel 34, onde encontramos uma tremenda acusação aos antigos pastores de Israel. Estes líderes religiosos alimentaram a si mesmos e não às ovelhas, e deram um exemplo tão ruim, que os mais fortes entre as ovelhas oprimiam os mais fracos e tinham “pastado o bom pasto”, e com seus pés haviam pisado “o resto de vossos pastos” (Ez 34:18). Consequentemente, para os pobres do rebanho não havia pasto algum. Jesus, o verdadeiro Pastor de Israel, conduz Suas próprias ovelhas a uma abundância de alimento espiritual.

Nos versículos 10 e 11, obtemos o contraste entre o ladrão e o Bom Pastor. Esses ladrões e roubadores eram homens como os mencionados por Gamaliel em Atos 5:36-37; impostores egoístas que trouxeram destruição e morte. O verdadeiro Pastor trouxe vida; entregando Sua própria vida para fazer isso. Se Ele não tivesse vindo e morrido, não haveria vida alguma para homens pecadores; tendo feito isso, a vida é disponibilizada, e é concedida em abundante medida à Suas ovelhas. Vivemos à luz da abundante revelação de Deus que nos alcançou no Verbo feito carne, por isso temos abundância de vida. A vida dada aos santos em todas as épocas pode ser intrinsecamente a mesma, mas sua plenitude só pode ser conhecida sendo Deus plenamente revelado. Isso é indicado em 1 João 1:1-4.

Em seguida, temos, nos versículos 12-15, o contraste entre o mercenário e o Bom Pastor. O mercenário não é necessariamente mau como o ladrão; mas sendo um homem que trabalha por salário, seu interesse é primordialmente monetário. As ovelhas são de interesse para ele, na medida em que são o meio de seu sustento. Ele realmente não se importa tanto com elas a ponto de arriscar sua pele por elas. É muito diferente com o Pastor, que dá a vida por elas e estabelece um elo de maravilhosa intimidade. Suas ovelhas são homens e, portanto, capazes de conhecê-Lo de maneira íntima; tanto que Seu conhecimento dos homens e o conhecimento dos homens em relação a Ele podem ser comparados ao conhecimento do Pai do próprio Filho e o conhecimento do Filho do Pai. E devemos lembrar de que é pelo conhecimento d’Ele que chegamos a conhecer o Pai. Nada parecido com isso foi possível no aprisco judaico antes do Pastor chegar.

As palavras do Senhor no versículo 16 acrescentam outra revelação inesperada. Ele estava prestes a encontrar ovelhas que tinham estado fora daquele aprisco. Haveria o chamado de uma eleição dentre os gentios. Vemos o início deste princípio em Atos – o etíope em Atos 8, Cornélio e seus amigos em Atos 10. Muitas vezes, insistimos na palavra “necessário”11 que ocorre várias vezes em João 3: alguma vez já louvamos a Deus por esse “necessário [Me convém – ARC] (TB) aqui? – “estas também é necessário que Eu as traga” (TB). Os pecadores dentre os gentios tornam-se os objetos da obra divina. Eles ouvem a voz do Pastor e são ligados a Ele. Então, como resultado deste duplo chamado – do aprisco judaico e dos gentios desgarrados – deve ser estabelecido um rebanho, mantido unido sob a autoridade do único Pastor. A palavra final neste versículo é definitivamente “rebanho” e não “aprisco” (como na KJV). Ovelhas mantidas juntas por restrições externas: isso era o judaísmo. Ovelhas constituindo um rebanho pelo poder pessoal e atração do Pastor: isso é Cristianismo.

Mas, para isso, não apenas a morte, mas a ressurreição também era necessária. O Pastor realmente teve que ser ferido como o profeta havia predito, mas é em Sua vida ressuscitada que Ele reúne Seu rebanho de entre judeus e gentios. Jesus prosseguiu mostrando que a Sua morte foi com a finalidade de Sua ressurreição. Ambas são vistas aqui como Seu próprio ato. Sua morte foi Ele dar a Sua vida: Sua ressurreição foi Ele tornar a tomá-la, embora sob novas condições. Em ambas Ele agia de acordo com o mandamento do Pai; e fornecendo ao Pai um novo motivo para o Seu amor para com o Filho.

As palavras do Senhor, registradas no versículo 18, estão plenamente de acordo com o caráter deste evangelho. Conforme registrado em outros evangelhos, Ele falou repetidas vezes a Seus discípulos sobre como Ele deveria ser entregue aos gentios, pelos principais sacerdotes e governantes, para que fosse entregue à morte; todavia aqui Ele afirma que nenhum homem tiraria Sua vida, pois tanto a morte como a ressurreição seriam Seus próprios atos. Os homens fizeram a Ele aquilo que, para qualquer mero homem, tornaria a morte inevitável; no entanto, no Seu caso, nada teria qualquer efeito, se Ele não tivesse ficado satisfeito em dar Sua vida. Sua Divindade é enfatizada, mas também a verdadeira Humanidade que Ele assumiu em sujeição à vontade de Deus, pois tudo estava de acordo com o mandamento do Pai. A vida estava n’Ele e era “a luz dos homens” (Jo 1:4), mesmo quando Ele estava aqui, mas agora Ele deve tomar a Sua vida em ressurreição, e assim Ele deveria tornar-Se a própria vida daqueles que são Seus no poder do Espírito, como indicado em João 20:22.

Por essas parábolas, o Senhor forneceu aos judeus um resumo das grandes mudanças que estavam próximas como resultado de Sua vinda como o verdadeiro Pastor no meio de Israel. O programa Divino foi aberto a eles, mas o propósito de Deus cortou contra a fibra dos autossuficientes pensamentos deles, e Suas palavras soaram para muitos como as palavras de alguém que está fora de si ou algo ainda pior. Outros, impressionados com o milagre do cego, não podiam aceitar essa opinião extrema. Como os versículos seguintes mostram, eles tomaram o lugar de “honestos duvidosos”, mas desejavam insinuar que Sua ambiguidade era o motivo da vacilação deles. O problema estava, porém, não em Suas palavras, mas na mente deles. Foi assim com seus antepassados quando a lei foi dada e “para que os filhos de Israel não fixassem os olhos no final daquilo que se desvanecia” (2 Co 3:13 – TB); isto é, eles nunca viram o propósito de Deus nisso tudo. Ora o orgulho religioso estava colocado como um véu na mente desses judeus e eles não podiam perceber “o final” das palavras do Senhor. Da mesma maneira, “o deus deste século” impõe um véu à mente dos incrédulos hoje; não importa quão capazes e aguçados possam ser nas questões comuns do mundo.

A demanda deles era: “Se Tu és o Cristo, dize-no-lo abertamente”. Jesus imediatamente afirmou que Ele já lhes havia dito claramente, e que Suas obras igualmente com Suas palavras haviam dado claro testemunho d’Ele. Então Ele falou-lhes claramente que a incredulidade deles colocou o véu sobre os olhos deles. A evidência estava ali clara o suficiente, mas eles não podiam ver; e o que estava por trás desse fato era que, apesar de serem Israel nacionalmente, eles não eram o verdadeiro Israel (Rm 9:6): eles não eram “Minhas ovelhas”, embora fossem ovelhas dentro do aprisco judaico, Eles estavam espiritualmente mortos e, portanto, não reagiam. Assim, Jesus lhes disse claramente não apenas a verdade sobre Si mesmo, mas sobre eles mesmos.

Tendo colocado uma sentença de juízo sobre eles, Ele acrescentou palavras do maior conforto e certeza para o benefício de Suas próprias ovelhas. Por um lado, elas ouvem a Sua voz e seguem-No e por outro lado, Ele as conhece e lhes dá a vida eterna. Isso garante que elas nunca perecerão sob o julgamento de Deus, e nenhum poder criado pode tirá-las da mão do Pastor. Esta garantia é reforçada pela perfeita unidade que subsiste entre o Filho e o Pai. O Filho tinha tomado o lugar de sujeição na Terra e o Pai permaneceu “maior do que tudo” (TB) no céu, mas isto não impediu a unidade d’Eles. Estar nas mãos do Filho envolvia estar nas mãos do Pai, e o propósito da Divindade em assegurar as ovelhas é garantido tanto pelo Filho quanto pelo Pai. Somos confrontados com o mesmo fato glorioso nessa importante passagem em Romanos 8:29-39.

Essas palavras levaram os judeus a intenções homicidas. Eles não entenderam o desvio deles, mas eles viram que, dizendo: “Eu e o Pai somos um”, Ele estava reivindicando igualdade com Deus. Poderia ter sido um pouco menos ofensivo se Ele colocasse o Pai em primeiro lugar dizendo: “O Pai e Eu”; mas não, era “Eu e o Pai”. Isso era intolerável para eles, pois não havia como alegar engano com palavras como essas. Para eles, era uma blasfêmia atroz – um homem fazendo-se Deus. Aceitamos Suas palavras no espírito de adoração, pois sabemos que Ele era verdadeiramente Deus, embora tenha Se feito Homem. Revogamos os termos da acusação deles e encontramos nas Suas palavras a verdade que salva as almas.

Em sua resposta, Jesus referiu-Se às Suas próprias palavras: “Sou Filho de Deus”, de modo a identificá-las com a acusação deles de fazer a Si mesmo Deus. Ele não defendeu Sua afirmação por uma de Suas próprias afirmações enfáticas, mas por um argumento baseado nas Escrituras deles. Aqueles reconhecidos como “deuses”, no Salmo 82:6, eram autoridades “a quem a palavra de Deus foi dirigida**”**. Aqu’Ele que havia sido separado e enviado ao mundo pelo Pai _era_ a própria Palavra – **“o Verbo feito carne”**. Quão grande a diferença! Não foi blasfêmia, mas verdade sóbria quando Ele disse: **“Eu sou Filho de Deus”**. Além disso, Suas obras deram testemunho de Sua reivindicação, como sendo inconfundivelmente as obras de Deus. Elas expuseram claramente o fato de que o Pai estava n’Ele, vividamente declarado e revelado; e Ele estava no Pai, quanto à vida e natureza essenciais. Uma vez que isso é conhecido e crido, não há dificuldade em recebê-Lo como o Filho de Deus, pois ambas as declarações estabelecem o mesmo fato fundamental, embora em palavras diferentes.

Mas ainda não havia chegado o momento do ódio assassino deles ter seu cumprimento, e em Sua retirada para o lugar do batismo de João, além do Jordão, a fé de vários tornou-se manifesta. O testemunho de João foi lembrado e a verdade de suas palavras foi reconhecida. João foi o último profeta da antiga dispensação e, em meio a suas ruínas, não era época de milagres. Chegou a ocasião e em medida completa, imediatamente o Cristo, o Filho de Deus, apareceu. Ainda assim, João deu um testemunho verdadeiro, fiel e inabalável de Cristo, que era melhor do que milagres. Estamos também no tempo final de uma dispensação, portanto, não ansiemos por milagres, mas imitemos a fidelidade de João em testemunho. Se pudesse ser dito de qualquer um de nós, diante do tribunal de Cristo, que todas as coisas que falamos de Cristo são VERDADEIRAS – isso seria realmente um elogio!

JOÃO 11

Os dois versículos com os quais este capítulo inicia indicam que este evangelho foi escrito quando os outros evangelhos já eram bem conhecidos. Ao nomear Betânia como a cidade de Marta e Maria, supõe-se que os leitores estariam mais familiarizados com as mulheres do que com a aldeia. Novamente, no versículo 2, Maria é identificada por sua ação em ungir o Senhor, embora João não nos fale sobre isso até que o próximo capítulo seja alcançado: ele evidentemente sabia que poderia identificá-la assim com segurança, já que a história era tão amplamente conhecida.

A breve mensagem enviada pelas irmãs indica muito admiravelmente a intimidade na qual o Senhor introduziu Seus amigos nos dias de Sua carne. Era uma intimidade com reverência, na qual Ele sempre ocupou o lugar supremo, pois eles não se dirigiram a Ele, com indevida familiaridade chamando-O “Jesus”, mas “Senhor”. No entanto, eles podiam com toda a confiança falar do irmão delas como “aquele que Tu amas”. Ele havia tornado a família de Betânia completamente consciente do Seu amor, para que eles pudessem contar com esse amor com confiança. Que a confiança deles não estava fora de lugar é confirmada pelo comentário do evangelista no versículo 5. Jesus realmente os amava. Ele amou cada um individualmente; e Marta, a quem poderíamos considerar que Ele tivesse menos motivos para amar, é colocada em primeiro lugar na lista. Lázaro, a quem mais manifestamente Ele amou, como mostrado neste capítulo, é colocado por último. Maria, a quem poderíamos ter colocado em primeiro lugar, seu nome sequer é mencionado; ela é apenas “sua irmã”. Aprendamos que o amor de Cristo é colocado sobre um fundamento muito mais profundo do que as variadas características dos santos. Procedendo do que Ele é em Si mesmo, é uma coisa maravilhosamente imparcial.

Apesar disso, o apelo das irmãs não encontrou uma resposta imediata. Houve um atraso deliberado, que deu tempo para a doença terminar em morte; e a morte teve tempo para produzir corrupção. Por que isso? Aqui respondemos, definitivamente, a esta questão que tão constantemente se levanta no coração dos santos. A morte não era a verdadeira finalidade deste incidente, mas a manifestação da glória de Deus e a glorificação do Filho de Deus. Foi para o bem dos discípulos, como mostra o versículo 15. Também deveria ser uma grande bênção para as irmãs que sofriam, conforme indicado pelas palavras do Senhor registradas no versículo 40. Assim, o que parecia tão estranho e inexplicável agiu para glória de Deus e para o bem dos homens. Houve uma resposta do tipo mais excelente na aparente falta de resposta da parte do Senhor.

Quando o Senhor dirigiu novamente Seus passos para a Judeia, Seus discípulos temeram, pois eles eram como homens andando no escuro, e não tinham luz em si mesmos. Mas Ele, por outro lado, era como alguém andando de dia, porque Ele estava na luz – não neste mundo na verdade, mas naquele outro mundo onde a vontade e a maneira do Pai são tudo. Por isso, Ele nunca tropeçou e agora subiu a Betânia para fazer a vontade de Deus. Os discípulos O seguiram pensando na morte, como Tomé indicou; mas Ele subiu às cenas de morte no poder da ressurreição.

A ação das duas irmãs, quando Jesus Se aproximou, foi característica. Marta, a mulher de ação, saiu ao encontro d’Ele. Maria, a mulher de meditação e afinidade, ainda estava sentada na casa, aguardando Seu chamado. Ambas, no entanto, O saudaram com as mesmas palavras quando O viram. Marta tinha fé genuína. Ela cria em Seu poder como Intercessor junto a Deus, e no poder de Deus para ser exercido em ressurreição no último dia. Sem dúvida ela era impetuosa, mas sua impetuosidade provocou um dos maiores pronunciamentos registrados. O Jeová de antigamente chamara a Si mesmo de “EU SOU”. Agora o Verbo foi feito carne, e Ele também é “EU SOU”, mas Ele completa isso em detalhes. Aqui temos, “EU SOU a ressurreição e a vida”. Como o ponto aqui é o que Ele é em relação aos homens, a ressurreição vem primeiro. A morte está sobre Adão e sua raça, portanto a vida para os homens só pode estar no poder da ressurreição.

O fato em si é duplo, e segue-se uma aplicação dupla ao crente. Se ele tiver morrido, ele certamente viverá, pois sua fé repousa naqu’Ele que é a ressurreição e, consequentemente, naqu’Ele que vivifica a vida além da morte. Mas então Jesus também é a vida, e Seu poder vivificador alcança os homens para que eles vivam “na fé do Filho de Deus” (Gl 2:20) – ou, como o Senhor coloca, aquele que “vive e crê em Mim” – então tais nunca morrerão; isto é, nunca provarão a morte em sua forma plena e própria. A casa terrena deste tabernáculo pode ser desfeita, mas a morte não é para nós; é mais um adormecimento. Toda a declaração era de uma forma um tanto enigmática e totalmente além de qualquer luz que até então havia sido concedida aos homens. Ele ainda não estava revelando a verdade quanto à Sua vinda novamente, à qual Ele Se refere quando chegamos ao início de João 14, e que é expandida para nós em 1 Tessalonicenses 4:13-18. Mas, embora não seja a interpretação primária de Suas palavras, podemos ver, quando uma vez revelada a verdade de Sua vinda, uma notável aplicação secundária delas. Em Sua vinda para os Seus santos, haverá de fato a grande demonstração pública da verdade de Suas palavras: “Eu Sou a ressurreição e a vida”.

Quando o Senhor desafiou Marta quanto à sua crença, ela imediatamente mostrou que tudo era um enigma para ela. Provavelmente ela viu a ressurreição no último dia como sendo uma restauração da vida neste mundo, que ocorreria com a massa dos judeus. Então, ao responder, ela se apoiou, muito sabiamente, sobre o que ela cria com certeza – que Ele era o Cristo, o Filho de Deus que tinha sido anunciado como vindo ao mundo. Ela já havia chegado à fé a qual este evangelho nos conduz e, portanto, possuía “vida em Seu nome”. Mas mentalmente fora de sua profundidade quanto a outros assuntos, ela começou a chamar sua irmã secretamente para ir ao Mestre.

Com Maria, existia um laço especial de afinidade. Não lemos sobre Marta caindo aos pés de Jesus, nem sobre suas lágrimas. A tristeza da morte pesava sobre o espírito de Maria muito acentuadamente, como de fato estava sobre o Seu. Embora Ele estivesse prestes a levantar esse peso por um tempo neste caso particular, sentiu esse peso em uma medida infinitamente profunda, levando-O a gemer em espírito e até mesmo a derramar lágrimas. Ele chorou, não por Lázaro, pois sabia que em poucos minutos Ele o chamaria novamente à vida, mas em compaixão com as irmãs e sentindo em Seu espírito a desolação da morte trazida pelo pecado. A palavra usada aqui é aquela para o derramamento de lágrimas silenciosas, não a palavra para lamentações audíveis, que é usada em Lucas 19:41. Mas aquelas lágrimas silenciosas de Jesus tem movido o coração dos santos entristecidos por quase dois mil anos.

A morte gerou um gemido no espírito de Jesus, e novamente (v. 38) encontramos o sepulcro fazendo o mesmo. Mas agora Ele estava prestes a trazer o poder de Sua palavra em ação e manifestação. O versículo 39 começa: “disse Jesus”. Há uma sequência de 5 versículos impressionantes neste capítulo que serviriam para resumir toda a história. Eles ocorrem nos versículos 4, 5, 17, 35, 39 – “Jesus ouviu”, “Jesus amou”, “Jesus chegou”, “Jesus chorou”, “Jesus disse”. O santo entristecido de hoje tem que esperar até que a quinta ocorrência seja alcançada para que constate aquele “clamor em alta voz” que levantará os mortos e transformará os vivos, e tomará todos para estarem com Ele. Os outros quatro são válidos e eficazes para nós em todos os momentos.

À palavra do Senhor, os homens podiam rolar a pedra da entrada da caverna. Isso eles o fizeram apesar do protesto bastante inoportuno de Marta, mas o poder deles cessou naquele momento. A manifestação da glória de Deus, que Marta deveria ver se cresse, era obra exclusiva Sua. A vivificação e a ressurreição são obras inteiramente Suas, embora os homens possam ser usados para remover obstruções. No entanto, o poder que trouxe Lázaro de volta à vida só foi exercido em dependência do Pai. O testemunho completo foi prestado na presença da multidão ao fato de que aqui estava o Filho de Deus em poder e também ao fato de que Ele estava aqui em nome do Pai e em plena dependência d’Ele.

Ele proferiu apenas quatro palavras e o poderoso sinal veio a acontecer. A morte e a corrupção desapareceram e Lázaro, ainda ligado com faixas, saiu. Agora, novamente, a instrumentalidade humana entrou em cena e Lázaro foi libertado de suas amarras; assim como hoje os servos de Deus podem pregar a palavra a ponto de remover obstruções espirituais e libertar almas da servidão, enquanto a obra de dar vida permanece completamente nas mãos do Filho de Deus. Neste grande sinal, o sexto que João registra, a glória de Deus se manifestou, pois a concessão da vida é Sua gloriosa prerrogativa. O homem brutal pode matar com muita facilidade: só Deus pode “matar e vivificar” (2 Re 5:7 – AIBB; 1 Sm 2:6;). Nisso, também, o Filho de Deus havia sido glorificado, pois Sua unidade com o Pai, no exercício desse poder, havia sido demonstrada.

Ocorrendo tão perto de Jerusalém, esse sinal teve um efeito profundo. Isso levou muitos à fé, e agitou os principais sacerdotes e fariseus a uma determinação mais feroz de matá-Lo. Eles tinham que admitir que Ele tinha feito muitos sinais, mas só consideraram o efeito que essas coisas poderiam ter no próprio lugar deles na presença dos romanos. Deus estava completamente fora dos pensamentos deles. O conselho que eles tiveram deu ocasião para a profecia de Caifás.

Deus pode Se utilizar de um falso profeta como Balaão e forçá-lo a proferir palavras de verdade. Mas aqui estava um homem que, exceto por ser sumo sacerdote naquele ano, não tinha pretensões a nada do tipo; um homem que profetizou sem saber que ele estava profetizando. No que lhe dizia respeito, suas palavras eram sarcásticas, cheias do espírito de um homicida cínico, sem coração e de sangue-frio; todavia, foram usadas pelo Espírito Santo para transmitir o fato de que Jesus estava prestes a morrer por Israel, em um sentido do qual nada sabiam. O versículo 52 nos dá um comentário adicional sobre suas palavras por meio do evangelista. Israel era de fato para ser redimido por Sua morte, mas havia outro propósito para vir à luz em breve. Nascidos de Deus existiam, mas ainda sem qualquer vínculo especial de união. Esse vínculo deveria ser criado como o fruto de Sua morte. Mais luz sobre isso nos alcançará no próximo capítulo.

JOÃO 12

Pela terceira vez neste evangelho a festa da Páscoa é mencionada. Em Levítico 23, é falado como uma das “festas do Senhor”, mas no evangelho de João é sempre uma festa dos judeus, em consonância com o fato de que Jesus é considerado como rejeitado por Seu povo desde o início, e consequentemente eles e suas festas são desconsiderados por Deus. Os líderes religiosos estavam prestes a coroar a infâmia deles usando a Páscoa como uma ocasião para abranger a morte do Filho de Deus. A culpa deles não foi diminuída pelo fato de que Deus suplantou sua ação para o cumprimento da figura, em que “Cristo, nossa Páscoa, foi sacrificado por nós”.

Seis dias antes da Páscoa, Jesus veio a Betânia, de modo que tudo que foi registrado entre João 12:1 e João 20:25 cai num breve período de sete ou oito dias – certamente a semana mais maravilhosa da história do mundo. No lar de Betânia viviam os três que eram objetos de Seu amor e que O amavam em contrapartida. Uma oportunidade adequada tinha chegado agora para eles testemunharem isso. Por trás deles estava a morte de Lázaro e o seu chamado à vida pela voz do Filho de Deus. Logo adiante está a morte e ressurreição do próprio Filho de Deus.

No final de Lucas 10, vemos esse lar marcado por alguma medida de desordem e queixa; mas aqui, após a manifestação do poder da ressurreição do Senhor, tudo é encontrado em ordem e harmonioso. Os simples procedimentos daquela noite estavam centralizados em Cristo. Ele era o objeto de honra de cada um e de todos, e “fizeram-Lhe, pois ali uma ceia”. Podemos, de fato, ver uma parábola nisso. Quando Cristo é o Objeto supremo e Seu poder de ressurreição é conhecido, tudo entra em seu devido lugar.

Marta foi a anfitriã e serviu-Lhe. Lázaro teve sua parte com Ele à mesa da ceia. Maria expressou a devoção de seu coração a Ele, despendendo n’Ele o caro unguento que tinha. Assim vemos como o conhecimento d’Ele e do poder de Sua ressurreição conduz ao serviço, à comunhão e à adoração. Tudo estava em uma feliz ordem e, porque assim estava, a voz da crítica hostil foi ouvida, centrada na ação de Maria. Originou-se de Judas Iscariotes, embora os outros discípulos ecoassem as palavras dele, como mostra o evangelho de Mateus.

O mundo é incapaz de apreciar a verdadeira adoração e, apesar da sua aparência justa, Judas era totalmente mundano. Governado pela cobiça, Judas tornara-se ladrão; e não apenas um ladrão, mas um hipócrita, mascarando sua busca pessoal alegando ter cuidado dos pobres. Ele posava como um homem eminentemente prático, totalmente vivo para o valor de benefícios sólidos e materiais para os pobres, enquanto, na sua opinião, acusava Maria de desperdiçar a valiosa substância, movida por um sentimento tolo. O mundo é exatamente dessa opinião hoje. A religião que se combina com o que o mundo aprecia é aquela que coloca toda a ênfase nos benefícios materiais e terrestres para a humanidade. E hoje, tanto quanto naquela época, crentes com mente carnal tendem a estar de acordo com o mundo e a ecoar suas opiniões.

Ao dizer: “Deixai-a”, Jesus silencia a crítica hostil. Esta palavra pode bem ser escrita em nossa memória. A adoração verdadeira está entre a alma do crente e o Senhor, e nenhum outro deve interferir. Em Romanos 14, o crente é visto como um servo, e o espírito desse capítulo novamente é: “Deixai-o”. Além disso, o Senhor sabia como interpretar a ação dela. Ele deu, sem dúvida, uma explicação mais completa sobre essa ação do que a própria Maria poderia ter apresentado; embora ela conhecesse o ódio dos líderes e intuitivamente percebesse a Sua morte se aproximando. É significativo também que Maria de Betânia não se juntou às outras mulheres para visitar Seu túmulo com as especiarias que haviam preparado.

De Maria podemos dizer que o que ela fez foi feito “por amor de Jesus apenas”. Com Judas era “os pobres” e, mesmo com os outros discípulos, era “Jesus e os pobres”. Com muitos dos judeus que se reuniram em Betânia neste momento, era “Jesus e Lázaro”, pois eles estavam curiosos para ver um homem que havia sido ressuscitado dentre os mortos. A família de Betânia tinha se concentrado em Jesus a sua verdadeira afeição. Em contraste, os principais sacerdotes concentraram-se n’Ele, o ódio mais mortal, que os cegou de tal maneira que eles consideraram em matar Lázaro, o testemunho de Seu poder. Eles eram os mais religiosos, mas os mais inescrupulosos. Eles esqueceram o aviso do Salmo 82:1-5.

No dia seguinte, Jesus apresentou-Se a Jerusalém como o Rei de Israel, exatamente como o profeta Zacarias havia dito. Nenhum mero Soberano da Terra poderia se permitir apresentar-se formalmente à sua capital de maneira tão humilde; mas para aqu’Ele que era o Verbo feito carne, toda essa glória, como então era possível, teria sido perda, e não ganho. Esta ocasião está registrada em cada um dos quatro evangelhos, mas João reconhece dois detalhes especiais. Primeiro, há o contraste entre os discípulos e seu Mestre, que sempre soube exatamente o que faria (Jo 6:6). Eles participaram sem qualquer entendimento do que estavam fazendo. O significado de tudo isso só se aclarou sobre eles quando receberam o Espírito Santo, como consequência de Jesus ter sido glorificado. Segundo, há o fato de que a medida do entusiasmo popular manifestado foi despertado pela ressurreição de Lázaro, na qual Sua glória como o Filho de Deus havia sido manifestada.

Em seguida, podemos ver o efeito de tudo isso em três direções. Os fariseus estavam amargamente mortificados, atribuindo à demonstração do povo uma convicção de profundidade inexistente. Mas entre alguns gregos que tinham chegado à festa havia um espírito de indagação e seu desejo de ver Jesus era a indicação do dia em que “E as nações caminharão à Tua luz, e os reis ao resplendor que Te nasceu [da Tua aurora – TB] (Is 60:3). E de fato agora era o momento em que Ele deveria ter sido recebido e aclamado por Seu próprio povo. A hora havia chegado quando, como o Filho do Homem, Ele deveria ter sido glorificado. No que diz respeito ao próprio Senhor, Ele sabia bem que como o Rejeitado nada além da morte estava diante d’Ele – a morte que seria a fundação de toda a glória nos dias vindouros. Dessa morte, portanto, Ele começou a falar.

No versículo 24, encontramos outra de Suas grandes declarações introduzidas com ênfase especial. A vida que permanece e floresce em muitos frutos só é alcançada pela morte. Se o fruto para Deus deve ser colhido – fruto esse que será da mesma ordem que Ele mesmo – Ele deve morrer. Emanuel estava aqui, o Verbo Se fez carne, e Seu valor intrínseco e beleza estão além de todas as palavras; mas somente por meio da morte Ele “frutificaria e Se multiplicaria” (Gn 1:22), de modo que uma multidão de outros “conforme a Sua espécie” possa ser achada para a glória de Deus. Foi isso que encheu Seus pensamentos enquanto outros ainda estavam pensando em glória terrena.

Fruto para Deus, então, é o primeiro resultado de Sua morte que Ele mencionou. A segunda é a nova ordem de vida na Terra, que, portanto, seria conferida aos Seus discípulos. Ele estava prestes a dar a Sua vida neste mundo, totalmente perfeita como era. A vida neste mundo está para nós totalmente manchada pelo pecado e sob julgamento. Se a amarmos, iremos apenas perdê-la. Ao vê-la em sua verdadeira luz, aprendemos a aborrecê-la e, assim, mantemos esta vida para a vida eterna – a única vida que vale a pena ter. Isto é para nós um duro ditado, mas de extrema importância, pois podemos perceber do fato de que Jesus proferiu palavras de semelhante importância em outras três ocasiões, e estas quatro palavras são registradas seis vezes nos quatro evangelhos. Nenhuma outra declaração de nosso Senhor é repetida para nós como essa. Não é demais dizer que nossa estatura espiritual e prosperidade são determinadas pela medida em que essas palavras deixam sua impressão em nosso coração e vida.

O versículo 26 brota naturalmente do versículo 25. Só podemos realmente servir o Senhor quando O seguimos, e só O seguimos realmente, quando a nossa atitude para com a vida é a mesma que a d’Ele. Ele não amava a Sua vida neste mundo quando, como o grão de trigo, Ele caiu no chão e morreu. O apóstolo Paulo entrou nesse espírito, como podemos ver por Escrituras tais como 2 Coríntios 4:10-18 e Gálatas 2:20; 6:14. E como servo de Cristo, ele supera a todos nós. A recompensa do servo é estar com seu Mestre e ser honrado pelo Pai.

Em outra ocasião, Jesus disse que todo servo, quando aperfeiçoado, deve ser “COMO o seu Mestre” (Lc 6:40). Aqui achamos que ele deve estar COM o seu Mestre. E ainda há algo mais. “e se alguém Me servir” – quem é esse “ME”? O humilde e rejeitado Filho de Deus! Quem O serve na hora de Sua impopularidade e rejeição? Tais serão honrados pelo Pai, e as honras serão publicamente deles quando chegar o dia da grande revisão diante do tribunal de Cristo. As mais elevadas honras do mundo são apenas ouropel comparadas com isso.

O evangelho de João não faz menção aos sofrimentos do Getsêmani, mas podemos ver aqui como sendo o peso da aproximação de Sua morte colocado sobre Sua alma. Sua Divindade não abrandou a Sua aflição; antes, deu-Lhe uma infinita capacidade de senti-la. Ele não podia desejar a hora que se aproximava: Seu perfeito conhecimento e Sua infinita santidade levaram-No à necessidade de Se afastar dela, mas Sua oração não era para ser salvo dela, mas para que o nome do Pai fosse glorificado nela. Esse desejo foi tão perfeito, tão completamente prazeroso para o Pai, que uma voz foi ouvida do céu. Os outros evangelhos nos contaram como a voz do Pai foi ouvida em Seu batismo e em Sua transfiguração. Essas foram ocasiões mais privadas, e parece que não houve dificuldade em entender o que foi dito. Aqui, diante de Sua morte, a voz era mais pública e destinada aos ouvidos do povo; embora eles não a recebessem, explicaram o som que ouviram como a voz de um anjo ou de um ressoar de um trovão. Deus falou aos homens de forma audível e direta, mas eles não fizeram caso disso! Na condição caída do homem, isso deveria ser sempre assim.

A resposta do Pai foi que Seu nome já havia sido glorificado em todo o caminhar de Jesus aqui embaixo, e mais particularmente na ressurreição de Lázaro; e Ele iria glorificá-lo novamente na morte e ressurreição de Seu Filho. Este então é outro grande resultado da morte do único “grão de trigo”. Há a produção de muito fruto; o que envolve a entrada em um novo tipo de vida e serviço pelo discípulo: há a glorificação do nome do Pai. E ainda há mais, pois o versículo 31 traz o mundo e seu príncipe à vista.

Na cruz estava o julgamento deste mundo. Nosso idioma se apropriou das palavras gregas usadas aqui. Aconteceu a “crisis” (julgamento) deste “cosmos” na cruz. Cosmos significa uma cena ordenada em contraste com o caos, mas, infelizmente, este cosmos caiu sob a liderança do diabo. Agora a morte de Cristo expôs o mundo em seu verdadeiro caráter, trazendo-o assim sob justa condenação. Ele também destruiu o poder e legalmente despojou o usurpador, que havia se tornado o príncipe do mundo. O que parecia ser seu maior triunfo era, na verdade, sua total derrota.

Este maravilhoso desdobramento dos resultados de Sua morte veio dos lábios do Senhor, e caracteristicamente Ele colocou em último lugar seu resultado em relação a Si mesmo. Ao mencionar isso, Ele significou a crucificação como a maneira de Sua morte. Ora, este era o modo romano de executar a sentença de morte, mas vendo que toda a animosidade contra Ele estava no sentimento do judeu, significava que Ele morreria na mais absoluta vergonha, repudiado tanto por judeus como por gentios. Ele foi levantado da Terra para que pudesse ser desdenhosamente repudiado – o destruidor caiu, por assim dizer, sobre Sua causa e Seu Nome. E o resultado alcançado é precisamente o oposto. Aqu’Ele que uma vez foi crucificado é para ser o Objeto universal e eterno de atração! Todos os que são atraídos para o poderoso círculo de bênção de Deus serão atraídos por Ele e para Ele. Aqui temos em forma embrionária o que é mais completamente exposto em Efésios 1:9-14. Longe de extinguir Sua glória, a cruz torna-se o fundamento sobre o qual ela repousa – a base para a sua mais perfeita demonstração, como é tão comovente testemunhado em Apocalipse 5:5-14.

As palavras iniciais de Jesus falaram do Filho do Homem sendo glorificado, e Suas palavras finais de Ele sendo levantado. Os judeus sabiam que o Messias deveria permanecer quando Ele viesse, e o título “Filho do Homem” não era desconhecido para eles, pois é encontrado no Velho Testamento. O Filho do Homem que receberia o reino de acordo com Daniel 7, eles conheciam, mas Quem era este Filho do Homem que deveria sofrer? Eles tinham negligenciado o Filho do Homem feito um pouco menor do que os anjos, de acordo com o Salmo 8. Este humilde Filho do Homem era a luz dos homens. A não ser que eles cressem na luz e se tornassem filhos da luz, trevas absolutas viriam sobre eles e estariam perdidos. Com este aviso, Jesus retirou-Se deles.

Um resumo da situação até este ponto é fornecido pelo evangelista nos versículos 37-43. Jesus havia feito muitos sinais diante deles, mas eles não criam n’Ele. O fato era este: eles estavam cegos. A cegueira dos olhos dos homens é a obra do deus deste século, como aprendemos em 2 Coríntios 4:4. No entanto, há momentos em que Deus permite que isso ocorra em retribuição governamental e, portanto, pode ser atribuído a Ele. Tal foi o caso aqui; tal foi nos dias de Isaías; e assim foi novamente cerca de 35 anos depois, quando o testemunho do Cristo glorificado foi recusado (ver Atos 28:25-27). A geração incrédula persiste, e ainda será encontrada quando o julgamento final cair no fim do século.

Em Isaías 6, o profeta registra como ele viu “o Rei, Jeová dos exércitos” (Is 6:6 – TB). João nos diz, no entanto, que Isaías “viu a Sua glória e falou d’Ele”; evidentemente referindo-se a Jesus. Novamente, o versículo 40 do nosso capítulo está registrado em Isaías 6 como “a voz do Senhor”. Em Atos 28, Paulo cita isso como o que foi dito pelo Espírito Santo. Isso lança uma luz útil sobre a unidade das Pessoas Divinas. Não podemos dividi-Las, embora possamos distingui-Las.

O efeito dessa cegueira foi que eles “não podiam crer”. A mente deles estava tão obscurecida que a fé se tornara uma impossibilidade moral. Não importa o quão brilhante a luz reluzia diante deles, eles não tinham olhos para percebê-la. Havia, no entanto, alguns – e estes entre os principais – que não estavam completamente cegos dessa maneira. A mente deles estava aberta à evidência e os sinais mostrados produziram a convicção intelectual neles. Agora, a convicção intelectual, embora seja um ingrediente essencial da fé viva, não é viva por si só. Não frutifica nas obras, mas é “como o corpo sem espírito” (Tg 2:26). Fé viva conduz a alma a Deus por meio de Cristo. Isso era desconhecido por esses principais, pois, se tivessem a experimentado, não teriam amado mais o louvor dos homens do que o louvor de Deus. O mesmo teste se aplica hoje. Aquele que realmente crê em seu coração que Deus ressuscitou Cristo dos mortos, não deixará de, com a boca, confessá-Lo como Senhor. Se os homens não confessarem, eles não creem realmente.

Nos versículos 44-50, recebemos o próprio resumo do Senhor sobre a situação, quando Ele encerrou Seu testemunho ao mundo. Em João 3-7, o pensamento proeminente é a vida, e Jesus é visto como o Doador de vida. De João 8 até o presente ponto, a luz tem sido um grande tema, e Jesus é visto como o Portador da luz. João 8:12 dá o pronunciamento de abertura do Senhor quanto a isso, e o versículo 46 de nosso capítulo, a palavra de conclusão. Apenas emergimos das trevas quando entramos na luz de Cristo. Mas a luz que brilhou n’Ele era a revelação completa de Deus, de modo que aquele que entra em Sua luz crê e vê aqu’Ele que O enviou. Sendo o Verbo feito carne, Ele não era menor do que o Pai que Ele revelou, contudo Ele havia tomado o lugar de sujeição, a fim de torná-Lo conhecido e cumprir todos os Seus mandamentos.

Naquele momento, o mandamento do Pai não era o julgamento, mas a vida eterna, por isso Ele havia Se escondido de Seus adversários, em vez de destruí-los pelo Seu poder. O julgamento ainda virá na época devida; o Juiz está nomeado e, com base na revelação que Ele trouxe, eles serão julgados. O Senhor agora Se encaminha à obra imediatamente diante d’Ele, para “salvar o mundo” e trazer “vida eterna”. Por isso, Ele continuou a falar segundo o mandamento do Pai e também, como Ele declara no capítulo 14:31, fazer o Seu mandamento, que envolveu a cruz como a base necessária de ambas – salvação e vida. A coisa imediata diante d’Ele era a reunião de Seus discípulos pela última vez, para que Ele pudesse comunicar-lhes plenamente os desígnios atuais do amor do Pai.

JOÃO 13

Portanto, este capítulo começa com uma descrição do espírito em que Jesus reuniu Seus discípulos para a ceia da última Páscoa. Os outros evangelhos nos disseram tudo o que precisamos saber sobre as circunstâncias em que ela ocorreu; aqui nos tornamos conscientes da atmosfera do amor divino que adornou a ocasião. Ele tinha o pleno conhecimento da aproximação da Sua morte, que é vista como uma partida deste “cosmos” julgado para o Pai enquanto Ele deixa para trás no “cosmos” alguns que são reconhecidos como “os Seus”. Ele havia falado desses no capítulo 10 como “as Suas próprias ovelhas”, indicando que Ele daria a Sua vida por elas; agora descobrimos como o Seu amor havia sido colocado sobre eles. Ele “amou-os até ao fim”, que, em relação a este mundo, era a morte; mas já que a própria morte é a porta para a vida eterna para eles, o amor permanece para a eternidade.

Os três primeiros versículos revelam aos nossos olhos coisas que de outra forma só seriam conhecidas por Deus. Quem poderia ler adequadamente o amor que enchia o coração de Cristo? Quem poderia discernir o ódio e esperteza do diabo que o levou naquele momento a injetar o pensamento fatal de traição no coração de Judas? E quem mais estava a par do que enchia a mente de Jesus naquela hora sagrada? No entanto, somos autorizados a saber. Como Ele enfrentou a morte pela qual partiria para o Pai, nada estava oculto aos Seus olhos. Ele sabia que Ele havia vindo de Deus para levar à perfeição tanto a revelação de Deus como a redenção dos homens. Ele sabia que estava indo a Deus em vida ressuscitada como as primícias de uma grande colheita de bênçãos – a Cabeça de uma nova criação. E Ele sabia que, embora estivesse prestes a Se submeter às mãos de homens maus, o Pai tinha, na realidade, depositado todas as coisas em Suas mãos de perfeita administração. Tudo está à Sua disposição, e a previsão de Isaías: “O bom prazer do Senhor prosperará em Suas mãos”, certamente será cumprida.

Na plena consciência de tudo isso, Ele tomou o humilde lugar de serviço no meio de Seus discípulos reunidos. O prazer de Jeová é prosperar nas mãos do “Servo de Jeová”. No dia vindouro de glória Ele fará com que esse prazer prospere por todo um amplo universo de bênçãos, mas na véspera de Seu sofrimento Ele fez com que prosperasse usando Suas mãos para lavar os pés dos discípulos. Nisso Ele era o Servo do Senhor tanto quanto Ele será no dia vindouro; e ambas as formas de serviço são igualmente maravilhosas. Ele estava servindo a Deus ao servi-los.

A contestação impetuosa de Pedro foi suplantada para deixar claro o significado de tudo isso. A maravilhosa humildade disso era muito óbvia para ele, e prontamente protestou. No entanto, foi-lhe claramente dito que ele não sabia o verdadeiro significado da ação do Senhor, mas que quando o Espírito viesse, ele o saberia. Devemos entender também. Qual era então o seu significado? As palavras de Jesus, registradas no versículo 8, nos fornecem a chave. Ele falou de ter “parte Comigo”, e se quisermos ter a felicidade de compartilhar com Ele, Ele deve prestar-nos o serviço simbolizado pela lavagem dos pés. Por nossos pés, entramos em contato com terra, e poeira e a contaminação que provém dessas coisas deve ser removida de nós.

As palavras do Senhor no versículo 10 lançam mais luz sobre o assunto. Ele usou duas palavras para lavar, a primeira delas significa lavar tudo ou tomar banho. Ele disse, portanto, que aquele que está banhado precisa apenas lavar os pés, assim aludindo muito evidentemente à dupla lavagem dos sacerdotes – o banho quando eles foram consagrados (Levítico 8:6), que era de uma vez por todas, e as repetidas lavagens subsequentes de mãos e pés sempre que entravam no santuário (Êx 30:19). Este banho de uma vez por todas é o que tomamos quando nascemos de novo. Nascemos da água e do Espírito; e assim, depois de lembrar os coríntios dos males em que uma vez tinham estado afundados, Paulo poderia escrever-lhes: “Mas haveis sido lavados”, embora eles ainda fossem principalmente de mente carnal. Então, aqui, o Senhor disse aos discípulos: “vós estais limpos”, acrescentando: “mas não todos” – tendo Judas em mente. Apesar de toda a sua profissão nenhum novo nascimento alcançou Judas.

Essa ação simbólica do Senhor, juntamente com Suas palavras explicativas, foi o anúncio adequado para os maravilhosos capítulos que se seguem. Suas comunicações aos discípulos em João 14-16, por assim dizer, os introduziram no santuário enquanto em João 17 vemos o Senhor indo sozinho para o Santo dos Santos. Quando Sua morte foi cumprida e, tendo subido ao alto, o Espírito Santo foi dado, descobrimos que ousadia para entrar no Santo dos Santos é o privilégio comum dos crentes. Mas tanto com os discípulos naquele tempo quanto a nós mesmos hoje, este processo de limpeza da contaminação na Terra é necessário, além do novo nascimento, para que haja o desfrute da parte com Ele no santuário da presença de Deus.

Este serviço gracioso ainda é prestado a nós pelo próprio Senhor, assim que precisemos dele. É parte de Sua obra como nosso Sumo Sacerdote e Advogado nas alturas. No entanto, Ele é nosso Senhor e Mestre e, portanto, um Exemplo para nós de que devemos seguir Seus passos nisto. A Palavra é o grande agente de limpeza, como nos disse o Salmo 119:9. É preciso, cremos, mais habilidade divina para usá-la como água purificadora do que como uma luz brilhante ou uma espada penetrante. Se adquirirmos essa habilidade e a exercitarmos em nosso relacionamento com os santos, seremos verdadeiramente felizes. É mais fácil obter conhecimento sobre limpeza do que praticá-la, como indica o versículo 17. Fazendo isso, devemos ser restaurados e reanimados.

Em consonância com isso está a exortação de Gálatas 6:1, mas a “lavagem dos pés” espiritual trataria de contaminações as quais, embora tocassem o coração e a mente, não seriam como ser “surpreendido nalguma ofensa”. Se soubéssemos melhor como fazer isso, muitas vezes seríamos instrumentos em preservar uns aos outros de sermos surpreendidos e sofrermos uma queda.

Chegara o momento do verdadeiro caráter de Judas ser exposto. No final do capítulo 6 encontramos registradas as palavras do Senhor que mostram que Ele o conhecia desde o princípio. Em Sua escolha dos discípulos Ele agiu com a presciência divina, e Judas era o homem a cumprir a predição do Salmo 41:9. No entanto, ele havia sido comissionado e enviado pelo Senhor tanto quanto os outros e aqueles que o receberam, receberam seu Mestre e o próprio Deus, de Quem o Senhor havia vindo. A indignidade pessoal do servo não invalidou esse grande princípio.

No entanto, a terrível queda de Judas foi uma dor real para o coração do Senhor, que não foi atenuada por Sua divina presciência, que Lhe permitiu ver o fim desde o princípio. O pronunciamento enfático do Senhor de que um dos doze escolhidos estava prestes a se revelar como um traidor também trazia problemas para a mente dos discípulos, e o versículo 22 testemunha o fato de que nenhuma suspeita de Judas estava escondida na mente deles. Ele parecia perfeitamente sincero aos olhos deles, tanto que a bolsa comum lhe fora confiada. A astúcia da camuflagem satânica é quase perfeita. Alguma vez houve uma ilustração mais notável da que é declarada em 2 Coríntios 11:13-15?

“Quem é?”; essa era a questão delicada, e apenas um discípulo estava qualificado para perguntar naquele momento. A posição física do discípulo “a quem Jesus amava” era um indicador do estado de sua mente. Pedro percebeu isso e induziu uma investigação. A resposta foi dada de forma simbólica. Era um sinal de honra para um convidado receber um bocado molhado do anfitrião. Mas o honrado discípulo foi manifestado como o traidor.

Podemos discernir três passos em sua queda. Primeiro, houve a cobiça não julgada que o levou a tornar-se um ladrão (Jo 12:6). Então veio a ação de Satanás, colocando em sua mente o recuperar-se em parte (Jo 13:2), uma vez que os trezentos dinheiros que o unguento representava não tinham caído em suas mãos; e, então, ele se contentou com dez por cento dessa quantia. Por fim, Satanás entrou nele. O espírito do mestre do mal assumiu pessoalmente o controle, para que não houvesse deslize nos arranjos que deveriam abranger a morte do Senhor.

O Senhor aceitou a situação e disse-lhe que agisse depressa. Parece que até mesmo Satanás não podia se mover livremente na questão sem permissão divina; mas sendo concedida, Judas, sob o controle dominador de Satanás, levantou-se e partiu. Ele saiu para a noite, e isso em mais de um sentido.

Dentro do cenáculo, uma sensação de sossego prevaleceu quando Judas saiu para a noite. Aliviado de sua presença, o Senhor imediatamente iniciou Seu discurso de despedida, que lançou luz divina sobre tudo o que estava iminente. Por fim, Ele pôde falar com toda a liberdade, embora Seus discípulos ainda tivessem apenas uma pequena apreensão do significado do que Ele falava. As duas primeiras frases que Ele proferiu nos apresentam um resumo maravilhoso. Cada sentença fornece dois grandes fatos.

A hora havia chegado na qual o Filho do Homem deveria ter sido glorificado publicamente, como os profetas haviam dito. Em vez disso, Ele estava ao ponto de ir à morte. Mas – fato maravilhoso – nessa mesma morte Ele seria glorificado, visto que toda excelência divina e humana, que era intrinsecamente Sua, seria trazida à mais brilhante manifestação. Conectado com isso está o segundo fato, que Deus foi perfeitamente glorificado n’Ele. No primeiro homem e em sua raça, Deus havia sido totalmente mal representado e desonrado: em Sua morte, a perfeita revelação de Deus foi levada ao seu clímax; Seu caráter e natureza reivindicados e manifestados.

Além disso, em resposta a essa glorificação de Deus, deve haver a glorificação do Filho do Homem no próprio Deus. Cristo está agora escondido em Deus, como Colossenses 3:3 conclui, mas Ele está oculto lá como o Glorificado. Que o Filho do Homem deveria ser glorificado desta maneira não havia sido revelado anteriormente. Então, esse fato dá uma inesperada mudança no curso dos eventos; como também o segundo fato deste versículo de que esta glorificação oculta deveria acontecer imediatamente. Não se esperaria até o reino visível para isso acontecer! Mas o derramamento do Espírito para habitar nos crentes está pendente no fato dessa glória presente e oculta e, consequentemente, todos os privilégios e bênçãos que são propriamente Cristãos.

A glorificação de Cristo desse modo celestial e imediato envolveu, no entanto, a quebra dos elos existentes com Seus discípulos sobre uma base terrena, pois naquele momento eles não poderiam segui-Lo ao Seu novo lugar. Aqui, pela primeira vez, o Senhor dirige Seus discípulos como “crianças” (JND), vendo-os como aqueles que foram introduzidos na família de Deus, de acordo com João 1:12. É notável o quanto da primeira epístola de João é baseada nas palavras do Senhor registradas no versículo 34. Entramos na família divina por sermos nascidos de Deus, e a própria vida da família é o amor, pois Deus é amor. O Senhor deixa claro que, enquanto Ele está em glória oculto no céu, os filhos, que são deixados no mundo das trevas e do ódio, devem provar seu discipulado manifestando amor. Glória lá e amor aqui, era o pensamento divino. O primeiro é perfeito, mas, infelizmente, quão imperfeito é este último!

Essa separação que se aproximava era uma perplexidade e também uma tristeza para os discípulos, e Pedro expressou a dificuldade deles. Sua pergunta trouxe a certeza de que nem ele nem qualquer outro poderia segui-Lo quando, então, Ele passasse pela morte para a Sua glória ressuscitada, ainda que no final eles deveriam estar lá. Havia um significado especial na observação no caso de Pedro, como podemos ver ao nos voltarmos para João 21:18-19; mas certamente tem uma aplicação para todos nós. Ele fez uma vereda através da morte para a ressurreição que todos temos que trilhar. Pedro, não contente com a garantia do Senhor, apenas revelou sua insensata confiança em si mesmo. Naquela hora solene, o orgulhoso autoconfiante foi exposto, assim como o traidor havia sido exposto.

JOÃO 14

A palavra de advertência foi imediatamente seguida por uma palavra de abundante graça. Jesus sabia muito bem que esses discípulos, apesar de todas as falhas que tinham, realmente O amavam, e o pensamento de Sua partida foi uma dolorosa tristeza para eles. Daí as palavras que abrem nosso capítulo. Eles estavam começando a perceber que perderiam Sua presença visível entre eles; esse foi o problema que turbou o coração deles. Mas então o Deus invisível já tinha sido real para eles, como o Objeto de fé. Não poderia Cristo, de agora em diante, ser o mesmo? Ele realmente seria assim. Como Objeto de fé, Ele seria uma realidade viva e brilhante para incontáveis milhões, ao passo que, se Ele permanecesse como era, só poderia ser o Objeto de vista para alguns em uma localidade de cada vez. Então, o primeiro item de conforto para corações atribulados é: Cristo, como o Vitorioso ressuscitado da morte, o Objeto da fé simples.

E o segundo item é: um lugar preparado e seguro nas muitas moradas da casa do Pai nas alturas. Ora os discípulos eram homens que haviam apostado tudo em sua crença de que eles encontraram o Messias presente na Terra em carne e osso. Eles haviam desistido de um lugar como o que possuíam na Terra e Ele estava para deixá-los, por quê? Como eles aprendem aqui, por um lugar de relacionamento mais próximo, de muito maior elevação, permanecendo eternamente além do alcance da morte. Que troca maravilhosa! O templo terrestre havia sido “a casa de Meu Pai” (Jo 2:16); isso agora é rejeitado, e a verdadeira “casa do Pai” é encontrada no alto, na qual Ele estava prestes a entrar. Nela há muitas moradas, como havia sido indicado pelas muitas câmaras da figura terrestre. Seu lugar particular e o nosso deveriam ser preparados por Sua entrada lá. Ele a mantém para nós como nosso Precursor, como é mostrado em Hebreus 6:20.

Por necessidade, portanto, um tempo deve chegar quando os santos irão entrar no lugar preparado para eles; assim, no versículo 3, encontramos um terceiro item de conforto – Sua vinda pessoal para nos receber para Si mesmo, para que possamos estar com Ele na casa do Pai. Os discípulos devem ter aprendido do Velho Testamento que haveria uma vinda pessoal de Jeová: como exemplo: “estarão os Seus pés sobre o monte das Oliveirasentão virá o Senhor [Jeová – TB] meu Deus, e todos os santos Contigo” (Zc 14:4-5). Mas eles não haviam percebido que “Jeová” era “Jesus”, e eles nada sabiam sobre essa vinda, a fim de receber santos para Si mesmo, pois isso não havia sido anunciado. Era uma nova revelação, tanto a de que os santos deveriam ter um lugar nos céus, ou como a de que o Messias deveria estar como o Objeto de fé, em vez de estar visivelmente presente na Terra.

Podemos dizer então que o versículo 1 nos dá, em embrião, aquela vida “na fé do Filho de Deus”, da qual Paulo fala em Gálatas 2:20. O versículo 2 nos dá, em embrião, a verdade do chamamento celestial, mais plenamente exposto em Efésios 1:3-6 e em Hebreus 2:9, 3:1. O versículo 3 nos dá a primeira indicação da vinda do Senhor para Seus santos. O arrebatamento deles para a Sua presença acima é mais plenamente exposto em 1 Tessalonicenses 4:14-18. Ali também, como aqui, esta verdade foi feita conhecida para trazer conforto aos corações atribulados.

Jesus concedeu aos Seus discípulos o conhecimento de aonde ele estava indo e o caminho. Tomé era o discípulo materialista e, portanto, tinha uma mente vacilante. Sua objeção serviu para trazer um dos maiores pronunciamentos do Senhor. Ele é o caminho para o Pai, a verdade sobre o Pai, a vida, por cuja energia, o Pai pode ser realmente conhecido. Não existe outro caminho de aproximação além do Filho. Além disso, estando na vida caída de Adão, não temos capacidade de entrar no conhecimento do Pai: tal conhecimento só é possível para aqueles que estão na vida de Cristo. Quanto mais meditarmos nessas palavras, tanto mais perceberemos a toda-suficiência de Cristo; como também que eles rendiam seu tributo ao fato de que a plenitude da Divindade habitava n’Ele (Cl 1:19, 2:9).

O melancólico pedido de Filipe, no versículo 8, mostra que ele também desejava que o Pai Se mostrasse diante de seus olhos de maneira material. Ele não estava errado nisso, mas apenas falhava em não discernir a manifestação que havia sido feita em Cristo, que era o Verbo feito carne. Como João diz nas palavras de abertura de sua primeira epístola, o Verbo, assim, tornou-Se audível, visível e tangível. O Pai, portanto, foi perfeitamente demostrado. As palavras de Jesus eram as palavras do Pai, e as Suas obras foram feitas pelo Pai que habitava n’Ele. No versículo 17 de nosso capítulo, temos uma alusão ao fato de que o Espírito estava com eles habitando em Cristo; e aqui está o Pai que habita n’Ele. Assim nossos pensamentos são novamente conduzidos a Colossenses 1:19.

Suas palavras e obras corroboraram a grande afirmação que o Senhor faz duas vezes aqui. Quanto à essência do Ser, da vida e da natureza, Ele estava “no Pai”, como também o Pai estava n’Ele, em manifestação e exibição. Os discípulos deveriam crer nisso exatamente porque Seus próprios lábios declararam isso; mas se não, deveriam receber a evidência de Suas obras, que tão claramente a declararam. E mais do que isso, o dia estava chegando, como declarado no versículo 12, quando obras semelhantes e ainda maiores deveriam ser feitas por meio dos discípulos, e porque Ele estava indo para o Pai, o que, como aprendemos em João 7, significava a vinda do Espírito. Naquele dia os discípulos iriam descobrir que eles próprios estavam em Cristo e que Cristo estava neles (v. 20), e isso, sem dúvida, explica as obras “maiores”. Antes de Sua morte e ressurreição, o Senhor estava “angustiado” (Lc 12:50); mas uma vez que elas fossem cumpridas e o Espírito dado, Ele poderia agir livremente pelo Espírito por meio de Seus discípulos. Não houve um dia no ministério do Senhor em que 3.000 almas fossem convertidas como no dia de Pentecostes; nem Seus labores cobriram a imensa área “desde Jerusalém, e arredores até ao Ilírico”, como os de Paulo.

Nos versículos 13 e 14, o Senhor confortou Seus discípulos com o poder de Seu nome. Ele indicou assim que iria deixá-los para que servissem como Seus representantes. Os pedidos deles, se realmente feitos em Seu nome, seriam certamente atendidos. Ele mesmo agiria em causa deles, embora ausente deles. Seu objetivo ao fazê-lo não seria apenas a manutenção de Seus próprios interesses, mas para que o Pai pudesse ser glorificado. Assim, o Pai seria glorificado em Suas atividades em ressurreição e glória, assim como Ele também estava na hora sombria de Sua morte.

Sem dúvida, este agir e pedir em Seu nome tinha referência especial aos Seus apóstolos, mas certamente se aplica a todos nós. Temos que nos lembrar de que só podemos usar corretamente o nome do nosso Mestre em conexão com Sua causa e interesses. Se tentarmos usá-lo meramente para promover nossos próprios desejos pessoais, seremos culpados do que os tribunais de justiça chamam de “abuso de autoridade”, para o qual uma pesada pena está prevista. A promessa aqui só se aplica, é claro, onde a oração é genuinamente em Seu nome.

Até aqui tivemos cinco itens de grande conforto diante de nós, com o propósito de assegurar ao triste coração de Seus discípulos que haveria grande ganho para eles, a despeito do fato de que eles perderiam Sua presença entre eles. Vamos recapitulá-los:

- Ele ainda estaria acessível a eles como o Objeto de fé; - Havia um lugar assegurado a eles na casa do Pai; - Ele viria novamente para que eles pudessem estar com Ele naquele lugar; - O Pai lhes fora inteiramente revelado; - Eles deveriam permanecer no mundo como Seus representantes, com a autoridade de Seu nome para dar poder às suas orações.

Agora passamos para um sexto item de igual conforto.

A vinda do Espírito Santo é definitivamente prometida. O Senhor apenas presumiu uma coisa – que eles realmente O amavam, pois o amor genuíno sempre se expressa em obediência; e o amor é em si mesmo a natureza divina. Exatamente o amor deles é tido como certo. E tido como certo, Ele oraria ao Pai quando subisse ao alto e, em resposta a Seu pedido, o outro Consolador viria. Ora “Consolador” significa “Alguém que fica ao lado para ajudar”. O próprio Jesus tinha sido Esse entre eles na Terra, e ainda O seria, embora no céu, ausente deles_;_ a mesma palavra é para **“Advogado”** (1 Jo 2:1). O Espírito seria Esse conosco aqui _na Terra,_ e uma vez vindo, Ele habita conosco para sempre.

O Consolador é também o Espírito de verdade. A verdade, juntamente com a graça, “vieram [subsistem – JND] por Jesus Cristo” (Jo 1:17), e Ele é a verdade, como acabamos de ver, apresentada a nós de maneira objetiva. O Espírito de verdade está agora por vir, habitando nos santos e, assim, trazendo verdade para eles subjetivamente. Assim, quando chegamos a 2 João 2, lemos que a verdade “que permanece em nós” (ARA) pelo Espírito, além de estar “conosco para sempre” (TB) em Cristo. O mundo não compartilha disso. Ele não tem a natureza divina, nem anda em obediência; portanto, não pode receber o Espírito. Não O vê nem O conhece, ocupado como está com as coisas materiais.

Tudo isso era uma segurança para os discípulos de que não seriam deixados “desconsolados” (KJV), ou “órfãos”, mas que pelo Consolador Ele viria a eles, e assim Sua presença seria uma realidade no coração deles.

O Consolador é dado como selo de amor e obediência, e nesse sentido, a plena bênção de Sua habitação só é desfrutada quando a obediência é aperfeiçoada em nós. O versículo 15 indica que, sendo o fruto do amor, a obediência é a prova de que o amor existe. Agora encontramos que o fruto da obediência é uma posição especial no amor do Pai e do Filho, juntamente com uma manifestação especial do Filho, que deve levar consigo uma manifestação especial do Pai, na medida em que só conhecemos o Pai como revelado no Filho. A manifestação objetiva é perfeita, completa e permanente, mas a manifestação subjetiva de cada um de nós individualmente, no poder do Consolador, depende da medida em que somos caracterizados pela obediência e amor.

A questão de Judas (v. 22) evidentemente foi motivada pelo fato de que os pensamentos dos discípulos estavam totalmente concentrados na manifestação pública do Messias, como anunciado no Velho Testamento. Eles ainda não tinham abraçado o caráter da dispensação prestes a surgir, na qual o conhecimento d’Ele mesmo seria por fé no poder do Espírito. O Senhor respondeu ampliando Suas palavras anteriores, falando agora de guardar Sua palavra – não “palavras”, mas singular – “palavra”, a verdade que Ele trouxe como um todo – como o fruto de amor. Tal amorosa obediência incita a apreciação e o amor do Pai, de modo que tanto o Pai como o Filho faz a Sua morada; por meio do Espírito que habita em nós, sem dúvida, pois esses grandes pronunciamentos vêm na seção do discurso dedicado ao Consolador. Assim, as Suas palavras, pelas quais a Sua Palavra nos é transmitida, tornam-se o teste do nosso amor. Elas nos conduzem à palavra do Pai que O enviou. Se as desconsideramos, nossas declarações de amor a Ele serão comprovadas vãs e insinceras.

Isso nos leva a uma outra função do Consolador: sendo “o Espírito de verdade”, Ele é o Instrutor dos discípulos. Não devemos perder o contraste, nos versículos 25 e 26, entre **“**estas coisas” (TB) e **“**todas as coisas”. Quando, como fruto de Sua obra, Jesus deve ser glorificado e o Espírito ser dado, deve haver uma revelação maior da verdade divina. Todas as coisas que estão no escopo da revelação devem ser conhecidas e eficazmente ensinadas aos discípulos pelo Consolador. Muito lhes foi feito conhecido por Cristo, presente entre eles em carne e osso: tudo lhes seria feito conhecido no dia vindouro do Espírito. Aqui encontramos prometida, quanto à revelação e ensino, a mesma expansão quanto às obras pela vinda do Espírito, como vemos declarado no versículo 12_._ Além disso, o Espírito lhes traria à lembrança todas as coisas que tinham ouvido por meio de Cristo.

Estamos agora na feliz posição de ver quão literal e perfeitamente essas coisas foram cumpridas. Os quatro evangelhos foram escritos como o fruto das coisas que Ele disse sendo trazidas à lembrança dos discípulos; enquanto como fruto dos adicionais e mais novos ensinamentos do Espírito, temos as epístolas, ministrando a plena luz da fé Cristã e do conselho de Deus.

Já havíamos notado anteriormente que a chegada do Consolador forneceu o sexto item no conforto que Jesus estava ministrando a Seus discípulos. Agora encontramos o sétimo e último neste capítulo; ou seja, a paz. Ao partir Ele deixou a paz com eles, deixada como resultado de Sua obra expiatória. Além disso, Ele lhes deu aquela paz que Ele chamou de peculiarmente Sua – a paz de perfeita confiança no Pai, como resultado de conhecê-Lo e de submissão à vontade d’Ele. E tudo o que Ele dá provém de Sua própria plenitude e ligando-os a Si mesmo, e não de acordo com os pobres padrões deste mundo.

Tendo assim revelado aos discípulos todos esses grandes itens de encorajamento, o Senhor terminou no mesmo tom que Ele começou – “Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize”. Exatamente a mesma palavra vem até nós quando enfrentamos as grandes dificuldades de nossos dias.

Mas os discípulos deviam conhecer não apenas a paz, mas também o gozo. Isso de fato aconteceu quando o Espírito foi dado, e mesmo antes, como Lucas 24:52 testifica. Eles estavam apreendendo o fato de que Ele estava indo embora e deveriam perceber que, no entanto, Ele estava vindo até eles pelo advento do Consolador. No entanto, havia mais uma coisa: Ele estava indo para o Pai, e a tudo o que estaria envolvido com isso – aprovação e glória infinitas no amor do Pai. Isso seria extremo gozo para Ele e, amá-Lo seria para a exultação deles também. Não conhecemos esse gozo também? Não está o pensamento de Seu gozo entre as mais profundas de nossas alegrias?

As últimas palavras deste versículo, “Meu Pai é maior do que Eu” (ARF), foram transformadas num motivo de tropeço para alguns. Mas aqui temos falado do Verbo feito carne, e Ele fala em Seu estado como o Homem humilde na Terra. Por isso, em posição ou posto, o Pai era maior que Ele, porém, quanto ao Ser e à natureza, Ele e o Pai eram um.

As palavras do Senhor no versículo 29 lançam grande luz sobre tudo o que está contido neste capítulo. As coisas de que Ele estivera falando ainda não haviam se cumprido, pois primeiro deveria ser realizada Sua obra de redenção. Sendo realizada, as outras coisas viriam a acontecer, e Ele lhes estava dizendo agora para que nos dias vindouros eles pudessem crer. Ao dizer isso, o Senhor novamente indicou que o nosso dia é aquele em que a fé é de suma importância. O dia de Israel havia sido caracterizado por coisas visíveis e tangíveis, mas todas as coisas que Ele tinha acabado de lhes falar devem ser apreendidas por fé e não por vista. Tanto a paz como o gozo alcançam nosso coração por fé. Assim, encontramos Paulo falando de “todo gozo e paz no vosso crer … pelo poder do Espírito Santo” (Rm 15:13 – ARA), e Pedro dizendo: “sem agora O verdes, mas crendo**, exultais com gozo indizível e cheio de glória”** (1 Pe 1:8 – TB).

O Senhor agora indicou que Suas conversas com os discípulos estavam chegando ao fim. O que estava diante d’Ele era o pleno cumprimento da obra que o Pai havia ordenado. Mas antes que esse fim fosse plenamente alcançado, Satanás, o príncipe deste mundo, estava novamente vindo, empunhando o poder das trevas, mas não encontraria n’Ele nenhum ponto de ataque. Satanás não tinha nada em Cristo porque o Pai tinha tudo – todo o Seu amor e obediência. Ele não estava encontrando o homem num estado de inocência, como foi com Adão no Éden, mas o Homem em absoluta santidade e justiça e, sobretudo, o Verbo que era Deus. O grande Antítipo do servo hebreu, descrito em Êxodo 21:2-6, foi encontrado aqui dizendo: “Eu amo o Pai”, o equivalente a “Eu amo a Meu Senhornão quero sair livre” (ARF); assim como em João 13:1, tivemos a declaração do Seu amor àqueles tipificados pela esposa e filhos em Êxodo.

Parece que as palavras “Levantai-vos, vamos-nos daqui” marcam a saída deles do cenáculo, e que o que temos nos dois capítulos seguintes foi dito a caminho do Getsêmani. A mudança na posição foi acompanhada por uma mudança no assunto e em João 15 Jesus contempla Seus discípulos como estando no mundo com privilégios e responsabilidades correspondentes e não como em seu novo lugar e estado como diante do Pai, que era o assunto em João. 14. Do mesmo modo como lá, Ele deu Seu lugar diante do Pai a eles, assim agora eles estão identificados com Ele em Seu lugar diante do mundo. Ele é a Videira verdadeira e eles as varas.

JOÃO 15

Ao falar de Si mesmo como a Videira, o Senhor adotou uma figura que no Velho Testamento havia sido aplicada a Israel, especialmente em passagens como o Salmo 80:8-18; Isaías 5:1-7. No Salmo 80, a desolação da videira é declarada, mas é feita menção do “Ramo [sarmento – ARC] (v. 15 – KJV) e do “Filho do Homem” (v. 17), “que fortificaste para Ti” (v. 15 e 17). Em Isaías, a razão da desolação é clara. Israel, como a videira, não produziu nada além de uvas selvagens e sem valor. Não havia fruto para Deus. O próprio Jesus foi o ramo (ou vara) fortalecido para Jeová, e agora Ele Se apresenta como a verdadeira Fonte de todos os frutos para Deus na Terra.

Ele era o tronco, Seus discípulos eram as varas, Seu Pai, o Lavrador. Cada vara que estava vitalmente n’Ele produziu frutos. Poderia haver varas n’Ele sem conexão vital, e estas não davam frutos. A ação do Lavrador era em ambas as direções. Onde a vara dá fruto, Ele a limpa para dar mais fruto. Onde não há fruto, Ele tira a vara e o fim dela é a destruição, como o versículo 6 indica. Desta última classe, Judas Iscariotes acabara de ser um triste exemplo.

O verbo no versículo 2 é “limpa”, não “poda”. O Pai purifica o santo frutífero, embora já esteja limpo por meio da Palavra. O Senhor indicou uma limpeza dupla por meio de Suas palavras registradas em João 13:10-14, e encontramos esse pensamento aqui. Como a vara é limpa pela ação do Pai, obstruções são removidas e a vida do Tronco flui mais livremente, tendo como resultado a produção de mais frutos. A prova mais segura de que estamos em Cristo é que permanecemos em Cristo; e a prova mais segura que permanecemos em Cristo é que produzimos frutos na vida e serviço – o próprio caráter e caminhos de Cristo brotando em nós. Sem Ele nada podemos fazer. Permanecendo n’Ele há muito fruto; somos trazidos à comunhão com Sua mente de modo que pedimos com liberdade e temos nossos desejos concedidos, o Pai é glorificado e nosso discipulado é provado genuíno além de qualquer dúvida.

É um grande privilégio, bem como uma grande responsabilidade, ser deixado na Terra para dar frutos; É até mesmo um grande privilégio conhecer a nós mesmos como objetos do Amor divino. O amor de Jesus repousou sobre esses discípulos – e sobre nós também – assim como o amor do Pai repousou sobre Seu próprio Filho. Devemos permanecer no conhecimento, na consciência e no desfrute do Seu amor. Essa permanência é mantida pela obediência aos Seus mandamentos. Acaso não sabemos muito bem que no momento em que desobedecemos a Sua claramente expressa palavra, nossa consciência nos atinge, e perdemos a comunhão com Sua mente e deixamos de desfrutar o Seu amor? Andando em obediência, permanecemos no Seu amor, entramos em Seu gozo e o nosso próprio gozo é completo.

O versículo 12 está evidentemente relacionado com o versículo 10 de uma maneira muito íntima. Jesus falou de guardar Seus mandamentos de maneira geral, mas havia um mandamento que Ele já havia anunciado de maneira especial (Jo 13:34), e Ele retorna a ele novamente. O amor deve fluir entre os discípulos segundo o caráter de Seu perfeito amor para com eles. O amor que brota da possessão da natureza divina deve circular entre a família divina. A carne está em cada um e as diversidades entre nós são inumeráveis; Daí as possibilidades de confrontos e preconceitos são infinitas. Seu mandamento é que o amor da natureza divina triunfe sobre os antagonismos de nossa natureza carnal. Como obedecemos a esse mandamento? Nosso fracasso aqui explica a pequena medida em que permanecemos em Seu amor e temos Seu gozo permanecendo em nós. Significa também discipulado pobre e falta de glória ao Pai.

O amor humano tem seu limite, como indica o versículo 13; mas o Senhor ensina Seus discípulos a considerarem uns aos outros como amigos, porque cada um e todos eles são Seus amigos, marcados que são pela obediência aos Seus mandamentos. Ele estava realmente saindo para dar a Sua vida por eles, mas n’Ele foi encontrado um amor que excedeu tudo o que era conhecido entre os homens. Seu amor, e não o mero amor humano, deveria estampar seu caráter no amor deles de uns pelos outros.

Desde o primeiro momento do apego deles a Si mesmo, os discípulos haviam sido Seus servos, mas o Senhor agora indica que, daí em diante, iria tratá-los como se estivessem em uma base de amizade mais elevada. Essa amizade era uma coisa real, na medida em que Ele havia feito saber a todos que Ele tinha ouvido falar do Pai, como Revelador do amor e dos desígnios do Pai. Ao dizer isso, cremos que o Senhor também tinha em vista a vinda do Consolador, que lhes daria a capacidade de discernir essas coisas, como Ele já lhes havia dito. Este lugar privilegiado está aberto hoje a todos os crentes no mesmo terreno simples – amor e obediência. Por isso, temos o apóstolo João usando o termo no último versículo de sua terceira epístola. Quando o primeiro século chegou ao fim, a predição de Paulo de homens que diziam coisas pervertidas “para atraírem os discípulos após si” (Atos 20:30) estava sendo cumprida, e Diótrefes era um exemplo de tais homens. No entanto, foram encontrados santos marcados pelo amor e pela obediência, brilhando em contraste com Diótrefes e reconhecidos como “amigos”. Alguns estavam com João, juntando-se à saudação: alguns com Gaio, para serem saudados pelo nome.

Embora Jesus desse a Seus discípulos um lugar tão exaltado, Ele não deixou de ser absolutamente preeminente entre eles. Eles eram amigos, mas totalmente por Sua escolha e não pela deles, e, portanto, Seus direitos soberanos permaneceram inalterados. Eles foram escolhidos como amigos e nomeados para dar frutos de uma espécie que deveriam permanecer, em contraste com o mundo transitório em que se encontravam. Então, como amigos e frutíferos, outro resultado feliz se segue. Eles teriam acesso ao Pai em nome do Filho com a certeza de uma resposta favorável. Pode-se pensar que “tudo quanto pedirdesem Meu nome” cobre uma gama muito ampla. Assim é, mas devemos lembrar que “amigos” estão em vista, àqueles a quem foram reveladas todas as coisas do Pai. Aquelas coisas que têm a ver com o Nome e a glória do Filho, e por isso é assumido que, identificado de coração com Ele, todo pedido estará em linha com o propósito do Pai e, portanto, estará certo de uma resposta.

Como um lembrete de quão intimamente conectado com essas coisas é o amor entre os discípulos, no versículo 17 o Senhor repete Seu mandamento que amem uns aos outros. O Senhor previu quão grande seria a necessidade desta palavra na história de Seu povo, então profere este mandamento não menos que três vezes nestas palavras finais antes que sofresse.

O mandamento de nosso Senhor, que o amor seja manifestado como o vínculo entre Seus discípulos, ganha força com o fato do ódio do mundo. Amor circulando por dentro e ódio pressionando por fora: esta é a situação contemplada como resultado de Sua rejeição e morte. Levemos isso em consideração, pois por todos os séculos, a tendência tem sido inverter a situação; e como o coração dos crentes se desgarra ao amar o mundo afora e cortejar seus favores, assim a frieza, a desintegração e até mesmo com o ódio acham um lugar adentro.

Tanto o amor como o ódio provém da relação íntima que existe entre os discípulos e o Seu Senhor. Já vimos isso quanto ao amor e agora vemos isso quanto ao ódio. O mundo odiava a Cristo antes de odiá-los, e os odiava porque haviam sido escolhidos para fora do mundo e, portanto, não eram dele. No momento em que o Senhor falou, o ódio só tinha sido manifestado pelos judeus a quem Ele havia Se apresentado, mas como já vimos, Ele é visto como Rejeitado desde o início deste evangelho, e o judeu é visto como tendo consequentemente perdido seu lugar de distinção nacional. Um Nicodemos com todas as suas vantagens precisa nascer de novo tanto quanto o degradado gentio; e, de acordo com isso, aqui os judeus são como o mundo – as distinções anteriores são varridas na presença do Cristo rejeitado.

Além disso, o ódio gera perseguição, e assim isso é previsto no versículo 20. Os servos devem esperar que o tratamento seja o mesmo dado ao seu Mestre, e tudo tem que ser atribuído à ignorância do mundo quanto a Deus, e o fato de que eles O odiaram quando eles O viram revelado perfeitamente em Cristo. Essa revelação trouxe todas as coisas para uma questão clara. O Senhor fala de Suas palavras no versículo 22 e de Suas obras no versículo 24; ambas combinadas para trazer o pecado deles à luz de uma maneira que estava além de qualquer dúvida e desculpa. Ao ver o Filho viram o Pai: odiando o Filho, odiaram o Pai, e tudo foi sem motivo, como a Escritura havia dito.

Restava, no entanto, mais um testemunho, o do Consolador. Enviado pelo glorificado Jesus, e também procedendo do Pai, Ele completaria o testemunho como o Espírito da Verdade. O Filho encarnado na Terra havia revelado o Pai e Seu testemunho havia sido recusado. No entanto, o testemunho ainda seria mantido pelo Consolador, pois procedendo do Pai Ele agora testificaria do Filho elevado às alturas e assim manteria a revelação que Ele havia feito. Eles poderiam expulsar o Filho: eles o fizeram por meio da cruz. Mas deveria vir Um que eles não poderiam expulsar dessa maneira, e assim um testemunho permanente seria assegurado. O testemunho do Espírito é o último a ser prestado. Daí vem a excessiva gravidade do pecado contra o Espírito Santo ou de ultrajar o Espírito da graça.

O versículo 27 fala do testemunho a ser prestado pelos apóstolos e o diferencia do testemunho do Consolador. Eles testemunharam de tudo o que viram e ouviram “desde o princípio”, como vemos na introdução da primeira epístola de João; em que o peso e valor deste testemunho nos é revelado. Eles também foram as testemunhas designadas de Sua ressurreição. O testemunho deles dos grandes fatos e realidades em que tudo se baseia é da maior importância, contudo algo mais era necessário, e foi suprido pelo novo testemunho do Espírito de Verdade, que temos registrado em Atos. Isso foi especialmente prestado por meio de Estevão, primeiramente, e depois por meio do arquiperseguidor convertido Saulo de Tarso, que se tornou o apóstolo Paulo. Podemos expressar a diferença dizendo que o principal testemunho dos doze foi quanto aos grandes fatos relacionados com a vida, morte, ressurreição e ascensão de Cristo: o testemunho do Consolador era relativo ao significado e à aplicação desses fatos; de todo o propósito de Deus estabelecido neles.

JOÃO 16

Outras palavras de advertência seguem nos versículos iniciais deste capítulo, para que os discípulos não fossem surpreendidos por estarem despreparados para a perseguição. Atos 8:3, 9:1-2; 1 Timóteo 1:13, nos suprem com um comentário sobre os versículos 2 e 3 do nosso capítulo. Saulo de Tarso perseguiu este Caminho até a morte, e ele o fez ignorantemente, em sua incredulidade. Naquela época ele certamente não conhecia nem o Pai nem o Filho.

Jesus estava indo para aqu’Ele que O enviara, e os discípulos tiveram suficiente percepção da perda que sofreriam e estariam cheios de tristeza, mas se tivessem apenas perguntado mais a respeito de aonde Ele estava indo, e o que estaria envolvido em Sua presença com o Pai, eles teriam visto as coisas sob uma luz diferente. Sua partida seria de proveito para eles. Haveria perda, mas também ganho que superaria a perda. Esta foi uma afirmação surpreendente, mas o Senhor prossegue apoiando-a, dando-lhes outros desdobramentos dos benefícios que fluiriam da vinda do Consolador, cuja vinda dependia de Sua partida. Ele fala primeiro do que Sua vinda significaria em relação a eles mesmos.

Pelo fato da Sua própria presença e atividade, ao Ele vir, seria um testemunho permanente contra o mundo. A palavra “convencerá” não significa que Ele trará tal convicção ao mundo que resultaria em sua conversão, mas que Sua vinda trará uma tal demonstração dessas três grandes realidades, que deixará o mundo sem desculpa. Ele vem como consequência direta de Jesus ter subido às alturas, aqu’Ele que foi expulso pelo mundo incrédulo. A bondade perfeita incorporada no Filho de Deus estava diante dos olhos deles e foi totalmente rejeitada. Aqui estava o pecado12, uma excessiva falha em atingir a marca – e demonstrada pela presença do Consolador, que veio porque Ele havia partido.

Mas Jesus estava passando pela morte e ressurreição, e pela ascensão, em direção à glória do Pai. Assim, a justiça divina seria reivindicada e demonstrada. O ponto aqui não é remissão de pecados e justificação para nós, como é em Romanos 3, mas de justiça a ser publicamente estabelecida em toda esfera que foi tocada e manchada pelo pecado. A morte de Cristo foi o ato supremo da injustiça do mundo: A glorificação de Cristo foi o ato supremo da justiça de Deus, e a garantia de que em última instância a justiça prevalecerá em todos os lugares, de acordo com as palavras de Paulo em Atos 17:31. De Cristo glorificado é vindo o Espírito como o Testemunho permanente disso. Apenas ter demonstrado o pecado não seria sido suficiente: a justiça – sua antítese – e aquilo que finalmente abolirá o pecado devem ser demonstrados também.

A terceira coisa, julgamento, segue como a sequência apropriada. Se pecados humanos são tratados em justiça divina, o julgamento não pode ser evitado. Paulo argumentou diante de Felix do “juízo vindouro” e o governador romano tremeu, mas o ponto em nossa passagem é que o príncipe deste mundo foi julgado no poder de Sua cruz por sua atitude para com Cristo. Em João 12, Jesus havia falado do julgamento do mundo e da expulsão de seu príncipe. Estes fatos solenes são demonstrados pela presença do Espírito, pois se o príncipe e líder do mundo é julgado, o mundo que ele controla é julgado também. Satanás também é chamado de “o deus deste mundo” (2 Co 4:4 – TB), pois homens ignorantemente o adoram ao se desviarem para todas as coisas que eles idolatram: ele é “o príncipe” como sendo o originador e líder nos grandes sistemas do mundo.

Ora é realmente conveniente e proveitoso para nós que o Consolador tenha vindo com uma demonstração clara dessas coisas. Ver o diabo em uma luz verdadeira, ver o mundo como ele realmente é, ter as coisas trazidas a uma questão entre pecado e justiça, são questões da mais profunda importância. O testemunho é verdadeiramente contra o mundo, mas permanece para nosso benefício e instrução. Se tivéssemos mais plenamente prestado atenção a isso, e a Igreja também por toda a sua história, deveríamos ter nos mantido muito mais limpos do mundo do que estamos. As fortes palavras que lemos em Tiago 4:4 são mais facilmente entendidas à luz das palavras do Senhor aqui.

Quão proveitoso também é esse ministério do Espírito indicado nos versículos 13-15. Parece estar dividido em três partes – “Ele vos guiaráEle vos anunciaráEle Me glorificará”.

Ele deve guiar os discípulos a toda a verdade. No versículo anterior, o Senhor indicou que ainda havia muitas coisas a serem reveladas, mas que eles ainda não estavam em condições de recebê-las. Pela recepção do Espírito eles teriam aquela unção, mencionada em 1 João 2:20 e 27, e teriam a capacidade de entender. Então, quando o Espírito de Verdade chegou, o Senhor disse por meio d’Ele as muitas coisas que Ele ainda tinha a dizer, e toda a verdade foi revelada, e à ela o Espírito os guiou. Os apóstolos, sem dúvida, estão principalmente em vista aqui, mas as epístolas foram escritas como o fruto desse direcionamento à toda a verdade, e assim os santos de todas as épocas até os nossos dias tiveram toda a verdade trazida para o círculo de seu conhecimento. Com que diligência nos dedicamos a essas coisas para que sejamos guiados a elas?

Então Ele mostraria aos discípulos “o que há de vir”. Como fruto deste ministério particular para os apóstolos, temos o livro do Apocalipse, bem como certas passagens nas epístolas, e assim este ministério foi disponibilizado para nós. Por esses escritos proféticos, o abandono das coisas, tanto pela igreja como pelo mundo, nos é revelado e, portanto, não estamos em trevas, embora a rejeição e a ausência de Cristo tenham introduzido uma época na história do mundo caracterizada como sendo “a noite” (Jo 9:4).

Então, em terceiro lugar, a missão do Consolador é glorificar o Cristo que foi desonrado no mundo. Isto Ele faz anunciando as coisas que são de Cristo, para que façamos a descoberta de que todas as coisas do Pai são também d’Ele. Que não percamos o tremendo alcance desta grande declaração. Já ouvimos duas vezes que o Pai entregou todas as coisas em Suas mãos (Jo 3:35, 13:3), mas isso não nos pode levar além do fato de que, assim como foi com José no Egito com respeito às coisas de Faraó, toda a administração está comissionada a Ele. Isso nos leva ainda mais adiante. Todas as coisas do Pai SÃO SUAS! E isso foi dito pelo Filho enquanto na Terra em Seu caminho de humilhação. Esse “SÃO” é eterno: respira o ar da eternidade. As coisas do Pai sempre foram, são e sempre serão d’Ele. O que fala assim reivindica a Deidade, aqu’Ele em unidade com a Divindade. O conhecimento disto pelo ministério do Consolador realmente O glorifica.

A transição do pensamento do versículo 15 ao 16 pode não ser aparente à primeira vista, mas cremos que o Senhor ainda está seguindo com ideia de quão proveitoso para eles seria Sua partida, porque isso envolvia o advento do Consolador. Logo eles não mais O veriam, e então novamente um pouco e O veriam. Mas esta segunda visão seria porque “vou para o Pai”; isto é, porque então o Espírito seria dado. Nessa notável declaração, o Senhor usou duas palavras diferentes: a primeira significando “contemplar ou ver como espectador”, a segunda significando “perceber ou discernir”. Um pouco e eles já não O veriam, contemplando Seus caminhos e ações como espectadores; então outra vez, um pouco depois, sendo o Espírito dado, eles O veriam dessa maneira nova, percebendo-O pela fé com uma visão interior de seu coração cheios do Espírito, em uma medida antes desconhecida. Bendito seja Deus que também nos é possível dizer: **“**vemos … Jesus, coroado de glória e honra” (Hb 2:9 – AIBB).

Essa Sua declaração estava obscura no momento para os discípulos e, portanto, mais explicações foram dadas. O mundo ia prosseguir em sua trajetória contra Ele e a Sua morte era iminente. O mundo iria se alegrar ao se livrar d’Ele, mas para os discípulos o panorama era de choro e lamento. Contudo, além da morte, havia a ressurreição e Sua ascensão ao Pai. Isso reverteria tudo. O trabalho de parto é usado como uma ilustração, pois não apenas estabelece a ideia do gozo sobrevindo à tristeza, mas também a da nova vida que surge. Agora, a tristeza deles era apenas um reflexo de Sua tristeza, e a Sua era tão profunda e de tal natureza a ponto de ser chamada de “o trabalho de Sua alma” em Isaías 53:11, enquanto o versículo anterior prediz: “Ele verá a Sua semente” (Is 52:10 – TB), evidentemente em ressurreição e em glória. Eles não podiam compartilhar Seus sofrimentos expiatórios, ainda que compartilhassem vagamente Sua tristeza, embora em grande parte, sem dúvida, de uma maneira egoísta. Eles iriam em breve compartilhar Sua alegria.

O contexto do versículo 22 indicaria que o Senhor estava Se referindo não apenas à alegria que encheria os discípulos quando eles O encontrassem em ressurreição, mas também a sua alegria quando, pelo Espírito dado, eles teriam o conhecimento de Sua glória. Isto é ainda mais claro quando consideramos o versículo 23, pois “naquele dia” não indica meramente os quarenta dias durante os quais O viram antes de Pentecostes, mas todo o período caracterizado por Sua ausência e presença pessoal do Espírito na Igreja. Essa expressão “naquele dia” ainda não terminou o seu curso, e ainda temos o privilégio de orar no Espírito Santo, e, portanto, de pedir ao Pai em nome do Filho.

O Senhor usou duas palavras diferentes nesse versículo; “perguntar [demandar – JND] e “pedir”. O Senhor tinha atendido todas as demandas deles, e eles correram para Ele com todas as suas perguntas, mas agora aquele dia estava se encerrando. Mas Ele tinha revelado o Pai diante deles e, assim que o Espírito tivesse sido dado, aquela revelação se tornaria efetiva neles. Eles teriam o poder de ocupar seu lugar como representantes do Filho e assim pedir em Seu Nome. Pedindo assim sob a direção do Espírito, suas orações estariam asseguradas por uma resposta afirmativa, como sendo de acordo com a mente do Pai. Exemplos impressionantes de orações desse tipo são dados na parte final de Atos 4 e novamente em Atos 12. Verdadeiramente a oração de Estevão, à beira da morte, no último versículo de Atos 7, ilustra isso, pois a conversão do homem, que como um espírito maligno presidiu o seu martírio, foi uma resposta ao espírito do pedido: “Senhor, não lhes imputes este pecado”.

A mudança que seria introduzida pela vinda do Consolador ainda é o pensamento dominante no versículo 25. Isso afetaria a própria maneira como a verdade quanto ao Pai seria apresentada. Ele tinha dado a conhecer o Pai fazendo as obras do Pai. Todos os milagres, ou “sinais” registrados neste evangelho, tinham sido uma demonstração da graça e poder e glória do Pai, em parábolas ou de um modo alegórico. Quando nos voltamos para as epístolas, lemos declarações claras do Pai, Seus desígnios, glória e amor, dados por inspiração do Espírito Santo. Tudo isto aconteceu no dia do qual o Senhor estava falando, quando eles poderiam pedir com toda liberdade em Seu Nome como conhecendo o amor do Pai.

As palavras na última parte do versículo 26 não contradizem o fato de que Jesus é nosso Intercessor no alto. Elas apenas destacam o fato do amor do Pai pelos santos e o lugar de intimidade que eles têm em Sua presença. A atitude dos discípulos para com Jesus era, como mostra o versículo 27, de amor e fé. É essa a nossa atitude? Então também estamos sob a bênção do amor do Pai. Por isso, embora necessitemos profundamente da graciosa intercessão de Cristo por nós, em vista de nossa fraqueza e constante falha, como aqueles que estão neste lugar de amor e favor, mesmo assim não temos necessidade de intercessão para que possamos estar neste lugar. As almas criadas nas trevas do catolicismo podem imaginar que precisam exatamente do tipo de intercessão que é impedida aqui, eles apenas, tão frequentemente, afundam ainda mais ao pensar que a Virgem Maria ou algum “santo” menor deve realizá-la. Bendito seja Deus, não precisamos de nenhum intercessor desse tipo!

Os discípulos criam que Ele havia vindo de Deus, mas, até agora, mal haviam chegado ao pensamento de que Ele havia vindo do Pai, embora, como Suas palavras mostram, eles ainda não tivessem percebido suas limitações. Até que o Espírito fosse dado eles estavam limitados em entendimento, como mostra o versículo 31, e também em poder e coragem, como mostra o versículo 32. Os mesmos homens que estavam vacilantes em sua mente aqui, e que em poucas horas estariam espalhados e fugindo, foram juntados com mente de perfeito entendimento e com coração tão arrojado quanto ao de leões, quando o dia de Pentecostes se cumpriu. Entendimento e coragem: estas duas coisas devem nos caracterizar hoje. Mas nos caracterizam de forma prática?

Embora o Senhor não tivesse apoio dos Seus discípulos diante dessa hora sombria, Ele podia continuar em perfeita dependência do Pai e na segurança de Sua presença permanente. Por isso, confrontou o ódio e a oposição do mundo em perfeita paz e venceu-os completamente. Ora, o Senhor fez todas essas comunicações para que Seus discípulos, por sua vez, pudessem ter paz n’Ele, assim como Ele possuía paz no Pai. Sua vitória sobre o mundo, além disso, era a garantia de que o poder da vitória também estava à disposição deles. Ele acabara de falar do ódio e da perseguição do mundo. Para nós talvez suas seduções e sorrisos sejam mais perigosos. Mas, seja o que for, nossa segurança está em Cristo. Somente como nascidos de Deus e crendo que Jesus é o Filho de Deus, é que vencemos o mundo, como 1 João 5:4-5 nos diz.

JOÃO 17

Precisamos ter em mente as cinco palavras que encerram o capítulo anterior ao lermos as palavras de abertura deste capítulo. Aqu’Ele que havia vencido o mundo, “levantando Seus olhos ao céu, disse: Pai”. No conhecimento do Pai e na luz do céu, qual é o valor do mundo? E quais são suas ameaças ou perseguições? Ali estava o próprio Filho de Deus na plenitude absoluta de ambas e, portanto, o mundo estava, por assim dizer, sob Seus pés. Ele agora Se apresentará diante do Pai e apresentará Seus discípulos também; de modo que eles, nascidos de Deus, e conhecendo a Ele mesmo como o Filho de Deus, e o Pai revelado n’Ele, podem ser mantidos no mundo pelo qual eles deveriam passar. Quando Bunyan, em sua alegoria13, imaginou um homem com uma coroa de glória “diante de seus olhos”, ele corretamente colocou o mundo “para trás de suas costas”.

No quarto versículo do próximo capítulo, temos o testemunho do evangelista de que Jesus sabia “todas as coisas que sobre Ele haviam de vir”. Aqui Ele Se dirige ao Pai na consciência de que havia chegado a hora, para a qual Ele veio especialmente ao mundo. Neste capítulo incomparável nos é permitido ouvir o Filho falando com o Pai e, assim, elevados a esta região divina, vemos Sua grande obra completa como um todo e passamos em espírito para além da cruz. Aqui estão palavras que vão contra todos os poderes humanos de análise e submergem todos os poderes humanos de pensamento. Ainda assim podemos considerá-las. Vamos fazê-lo, ao passarmos pelos versículos, observando as coisas para as quais Ele fez pedido ao Pai, e também Suas declarações enfáticas quanto ao que Ele já havia realizado.

Seu primeiro pedido é: “glorifica a Teu Filho”. O Filho esteve aqui como o Servo do prazer e da glória do Pai, de cujo fato este evangelho deu testemunho especial e abundante. Então, de acordo com isto, Seu primeiro pedido é que, não mais em humilhação na Terra, mas em meio aos esplendores do céu, Ele ainda possa servir e glorificar o Pai, exercendo o poder conferido a Ele sobre toda a carne de uma maneira de peculiar maravilha e bênção. Pouco a pouco Ele exercerá esse poder sobre toda a carne na execução do julgamento: no presente, Ele o exerce na concessão da vida eterna a todos que foram dados a Ele pelo Pai. Dessa vida Ele é a Origem e a Fonte para os homens. Temos a vida e o Espírito vindos do Glorificado, e o Pai é glorificado nisto de uma maneira que ultrapassa a solene glória que será Sua na hora do julgamento.

Ora, toda a vida leva o caráter das condições que a cercam – de seu ambiente. A vida eterna só pode ser vivida no conhecimento do único Deus verdadeiro, como Pai e de Jesus Cristo, o Enviado do Pai. Sem dúvida é isso que explica o fato de que a vida, como vida eterna, é mencionada apenas duas vezes no Velho Testamento, e simplesmente como uma ideia profética daquilo que será desfrutado na era milenar vindoura. Foi uma benção prometida ao invés de uma benção conhecida e desfrutada. A lei oferecia vida na Terra. A época da vida eterna começou quando o Filho de Deus apareceu, e tendo terminado a Sua obra na Terra, Ele foi glorificado no céu.

Várias vezes neste capítulo, Jesus pronuncia palavras como “Eu glorifiquei-Te … tenho consumado a obra … manifestei o Teu nome … lhes dei as palavras … os tenho guardado … Dei-lhes a Tua Palavradei-lhes a glóriaos enviei … Te conheci … lhes fiz conhecer”, declarando a plenitude de tudo o que Ele realizou. As duas primeiras ocorrências estão no versículo 4, onde Ele apresenta a completude de Sua obra em apoio ao Seu pedido de glória. Ele havia glorificado o Pai, e, note-se, na Terra – aquele canto particular do amplo universo onde Ele tinha sido declaradamente mais desonrado pelo pecado e pela queda do primeiro homem e de sua raça. Essa grande obra havia sido confiada a Ele, juntamente com o trabalho paralelo de fazer propiciação pelo pecado, para que pudesse haver redenção para os pecadores. Passando em espírito além da cruz, declarou a completude e perfeição de Sua própria obra. Nenhum homem poderia pronunciar palavras como essas. A obra dos mais eminentes servos de Deus foi fragmentada e incompleta. E mesmo que fossem de outra forma, nenhum deles teria ousado se aproximar de Deus, o Perscrutador de corações e caminhos, e se pronunciar sobre sua própria obra, declarando-a finalizada em perfeição, pois teriam demonstrado a presunção impertinente do pior tipo. Mas aqui o Filho está falando, e não era presunção d’Ele.

No entanto, Ele era verdadeiramente homem; e é isso que nos impressiona quando lemos o versículo 5, onde Ele repete Seu pedido de glória – aquela glória particular que Ele tinha junto com o Pai antes que o mundo viesse a existir. Ele deve ser vestido com essa glória, somente que agora como o Filho em Humanidade – Humanidade ressuscitada. Aqui está um fato da maior admiração e o momento mais importante: um Homem Ressuscitado, Cristo Jesus, está vestido da glória sempre-existente da Deidade. Nessa glória Ele é Cabeça da Igreja, o Líder da raça eleita à qual pertencemos. Quem pode medir as consequências que vão fluir desse grande fato?

A raça eleita entra em cena no próximo versículo. Eles são designados “aos homens que do mundo Me deste”. Assim, desde o início, eles são nitidamente diferenciados do mundo, retirados dele pelo Pai e dados ao Filho. Eles eram os do Pai segundo o Seu conselho antes que o tempo existisse, mas foram dados ao Filho para que Ele os levasse ao conhecimento do Pai, ao manifestar o Seu Nome a eles. No final de Sua oração, Jesus fala de fazer conhecer o nome do Pai, o que enfatiza Suas palavras. Aqui, no entanto, o nome do Pai está se manifestando, e isso foi realizado mais em Sua vida e obras, como Ele disse anteriormente: “quem Me vê a Mim vê o Pai”. Destes homens Ele diz: “Eles têm guardado a Tua palavra” (ARA).

Isso foi muito tocante, por pensar o que esses homens tinham sido, quão tardios, quão insensíveis, quão indiferentes! E pense no que eles estavam prestes a mostrar serem em si mesmos. Que covardia, que negação, dali a algumas horas! Mas o Filho os via à luz do propósito divino, e Ele sabia que, no final de tudo, o Pai tinha poder para produzir neles tudo o que Ele havia proposto. Assim, Ele os creditou com a posição na plenitude daquilo que eles, até agora, só realizaram em uma medida muito fraca. E Ele não trata Seus santos hoje e intercede por eles da mesma maneira? Ele os credita também, no próximo versículo, indicando ao Pai tudo o que eles tinham visto manifestado n’Ele. Por todo este evangelho O encontramos atribuindo tudo ao Pai. Suas palavras e Suas obras eram do Pai. Ele não falou nem agiu como de Si mesmo, embora fosse o Verbo e o Filho. Tão real foi a Humanidade que Ele tomou: tão real o lugar da sujeição que Ele assumiu que Ele podia manifestar o Nome e glória do Pai.

No versículo 8 Ele não fala de “Palavra”, mas de “as palavras” que foram dadas a Ele e transmitidas aos discípulos. Uma é a revelação, considerada como um todo; a outra, as muitas e variadas palavras em que Ele havia comunicado a Palavra a eles. Essas palavras eles receberam, e por elas foram dirigidos ao próprio Pai. Eles realmente as receberam, mas teriam verdadeiramente entendido a menor fração de seu significado? Quanto delas temos abraçado – nós que temos o Espírito? No entanto, não é pouca coisa se, sem reservas, recebemos e cremos no que Ele diz pelo fato de que é Ele Quem diz isso. Tudo o que Ele disse nos colocará em contato com o Pai que O enviou.

Aqui ouvimos o Filho fazer o Seu primeiro e maior pedido; que Ele deveria ser glorificado em Sua Humanidade ressurreta, a fim de que pudesse glorificar o Pai de uma nova maneira. Também O ouvimos afirmar quatro coisas que realizou perfeitamente. Ele glorificou o Pai na Terra. Ele consumou a obra que Lhe foi dada fazer. Ele manifestou o nome do Pai aos discípulos; Ele deu a eles as palavras que o Pai Lhe dera. No versículo 9 encontramos o Seu segundo pedido, não para Si mesmo, mas para Seus discípulos. Ele começa por dissociá-los do mundo da maneira mais decisiva.

A antiga linha de divisão tinha sido entre judeus e gentios, mas que, embora tivesse sido afiada o suficiente até agora, estava desaparecendo e sendo substituída pela divisão entre os discípulos que O receberam e o mundo que O rejeitava. Se um judeu O rejeitava, seu lugar de privilégio desaparecia, e ele passava a ser apenas um dos elementos de que o mundo era composto. Note como o Senhor caracteriza os Seus discípulos aqui. Eles eram do Pai por Seu propósito e escolha, e então dados por Ele ao Filho. Sendo assim dados, foram considerados como pertencentes ao Pai e ao Filho. Mas eram peculiarmente o vaso ou veículo em que o Filho deve ser glorificado.

“Tudo o que é Meu, é Teu; e tudo o que é Teu, é Meu”. Pondere estas palavras. Um mero homem pode dizer: “Tudo o que é Meu, é Teu”, mas nenhum homem poderia dizer: “Tudo o que é Teu, é Meu”, ou seria culpado de imperdoável e blasfema presunção. Mas o Filho poderia falar assim com propriedade e verdade; porque Ele é Um com o Pai.

Tendo colocado os discípulos diante do Pai como os objetos de Seu segundo pedido, Jesus mencionou naquela ocasião que Ele estava deixando o mundo e indo ao Pai, enquanto eles deveriam ser deixados no mundo. Eles tinham muito pouca percepção do que o mundo era, com seus perigos e armadilhas; Ele sabia disso perfeitamente. Nada além do poder mantenedor do Pai, de acordo com Sua própria santidade, seria suficiente para preservá-los. Eles não seriam meramente preservados, mas mantidos em unidade segundo o padrão do Pai e do Filho. O Filho havia revelado aquele santo nome do Pai, e nele havia o necessário poder e graça, assim como também havia na vida eterna que o Filho dá, juntamente com o dom do Espírito, que em breve aconteceria. Além disso, esses homens foram deixados como testemunhas do seu Senhor que estava indo embora, e era essencial que o testemunho deles fosse marcado pela unidade, a fim de ser eficaz. Os Atos dos Apóstolos e as Epístolas nos mostram quão plenamente esta unidade de testemunho foi preservada.

Até então eles haviam sido guardados pelo Filho em nome do Pai, e o único que faltava não era discípulo de verdade, mas o filho da perdição, e até mesmo esse triste acontecimento foi em cumprimento da Escritura. Quanto a todos aqueles do Pai realmente dados a Ele, Jesus podia dizer que “guardava-os” (TB). Agora, saindo do mundo, Ele coloca os discípulos em Seu próprio lugar, como mostra o versículo 13. Ele esteve aqui em nome de Seu Pai, encontrando Sua alegria em servir Seus interesses. Doravante eles deveriam estar aqui em Seu Nome e ter o mesmo gozo cumprido em si mesmos por servirem o Pai, ao representarem o Filho.

Mas para isso eles precisariam estar no conhecimento da mente e propósito do Pai; daí o Filho lhes havia dado a palavra do Pai. Aqui temos as palavras “Dei-lhes a Tua palavra” e, desta vez, não “as palavras”, mas “a palavra”; isto é, toda a revelação que Ele havia trazido. Eles ainda tinham entrado pouco na plenitude dessa revelação, mas, por meio dela eles tinham sido separados do mundo quanto ao conhecimento deles, assim como eles também estavam separados em origem, pois eles não eram DO mundo como Ele não era. No entanto, quanto ao lugar, eles estavam NO mundo, e o Senhor não desejava que eles fossem tirados dele, mas, ao contrário, guardados do mal.

Aqui temos muito explicitamente uma coisa pela qual o Senhor NÃO fez pedido. No entanto, essa coisa, com uma estranha obstinação, tem sido buscada através dos séculos por almas sinceras – e muitos verdadeiros crentes entre eles – como uma incorporada ideia monástica. Essa ideia pode ser buscada com o auxílio das espessas paredes de alvenaria, ou pode ser buscada sem elas. O resultado, no entanto, é o mesmo. Se transformarmos a separação divinamente ordenada em isolamento monástico, sempre terminaremos gerando, na esfera de nosso retiro, os próprios males que deveríamos estar evitando. O mundo realmente nos apresenta um perigo mortal. Mas por quê? Por causa do que somos em nós mesmos. Um santo anjo não iria cortejar os favores do mundo nem temer suas investidas ataques: o mundo não afetaria o anjo. O mundo apresenta, por assim dizer, os germes infecciosos exteriores; mas o principal problema está em nós mesmos – a suscetibilidade da carne dentro de nós. Nenhum isolamento monástico altera isso em nós.

O que o Senhor pediu foi: “Santifica-os na verdade”, pois a verdade separa desenvolvendo a imunidade espiritual que preserva das doenças espirituais. A ideia básica da santificação é a separação. O Filho deu a palavra do Pai, que nos introduz a todo o Seu amor, Seus pensamentos, Seu propósito, Sua glória. Tudo isso é verdade; isto é, a realidade mais divina possível. O mundo vive tão amplamente em uma região de irrealidade e imaginação, esforçando-se para estabelecer seus sistemas que não têm qualquer base sólida e que finalmente devem desaparecer. Se conhecemos as realidades divinas, devemos necessariamente estar separados das irrealidades do mundo. Isso nos exporá ao ódio do mundo, mas criará forte resistência espiritual às suas armadilhas. Isso nos imunizará contra seus germes. Este é o tipo de separação que resiste, porque efetuado pela palavra e verdade do Pai.

Agora encontramos “Eu enviei-os ao mundo” no versículo 18. Como aqu’Ele Santo e Perfeito, Jesus havia sido enviado ao mundo pelo Pai, para que Ele pudesse representá-Lo e torná-Lo conhecido. Agora, Ele envia Seus discípulos ao mundo de maneira semelhante. Eles deveriam representá-Lo e torná-Lo conhecido. O que os qualificava para isso era a santificação da qual o versículo anterior havia falado. Se fosse Seu plano colocá-los em isolamento monástico, tal missão não teria sido possível, e não teria sido possível se eles não tivessem sido santificados pela verdade. Mas com a imunidade espiritual que a verdade confere, era possível.

Mas uma coisa adicional foi necessária como indicado no versículo 19. O Senhor Jesus deve ser separado na glória do céu, para que Ele possa derramar sobre eles Seu Espírito, para que Ele possa Se tornar o Objeto de atração para o coração deles, e o Padrão a Quem eles devem ser conformados no devido tempo. Sendo intrínseca e divinamente santa, a única santificação possível para Ele era uma separação tal como essa; e notemos que, de acordo com este versículo, Ele mesmo a faz. Outro tributo à Sua Deidade, pois nenhum homem poderia se apartar retirando-se para a glória do céu!

O versículo 17, então, nos dá o poder santificador da verdade, alcançando-nos por meio da palavra do Pai, que foi ministrada pelo Filho, como o versículo 14 declarou. O versículo 19 acrescenta o poder santificador da glória de Cristo, para ser ministrado pelo Espírito, que viria aos discípulos como consequência de Sua glorificação. Para expor a questão mais brevemente: é a revelação do Pai pelo Filho, e o conhecimento da glória do Filho em Humanidade ressurreta pelo Espírito, que santifica o crente hoje.

O versículo 20 deve tocar o nosso coração. O Senhor Jesus estava orando pelo pequeno grupo de discípulos que O cercavam naquele momento: Ele agora ampliava Seus pedidos para abraçar a nós mesmos. Embora tenham passado dezenove séculos desde que os primeiros discípulos saíram com a palavra, temos crido n’Ele como resultado disso. A palavra falada deles já morreu há muito tempo, mas essa palavra, na forma das Escrituras inspiradas do Novo Testamento, permanece, e tem sido a base oficial de toda a pregação do evangelho através dos anos, e ainda é assim hoje. Deve também tocar nosso coração que o primeiro dos dois pedidos, que Ele fez para nós, foi para a nossa unificação.

A unidade que Ele desejou é de natureza fundamental. Devemos ser um como o Pai é no Filho e o Filho é no Pai. Entre o Pai e o Filho há a unidade essencial do ser e, consequentemente, da vida, natureza e manifestação. Tão verdadeiramente recebemos a vida e a natureza do Filho e do Pai que o Senhor Jesus podia dizer: “Um em Nós” – essa mesma expressão mostrando a igualdade que existe entre Eles – e sem unidade desse tipo nenhuma outra unidade exterior teria sido de valor. A união eclesiástica sem isso seria apenas o ajuntamento de uma massa de material incompatível. Sendo concedido esse pedido, a natureza divina caracterizaria todos santos; e a formação de tal unidade interior naqueles que aparentemente eram tão diferentes (judeus e gentios, como foi indicado em João 10:16) era uma prova satisfatória da missão divina de Cristo. Ele não diz que o mundo iria crer, mas havia provas suficientes para que ele pudesse crer (JND).

A unidade pela qual o Senhor orou deve ser aperfeiçoada em glória, embora primeiramente seja estabelecida em graça. Novamente encontramos as palavras “dei-lhes” e desta vez conectadas com a glória. Aos Seus discípulos, e incluindo nós entre eles, Ele doou a glória do Pai dada a Ele. Questões de tempo não entram no relacionamento das Pessoas divinas, então Ele não diz: “darei-lhes”, mas “dei-lhes”. Quando as coisas são vistas do ponto de vista do conselho e propósito de Deus, encontramos declarações semelhantes de um tipo absoluto – Romanos 8:30 e Efésios 2:6, por exemplo. É realmente um fato maravilhoso que a glória, dada a Ele como Homem pelo Pai, é agora irrevogavelmente nossa pelo Seu dom para conosco; e isto em vista à perfeição de nossa unidade n’Ele. No versículo 23, então, temos a unidade manifestada: o Pai manifestado no Filho; o Filho manifestado nos santos glorificados. Esta será uma unidade perfeita na verdade! O mundo daquele dia saberá que o Pai enviou o Filho e amou os santos, assim como O amava. A glória irá declarar o amor.

Isso leva ao segundo pedido do Senhor que foi concebido para abranger todos os santos deste período atual. Ele dera Sua glória a eles e agora pede ao Pai para colocá-los em associação e companhia com Ele mesmo. Glória Consigo mesmo acima é Seu desejo, no entanto, o ponto culminante disso para nós será contemplar a glória suprema que será d’Ele. Anteriormente em Sua oração Ele pedira para ser glorificado junto com o Pai com a glória que Ele tinha com Ele antes que o mundo existisse. Essa glória sempre-existente tinha sido d’Ele desde a eternidade como estando na unidade da Divindade: Ele agora foi revestido com essa glória, mas de uma nova maneira; recebendo-a como um dom do Pai em Sua Humanidade ressuscitada. Como glorificados com Ele, devemos contemplar a Sua glória, que nos dará testemunho para sempre, não apenas a perfeição de tudo o que Ele realizou em Humanidade, mas também do amor do Pai, do qual Ele foi o Objeto desde toda a eternidade.

O mundo estava afundado em ignorância quanto ao Pai. Quando Jesus orou pela preservação de Seus discípulos no mundo, Ele Se dirigiu ao Pai como “Santo” (v. 11), pois a separação deles do mundo era para ser governada por Sua santidade. No versículo 25 Ele contempla o mundo em si mesmo em seu pecado e cegueira, então Ele Se dirige ao Pai como “Justo”. Assim, a justiça divina é colocada contra o pecado do mundo, como tinha sido antes – João 16:9-10. Ele havia vindo como o Enviado, trazendo o conhecimento do Pai, e os discípulos receberam esse conhecimento ao receber a Ele, porque Ele lhes havia declarado o nome do Pai. Aqui temos mais duas ocorrências finais de Suas ações: “Eu Te conheci” - “Eu lhes fiz conhecer [lhes declarei – KJV] o Teu nome”.

Ele havia falado, no versículo 6, da manifestação do nome do Pai, e isso foi realizado na vida que Ele viveu e não precisou de qualquer acréscimo. Mas Ele também havia feito uma declaração de Seu nome por lábios e palavra, e isso Ele suplementaria no futuro, quando ressuscitado dos mortos. Somos permitidos ouvir sobre isso neste evangelho (Jo 20:17). E tudo isso foi com a finalidade de que o amor do Pai, que estava essencialmente centralizado n’Ele, pudesse estar “neles”; isto é, a parte deles percebida de forma consciente. Como o amor do Pai habitou neles, eles seriam qualificados para ser uma expressão de Cristo: Ele estaria “neles” em manifestação.

Esta maravilhosa oração – emanando do Filho em comunhão com o Pai – deve necessariamente estar além de todos os nossos pensamentos, mas é eficaz além de tudo para trazer o calor do amor divino ao nosso coração. É um gozo notar que, assim como a oração começa com o Filho glorificado pelo Pai, termina com o Filho manifestado e assim glorificado nos santos.

JOÃO 18

Tendo falado com o Pai e expressado os Seus desejos, Jesus saiu ao encontro de Seus inimigos, que eram conduzidos pelo traidor, e depois para a morte que Ele deveria sofrer. Fiel ao caráter deste evangelho, um testemunho impressionante é dado à Sua onisciência. Ele saiu em pleno conhecimento de “todas as coisas que sobre Ele haviam de vir” – não apenas de circunstâncias externas, mas do peso interno de tudo o que estava envolvido. Se nos referirmos a João 6:6 e 13:3, encontraremos declarações de importância semelhante.

Mas a cena no jardim (ARA) também nos fornece uma demonstração de Sua onipotência. Eles procuraram Jesus Nazareno, mas quando Ele respondeu “Sou Eu”, que lembra a maneira como Jeová Se manifestou no Velho Testamento, eles caíram por terra. Assim, irresistivelmente, mas sem querer, eles fizeram reverência diante d’Ele. Desse modo, os sinais de Sua Deidade estavam presentes mesmo quando Ele Se submeteu às mãos deles, visto que Ele estava aqui como o Homem sujeito à vontade do Pai. Seu desejo era estender a proteção aos Seus discípulos de acordo com Sua própria palavra, e a ação zelosa, mas errônea, de Pedro apenas deu ocasião à demonstração de Sua completa unidade de pensamento com o Pai. Ele aceitou tudo como vindo de Suas mãos, mesmo que as mais altas autoridades religiosas no judaísmo fossem seus principais adversários. O servo do sumo sacerdote, Malco, foi proeminente em Sua prisão, e ao tribunal de Anás e Caifás Ele foi levado primeiramente. Caifás tinha a voz decisória e já estava determinado em Sua morte.

Os versículos 15-18 são parênteses, como também os versículos 25-27. Juntos, eles nos dão a triste história da queda de Pedro, na qual foi cumprida a previsão do Senhor, em João 13:38. É digno de nota que este é um dos poucos episódios registrados por todos os quatro evangelistas. Deus não tem prazer em registrar os pecados de Seus santos, por isso podemos ter certeza de que há nisso advertência e instrução muito necessárias a todos os santos de todas as épocas, pois a confiança própria é uma das tendências mais comuns e mais arraigadas da carne: uma tendência que, se não for julgada e recusada, invariavelmente leva ao desastre. A verdadeira circuncisão espiritual envolve “não confiar na carne” (veja Filipenses 3:3), mas essa é uma lição que não aprendemos, exceto por meio de uma boa dose de experiência dolorosa.

O “outro discípulo” conhecido do sumo sacerdote era evidentemente o próprio João. Sua familiaridade com o sumo sacerdote deu-lhe um pouco de status mundano e privilégio, que ele usou para introduzir Pedro no lugar de perigo. A palavra “também” no versículo 17 parece implicar que a criada que mantinha a porta sabia que João era um discípulo de Jesus. Ele não tinha sido tentado a negar o fato como Pedro havia feito. Aquilo que atrapalha um discípulo pode não influenciar outro. Além disso, Satanás sabe exatamente como montar suas armadilhas. O terceiro questionador ser um parente de Malco, que sofreu no jardim sob as mãos de Pedro, foi um golpe de mestre de sua arte. Isso englobava a terceira e pior negação de Pedro, e seu pecado e derrota estavam completos.

Os versículos 19-24 dão detalhes do que aconteceu no palácio do sumo sacerdote, e eles são o elo de ligação entre os versículos 14 e 28. A questão levantada quanto a Seus discípulos e doutrina era uma tentativa de obter de Seus lábios algo incriminatório como uma base para a sentença de morte que eles tinham determinado pronunciar contra Ele. Os outros evangelhos nos dizem que eles buscaram testemunho contra Ele e não encontraram nenhum, o que explica o fato de que quando Ele os remeteu ao testemunho de Seus ouvintes, eles estavam tão irritados a ponto de darem uma bofetada em nosso Senhor. Mateus nos diz que eles foram tão longe a ponto de buscar falso testemunho contra Ele.

É bom notar o contraste entre Jesus no versículo 23 e Paulo em Atos 23:5. Há um abismo entre o Mestre e o mais dedicado de Seus servos. A resposta de Jesus foi conclusiva. Não havia mal algum em que alguém pudesse testemunhar: ninguém poderia convencê-Lo do pecado.

O relato de João sobre os procedimentos perante o sumo sacerdote é muito breve. Em contraste com isso, ele nos dá um relato mais completo do que aconteceu diante de Pilatos do que qualquer um dos outros evangelhos. Paulo escreve sobre “Cristo Jesus, que perante Pôncio Pilatos deu o testemunho da boa confissão”, (AIBB) e os detalhes dessa boa confissão vêm particularmente à luz aqui.

Primeiro, no entanto, nos é dada uma visão da terrível hipocrisia dos líderes dos judeus. Eles sentiram que se entrassem na sala da audiência, se contaminariam. No entanto, não tinham escrúpulos em se comprometer com o homicídio e a caça de mentirosos para dar alguma aparência de decência à sua ação. É lamentável o nível que chega a carne religiosa! Pilatos desejou, com razão, que houvesse uma acusação definida, mas, não tendo nada a oferecer, eles tentaram, em primeiro lugar, levar Pilatos a um veredicto sobre o argumento geral de que Ele era um malfeitor. Denunciar, em termos gerais, enquanto é evitada qualquer acusação específica é uma artimanha comum do perseguidor religioso. Essa irregularidade fez com que Pilatos desejasse devolver o caso às mãos deles. A resposta deles mostrou que estavam determinados em Sua morte, mas isso levou ao cumprimento das próprias previsões do Senhor quanto à morte que Ele deveria sofrer – veja João 3:14, 8:28, 12:32. No entanto, eles finalmente apresentaram a acusação de que Ele procurou Se tornar um Rei. Da pergunta do Senhor no versículo 34 se deduz isso; e vem claramente à luz no próximo capítulo, versículo 12.

A “boa confissão” diante de Pilatos cobria pelo menos quatro grandes pontos. Primeiro, o Senhor confessou corajosamente que Ele era um Rei. O contexto mostra que, ao dizer isso, Ele Se referiu não apenas ao fato de que Ele era o verdadeiro Filho de Davi segundo a carne, mas que Ele ocupava o lugar como Filho de Deus, assim como o Salmo 2 previu.

Mas em segundo lugar, Ele afirmou que o Seu reino não era deste mundo (quanto à sua esfera), nem é daqui (quanto à sua origem). Não tem o caráter ou selo deste mundo, nem provém deste lugar sua autoridade e poder. Toda a autoridade e poder do Seu Reino, naturalmente, provêm do céu, e têm o caráter celestial; mas ao invés de afirmar isso positivamente, Ele colocou o assunto naquela luz negativa que tacitamente colocou uma sentença de condenação e repúdio sobre este mundo e este lugar. Foi uma declaração ousada para fazer na presença do homem que representou o maior poder existente na Terra.

Em terceiro lugar, Ele afirmou que Ele nasceu para o reinado na medida em que Ele veio ao mundo como a Testemunha da verdade. Aqu’Ele que traz a luz da verdade é o único apto a manter o poder real, como declarou Davi em 2 Samuel 23:3. Começamos este evangelho com o fato de que a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo, mas neste momento de crise a graça tinha sido rejeitada e a verdade era o assunto em questão. Do lado de fora estavam os homens que encarnavam a mentira e a hipocrisia. Pilatos detinha a autoridade judicial e, portanto, era responsável por discernir a verdade e julgar de acordo, mas a pergunta dele, “que é a verdade” é evidentemente pronunciada por uma veia de irreverente ceticismo, e mostrou como o julgamento estava separado da justiça em sua mente. Como um juiz romano ele conhecia muito dos homens e suas fraudes, e ele sentiu que perseguir a verdade era perseguir uma miragem, mas isso não justificava sua loucura, manifestada ao dar as costas a Cristo assim que fizera sua pergunta e sair para os judeus mentirosos.

Em quarto lugar, Ele afirmou ser não apenas a Testemunha da verdade, mas a própria incorporação da verdade. No Seu discurso de despedida, Ele dissera: “Eu Soua verdade” para Seus discípulos; agora diante de Seus adversários, a mesma coisa está implícita nas notáveis palavras: “Todo aquele que é da verdade ouve Minha voz”. Ele é a verdade de maneira tão absoluta que é o teste de todo homem. Aqu’Ele de Quem pode ser dito: “Segundo a Sua vontade, Ele nos gerou pela palavra da verdade” (Tg 1:18), são “da verdade”, e tais ouvem a Sua voz. É notável quantas vezes neste evangelho nossa atenção é chamada para ouvir Sua voz ou ouvir Sua palavra – veja, por exemplo, João 3:34, 4:42, 5:24, 25, 28, 6:68, 7:17, 8:43, 10:4, 16, 27, 12:48-50. Tudo depende disso para nós, conforme essas Escrituras manifestam, e (para usar uma ilustração moderna) devemos estar na frequência correta para ouvir. Nada além de ter sido gerado por Deus pela palavra da verdade pode nos colocar na frequência correta.

Pilatos não tinha ouvidos apropriados para a Sua voz, como suas palavras e ações mostravam claramente. Ele saiu da presença da Verdade para que novamente pudesse estabelecer contato com o mundo da irrealidade, ainda assim ele tinha suficiente senso judicial para perceber quão falsa era a causa contra o Senhor e declará-Lo como sendo sem culpa. Seu esforço, no entanto, para desviar os acusadores de seu intento usando o costume da Páscoa, fracassou, mas isso foi determinado para expor, da forma mais clara possível, a hostilidade implacável deles.

Quatro palavras bastaram para expressar a total rejeição deles pelo Senhor – “Este não, mas Barrabás”, e eles eram totalmente unânimes por este ser o clamor de todos. O comentário do evangelista sobre esse clamor é igualmente conciso e resumido também em quatro palavras: “Barrabás era um salteador”. Sem exagero, podemos designar esse clamor como o mais desastroso de toda a história. Ele controlou o curso do mundo por quase dois mil anos e acabará por selar sua perdição – mais particularmente poderíamos dizer que ele controlou o triste curso da história judaica. O que eles não suportaram nas mãos dos salteadores durante os séculos! Mas se eles clamam e até desejam reclamar contra Deus, basta responder a eles encaminhando-os a esse unânime pedido de seus líderes. Aqu’Ele que foi a personificação da graça e da verdade eles rejeitaram. Barrabás, o ladrão, eles exigiram. Aliás, ele também foi um revolucionário e um homicida, como mostram outros evangelhos. Em retribuição, roubo, revolução e homicídio têm sido a parte deles através dos séculos.

O fato é que no santo governo de Deus eles acabaram de colher o que semearam. E a mesma coisa foi verdadeira no mundo dos gentios em geral, embora talvez em uma escala não tão intensa. Ainda assim, repetidamente, ao longo dos anos, surgiram homens de personalidade marcante, nos quais o espírito Barrabás reapareceu. No presente momento, a Terra está gemendo sob essa mesma coisa. Ao contemplarmos os sofrimentos de muitos povos, temos que nos lembrar: “Barrabás era um salteador”.

JOÃO 19

No primeiro versículo deste capítulo, a palavra “pois” deve ser notada. Pilatos já havia pronunciado o veredicto “Não acho n’Ele crime algum” quanto a Jesus, mas porque os judeus clamavam por Barrabás e O rejeitavam, ele O levou e O açoitou. Todas as tentativas de exibição da justiça humana comum foram jogadas ao vento, todas as decências públicas foram ultrajadas. Tomando a sentença do juiz como liberação para a sua ação, os soldados prosseguiram com o caso com suas maneiras brutais. No entanto, a mão de Deus estava tão acima de Pilatos que uma segunda e ainda uma terceira vez ele foi obrigado a pronunciar sobre o Senhor o veredicto “Não acho n’Ele crime algum”. Esta foi uma proclamação muito mais extensa do que se ele tivesse simplesmente declarado que Ele não era culpado das específicas ofensas alegadas contra Ele. Ele tentou jogar o ônus da sentença de morte sobre os judeus. No entanto eles o rejeitaram declarando que Sua reivindicação de ser o Filho de Deus exigia a morte de acordo com a lei deles.

Eles disseram que Ele deveria morrer porque disse que era o Filho de Deus, enquanto exigiam que Pilatos O condenasse porque Ele disse que era o Rei de Israel. No início do evangelho, ouvimos Natanael O reconhecendo destas duas maneiras, como nós, graças a Deus, O reconhecemos hoje. Mas por essas duas acusações Ele foi condenado.

A observação do evangelista no versículo 8 lança grande quantidade de luz sobre a situação no que diz respeito a Pilatos. A história secular nos informa que ele severamente contrariou os judeus nos primeiros anos de seu governo e, portanto, temia irritá-los ainda mais. No entanto, ele estava convencido da inocência do Prisioneiro, cuja postura serena o deixava ainda mais desconfortável. A acusação referente ao “Filho de Deus” gerou temores que provavelmente eram supersticiosos, mesmo assim poderosos, e que suscitaram a pergunta: “Donde és Tu?”

Se essa pergunta tivesse surgido de um verdadeiro exercício espiritual, o Senhor, sem dúvida, a teria respondido, como fez com os dois discípulos quando Lhe perguntaram: “Onde moras?”, no primeiro capítulo deste evangelho. Como a pergunta foi motivada pela superstição e medo, o Senhor não lhe deu resposta. Isso levou Pilatos à ameaçadora afirmação do poder sobre a vida e a morte que ele possuía sob César. A resposta do Senhor, evidentemente, aumentou os temores de Pilatos – pois o Prisioneiro assumiu calmamente a posição judicial e, com um ar decisivo, direcionou Pilatos para um Poder superior ao de César como a verdadeira Fonte de qualquer autoridade transitória que ele possuísse, e também julgou o grau de culpa ligado a ele mesmo e aos líderes judeus, respectivamente. A desesperada intenção estava com os judeus e Pilatos era apenas a ferramenta deles. Ainda assim, embora menos culpado do que eles, ele era definitivamente um homem culpado. Foi uma situação perturbadora para Pilatos, que se viu sem saber o que fazer na presença do Verbo que Se fez carne. Qual foi então a resposta à pergunta pendente de Pilatos? Que Jesus certamente era mesmo “de cima”, vindo da Fonte da autoridade de Pilatos.

Esse episódio aumentou muito o desejo de Pilatos de libertar Jesus, mas os judeus habilidosos sabiam como exercer uma pressão decisiva. Em vista da tensão anteriormente existente entre ele e os judeus, ele só podia considerar o clamor deles, registrado no versículo 12, como uma ameaça direta de perder seu cargo diante de César se ele soltasse Jesus. Os próprios líderes judeus “amavam mais a glória dos homens do que a glória de Deus” (Jo 12:43); Pilatos tinha muito mais consideração pelo louvor de César do que pelo julgamento de acordo com a verdade e a justiça.

Ele fez, no entanto, mais um apelo. Em João 18:31, vimos ele fazendo uma sugestão calculada para apelar ao orgulho nacional deles; novamente no versículo 39, ele fez uma pergunta, apelando ao costume deles. Agora, em nosso capítulo, versículos 13 e 14, ele faz um apelo ao sentimento deles. Tudo, no entanto, foi em vão no que diz respeito ao seu desejo de despojar-se da responsabilidade de pronunciar julgamento contra o Senhor. Tudo foi ordenado para que a culpa dos judeus e, mais especialmente, dos principais dos sacerdotes, fosse proclamada de uma maneira cabal pelos próprios lábios deles. Eles coroam seu clamor: “Este não, mas Barrabás”, com a afirmação: “Não temos rei, senão o César”.

A predição de Oseias foi: “Os filhos de Israel ficarão muitos dias sem rei e um príncipe” (Os 3:4). As duas tribos tinham os reis da linhagem designada por Deus e as dez tribos tinham príncipes de sua própria escolha. Oseias declarou que em breve eles não deveriam ter nenhum dos dois. Mas, como se isso não bastasse para esses homens maus, eles agora deliberadamente aceitavam o despotismo14 dos gentios. Eles apelaram para César e, sob o calcanhar de ferro15 de uma sucessão de déspotas, Deus achou por bem deixá-los. Por dezenove séculos, os dois nomes, Barrabás e César, podem servir para resumir a história de miséria dos judeus. O espírito de ausência de lei e de insurreição da humanidade havia sido encabeçado em Barrabás: a ordem que é imposta pela poderosa autocracia16 foi expressa em César. Por dezenove séculos os judeus sofreram; Em um primeiro momento sob a crueldade organizada das autoridades e, depois, sob as turbas desorganizadas, sendo moídos, por assim dizer, entre a pedra de moinho superior e a inferior. Eles ainda precisam sofrer sob as últimas formas de César e Barrabás, o que se provará ser numa forma pior do que a primeira.

Quando Pilatos trouxe Jesus para fazer seu último apelo, ele se assentou no tribunal no lugar chamado Litóstrotos, o que indicava que ele estava prestes a pronunciar a sentença do caso. João faz uma pausa aqui para nos indicar sobre o horário, que está registrado no versículo 14. O fato de que há uma aparente discrepância entre o horário dado aqui e aquele dado tão claramente em Marcos 15:25, tem ocasionado muita discussão e controvérsia. Não podemos deixar de perguntar: Se Ele foi crucificado na hora terceira, como podia ser dito que Pilatos deu a sua sentença na hora sexta? A solução parece ser que o nosso evangelista, lidando com o que aconteceu diante do juiz romano, usa o cálculo de tempo romano, que era similar ao nosso, enquanto Marcos o calcula de acordo com o costume judaico. Já que isso é assim, tudo é simples. Era cerca de seis horas da manhã quando o julgamento de Pilatos chegou ao fim e cerca de nove horas da manhã, quando Jesus foi crucificado. A “preparação da Páscoa” durava 24 horas, começando às 6 horas da noite anterior. Nessas 24 horas estavam compreendidos os eventos mais tremendos do tempo, ou na verdade, da eternidade.

Em nosso evangelho nada é dito quanto ao escárnio adicional dos soldados romanos, quando Ele foi entregue a eles, pois estas eram nada mais do que as ações grosseiras dos pagãos que vinham à tona. O que nos é dito no versículo 16 é que Pilatos O entregou “a eles”, isto é, aos principais dos sacerdotes e os servos, dos quais o versículo 6 tinha falado. Eles eram seus perseguidores e acusadores. A animosidade estava com eles. Eles eram os que odiavam tanto a Ele como a Seu Pai. Pilatos O entregou nas mãos deles para que pudessem perpetuar o seu maior pecado, entregando-O para ser executado pelos gentios.

Como os outros evangelhos mostram, o Senhor usou expressões tais como “tome a sua cruz” (Mt 16:24 – TB) e “carrega a sua cruz” (Lc 14:27 – TB), como figurativo do fato de que Seu discípulo deve estar preparado para ser condenado à morte pelo mundo. A força completa dessa figura é vista aqui, pois “levando Ele às costas a Sua cruz, saiu para o lugar chamado Caveira”. O lugar recebeu o nome por causa da configuração peculiar da rocha, mas é significativo por tudo isso! Uma caveira fala do fim humilhante de todo o poder e glória do homem. Alguns homens podem ter tido um cérebro brilhante e poderoso como nunca existiu; mas ele se transformou em uma caveira! O Filho de Deus aceitou o julgamento de morte como vindo das mãos do homem, e Ele a carregou para um lugar que estabelecia simbolicamente o fim de toda glória do homem.

Além disso, Ele aceitou a morte das mãos dos homens em sua forma mais vergonhosa. A crucificação foi peculiarmente uma morte de repúdio e vergonha. Como uma invenção romana, expressava o arrogante desprezo com o qual levavam à morte os bárbaros conquistados, pregando-os como se fossem vermes. Para esse tipo de morte Jesus foi entregue pelos líderes dos judeus. João nos dá a mais breve e simples declaração desse tremendo fato. O Senhor da glória foi crucificado. Esse fato não precisa de embelezamento de nenhum tipo.

Mas quando isso aconteceu, Pilatos interveio, escrevendo um título e o colocando na cruz. Parece que nenhum dos evangelistas cita cada palavra do título, embora João esteja mais próximo em fazê-lo. Na íntegra parece ter sido: “Este é Jesus Nazareno, o Rei dos Judeus”. No que diz respeito aos judeus, esse ato de Pilatos foi definitivamente provocativo e tinha essa intenção. Eles o pressionaram na condenação de Jesus e ele retaliou com uma declaração pública de que o odiado Jesus Nazareno era o Rei dos judeus. Esta era a última coisa que eles queriam admitir, daí o protesto deles. Mas aqui Pilatos foi inflexível. Ele se recusou a alterar um jota17 ou til18, e sua curta resposta, “O que escrevi, escrevi”, tornou-se quase proverbial.

Em tudo isso podemos ver a mão de Deus. O Verbo havia Se tornado carne e habitou entre nós. Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigênito. Ele era conhecido entre os homens como Jesus Nazareno – um título de menosprezo. Quando Ele entrou em Jerusalém, uma semana antes, houve algum testemunho de Sua glória, e se não houvesse, as próprias pedras teriam imediatamente clamado – assim nos diz Lucas. Mas aqui, de fato, não havia testemunho humano, e assim um pedaço de tábua, inscrito pela mão de Pilatos, ou por sua ordem, clamava que o desprezado Jesus Nazareno era de fato o Rei dos judeus. É notável como nosso próprio Senhor adotou o título de vergonha, e o teceu como uma coroa para Sua fronte quando ressuscitado e glorificado. É um fato surpreendente que JESUS NAZARENO ESTÁ NO CÉU – veja Atos 22:8.

O título foi escrito nos três idiomas predominantes daquela época. Hebraico, a língua na qual a Lei de Moisés surgiu, a linguagem da religião. Grego, a língua da cultura gentia. Latim, a linguagem do imperialismo gentio. Desta maneira representativa, o mundo inteiro estava envolvido em Sua morte.

No versículo 23, os soldados romanos aparecem como instrumentos de Sua morte, e também como cumprindo profecias que estiveram na Escritura por cerca de mil anos e das quais nada sabiam. No Salmo 22, Davi previu a divisão de Suas vestes entre eles e a sorte sendo lançada sobre Sua túnica. Essas duas coisas fizeram os quatro soldados e João registrou as circunstâncias que levaram a um tão exato cumprimento. Sua túnica era sem costura, toda tecida de alto a baixo. Coisas que para nós podem parecer triviais levam ao cumprimento da Palavra de Deus.

Não podemos deixar de pensar, no entanto, que essa característica é mencionada porque tem um valor simbólico. Tudo em nosso Senhor, tanto em relação à Sua Pessoa como à Sua obra, era de uma só peça, toda tecida sem costura. Com o homem em sua condição caída, é diferente. O símbolo apropriado para o homem e sua obra é o avental de folhas de figueira ao qual Adão e sua esposa tinham recorrido depois de terem pecado. Eles costuraram folhas de figueira juntos, e qualquer um que conheça a forma da folha de figueira perceberá quantas costuras deve ter tido. Tudo era uma colcha de retalhos de um tipo elaborado. Deles era o avental de retalhos: D’Ele era a túnica sem costura.

Naquela túnica, Jesus apareceu diante dos homens, o símbolo de Sua perfeição e não deveria ser rasgado. É notável que João apenas fale dessa túnica, dizendo que foi tecida “de alto a baixo”, pois, ao contrário dos outros evangelhos, ele omite qualquer menção ao véu no templo que “se rasgou em dois, de alto a baixo”. Tudo sobre o Senhor testificou do fato de que Ele veio de cima e estava acima de tudo. E o golpe que na hora de Sua morte colocou de lado a velha ordem das coisas também veio do alto.

Os versículos 25-27 são particularmente impressionantes como ocorrendo neste evangelho, escritos como se fossem declarar Sua glória divina para que pudéssemos acreditar que Ele é o Cristo, o Filho de Deus. Ao vê-Lo assim, poderíamos supor que tais coisas inferiores, como as relações humanas, seriam desconsideradas. Mas é exatamente o oposto. Por todo o evangelho, notamos como a realidade da Sua Humanidade é enfatizada. Toda perfeição humana alcançou sua plena manifestação n’Ele e, portanto, vemos a afeição relacionada com os vínculos familiares humanos totalmente manifestada, mesmo na hora de Sua mais profunda agonia. A hora chegou quando as palavras do idoso Simeão a Maria foram cumpridas – “uma espada traspassará também a tua própria alma”. A espada de Jeová, segundo Zacarias, estava para se levantar contra o verdadeiro Pastor de Israel, mas uma espada de outro tipo também traspassaria a alma de Sua mãe, e o Pastor pensava nisso.

Apenas nove palavras foram ditas – cinco para Maria e quatro para João; mas o significado delas era claro, e formaram um acorde de amor que encontrou uma resposta imediata. Jesus confiou Sua mãe ao discípulo que Ele amava e quem, no conhecimento de Seu amor, amava em retorno. O amor pode ser confiável, especialmente quando não é mero afeto humano, mas divino em sua fonte, como brotando da apreciação do amor de Jesus.

No versículo 28, recebemos outro daqueles lampejos de onisciência que caracterizam este evangelho. Alguns versículos antes vimos os soldados cumprindo as Escrituras, embora totalmente inconscientes de que estavam fazendo isso. Agora vemos o próprio Jesus naquela hora de trevas inspecionando todo o campo da profecia, e bem consciente de que, de todas as predições centradas em Sua morte, apenas uma permanecia para ser cumprida. No Salmo 69, Davi escreveu: “Na Minha sede Me deram a beber vinagre”. Uma coisa pequena em si mesma, mas cada palavra de Deus deve ser cumprida em sua época, e somos informados de que naquela hora de sofrimento Ele foi capaz de elevar-Se acima de Suas circunstâncias e não apenas discernir a única coisa que faltava, mas também proferir as palavras que imediatamente fizeram com que isso se cumprisse. Nenhum mero homem poderia ter feito uma ou outra coisa.

O mais notável é que, pouco antes de ser crucificado, os soldados Lhe deram vinagre misturado com fel e mirra, mas Ele não o aceitou, como registrado em Mateus e Marcos. Isto foi sem dúvida porque Ele não teria nada de qualquer dispositivo humano para diminuir o sofrimento físico envolvido, e também porque naquele momento não havia sede da Sua parte. As previsões divinas devem ser cumpridas com exatidão e precisão.

João não faz menção das três horas de trevas, nem do abandono com o amargo clamor que isso suscitou, previsto no primeiro versículo do Salmo 22. Essas coisas não ilustram particularmente a Deidade de Jesus, sobre a qual o Espírito de Deus o levou a colocar tal ênfase. O que ilustrou foi o triunfante clamor com grande voz com o qual Sua vida terrena se encerrou. O Salmo 22 termina com as palavras “Ele o fez”, o que equivale no Novo Testamento a: “Está consumado”. Ele havia chegado ao mundo com pleno conhecimento de tudo o que Lhe havia sido confiado pelo Pai: Ele agora estava deixando o mundo no pleno conhecimento de que tudo havia sido cumprido; não faltava nada. O profeta previu que Jeová deveria “fazer de Sua alma uma oferta pelo pecado” (JND), e isso foi realizado. Como consequência, a fé pode agora pegar a linguagem de Isaías 53:5, e torná-la sua, assim como o remanescente arrependido de Israel irá adotá-la em um dia vindouro.

Nisso também nosso Senhor era único. Tem havido servos de Deus que, como Paulo, puderam falar com confiança de terem concluído sua carreira, mas ninguém ousaria afirmar que haviam dado o toque final à obra em suas mãos; eles na verdade entregaram a obra àquele que deveria sucedê-los. A Sua obra foi exclusivamente Sua, Ele a levou à perfeita conclusão. Ele poderia avaliar sua própria obra e declará-la consumada. Todos os outros têm que humildemente submeter sua obra ao escrutínio e veredicto divino no dia vindouro.

Tanto Mateus e Marcos nos dizem que depois de clamar com uma voz alta, Jesus expirou. Parece que Lucas e João nos deram uma parte dessa última declaração. Se assim for, deve ter sido: “Está consumado; Pai, nas Tuas mãos entrego o Meu espírito”. A primeira parte serve para enfatizar Sua Deidade, de modo que João a registra: a segunda enfatiza Sua perfeita Humanidade, em Sua dependência de Deus, de modo que Lucas a registra. Fiel também ao caráter de seu evangelho, João narra o próprio ato de Sua morte de uma maneira especial – “Ele entregou o Seu espírito” (JND). O homem sábio do Velho Testamento nos disse: “Nenhum homem há que tenha domínio sobre o espírito, para reter o espírito; nem tem poder sobre o dia da morte” (Ec 8:8), mas aqui está aqu’Ele que tinha esse poder. Ele é capaz de um momento erguer Sua voz com força inabalável, e no momento seguinte entregar Seu espírito, e assim cumprir Suas próprias palavras registradas em João 10. Verdadeiramente, ali Ele falou em dar Sua “vida” ou “alma”, dizendo: “Ninguém ma tira de Mim, mas Eu de Mim mesmo a dou; tenho poder para a dar, e poder para tornar a tomá-la”. Mas as duas afirmações estão inteiramente de acordo, pois todos sabemos que quando o espírito humano deixa o corpo, a vida de um homem na Terra cessa. Quando Deus chama o espírito do homem, ele se vai. Aqui está Alguém que tem pleno comando sobre o Seu espírito; Ele o entregou ao Seu Pai e assim deu a Sua vida.

Encontramos no próximo capítulo que, depois de ter dado Sua vida, Ele a tomou novamente em ressurreição. O restante de nosso capítulo está repleto de várias atividades de homens, alguns deles Seus inimigos e alguns Seus amigos, mas todos trabalhando juntos para o fim de que o determinado conselho de Deus fosse cumprido, exatamente como Ele havia falado em Sua palavra.

Primeiros na cena estavam os judeus, os homens que eram Seus mais implacáveis inimigos. Eles eram grandes defensores do lado cerimonial das coisas e o Sábado da Páscoa era um dia de grande santidade aos olhos deles. Eles não podiam entrar na sala da audiência a fim de não se contaminarem, como vimos no último capítulo. Agora vemos a ideia de que os cadáveres de homens, por eles estimados como malfeitores, permanecer expostos à vista dos homens e do céu naquele dia era abominável para a alma ritualística deles. Eles estavam certos, pois assim tinha sido ordenado em Deuteronômio 21:23, mas esse era o tipo de preceito que eles amavam observar, enquanto negligenciavam questões de maior importância. Assim, a partir deles veio o pedido de que a morte pudesse ser apressada pela quebra das pernas, tão indiretamente eles fizeram sua parte em trazer o cumprimento de outra das muitas previsões que estavam focadas naquele grande dia em que Jesus morreu.

Poderíamos supor que a vida com o Senhor teria se prolongado muito além das outras, mas, na verdade, foi o oposto, justamente porque Ele deliberadamente entregou Sua vida. Se Ele não tivesse feito isso, o ato do homem ao crucificá-Lo não teria tido poder contra Ele. É significativo também que João não designe os dois homens como ladrões ou malfeitores; eles eram “outros dois” (v. 18). Não há necessidade de mencionar sobre o caráter particularmente ruim deles para aumentar o contraste. A grandeza do Filho Divino é tal que basta dizer que eles eram dois outros homens.

A ordem de Pilatos para os soldados, pela insistência dos judeus, teve dois efeitos. Primeiro, enquanto os outros dois tiveram as pernas quebradas para apressar o seu fim, nenhum osso de nosso Senhor foi quebrado, e assim a Escritura foi cumprida. A referência foi ao Salmo 34:20, e às instruções dadas quanto ao cordeiro pascal em Êxodo 12, e repetidas em Números 9. É digno de nota mostrar como o Espírito de Deus identifica plenamente a figura do cordeiro com o seu Antítipo, na medida em que o que é dito da figura é tratado como aplicado ao Antítipo. Com isto concordam as palavras de Paulo em 1 Coríntios 5, quando ele diz: “Cristo, nossa Páscoa, foi sacrificado por nós”.

Em segundo lugar, houve o ato cruel e vingativo do soldado com a lança. Vendo que Jesus estava morto e, portanto, ele não tendo autoridade para quebrar seus ossos, furou com uma lança no Seu lado. Ele fez isso sem o menor entendimento do efeito significativo de seu ato. Mais uma vez, porém, aquilo que estava no conselho Divino foi levado a efeito e uma Escritura encontrou seu cumprimento. O profeta Zacarias havia declarado que finalmente o espírito de graça e de súplicas deveria ser derramado sobre a casa de Davi e os habitantes de Jerusalém, “e olharão para Mim, a Quem traspassaram” (Zc 12:10). Observe aqui como o ato do oficial subordinado é tratado como sendo o ato daqueles cuja determinação e vontade estava na raiz de tudo o que aconteceu. O soldado romano era apenas o instrumento dessa iniquidade e, no dia vindouro, o remanescente arrependido de Israel reconhecerá isso como o ato de sua nação. Não reconhecemos ainda hoje que o golpe com a lança tenha sido a expressão terrível do ódio do homem e da rejeição desdenhosa contra o Filho de Deus?

Mas o evangelista concentra especialmente nossa atenção no resultado desse ato brutal – “logo [imediatamente – JND] saiu sangue e água”. Quando, no versículo 35, ele afirma solenemente a veracidade de seu registro, para que a fé possa brotar no leitor, é a isso que ele se refere. Em primeiro lugar, este ferimento no Seu lado demonstrou publicamente que a morte realmente aconteceu. Em segundo lugar, por ele, Seu sangue foi realmente derramado, e temos apenas que lembrar que “sem derramamento de sangue não há remissão” (Hb 9:22), para perceber a importância desse fato. Em terceiro lugar, sabemos o que os resultados graciosos e abençoados fluem para nós individualmente quando a nossa fé alcança e repousa no Cristo que morreu e no sangue que Ele derramou. Portanto, não nos surpreendemos com a forte afirmação de João sobre a verdade de seu testemunho.

Mas a água veio, assim como o sangue, e fazemos bem em estudar o significado disso, pois João repete isso em 1 João 5, onde lemos que Jesus Cristo veio “por água e sangue”, e é enfatizado que foi “não só por água, mas por água e por sangue”. Se o sangue fala de expiação judicial, a água fala de purificação moral, e ambos são absolutamente essenciais e só podem ser encontrados na morte de Cristo. Há sempre uma tendência a separar os dois. Quando João escreveu, a tendência era enfatizar a água e ignorar ou menosprezar o sangue, e essa tendência ainda é poderosamente sentida, pois há muitos que gostam de pensar em Sua morte como tendo um efeito moral sobre nós, enquanto eles não gostam do pensamento da morte pagando o salário do pecado e, assim, efetuando a expiação. É bem possível, é claro, encontrar o extremo oposto naqueles que não reconhecem nada além do sangue derramado por nossos pecados, e assim negligenciam a necessidade daquela limpeza moral da qual a morte de Cristo é a base totalmente essencial.

É notável também que no evangelho temos o registro de João quanto ao fato, enquanto em sua epístola tanto a água como o sangue são considerados como testemunhas, juntamente com o Espírito. Eles testemunham “que Deus nos deu a vida eterna, e esta vida está em Seu Filho”. Sangue e água saíram do Cristo morto. O Espírito foi derramado do Cristo ressuscitado e glorificado. Juntos, eles confirmam que, enquanto não há vida em nós, temos a vida eterna no Filho de Deus.

José de Arimateia aparece agora no exato momento em que pode servir ao propósito de Deus. Ele é mencionado em cada um dos evangelhos, e cada um nos fornece alguns detalhes específicos sobre ele. Mateus nos diz que ele era rico e discípulo. Marcos o chama de ilustre membro do sinédrio (ARA) que esperava pelo reino de Deus. Lucas diz que ele era um homem de bem e justo e que não consentiu com o conselho e a ação da grande maioria do sinédrio em condenar Jesus à morte. João admite que ele era um discípulo, mas oculto por medo dos judeus. Então, aparentemente, ele estava em uma posição semelhante à dos fariseus, que são mencionados em João 12:42-43. Ainda assim, maravilhoso dizer, nesta hora mais sombria, quando tudo parecia desesperadamente perdido – como testemunha a atitude dos dois discípulos indo para Emaús (Lucas 24) – José encontrou coragem e foi a Pilatos com o seu pedido para ter posse do corpo de Jesus. Marcos é quem nos diz que foi ousadamente a Pilatos, e a decisão do governador foi suplantada por Deus. Isaías havia declarado que ele deveria estar “com o rico na Sua morte”, embora o sepulcro que Lhe fora designado era com os ímpios. Os judeus não desejariam nada melhor do que Ele ser atirado violentamente sob um monte de pedras com os corpos dos malfeitores. Mas Deus cumpriu Sua própria palavra, primeiramente por meio da súbita ousadia de José, e então por meio da disposição de Pilatos de impedir os judeus por causa de sua irritação com eles. Deus tem influência em todos os lugares, e todas as coisas servem ao Seu poder.

Neste ponto, Nicodemos aparece novamente. Mencionado em nenhum outro lugar, ele é mencionado três vezes em nosso evangelho. Primeiro o vemos como um questionador, mas precisando ser humilhado e trazido de seu alto estado como fariseu, mestre e governante em Israel. Ele deve nascer de novo. No final do capítulo 7, o encontramos levantando uma leve objeção ao mau conselho e ações do sinédrio, e defendendo o que é certo, e sendo desprezado por sua crítica. Agora o encontramos dando um passo adiante se antecipando. Ele se identificou com Jesus em Sua morte mais definitivamente do que jamais fizera durante a Sua vida. Ele também deve ter sido rico, a julgar pela quantidade de especiarias que ele trouxe. A crise, que havia paralisado os homens que haviam se identificado ousadamente com o Senhor em Sua vida e ministério, havia estimulado esses homens tímidos e cautelosos, que até então não tinham sido reconhecidos, em ousadia e ação. Verdadeiramente a onipotência tem servos em toda parte!

Um outro ponto permanece no final do capítulo. Perto do local da crucificação havia um jardim e um túmulo na rocha. Somente Mateus nos diz que era o próprio túmulo de José; ele também diz que era novo; Lucas e João são mais enfáticos a esse respeito, dizendo que nenhum homem antes esteve ali. Foi predito por meio do salmista que Jeová não permitiria que Ele visse corrupção, como lemos no Salmo 16:10 “nem permitirás que o Teu Santo veja corrupção”. Isso significa que o corpo santo de Jesus, apesar de sofrer a morte, não foi de modo algum tocado pelo processo de desintegração e corrupção, como todos sabemos. Mas também significava que Seu corpo não deveria entrar em contato com isso externamente. Quando Deus cumpre a Sua palavra, Ele o faz com perfeição e plenitude.

Assim, como dissemos, quando o Filho Divino sofreu, a mão da Onipotência ofuscou todos os homens e todas as coisas, de modo que tudo o que Ele havia declarado por meio dos homens santos do passado pudessem acontecer. O conselho do Senhor permanecerá.

JOÃO 20

Em nosso evangelho Maria Madalena aparece apenas em conexão com as cenas finais. Ela estava entre as últimas em pé junto à cruz e entre as primeiras no sepulcro no dia da ressurreição. Não é fácil juntar os registros dos quatro evangelistas para ver a sequência histórica dos acontecimentos, mas parece que, tendo vindo com outras mulheres bem cedo, ela saiu sozinha para informar Pedro e João que o sepulcro estava aberto e vazio e depois voltou para a vizinhança do sepulcro.

As outras mulheres não são mencionadas aqui. Nossos pensamentos estão concentrados em Maria Madalena, para nos levar à instrução espiritual transmitida por meio de suas ações e seus lábios.

Que o Senhor era o Objeto supremo e cativante diante dela é bastante evidente em suas palavras aos apóstolos, como registrado no versículo 2. Sua escolha dos dois para quem ela foi é notável, pois Pedro foi quem pecou tão gravemente antes. Ainda assim, ele amava o Senhor, como o próximo capítulo registra, e João era o discípulo a quem Jesus amava. Pelo lado deles, o amor pode ter sido um tanto eclipsado no momento, mas estava lá, e Maria, em quem o amor estava ardendo brilhantemente, sabia disso.

Além disso, o amor foi demonstrado, pela maneira como eles responderam ao anúncio que Maria trouxe. Isso colocou os pés e o coração deles em movimento. Eles correram com ansiosa pressa e João ultrapassou Pedro. A explicação natural, sem dúvida, era que ele era o mais jovem; mas havia também uma explicação espiritual. João ficou mais profundamente impressionado pelo amor do Senhor por ele, como mostrou pelo modo como falava de si mesmo, enquanto Pedro estava sob a nuvem de ter confiado em seu próprio amor pelo Senhor, que, quando testado, falhou em uma forma escandalosa e pública. Aquele que é mais atraído pelo amor de Cristo corre mais depressa. Foi um caso de “Atrai-me Tu; correremos após Ti” (Ct 1:4 – TB).

Ainda Pedro, apesar de seu fracasso vergonhoso, correu e, chegando ao sepulcro, foi o mais ousado dentre os dois e foi direto para o interior. Isso levou João a se unir a ele e, portanto, houve duas testemunhas do fato de que os lençóis de linho, nos quais o corpo sagrado tinha sido envolvido, não estavam em desordem, mas de uma tal forma que sugeriam que, longe de o corpo ter sido removido por outros, Jesus havia ressuscitado da morte em uma tal condição que os lençóis do sepultamento estavam totalmente inalterados. O versículo 19 do nosso capítulo mostra que, em Seu corpo ressurreto, portas fechadas não era impedimento para nosso Senhor, assim, sem dúvida, os lençóis da mesma forma foram deixados exatamente como estavam.

No versículo 8, João fala por si mesmo – ele creu, embora estivesse aceitando apenas a evidência de seus olhos. Pedro não é mencionado, pois a fé, embora pudesse estar lá, não está ativa quando a alma está sob a tenebrosa nuvem de fracasso e pecado, e ainda não está restaurada. Mas embora João cresse que sua fé era de um tipo pouco inteligente, pois ele, tanto quanto o resto, ainda não estava iluminado para um entendimento da Escritura. Se ele tivesse sido iluminado saberia que o Cristo deveria ressuscitar dos mortos (veja Atos 17:3), o que teria explicado tudo. Então, embora houvesse fé, havia também ignorância, e isso explica o que lemos no versículo 10. O exemplo dado por Pedro e João no início da manhã do dia da ressurreição foi seguido à tarde por Cleofas e sua companhia, conforme registrado em Lucas 24.

A conduta de Maria Madalena se destaca num brilhante contraste com todo o resto. Os dois discípulos partiram para sua casa convencidos de que o corpo de Jesus não estava ali. Maria estava igualmente convencida, mas deixou sua casa e foi permanecer no sepulcro, chorando no sentimento de sua desolação total. Eles conheciam o Senhor como Alguém que os havia chamado de barcos e redes. Ela O conhecia como Alguém que a libertou das garras de sete demônios. Foi uma libertação poderosa e ela O amava muito. Para ela, dois anjos apareceram e não há registro de que ela tenha tido medo da presença deles.

Isso é notável, já que nos outros evangelhos o medo é mencionado em conexão com cada aparição. O caso dela evidentemente ilustra como uma poderosa afeição pode expulsar do coração todas as outras emoções. Sua resposta à pergunta dos anjos mostrou como Jesus, a Quem ela chamava de “o Meu Senhor”, monopolizava todo o espectro de seus pensamentos. Ela reagiu como se encontrar anjos fosse uma ocorrência diária. Ao procurar seu Senhor, ela perdeu o rastro e parece ter dado como certo que os anjos estavam tão preocupados com o assunto quanto ela própria. Mas, evidentemente, até agora, nenhum pensamento de Sua ressurreição havia cruzado sua mente. Ela só pensava em outros removendo o corpo d’Ele. Ela estava procurando um Cristo morto.

Naquele momento, o Senhor ressuscitado interveio e ela se afastou dos anjos para encontrá-Lo ali, embora ela não O reconhecesse. O mesmo aspecto caracterizou Seu encontro com os dois discípulos indo para Emaús naquela tarde, e o resto dos discípulos no cenáculo naquela noite. Era o mesmo Jesus, mas com uma diferença, devido ao fato de estar revestido de um corpo ressuscitado – ressuscitado, embora ainda não glorificado – portanto, não O identificaram imediatamente. Ela O confundiu com o jardineiro. Ele, o Grande Pastor ressuscitado dos mortos, sabia bem que ali estava uma das Suas ovelhas inteiramente dedicada a Ele, buscando somente a Ele mesmo e chorando porque não sabia onde encontrá-Lo.

Na simples pronunciação do nome dela, Ele Se revelou a ela que imediatamente respondeu a Ele como seu Mestre. Tudo o que está registrado, no entanto, nos versículos 11-15, mostra que ela estava procurando o Seu corpo como morto e, portanto, seu primeiro pensamento ao achá-Lo vivo foi sem dúvida o de uma retomada das associações na velha base, que prevaleceram nos “os dias da Sua carne”. É isso que explica a palavra inicial do Senhor para ela: “Não me toques” (TB). Em vista do novo relacionamento que Ele estava prestes a anunciar a ela, e por meio dela aos outros discípulos, Ele mostrou a ela dessa maneira decisiva que as relações não poderiam ser retomadas como eram antes. Sua morte e ressurreição mudaram tudo. Ele não era menos Homem do que era antes de morrer, ainda que tenha dado a Sua vida, Ele a tinha tomado novamente em um novo estado e condição adequados aos céus em que Ele estava prestes a subir. Portanto, agora as relações com Ele devem estar em uma nova base.

O Senhor acrescentou as palavras “porque ainda não subi para Meu Pai” como razão da Sua proibição. Assim, Ele evidentemente indicou que, quando subisse a Seu Pai, Maria deveria estar em “contato” com Ele. Sua ascensão ao Pai envolveu o derramamento do Espírito Santo sobre os discípulos, como foi feito abundantemente claro neste evangelho – ver João 7:39, 14:16, 15:26, 16:13. Quando, no Pentecostes, Maria, junto com os outros, ficou cheia do Espírito Santo, ela se viu em seu espírito trazida a um toque muito mais íntimo com o seu Senhor ressuscitado do que ela jamais experimentara nos dias de Sua vida.

Sem dúvida, os apóstolos foram privilegiados muito além de nós mesmos na maneira como “ouviram”, “viram”, “contemplaram”, “tocaram a Palavra da vida” (1 Jo 1:1). No entanto, enquanto caminhavam com Ele na Palestina, o verdadeiro significado do que observavam era obscuro para eles. Como João 14:17, 20 nos mostrou, foi somente quando eles tiveram a habitação do Espírito que souberam que estavam n’Ele e Ele neles – tinham Sua vida e um novo relacionamento foi estabelecido. Ora também temos o Espírito de Deus, portanto, embora a manifestação objetiva nos tenha alcançado não diretamente, como aconteceu com os apóstolos, mas apenas por meio de seus escritos inspirados, a realização subjetiva pode ser nossa na medida completa. Fazemos bem em refletir sobre esse assunto muito profundamente.

Outra coisa está neste excelente versículo. Jesus chama os discípulos: “Meus irmãos”. Eles haviam sido anteriormente designados “os Seus” (Jo 13:1), e Ele os chamara de “Meus amigos” (Jo 15:14), mas nenhum deles indica o relacionamento da mesma maneira que “Meus irmãos”. Devemos aprender disso que Ele estabeleceu o relacionamento como o Ressuscitado, que passou pela morte e triunfou sobre ela. Esse relacionamento não existe em virtude de Sua encarnação, mas no poder de Sua ressurreição. Ele realmente participou em “carne e sangue”, e tomou “a semente de Abraão”, com vistas ao sofrimento da morte. Tendo provado a morte por todos os homens e sido feito perfeito por meio dos sofrimentos, Ele Se tornou o Príncipe da nossa salvação e, assim como o Santificador, Ele reconhece aqueles a quem Ele santifica como Seus irmãos. Isto é trazido diante de nós em Hebreus 2:9-16. Pela encarnação, Ele veio para o nosso lado para que, em Sua perfeita e imaculada Humanidade, Ele pudesse tomar nossa causa. Tendo a tomado, e por Sua morte e ressurreição, produzido libertação para nós, Ele nos elevou para o Seu lado em identificação com Ele em vida ressuscitada. Assim, o relacionamento não está na encarnação, mas na ressurreição. Isso também é um ponto profundamente importante a ser lembrado.

A mensagem que Maria devia transmitir aos outros discípulos anunciava a nova relação deles com Deus e não apenas em relação a Si mesmo. Seu Pai é nosso Pai, Seu Deus é nosso Deus. Ele nos coloca em Seu próprio relacionamento com Deus, mas é claro, de forma subordinada. Nosso relacionamento com Deus brota do relacionamento d’Ele com o Pai e de nossas relações com o Filho. Ele não disse “nosso” Pai e Deus, como se Ele e nós estivéssemos no mesmo nível. Isso devemos observar cuidadosamente, pois Sua completa preeminência deve ser sempre reconhecida com gratidão. Embora Ele fale de nós como “Meus irmãos”, nunca O encontramos sendo mencionado nas Escrituras como “nosso Irmão”, nem mesmo como “nosso Irmão mais velho”. Tais termos tenderiam a nos fazer pensar d’Ele como se Ele descesse ao nosso lado, em vez de Ele nos elevar para o Seu lado. Isso também obscureceria Sua posição preeminente.

Em Sua maravilhosa vida terrena, o Senhor Jesus havia revelado o Pai, pois o Pai habitou n’Ele, para que Ele pudesse dizer: “quem Me vê a Mim, vê o Pai”. Vimos isto quando consideramos o capítulo 14. Ele também ensinou os discípulos a olhar para Deus como seu “Pai celestial”, em conexão com todas as suas necessidades e circunstâncias neste mundo, como os outros evangelhos mostram, mas uma revelação mais completa vem à luz aqui. Não perdemos a bênção e o benefício da revelação anterior, assim como não perdemos com a revelação d’Ele como o Todo-Poderoso ou como Jeová; mas precisamos entender e nos regozijar no conhecimento de Deus como “o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” (Ef 1:3; 1 Pe 1:3). As palavras do nosso Senhor para Maria foram a primeira indicação deste relacionamento mais completo e mais elevado, e uma vez que isso veio à luz, as epístolas do Novo Testamento apresentam Deus para nós dessa maneira. Ele é de fato um “Pai celestial” para nós em todos os aspectos desta vida, mas não vamos tratar isso como se fosse tudo. Nosso relacionamento adequado com Deus, como Cristãos, é nessa base superior.

Maria Madalena – a mulher com um sensível coração amoroso – foi a primeira a ouvir essas coisas maravilhosas, e se tornou a mensageira delas para todos nós. Ela podia testemunhar que tinha visto o Senhor e que Ele tinha feito essas comunicações para ela e, por meio dela, aos outros.

No final do dia, o Senhor apareceu a Simão Pedro e a Cleofas e sua companhia que viajavam para Emaús, embora João não mencione essas manifestações. É claro, no entanto, dos outros evangelhos que, como o dia da ressurreição avançava, os discípulos tiveram duas testemunhas de Sua ressurreição – Maria e Pedro – e que o testemunho deles os reuniu em Jerusalém à medida que a tarde se aproximava. Quando reunidos, Cleofas e sua companhia vieram entre eles, fornecendo-lhes uma terceira e quarta testemunhas. Então, quando as portas foram fechadas, o próprio Jesus Se colocou no meio deles, identificando-Se com as mãos e o lado traspassados e enchendo o coração deles de alegria.

As portas estavam fechadas por medo dos judeus. Sua presença como ressuscitado causou alegria ao se interpor ao medo deles. Mesmo assim, ainda faltava um elemento, que só poderia ser fornecido quando fossem cheios do Espírito de Deus. No dia de Pentecostes, o medo foi engolido por completo e eles se encheram de ousadia e poder.

O Senhor Jesus Cristo, necessariamente, ocupa sempre o lugar central. Ele o fez na morte, conforme registrado no versículo 18 do capítulo anterior. Aqui Ele o faz em ressurreição, e assim houve um cumprimento da Sua palavra registrada em Mateus 18:20. Na noite do dia da ressurreição, os discípulos foram reunidos em Seu Nome, embora apenas crendo nas testemunhas de Sua ressurreição. Ele entrou no meio deles em forma visível. A principal diferença para nós hoje é que Ele toma o Seu lugar de forma invisível, onde os discípulos estão reunidos em Seu Nome. Quando a Sua presença é percebida, o efeito é como aqui – paz e alegria. A palavra da paz veio de Seus lábios. A alegria seguiu-se quando seus olhos confirmaram a evidência fornecida por seus ouvidos.

Lucas nos diz, em Atos 1, que Ele Se mostrou vivo “com muitas e infalíveis provas”, e preeminente entre elas estava a exibição para Seus discípulos de Suas mãos e lado perfurados. Essas marcas sagradas O identificaram além de qualquer dúvida. Morte e ressurreição tinham sido cumpridas, e elas eram como pilares gêmeos nos quais a paz que Ele anunciava estava firmemente estabelecida. Duas vezes o Senhor os saudou com paz em Seus lábios, pois Ele sabia muito bem que, até que isso fosse cumprido no coração deles, teriam pouca habilidade para receber as coisas adicionais que Ele tinha para lhes transmitir. É exatamente assim conosco hoje. Até que desfrutemos da paz estabelecida com Deus, não poderemos fazer progresso espiritual.

Tendo anunciado a paz pela segunda vez, o Senhor ressuscitado comissionou Seus discípulos em palavras que, embora muito breves, estão cheias de profundo significado. Cada evangelho registra uma única comissão, embora com diferenças características. Mateus registra isso em termos que especificamente atingem um leitor judeu. Eles não deveriam mais fazer discípulos da muito limitada esfera indicada anteriormente naquele evangelho (Mt. 10: 5-11), mas de todas as nações, e deveriam batizar no Nome que veio à luz em Cristo, e não com o batismo de João ou algo parecido com isso. A comissão lá é assim redigida para ter uma aplicação para aqueles que venham a fazer discípulos depois que a Igreja se for. Em Marcos também é enfatizado o aspecto universal da pregação e serviço apostólico. Este é o caso também em Lucas, onde a plenitude da graça parece ser o ponto; graça que poderia começar em Jerusalém, o pior lugar, e se estender a todas as nações. Os três evangelhos sinóticos têm isso em comum; a comissão em cada um deles diz respeito à pregação e ao serviço dos apóstolos.

Mas em João, como convém a esse evangelho, uma nota mais profunda é atingida. O Senhor Jesus fora enviado do Pai, para que n’Ele o Pai pudesse ser feito conhecido. Como o décimo quarto capítulo tornou tão claro, Ele estava no Pai quanto ao Seu ser, Sua vida, Sua natureza e, consequentemente, o Pai estava n’Ele, e assim foi totalmente feito conhecido. Agora, tendo morrido e ressuscitado, Ele estava indo para o Pai, mas estava deixando no mundo discípulos, a quem agora Ele enviava para que fossem para Ele, segundo o padrão da maneira como Ele fora enviado para ser para o Pai. Se, portanto, quisermos entender a missão deles, devemos primeiro entender a missão do próprio Senhor como enviado do Pai.

É notável quantas vezes neste evangelho o Senhor é referido como aqu’Ele que havia sido enviado do Pai ao mundo. Em palavras ligeiramente diferentes, isso é mencionado mais de quarenta vezes, e podemos ver quão relevante é pelo fato de que Ele nos é apresentado como Alguém que era Deus e estava com Deus. Ele não era, portanto, Um natural do mundo, como se Ele tivesse saído daqui. Ele veio de cima e tudo o que Ele era trouxe Consigo. Suas palavras e Suas obras eram todas do Pai. Agora uma coisa nova é levada a efeito, e em sua instituição o Senhor estava cumprindo Sua própria declaração em Sua oração ao Pai – veja João 17:18. Ele estava partindo e agora eles deveriam ser enviados como vindos d’Ele.

O que estava por trás desse envio era o fato de que eles também não eram do mundo como Ele não fora. Isso também é afirmado em João 17:16. Houve essa diferença, contudo; uma vez que eles eram naturais do mundo, então, no caso deles, havia um elo que precisava ser quebrado e havia novos elos que precisavam ser formados. Isso imediatamente nos leva ao que está estabelecido no versículo 22 do nosso capítulo.

As palavras de comissão foram seguidas por palavras de concessão, juntamente com uma ação peculiar. Ele soprou sobre – ou, mais corretamente, para – eles, e disse: “Recebei Espírito Santo” (JND), pois o artigo definido “o” está ausente no original. Devemos observar a conexão entre isso e o que é registrado quanto à criação de Adão em Gênesis 2:7. Quanto ao seu corpo, Adão foi formado do pó da terra, mas a parte espiritual dele veio a existir pelo Senhor Deus, soprando em suas narinas o fôlego de vida, e assim ele foi feito uma alma vivente. Ora, nosso Senhor, que é o último Adão, é um espírito vivificante ou doador de vida, como lemos em 1 Coríntios 15:45, e aqui vemos Ele soprando para Seus discípulos Sua própria vida ressuscitada.

Mas sendo assim, por que Ele disse: “Recebei Espírito Santo”? Porque a Sua própria vida como o Homem ressuscitado é na energia do Espírito Santo. Ele foi “morto na carne, mas vivificado no Espírito” (1 Pe 3:18 – TB). No dia de Pentecostes, como registrado em Atos 2, os discípulos realmente receberam o Espírito Santo, como uma Pessoa divina habitando o próprio corpo deles, mas aqui temos algo preliminar a isso. No mesmo dia em que Jesus entrou em Sua vida ressuscitada, conforme vivificado pelo Espírito de Deus, Ele a comunicou aos seus.

Devemos conectar este grande ato com o que precede e com o que se segue. Como eles poderiam ser enviados ao mundo para serem para Ele como Ele havia sido enviado pelo Pai, a menos que possuíssem Sua vida ressuscitada? A vida natural que eles tiveram de Adão não lhes deu nenhuma competência para tal missão. Eles não tinham poder até que o Espírito Santo foi derramado abundantemente no Pentecostes, mas eles agora tinham a vida e a natureza que tornavam a missão possível. Não lemos sobre esta ação nos outros evangelhos, mas lemos em Lucas 24:45, “Então abriu-lhes o entendimento para entenderem as Escrituras” (JND). Essa abertura do entendimento deles foi, julgamos, o resultado do sopro de Sua vida ressuscitada.

Em nosso evangelho, no entanto, há duas coisas conectadas a isso: primeiro, deu-lhes a capacidade de serem testemunhas no mundo como enviados por Ele; e em segundo lugar, foi-lhes confiado o poder administrativo de perdoar ou reter pecados, não eternamente, é claro, mas de forma governamental. No evangelho de Mateus, vemos que o Senhor, antes de Sua morte e ressurreição, indicou que tais poderes deveriam ser conferidos a Pedro (Mt 16.19) e aos apóstolos como um todo (Mt 18.18), em cada ocasião esperando ansiosamente pelo futuro. Aqui o poder é realmente conferido. Primeiramente, sem dúvida, o poder era apostólico, e vemos Pedro empunhando esse poder em Atos 5:1-11, e o Espírito Santo ratificando a ação de Pedro de forma incontestável. Mas em 1 Coríntios 5:3-5, 12-13, temos Paulo empunhando esse poder e convocando a Igreja para agir com ele em reter o pecado do malfeitor. Em 2 Coríntios 2:4-8, encontramos Paulo convocando a Igreja para reverter a ação em vista do arrependimento do malfeitor. Eles deviam perdoar; e o versículo 10 desse capítulo é muito instrutivo em relação a isso.

Em outros evangelhos, o nome de Tomé aparece apenas na lista dos doze apóstolos: tudo o que sabemos dele está contido em nosso evangelho. Isso é significativo. Ele é mencionado em João 11 e João 14 e suas palavras nessas ocasiões nos preparam para a luz na qual seu caráter aparece aqui. Ele era evidentemente um homem de mente simples, prática e sem imaginação, muito inclinado a ser materialista e, portanto, difícil de convencer de qualquer coisa que estivesse fora do plano da experiência humana comum. Estamos agora muito próximos do versículo que declara o objetivo para o qual este evangelho é projetado para nos conduzir, e estamos considerando o último e maior dos sinais que João trouxe diante de nós. Por isso o caso de Tomé é de particular valor neste evangelho.

Ele não estava presente na noite do dia da ressurreição e, portanto, quando ouviu o testemunho dos outros discípulos, que eles condensaram em três palavras da mais profunda importância: “vimos o Senhor”, ele não estava preparado para aceitar isso. Em um espírito de duvidosa teimosia, ele declarou que, a não ser que tivesse evidências visíveis e tangíveis do tipo mais indubitável, evidências que mais claramente identificassem aqu’Ele que apareceu com aqu’Ele que morreu na cruz, ele não iria acreditar. Desafiando assim o testemunho do discípulo, ele estava realmente lançando um desafio ao seu Senhor ressuscitado, o qual, se aceito, colocaria Sua ressurreição além de toda questão, no que dizia respeito a Tomé.

O Senhor em graça condescendente aceitou o desafio uma semana depois. Mais uma vez Ele apareceu no meio deles embora as portas estivessem fechadas. Novamente Ele os saudou com as palavras “Paz seja convosco”. Então Ele ordenou a Tomé que fizesse exatamente o que ele havia dito, que ele pudesse ter não apenas o visível, mas também a evidência tangível que ele desejava. E não apenas isso, pois Ele deu um sinal espiritual também. Suas palavras a Tomé revelaram que o desafio lançado quando Ele não estava visivelmente presente era perfeitamente conhecido pelo Senhor ressuscitado. No final do capítulo 1, tivemos um incidente semelhante. Jesus mostrou a Natanael que Ele o havia visto quando ele se considerava despercebido sob a figueira, e Natanael foi convencido e O confessou como o Filho de Deus e o Rei de Israel.

Isso foi nos dias de Sua carne, mas Ele Se revelou como aqu’Ele que tudo vê. Aqui os dias da Sua carne terminaram e Ele ressuscitou, mas Ele é revelado como aqu’Ele que tudo ouve. O efeito sobre Tomé com relação a tudo isso foi desnorteante. O obstinado duvidoso, quando está convencido, está realmente convencido! Poucos minutos atrás, ele estava se arrastando de longe, muito atrás dos outros discípulos, agora em sua confissão arrebatadora ele vai a um limite definitivamente além deles. Natanael foi explícito em sua confissão no início: Tomé no final é ainda mais explícito. Apenas cinco palavras! Mas que palavras eram elas – “Senhor meu e Deus meu”!

Aqueles que negam a Deidade de nosso Senhor têm procurado invalidar a força desta frase tratando como sendo uma mera exclamação, dirigida a ninguém em particular, mas o registro distintamente declara que as palavras foram ditas ao Senhor, sendo a forma delas no original muito enfática, já que ele usou o artigo definido duas vezes. Jesus ressuscitado era o Senhor e o Deus para ele. E o que é mais significativo ainda, o Senhor respondeu: “Tomé, creste. Além de toda a dúvida, Ele tratou a exclamação cheia de gozo de Tomé como apoderando-se do FATO. Em outras palavras, Ele aceitou a confissão como sendo verdadeira. Não há pecado maior do que um mero homem aceitar honras divinas ou adulação, como testemunha o golpe drástico em Herodes, registrado em Atos 12. Quando João caiu diante de um anjo e a respeito de adorá-lo, a resposta instantânea foi: “Não faças tal” (Ap 22:9). Em vez de repreender Tomé, Jesus aprovou sua confissão e chamou-a de fé.

A plena Deidade de Jesus sendo assim reconhecida, chegamos ao fim para o qual o evangelho é projetado para nos conduzir. Muito apropriadamente, portanto, os versículos 30 e 31 fecham este capítulo. Somos lembrados de que todos os sinais miraculosos registrados são apenas uma pequena fração do todo. Entretanto, aqueles que estão registrados são bastante suficientes, e neste evangelho eles são especialmente selecionados para oferecer um amplo terreno para a fé em Jesus como o Cristo, o Filho de Deus, pois é a fé nisto que traz vida por meio do Seu Nome.

Note que a última e conclusiva prova de que Jesus é o Filho de Deus é que Ele aceitou a atribuição da Deidade a Si mesmo. Podemos dizer que, se Ele é Deus, Ele é o Filho de Deus; e, inversamente, que se Ele é o Filho de Deus, Ele é Deus. Note também que Sua Filiação é o grande ponto no evangelho que O delineia desde as profundidades insondáveis da eternidade passada, e não dá detalhes do nascimento virginal. Se realmente aceitarmos este evangelho em fé, não teremos dúvidas de que Sua Filiação é eterna e não algo assumido no tempo.

Antes de deixarmos este capítulo, temos apenas de assinalar o significado das palavras do Senhor no versículo 29. Há algo melhor do que aceitar provas oculares e tangíveis, e isso é crer na Palavra sem qualquer demonstração como essa de Tomé. Ele sem dúvida ilustra a maneira pela qual um remanescente piedoso de Israel vai descobrir a verdade em um dia vindouro. A palavra do profeta deve ser cumprida: “Olharão para Mim, a Quem traspassaram” (Zc 12:10), e então clamarão: “Deus meu, nós, Israel, Te conhecemos” (Oseias 8:2). A maior bem-aventurança dos que creem sem ver é a porção de todos os que recebem na fé o evangelho hoje, seja judeu ou gentio.

Não podemos render a Deus nenhum tributo que seja mais agradável a Ele do que aquele de recebê-Lo plena e simplesmente por Sua palavra, sem pedir qualquer confirmação por vista ou por sentimento. Como a luz pode ser decomposta nas cores do arco-íris, assim o Nome Divino contém muitas características de igual valor e importância, mas enfatiza especialmente a verdade e confiabilidade de Sua Palavra – “engrandeceste a Tua Palavra acima de todo Teu Nome” (Sl 138:2). Vendo que no princípio o pecado entrou pela descrença na Palavra Divina, quão apropriado é isto! A presente época do evangelho é peculiarmente a época em que os homens creem sem ver – “Ao Qual, não O havendo visto, amais; no qual, não O vendo agora, mas crendo, vos alegrais com gozo inefável e glorioso; Alcançando [recebendo – JND] o fim da vossa fé, a salvação das almas” (1 Pe 1:8-9).

Essa Escritura nos dá um vislumbre da bem-aventurança especial da qual o Senhor falou a Tomé. Ela pode ser nossa, e quanto mais aguçada e simples for nossa fé, mais profunda será a medida que ela será nossa. Que a completa bem-aventurança seja conhecida por cada leitor dessas linhas.

JOÃO 21

Os versículos finais do capítulo anterior indicam que a evidência fornecida, mostrando que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, está completa agora. Isto é, portanto, tido como concedido no capítulo final, que registra os tratamentos com certos de seus discípulos totalmente não registrados nos outros evangelhos. Pode ser considerado de duas maneiras: primeiro, como tendo um significado figurativo ou típico; em segundo lugar, como mostrar Seus tratamentos graciosos com eles em vista de seu futuro.

O versículo 14 nos dá a chave para entender seu significado especial do ponto de vista figurativo. Podemos lembrar de que na abertura deste evangelho o evangelista chama nossa atenção para certos dias, e no início de João 2 houve uma manifestação da glória de Jesus no terceiro dia, figura da era milenar. Agora, aqui temos diante de nós o que é registrado como a terceira manifestação de Jesus ressuscitado dos mortos, e novamente descobrimos que tem um significado milenar.

A primeira manifestação, como vimos no último capítulo, foi no próprio dia da ressurreição, e todos os registros em conexão com ela falavam da porção da Igreja em associação com o Senhor ressurreto. A segunda, no mesmo capítulo, nos deu o despertar da fé no remanescente de Israel, quando finalmente eles olharão para aqu’Ele a Quem traspassaram. Isso foi demonstrado em Tomé. Agora chegamos à terceira, quando a manhã do milênio surgirá e o Senhor será revelado como o Senhor de todas as circunstâncias e o Provedor de todas as necessidades. Os três dias apontados em João 1 e João 2, tiveram, em cada caso, o mesmo significado.

O principal objetivo deste evangelho foi a revelação do Pai na Pessoa do Filho e a certificação para nós de que Jesus é de fato o Filho de Deus, para que não tenhamos dúvida quanto à revelação, mas que a luz dela brilhe com resplendor inextinguível em nossa alma. É muito notável, portanto, que ele inicie e termine com essas figurativas lembranças de distinções dispensacionais, embora o peso do evangelho seja aquele que permanece eternamente acima de todas as distinções dispensacionais. Diferenças de dispensação podem impor diferentes medidas quanto às apreensões dos santos, mas aquilo que deve ser apreendido é eternamente o mesmo.

João nos deu um relato da queda de Pedro, mas não disse palavra alguma sobre suas amargas lágrimas imediatamente depois, como resultado do olhar do Senhor, nem do encontro pessoal com o seu Senhor ressuscitado na última parte do dia da ressurreição. Abrimos este capítulo para encontrá-lo retornando para a sua pesca e levando seis dos outros discípulos com ele. Não foi para esse tipo de pesca que o Senhor o havia originalmente chamado, e parece que, embora sabendo que o Senhor o havia perdoado, ele estava assumindo que sua comissão para o serviço deveria cessar. O Pastor ressuscitado, no entanto, estava prestes a restaurar totalmente alma de Pedro e levar os pés de todos eles para os caminhos da justiça.

A expedição deles no lago foi um fracasso. O versículo 3 se resume em “noite” e “nada”. Quando a manhã chegou, tudo foi revertido porque Jesus estava lá – rede cheia, grandes peixes – e nenhuma rede rompida, nenhum barco afundando, como em Lucas 5. Tampouco havia Pedro caindo para confessar-se um homem pecador, embora sua triste queda tenha sido tão recente. Em vez disso, atirou-se ao mar para chegar a Jesus com toda a rapidez possível. Novamente vemos como ele é preeminente quando a ação do amor está em questão, assim como João mostra mais proeminentemente o discernimento do amor.

Chegados à praia, os discípulos se viram interrompidos em sua pesca, embora a captura de peixes fosse tão grande. O Senhor tinha fogo, peixe e pão prontos para eles; a provisão era toda Sua. Visto figurativamente, podemos enxergar os discípulos saindo e trazendo sob a direção do Senhor, uma grande colheita do mar das nações, o que marcará a abertura da era milenar. Foi certamente preparada, também, como uma lição para Pedro e o restante, mostrando-lhes que sua volta à ocupação comum era desnecessária, mesmo que especialmente abençoada por Ele. Sua comida já estava preparada por Sua mão. Os discípulos sabiam que era o seu Senhor ressuscitado, não pela visão de seus olhos, mas por Suas ações, que eram únicas.

Então começou o trato especial do Senhor com Simão Pedro. Sua queda ocorreu quando ele estava se aquecendo ao fogo do mundo na companhia dos servos do sumo sacerdote, que era totalmente hostil ao seu Senhor. Ele agora se encontra perto do fogo que tinha sido aceso por seu Senhor, não apenas aquecido, mas também alimentado por Ele, e na companhia de outros servos dedicados ao seu Senhor como ele mesmo. Três vezes Pedro tinha sido testado e cada vez, com ênfase crescente, ele havia negado seu Senhor. Três vezes, nesta ocasião, o Senhor sondou a consciência e o coração de Pedro, cada vez aumentando a severidade do teste.

Podemos apreciar mais plenamente os versículos 15-17 se observarmos que duas palavras diferentes são usadas para “amor”. A primeira (“ágape”) é aquela que, segundo nos dizem, não é usada para “amor” além do Novo Testamento e da versão Septuaginta19. O Espírito de Deus tomou essa palavra e a consagrou para expressar o amor de Deus. A segunda (“fileo”) é aquela baseada na palavra amor entre amigos, e significando o amor de sentimentos ou de afeto caloroso; ou, como foi dito, “indica menos percepção e mais emoção”. Vamos citar a tradução de Darby, onde a distinção é cuidadosamente observada.

O Senhor dirigiu-Se a Pedro não pelo novo nome que Ele lhe dera, mas pelo seu antigo nome na natureza, “Simão, filho de Jonas”, e perguntou-lhe: “Amas-me mais do que estes?” Isso é exatamente o que ele alegou de si mesmo ao dizer: “Ainda que todos se escandalizem, nunca, porém, eu”, como Marcos nos diz. Esta deve ter sido uma questão muito dolorosa, pois a julgar pelo seu proceder, parecia que ele era o que menos O amava. O que ele poderia dizer? Apenas isto, “Sim, Senhor, Tu sabes que eu estou apegado a Ti”. Ele usou a palavra inferior, mostrando que ele já havia decaído em sua própria estima.

Uma segunda vez, Jesus fez a pergunta, usando a mesma palavra de antes, mas não fazendo qualquer comparação entre Pedro e os outros discípulos. Era simplesmente: “Amas-Me?” Era como se Ele tivesse dito: “Você realmente Me ama mesmo?” Isso penetrou na ferida de uma forma ainda mais profunda. Pedro foi novamente incapaz de aceitar o desafio e permaneceu com sua própria palavra: “Tu sabes que eu estou apegado a Ti”.

A terceira pergunta era uma pressão ainda mais profunda, pois, dessa vez, Jesus usou a própria palavra de Pedro e, perguntou-lhe, “Estás tu apegado a Mim?” Assim, Ele desafiou o direito de Pedro de ir tão longe a ponto de afirmar que ele estava apegado a Ele. Isso o cortou até a medula e penetrou até a profundidade. Ele percebeu que não podia alegar que amava e que sua conduta desmentia até mesmo uma ligação de amizade. Ele, portanto, lançou-se inteiramente ao seu Onisciente Senhor, dizendo: “Senhor, Tu sabes todas as coisas; Tu sabes que eu estou apegado a Ti”. Isso virtualmente reconhecia que seu apego era de proporções tão tênues e microscópicas que somente a onisciência Divina poderia percebê-lo. Mas ainda estava lá! Pedro sabia disso e sabia que seu Senhor conhecia isso.

Em tudo isso, em muita graça, ainda que com acurada precisão, Pedro estava sendo conduzido ao julgamento próprio – o julgamento do estado que o levou ao pecado e ao desastre. Uma coisa é confessar o pecado cometido e outra confessar o estado errado que o levou a isso. Este é o ponto que é tão instrutivo e salutar para nós. A autoestima com o seu mau gêmeo, a confiança própria, era a base do mau comportamento e a completa restauração diante do Senhor não seria aperfeiçoada até que Pedro chegasse a esse ponto. Além disso, seu pecado havia sido cometido com considerável publicidade, e os outros discípulos devem ter tido sua confiança nele tristemente abalada. Quão gracioso, então, da parte do Senhor tratar com Pedro em sua restauração na presença de vários discípulos.

E isso não foi tudo. Cada afirmação de Pedro de que ele realmente estava apegado ao Senhor, apesar de sua covarde negação, foi seguida por uma resposta que indicava que um serviço muito importante deveria ser confiado a ele. O Senhor usou três expressões diferentes, que não estão totalmente claras em nossas versões em português: “Alimenta os Meus cordeiros”, “Apascenta as Minhas ovelhas”, “Alimenta as Minhas ovelhas” (todas conforme JND). O pastoreio de ovelhas envolveria o cuidado para que elas fossem alimentadas, mas iria além disso e cobriria muitas atividades na forma de supervisão, liderança e proteção.

É muito evidente que Pedro foi encarregado de um ministério pastoral, e a maneira pela qual ele incita os outros a um semelhante cuidado pastoral, nos versículos iniciais de 1 Pedro 5, é muito impressionante. Em sua epístola ele adverte contra os próprios abusos de tal ministério que entraram como uma inundação na história da Igreja. Esses abusos alcançam seu maior desenvolvimento no imponente corpo religioso que reivindica seu pontífice romano como o sucessor de Pedro; e eles são apenas a consequência da natureza humana caída, pois coisas exatamente semelhantes aconteceram em Israel, e são condenadas pelo Senhor por meio da profecia em Ezequiel 34. Hoje o “Óbolo de São Pedro”20 significa dinheiro extraído do rebanho para o apoio do suposto sucessor de Pedro, em vez de algo ministrado para o rebanho. Uma severa perversão e grotesca imitação, de fato!

Os pastores que serviram depois da partida de Pedro logo se esqueceram de que os cordeiros e ovelhas pertenciam ao Senhor. A palavra para Pedro não era “Alimente suas ovelhas”, mas “Minhas ovelhas”, e isso faz toda a diferença. É notável ainda que o Senhor falou uma vez de pastoreio e duas vezes de alimentação. É aí que a ênfase está. Pastoreio significa uma certa quantidade de autoridade no manuseio e direcionamento, e não são poucos os que amam empunhar autoridade, mesmo na Igreja de Deus. Ser despenseiro de alimento espiritual é outro assunto e muito mais profundo. Aquele que pode dar alimento espiritual não terá muita dificuldade em exercer alguma medida de controle espiritual.

Outra coisa que podemos notar. Quando Pedro foi assim comissionado, ele era um homem subjugado e humilde. A um tal homem assim, quando totalmente restaurado, o Senhor confiou Seus cordeiros e ovelhas. Podemos nos lembrar da prescrição apostólica: “se algum homem chegar a ser surpreendido nalguma ofensa, vós, que sois espirituais, encaminhai [restaurai – TB] o tal com espírito de mansidão; olhando por [considerando a – JND] ti mesmo, para que não sejas também tentado” (Gl 6:1). Supõe-se que um homem espiritual será manso e terá um senso completo de sua própria suscetibilidade de cair. Aqui Pedro havia caído e, humilhado agora e restaurado, ele alcançou aquele espírito terno e manso que marca o homem espiritual. Para os homens desse tipo o Senhor confia Seus cordeiros e ovelhas.

Tendo o Senhor comissionado outra vez a Pedro e indicado o caráter especial do serviço que ele devia prestar, agora lhe mostrou que aquilo de que ele havia se gabado de que faria na energia da juventude, ele realmente faria quando sua energia natural tivesse diminuído. “Por Ti darei a minha vida”, foram as palavras de Pedro, mas ele falhou miseravelmente. Seu desejo estava correto, embora sua confiança própria estivesse errada e tivesse que ser repreendida. Portanto, seu desejo deve ser cumprido, mas num poder que é além do seu. As palavras do Senhor no versículo 18 não indicaram apenas que ele deveria glorificar a Deus pela morte de um mártir, mas também o caráter daquela morte. A alusão foi à crucificação. Ele deveria seguir o Senhor ao cuidar de Suas ovelhas e, até certo ponto, à maneira de Sua morte. Que sublime graça foi esta para o discípulo que falhou! E que instrução para nós! O caso de João Marcos também nos fornece um exemplo de como aquilo que é iniciado na carne ainda pode ser aperfeiçoado pelo Espírito: Exatamente o oposto de Gálatas 3:3.

No momento, Pedro desviou os olhos de seu Mestre e fixou-o em um discípulo, ninguém menos que o escritor deste evangelho. João era evidentemente um homem mais jovem, mas já estava intimamente ligado a Pedro em várias ocasiões. Provavelmente era interesse genuíno e não meramente curiosidade que o fez indagar sobre o futuro dele. A resposta parece ter uma dupla relevância.

Primeiro, enfatizou a questão de que para cada discípulo – seja Pedro ou nós mesmos – nosso grande assunto não é com nossos irmãos, mas com nosso Senhor. O que o Senhor ordenou para João não dizia respeito a Pedro, mas que seguisse o Senhor por si mesmo. Não há muitos hoje que apontam para um irmão e dizem: “O que esse homem fará?”, mas há muitos que dizem: “Veja o que esse homem fez!” Estar preocupado sobre os feitos de outra pessoa, especialmente se eles não forem muito corretos, é uma coisa banal e fácil, enquanto estar preocupado consigo mesmo é um trabalho custoso. Para cada um de nós, como a Pedro, o que Senhor diz é: “Segue-Me”.

Em segundo lugar, havia alguma coisa enigmática ou oculta nesta declaração sobre João, assim como havia no versículo 18 sobre Pedro. Isso não indicava que ele não deveria morrer e assim permanecer até o segundo advento, mas sim que seu ministério deveria ter um caráter especial. A palavra aqui, traduzida como “fique”, é aquela que ocorre nos escritos de João tantas vezes quanto em todo o restante do Novo Testamento. É traduzida de várias maneiras como “permaneça”, “continue”, “habite”. Ora o ministério de João, como exemplificado em seu evangelho e nas suas epístolas, tratou especialmente com as coisas permanentes da revelação de Deus, que nada pode tocar ou manchar. Em Apocalipse, descobrimos que ele foi o último dos apóstolos a ver o Senhor em Sua gloriosa majestade e a receber d’Ele, por meio do Seu anjo, a mais completa revelação das coisas que estão por vir, o que nos leva ao segundo advento, e até mesmo ao estado eterno.

O versículo 23 é uma advertência para nós sobre o perigo de extrair deduções da Palavra de Deus, e então elevar essas deduções a afirmações categóricas. Se houvesse um dito entre os irmãos de que João não morreria, em vista do que o Senhor dissera, talvez não fosse digno de nota. Mas eles disseram que ele não morreria, ao invés de que ele permaneceria. Palavras inspiradas permanecem em uma classe por si mesmas, e devemos ter cuidado ao tirar delas conclusões infundadas.

O último versículo do nosso evangelho é muito característico. Ele nos lembra de que o que está registrado dos feitos do Senhor na Terra é apenas uma pequena fração do todo, e isso é verdade se juntarmos todos os quatro evangelhos. Também é verdade quanto às Suas palavras e às Suas obras. Este é um fato que ajuda a explicar as coisas que às vezes são citadas como aparentes discrepâncias. Por exemplo, o Senhor deve ter feito e dito coisas semelhantes dezenas de vezes durante os anos de Seu serviço incessante em várias partes da Judeia e da Galileia. E por último, não há exagero de figura no que é dito sobre o mundo e os livros. João traçou para nós as incomparáveis palavras e obras do Verbo que Se tornou carne – pelo menos, uma seleção delas, que embora pequena, é suficiente para nos convencer de que n’Ele temos o Cristo, o Filho de Deus. Embora Ele tenha assumido uma forma finita, o Verbo que a assumiu é infinito. Ele colocou, portanto, o selo do infinito em tudo o que Ele fez e disse, e o mundo e os livros não podem conter isso.

Nunca chegaremos ao fim de todas as coisas que Jesus fez. Nesta mais apropriada nota, nosso evangelho termina.

Notas

[←1]

N. do T.: Cidadela é o nome que se dá a qualquer tipo de fortaleza ou fortificação construída em ponto estratégico de uma cidade, em que alguém pode se abrigar e se proteger de ataques inimigos.

[←2]

N. do T.: É de vital importância perceber a grande diferença entre os termos “nascido de Deus” (“uihos” em grego) e “filho de Deus” (“teknon”), como revelados no Novo Testamento, pois nos capacita a desfrutar de que não apenas somos nascidos na família de Deus pelo Seu ato soberano ao nos conceder vida divina – a qual todos em Sua família têm – mas quão distinguidos Deus nos quis tornar em Sua família ao nos trazer à posição de “filhos de Deus”, na própria aceitação que Cristo mesmo tem diante de Deus. Nessa posição temos relacionamento, entendimento e comunhão que nenhum outro “nascido de Deus” desfruta. A expressão “Abba Pai” foi apenas revelada no Novo Testamento e somente pronunciada pelos “filhos de Deus”, pois receberam o “espírito de adoção” (Rm 8:15; Gl 4:6).

[←3]

N. do T.: Nas versões inglesas a frase “e vimos a sua glória, como a glória de um unigênito com um pai” (JND) está entre parênteses.

[←4]

N. do T.: Pensamento ou argumento que contraria os princípios do pensamento humano. É o oposto do que alguém pensa ser a verdade.

[←5]

N. do T.: A “primeira causa”, segundo o raciocínio filosófico, seria o que deu origem ao universo.

[←6]

N. do T.: As palavras gregas “krisis” e “krima” são indistintamente traduzidas nas versões brasileiras como julgamento, juízo e condenação. Alguém estar doente não significa que vai morrer, mas está passando por uma “krisis”. Alguém ter agido contra a lei significa que será condenado por um “krima”. Daí as palavras “crise” e “crime”. “Krisis” corresponde à sessão de um julgamento. “Krima” indica o resultado do julgamento – a decisão tomada, a sentença real. João 5:11 afirma que o crente sequer entrará à “sessão de julgamento divino” (“krisis”), pois Cristo a enfrentou por nós na cruz. W. Scott disse: “O julgamento e a condenação não significam a mesma coisa: a condenação é futura e final. O julgamento a precede”. J. N. Darby afirma em nota de rodapé em Lucas 20:47 que a palavra “juízo” (ARA – “krima”) é “a sentença passada sobre a coisa acusada como culpada”.

[←7]

N. do T.: Lâmina de metal amarelo que imita o ouro, vistosa, mas sem qualquer valor.

[←8]

N. do T.: O Concise Bible Dictionary diz: “Aquele que tem o Filho de Deus, portanto, tem vida agora (a possessão presente) e sabe disso pelo Espírito Santo, o Espírito da vida. O apóstolo João fala da vida como um estado subjetivo nos crentes, embora inseparável do conhecimento de Deus plenamente revelado como o Pai no Filho, e de fato caracterizado por isso. O Senhor disse a Seu Pai: “a vida eterna é esta: que Te conheçam, a Ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a Quem enviaste” (Jo 17:3). O apóstolo Paulo apresenta a vida eterna mais como uma esperança diante do Cristão (a possessão futura), que no entanto tem um efeito moral presente. Tito 1:2, 3:7. Disso obtemos que a vida eterna para o Cristão se dirige à sua plenitude para a glória de Deus, quando o corpo atual como parte da velha criação será transformado, e haverá total conformidade a Cristo, de acordo com o propósito de Deus. Nesse meio tempo, a mente de Deus é que o Cristão, habitado pelo Espírito Santo, saiba (tenha o conhecimento consciente) que ele tem a vida eterna (1 Jo 5:13).

[←9]

N. do T.: Ceticismo é uma corrente de pensamento segundo a qual o espírito humano não pode ter certeza absoluta de alcançar a verdade e deve abster-se de julgar. Diz, também, que toda afirmação deve ser submetida a uma constante dúvida.

[←10]

N. do T.: “Aprisco” (ou curral), segundo o Concise Bible Dictionary, é o sistema divinamente designado de ordenanças judaicas que formava o recinto no qual o Senhor entrou pela porta, a fim de encontrar Suas próprias ovelhas e conduzi-las para fora. Os crentes gentios foram acrescentados a elas, e eles se tornaram um rebanho (e não ‘um aprisco’) com um Pastor, o próprio Senhor (Jo 10:1, 3, 16). Não há mais um aprisco na Terra para os que são de Cristo. Eles foram tornados a Igreja, a saber, o único rebanho.

[←11]

N. do T.: Nas versões em português a palavra grega “dei” no capítulo 3 do evangelho de João (ARC) é traduzida como “necessário” (vs. 3, 30) e “importa que” (v. 14).

[←12]

N. do T.: A palavra grega_“hamartia”_, traduzida pecado, significa errar o alvo; falhar em atingir a marca. É a falha do homem em alcançar a finalidade para a qual foi criado.

[←13]

N. do T.: John Bunyan é o escritor de “O Peregrino - A Viagem do Cristão à Cidade Celestial”, que é uma alegoria que leva o leitor a refletir sobre os perigos e embaraços da vida Cristã e a ser vigilante na vida terrena.

[←14]

N. do T.: Sistema de governo baseado no poder absoluto arbitrário de um monarca ou ditador.

[←15]

N. do T.: Calcanhar de ferro era um instrumento de tortura usado na antiguidade.

[←16]

N. do T.: Autocracia é o sistema político em que um só indivíduo exerce esse poder como governante e pode assumir as formas de despotismo, tirania, ditadura, oligarquia, autarquia ou monocracia.

[←17]

N. do T.: “Jota” – Refere-se à letra hebraica “ י ” (yod), a menor no alfabeto hebreu (Mt 5:18). A palavra usada é “jota”, que é a palavra grega equivalente para a mesma letra. “Concise Bible Dictionary”, pág. 454.

[←18]

N. do T.: “Til” – Suposto como se referindo ao menor sinal no alfabeto hebreu que serve para distinguir uma letra de outra, como “ ב ” diferencia-se de “ כ. ” – O menor ponto da lei deve ser cumprido. Mateus 5:18; Lucas 16:17. “Concise Bible Dictionary”, pág. 776.

[←19]

N. do T.: A Septuaginta é a mais antiga tradução em grego do texto hebreu do Antigo Testamento, feita para uso da comunidade de judeus do Egito no final do século III a.C.

[←20]

N. do T.: Chama-se “Óbolo de São Pedro” a ajuda que os fiéis oferecem ao papa como sinal de adesão à disposição do sucessor de Pedro (conforme a crença católica) relativamente às múltiplas carências da Igreja universal e às obras de caridade em favor dos mais necessitados

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