Darby

Estudo Sobre a Palavra de Deus - Hebreus

Estudo Sobre a Palavra de Deus

HEBREUS

Tradutor Martins do Vale

Editor Josué da Silva Matos

2019

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EPÍSTOLA AOS HEBREUS

INTRODUÇÃO

A importância da Epístola aos Hebreus requer que a examinemos com especial cuidado. Ela tem um lugar próprio, um lugar inteiramente distinto. O objetivo desta epístola não é a apresentação da posição cristã em si, considerada como fruto da graça soberana, da obra e da ressurreição de Cristo, nem o resultado da união dos Cristãos com Cristo, da união dos membros do corpo com a cabeça, fazendo estes gozar de todos os privilégios que estão n�Ele. E uma epístola onde aquele que realmente apreendeu todo o alcance do Cristianismo, visto como colocando o Cristão em Cristo diante de Deus, quer individualmente, quer como membro do corpo, considera, não obstante, o Senhor como herdeiro de todas as coisas deste mundo, e mostra-nos a Sua Pessoa e as Suas funções no Céu, entre nós, em fraqueza sobre a Terra, e Deus no Céu, com o fim de nos libertar (enquanto andamos neste mundo) de tudo o que nos liga religiosamente à Terra, mesmo quando o vínculo tiver sido ordenado pelo próprio Deus, como no caso dos Judeus.

Esta epístola mostra-nos Cristo no Céu e, por conseguinte, faze- nos ver que os nossos laços religiosos com Deus são celestiais, embora nós próprios ainda não estejamos no Céu, nem sejamos considerados como estando unidos a Cristo lá em cima. Todos os laços com a Terra são quebrados, muito embora continuemos cá.

E muito natural que estas instruções sejam dadas numa epístola dirigida aos Judeus, porque as suas relações religiosas tinham sido terrestres, e ao mesmo tempo solenemente ordenadas pelo próprio Deus. Os Pagãos, quanto às suas religiões, não tinham relações formais senão com os demônios.

Para Judeus, esta ruptura com a Terra era tanto mais solene, absoluta e conclusiva na sua natureza, quanto a relação tinha sido divina. Esta relação devia ser plenamente reconhecida e ser inteiramente abandonada, não, nesta epístola, porque o crente está morto e ressuscitado em Cristo, mas porque Cristo substitui todas as figuras e as ordenanças terrestres. O Deus que tinha instituído as ordenanças da lei estabelecia agora Ele mesmo outras alianças, vínculos de um outro alcance, é verdade, mas Ele é sempre o mesmo Deus.

O fato de Ele ser sempre o mesmo Deus dá ocasião a que Deus retome, no futuro, as Suas relações com Israel, restabelecido no gozo das promessas. Não que a epístola considere os Judeus como colocado atualmente nesse campo; pelo contrário, apresenta sobre tudo o que é celestial e a evolução da fé, tal como a de Abraão e a de outros que não receberam as bênção prometidas, mas admite princípios que podem aplicar-se a essa posição, e, num ou dois lugares, deixa - e devia deixar espaço para essa ulterior bênção do povo. A Epístola aos Romanos, na instrução direta que fornece, não pode deixar esse - espaço para as bênçãos especiais do povo judeu. Do seu ponto de vista, todos são igualmente pecadores, e todos são juntamente justificados em Cristo na presença de Deus no Céu. A Epístola aos Efésios, como o objeto que tem em vista ainda menos podia encontrar nos seus ensinamentos um lugar para as bênçãos vindouras do povo de Deus na Terra, não vê os Cristãos senão como que unidos ao seu Chefe celestial, como Seu corpo, ou como a habitação de Deus na Terra pelo Espírito Santo. A Epístola aos Romanos, na parte em que mostra que essa salvação (que, por ser de Deus, era para todos, sem distinção) é compatível com a fidelidade de Deus às promessas feitas ao povo, aborda o assunto de que falamos, mais distintamente ainda do que a Epístola aos Hebreus, e revelados que Israel retomará, embora de maneira diferente da anterior, o seu lugar na ordem especial dos herdeiros das promessas – lugar que, pelo seu pecado, tinha deixado vago por algum tempo, a fim de permitir a entrada dos Gentios, segundo o princípio da fé, nessa sucessão bendita. É o que encontramos em Romanos 11.

Mas o objetivo das duas epístolas consiste em desprender inteiramente os fiéis da Terra e pô-los - religiosamente – em relação com o Céu. Uma, a que foi endereçada aos Romanos, diz respeito à sua apresentação pessoal a Deus por meio do perdão e da Justiça divina; a outra diz respeito aos meios que Deus estabeleceu para que o crente, andando na Terra, encontre guardadas as suas relações atuais com o Céu, e conservadas na sua integridade as suas relações diárias com Deus.

Eu disse: Conservadas, porque esta conservação é bem o objetivo da epístola que agora estudamos (1). Mas é preciso acrescentar que essas relações do crente com Deus são estabelecidas nessa base por revelações divinas, que nos comunicam a vontade de Deus e as condições segundo as quais quer Se relacionar com o Seu povo.

Notar-se-á também que, na Epístola aos Hebreus, embora as relações do povo com Deus sejam numa nova base, fundadas na posição celestial do Mediador, essas relações são consideradas como subsistindo já. Deus tem de tratar com um povo já Seu conhecido. Dirige-Se a pessoas que estão em relação com Ele, que, desde longa data, têm tido a posição de um novo adquirido fora do mundo para Deus. Não são, como na Epístola aos Romanos, pecadores sem lei, ou transgressores da lei, entre os quais não há nenhuma diferença, porque nenhum deles, absolutamente, atinge a glória de Deus, sendo todos filhos da ira, como os outros. Também não é como na Epístola aos Efésios, uma criação inteiramente nova, anteriormente desconhecida.

Aqueles a quem a epístola se dirige tinham necessidade de "algo de melhor", mas tinham essa necessidade porque estavam em relacionamento com Deus - e as condições de suas relações com Ele não traziam nada à perfeição.

O que eles tinham não era, senão na verdade símbolos e figuras; mas o povo, repito, mantinha relação com Deus. Muitos podiam recusar o novo sistema de bênção e de graça, e, por conseguinte, estarem perdidos; mas o vínculo do povo com Deus é tido como existente.

Simplesmente, tendo sido revelado o Messias, ninguém podia obter um lugar entre esse povo, se não reconhecesse o Messias.

É muito importante, para a compreensão desta epístola, apreender este ponto, a saber, que ela é dirigida aos Hebreus na base de uma relação que ainda subsistia (2), embora não conservasse a sua força senão no que dizia respeito ao reconhecimento do Messias, de que fazia a pedra angular. É por isso que as primeiras palavras da Epístola reatam o estado atual deles com as revelações precedentes, em lugar de romper toda a relação e introduzir uma coisa nova, não revelada até aqui.

Algumas observações acerca da forma da Epístola ajudar-nos-ão a compreendê-la melhor: Não tem nome de autor. A razão deste facto é notável e impressionante: O próprio Senhor, segundo esta Epístola, foi o Apóstolo de Israel. Os apóstolos que Ele enviou não foram empregados senão para confirmarem as Suas palavras, fazendo-as chegar aos outros, confirmando o próprio Deus o testemunho deles por meio de dons miraculosos.

Isto faze-nos também compreender que, embora como sacerdote, o Senhor esteja nas alturas para exercer o seu sacerdócio no Céu e estabelecer as relações do povo com Deus numa nova base; as comunicações de Deus com o seu povo, por intermédio do Messias, tinham já começado quando Jesus estava na Terra, vivendo no meio do Seu povo. Desde então o carácter dessas relações não era a união com Ele no Céu, mas sim as relações com Deus na base das comunicações divinas e do serviço de um Mediador junto de Deus.

Além disso, esta epístola é antes um discurso ou um tratado, que uma Epístola dirigida, no exercício das funções apostólicas, a santos com os quais o escritor se encontre pessoalmente em relação. O autor é, no seu escrito, mais doutor do que apóstolo. Fala, sem dúvida, colocando-se à altura da vocação celestial, porém mantendo o vínculo com a presente posição do povo judeu - para fazer compreender enfim aos crentes que era preciso abandonar essa posição.

Aproximava-se o tempo de Julgamento do povo; e, sob este aspecto, a destruição de Jerusalém teve um grande alcance, porque rompeu definitivamente toda a relação exterior entre Deus e o povo Judeu. Desde então já não há altar, nem sacrifício, nem sumo sacerdote, nem santuário. Todos os vínculos foram rompidos pelo Julgamento, e continuam partidos, até que sejam de novo restabelecidos, de harmonia com a graça, sob a nova aliança.

Por outro lado notaremos que existe antes um contraste do que uma comparação com esta epístola. Sem dúvida o véu é aqui comparado, mas, primeiramente, fechava a entrada do santuário, ao passo que agora há um caminho novo e vivo! Quanto à oferenda, outrora ela era repetida, atestando assim que os pecados estavam sempre lá; agora ela foi feita uma vez por todas, de sorte que não resta nenhuma recordação de pecados - e o mesmo acontece com todos os pormenores importantes.

O autor desta epístola (Paulo, sem dúvida, embora isso seja de menor importância) empregou outros motivos, além do próximo julgamento, para exortar os Judeus crentes a abandonarem as suas relações judaicas, mas é bem este último passo que os decide a fazê-lo: O Julgamento estava próximo. Até então eles tinham associado o Cristianismo ao Judaísmo: tinha havido muitos milhares de cristãos zelosos da lei, mas agora Deus ia destruir totalmente o sistema — sistema já julgado, de fato, pela rejeição de Cristo pelos Judeus, e pela sua resistência ao testemunho do Espírito Santo. Esta epístola exorta os crentes a saírem inteiramente desse sistema e a levarem o opróbrio do Senhor, e apresenta-lhes um fundamento novo para as suas relações com Deus na Pessoa de um Sumo Sacerdote que está nos céus. Liga ao mesmo tempo tudo o que diz, ao testemunho de Deus pelos profetas, por intermédio do Cristo, o Filho de Deus, falando da Sua vivência sobre a Terra, embora falando agora do Céu.

Assim, a nova posição é claramente verificada; mas é ao mesmo tempo apresentada como uma continuação da antiga, e entrevê-se, por meio da nossa aliança, a ligação que existe entre ela e o que está para vir: Um fio pelo qual um outro estado de coisas, o esta milenário, se liga ao conjunto dos caminhos de Deus para com o povo, embora o que é ensinado e desenvolvido na epístola seja a posição dos crentes, do povo formado pela revelação de um Cristo celestial, do qual dependem todas as relações desse povo com Deus. Eles devem sair do campo; mas isto é porque Jesus, para santificar o povo pelo Seu próprio sangue, sofreu fora de portas - porque aqui não há cidade permanente, e nós procuramos a que está para vir. O escritor coloca-se no meio do Remanescente do povo como um de entre eles; ensina com a plena luz do Espírito Santo, mas não se dirige àqueles a quem tinha sido enviado como apóstolo, com a autoridade apostólica que uma semelhante missão lhe teria dado sobre eles.

Compreende-se que falamos da relação do autor, e não da inspiração do escrito.

Embora desenvolvendo as simpatias e os sofrimentos de Cristo, para fazer compreender que sabe sofrer com aqueles que sofrem e com aqueles que são provados, a Epístola não apresenta nunca a humilhação de Cristo, nem o opróbio da Cruz, senão ao fim, quando, tendo sido verificada a glória de Cristo, o autor exorta os Judeus a segui -LO e a tomarem parte no Seu opróbrio.

A glória da Pessoa, as simpatias e a glória celestial do Messias são postas em evidência para fortificarem a enfraquecida fé dos Cristãos Judeus, e para os firmar na sua posição cristã, para que esta tenha o seu verdadeiro carácter aos olhos deles, e para que, ligados ao Céu e fortalecidos no seu chamamento celestial, eles aprendam a levar a Cruz, a libertarem-se da religião da carne, e a não voltarem a um Judaísmo em vias de desaparecimento. É necessário, pois, procurar aqui o caráter das relações que se formam entre os Judeus crentes e Deus, em consequências da revelação do Messias, e de harmonia com a posição que Ele tinham tomado no Céu - e não a doutrina de uma nova Criatura; é preciso procurar ali a liberdade de nos aproximarmos de Deus nos lugares santos, coisa impossível no judaísmo, mas não a revelação do Pai nem a união com Cristo nos lugares celestiais.

CAPÍTULO 1

O autor desta epístola fala a pessoas para quem os privilégios dos pais eram familiares.

Deus tinha falado aos pais pelos profetas muitas vezes e de muitas maneiras. Nestes últimos dias, isto é, nos últimos dias da dispensações israelita, onde a lei devia ter estado em vigor-, no fim dos tempos, durante os quais Deus mantinha as Suas relações com Israel, sustentando ainda, por intermédio dos profetas, relações com um povo desobediente.. no fim desses dias, Deus - digo eu - tinha falado pela Pessoa do Filho.

Não há interrupção nenhuma para começar um sistema inteiramente novo. O Deus, que tinha falado outrora pelos profetas, tinha continuado a falar pelo Cristo. Não tinha falado somente inspirando santos homens, como fizera precedentemente, para que eles fizessem voltar Israel à lei e anunciassem a chegada do Messias. Ele próprio tinha falado como Filho - "pelo (Seu) Filho".

Vê-se já aqui que o escritor lugar a revelação dos pensamentos de Deus feitos por Jesus ( 3), com as antigas palavras dirigidas a Israel pelos profetas. Ele falou-nos – diz ele, identificando-se com o seu povo - como falou aos nossos pais pelos profetas.

O Messias tinha falado, o Filho de que as Escrituras tinham dado já testemunho. Isto dá ocasião, quanto à Sua Pessoa e à posição que tomou, de expor, de acordo com as Escrituras, a glória desse Messias - de Jesus.

É necessário lembrarmo-nos sempre de que é o Messias que o autor tem em vista - Aquele que falou na Terra. Ele anuncia bem a Sua glória divina, mas é a glória d�Aquele que falou, a glória daquele Filho que tinha vindo ao mundo, de harmonia com as promessas feitas a Israel.

Esta glória é dupla, e está em relação com a dupla função de Cristo. E, em primeiro lugar, a glória divina da Pessoa do Messias, Filho de Deus; e a esta glória liga-se a solene autoridade da Sua Palavra. Em seguida a glória de que a Sua humanidade é revestida, de harmonia com os desígnios de Deus, a glória do Filho do homem, glória que se liga aos Seus sofrimentos durante a Sua permanência neste mundo, sofrimentos pelos quais Ele foi tornado apto para o exercício de um sacerdócio compassivo e inteligente quanto às necessidades e às provações dos Seus.

O conteúdo destes dois primeiros capítulos constitui o fundamento de toda a doutrina da epístola. No capítulo 1 encontramos a glória da Pessoa do Messias-, no capítulo 2, nos sendo Aquele que tudo criou; ao passo que Moisés tinha autoridade como servo na Casa de Deus na Terra.

Ora, esta Casa era formada pelos crentes aos quais o escritor inspirado se dirigia, se, pelo menos, eles retivessem firmes até ao fim a confissão do Nome do Senhor; porque o perigo dos Hebreus convertidos consistia em perderam a sua confiança, por não terem nada diante dos olhos como cumprimento das promessas.

E isto dá motivo a exortações (Capítulos 3:7 a 4:13), que se referem à voz do Senhor, como levando a Palavra de Deus ao seio do povo, para que ele não endureça o seu coração.

A partir do verso 14 do capítulo 4 o autor trata do sacerdócio.

Este assunto conduz ao valor do sacrifício de Cristo, introduz de passagem as duas alianças e insiste na mudança de lei, consequência necessária da mudança do sacerdócio. Em seguida vem o valor do sacrifício da Nova Aliança, posto em contraste, de modo muito pormenorizado, com as figuras que acompanhavam a antiga, e sobre as quais a primeira Aliança era fundada, como também sobre o sangue vertido a seu respeito. Este ensinamento acerca do sacerdócio vai até ao fim do verso 18 do capítulo 10.

As exortações fundadas sobre ele introduzem o princípio da perseverança da fé, e isto leva-nos ao capítulo 11, onde a multidão de testemunhas é passada em revista, coroando estas pelo exemplo do próprio Cristo, que completou toda a carreira de fé, apesar dos inúmeros obstáculos, e nos mostra onde termina esse penoso, mas glorioso caminho (capítulo 12:2).

A partir do verso 3 do capítulo 12, o autor entra mais acentuadamente nas provações que se encontram no caminho da fé, e dá as advertências mais solenes acerca do perigo que correm aqueles que se retiram, como dá também os encorajamentos mais preciosos àqueles que perseveram no caminho da fé, com a exposição das relações em que somos colocados por graça. Enfim, no capítulo 13 dirige aos Hebreus fiéis exortações sobre diversos pontos de pormenor, e exortar-os em particular a tomarem francamente a posição cristã sob a Cruz, insistindo em que só os Cristãos praticavam o verdadeiro culto de Deus, e mostrando que aqueles que queriam perseverar no Judaísmo não tinham nenhum direito de tomar parte nesse culto.

Numa palavra, ele quer que nos separemos definitivamente de um Judaísmo já julgado e que apreendamos o chamamento celestial, levando a nossa cruz neste mundo. A chamada era agora celestial, e o caminho era um caminho de fé.

Tal é o resumo desta epístola.

Voltemos agora ao estudo pormenorizado dos capítulos.

Dissemos que no primeiro capítulo encontramos a glória da Pessoa do Messias, Filho de Deus, pelo qual Deus falou ao povo.

Quando digo: "Ao Povo", escusado seria acrescentar que é preciso considerar a epístola como sendo dirigida ao Remanescente crente, participando, como édito, da chamada celestial, mas considerado como ocupando ele só o verdadeiro lugar do povo.

E uma distinção dada ao Remanescente acerca da posição que o Messias tomou em relação ao Seu povo, ao qual Ele tinha sido enviado em primeiro lugar.

O Remanescente, provado e desprezado, considerado como ocupando sozinho o lugar do povo, é encorajado, e a sua fé mantida pela verdadeira glória do meu Messias, oculto agora aos seus olhos, sendo apenas objeto da sua fé.

Deus, diz o escritor inspirado (colocando-se assim entre os crentes do povo bem-amado), falou-nos pela Pessoa do Filho.

Os Judeus já deviam esperar o Filho, segundo o Salmo 2, e ter uma ideia elevada da Sua glória, segundo Isaías 9 e outras passagens que, de fato, os seus doutores aplicavam ao Messias; os escritos dos rabinos ainda disso dão fé. Mas que o Messias tivesse ido para o Céu, que não tivesse elevado o Seu povo à posse da glória na Terra - eis o que era incompatível com o estado carnal dos seus corações.

Ora, é esta glória celestial, esta verdadeira posição do Messias e do Seu povo em relação com os Seus direitos divinos à atenção do povo e à adoração dos próprios anjos que nos são apresentadas aqui. O Espírito de Deus faz realçar de maneira infinitamente preciosa a glória divina do Cristo, com o objetivo de elevar os Seus à fé de uma posição celestial, e mostra ao mesmo tempo, no que se segue, a Sua perfeita simpatia por eles, como Homem, em vista de manter a comunhão deles como o Céu, através das dificuldades que encontrarão no seu caminho sobre a Terra.

Assim, embora a Igreja se não encontre na Epístola aos Hebreus, exceto no capítulo 12, numa alusão a todos aqueles que terão parte na glória milenária, o Salvador da Igreja ali se encontra, apresentado e desenvolvido na descrição da Sua Pessoa, da Sua obra e do Seu sacerdócio, da maneira mais rica para os nossos corações e para a nossa compreensão espiritual.

E também do mais alto interesse ver como a obra do nosso Salvador, levado a cabo por amor de nós, faz parte da manifestação da Sua glória divina.

"Deus. . falou pelo Filho", diz o autor inspirado desta epístola.

É, pois, Ele que é esse Filho.

Primeiramente, é constituído herdeiro de todos as coisas. É Ele que deve possuir gloriosamente, como Filho, tudo o que existe.

Tais são os desígnios de Deus.

Além disso foi por Ele que Deus fez os mundos (4).

Todos os vastos sistemas deste universo, esses mundos desconhecidos que traçam o Seu caminho no espaço infinito, segundo a ordem divina, para manifestarem a glória de um Deus Criador, são a obra da mão d�Aquele que nos falou, do Cristo divino.

N�Ele resplandeceu a glória de Deus. Ele é a perfeita impressão do Seu Ser. Vemos Deus n�Ele, em tudo o que Ele disse, em tudo o que Ele fez, na Sua Pessoa.

Depois, pelo poder da Sua Palavra, Ele mantém tudo o que existe. Ele é, pois, o Criador.

Deus é revelado na Sua Pessoa.

Ele mantém todas as coisas pela Sua Palavra, que tem assim um poder divino. Mas isto ainda não é tudo (porque falamos sempre de Cristo): Há uma outra parte da Sua glória, parte divina, é verdade, mas manifestada na natureza - humana. Aquele que era tudo o que acabamos de ver, tendo por Si próprio, realizando a Sua própria glória (5) e para Sua glória, feito a purificação dos nossos pecados, assentou-se à direita da Majestade nas alturas.

Eis, em pleno, a glória pessoal de Cristo.

Ele é, de fato, o Criador, a revelação de Deus. Ele mantém toda as coisas pela Sua Palavra.

Ele é o Redentor. Ele fez por Si mesmo a purificação dos nossos pecados. Assentou-Se à direita da Majestade nas alturas. E é o Messias que é tudo isto! Ele é o Deus Criador, mas, mas ao mesmo tempo um Messias que tomou lugar nos Céus à direita da Majestade, tendo efetuado a purificação dos nossos pecados.

Sente-se como esta exposição da glória de Cristo, do Messias, quer pessoal quer de posição, faz sair do Judaísmo a todo aquele que crê nessa glória, embora ligando-se às promessas e às esperanças judaicas. Ele é Deus. Desceu do Céu e ao Céu voltou.

Ora, aqueles que se ligam a Ele encontram-se colocados, também sob outro ponto de vista, acima do sistema judaico. Esse sistema era ordenado em ligação com os anjos. Ora o Cristo Homem tomou uma posição muito mais elevado do que a dos anjos porque tem, como herança que Lhe é própria, um Nome (isto é, uma revelação do que Ele é) bem mais excelente do que o deles. O autor da epístola cita várias passagens do Antigo Testamento que falam do Messias para mostrar o que Ele é em contraste com a natureza e a posição relativa dos anjos. O alcance d esses testemunhos, para os Judeus convertidos, é evidente; e vê-se facilmente o quanto esse raciocínio lhes é adaptado, porque a dispensação judaica estava sob a administração dos anjos, como os Judeus acreditavam - e a crença deles, a este respeito, era plenamente fundada sobre a Palavra (6). Ao mesmo tempo, as próprias Escrituras demonstravam que o Messias deveria ter uma posição bem mais excelente e mais elevada do que os anjos, de harmonia com os direitos que Lhe eram próprios, em virtude da Sua natureza e segundo os desígnios e a revelação de Deus; de sorte que aqueles que se unissem a Ele eram postos em relação com aquilo que eclipsava inteiramente a lei e tudo o que a ela se ligava e à dispensação judaica, a qual não podia ser separada da lei e cuja glória era angélica no seu caráter. A glória do Cristianismo - e o autor fala àqueles que reconheciam Jesus como sendo o Cristo - estava de tal modo acima da glória da lei que, realmente, os dois sistemas não podiam unir-se.

As citações começam pelo Salmo 2. Deus - está escrito - nunca disse a nenhum dos anjos: "Tu és meu Filho, eu hoje te gerei". E este caráter de Filho, próprio do Messias, que, como relação real, O distingue. Ele era eternamente Filho do Pai, mas não é precisamente sob este ponto de vista que é considerado aqui.

O Nome que Lhe é dado exprime essa mesma relação, mas é ao Messias nascido na Terra que esse título é aplicado aqui; porque o Salmo 2, estabelecendo-O como Rei em Sião, anuncia o decreto que proclama o Seu título.

"Tu és meu Filho, eu hoje te gerei", exprime a relação do Cristo no tempo com Deus. O título depende da Sua natureza gloriosa, não duvido; mas esta posição para o homem foi adquirida pelo nascimento miraculosos de Jesus neste mundo, demonstrado ser verdadeiro, e determinado no seu verdadeiro alcance pela ressurreição.

No Salmo 2 o testemunho prestado a esta relação está de harmonia com a realeza do Cristo em Sião, mas declara a glória pessoal do Rei reconhecido por Deus. Em virtude dos direitos concernentes ao título de Filho, todos os reis são intimados a submeterem-se a Ele.

Trata-se, pois, neste Salmo, do governo do mundo, quando Deus estabelecer o Messias Rei em Sião, e não do Evangelho. No entanto, na passagem citada (Hebreus 1:5), a relação de glória com Deus, na qual ele subsiste, é posta em evidência, relação que é o fundamento do Seus direitos e não os próprios direitos reais.

O mesmo se dá com a citação seguinte: "Eu lhe serei por Pai, e ele me será por filho". Vê-se bem aqui que se trata da relação em que Deus O aceita e O reconhece, e não da Sua relação eterna com o Pai: "Eu lhe serei por Pai", etc.

Também é sempre do Messias que se trata, Rei em Sião, Filho de Davi, porque estas palavras são primeiramente dirigidas a Salomão, como filho de Davi (2 Samuel 7:14 e 1 Crônicas l7:13).

Na segunda destas passagens, a aplicação destas palavras ao verdadeiro filho de Davi é mais clara. Uma relação tão íntima, expressa, pode dizer-se, com tanto afeto, não era a porção dos anjos. Ser Filho de Deus, reconhecido por Deus como Seu próprio Filho, tal é a porção do Messias em relação com Deus. O Messias é, pois, Filho de Deus de uma maneira muito particular, a qual não poderia ser aplicada aos anjos.

Mas mais ainda: quando Deus introduziu o Primogênito no mundo, todos os anjos são chamados a render-Lhe homenagem. Deus apresenta-O ao mundo; mas as mais elevadas das criaturas devem então prostrar- se perante Ele. Os próprios anjos de Deus, as criaturas mais próximas de Si, devem prestar homenagem ao Primogênito. Esta expressão “Primogêniton” é também muito notável. O Primogênito é o Herdeiro, o princípio da manifestação da glória e do poder de Deus. É neste sentido que esta palavra é aqui empregada. E dito do filho de Davi: "Dar-lhe-ei o lugar de Primogênito; fá-lo-ei mais elevado do que os reis da Terra" (Salmo 89:27). Assim o Messias é introduzido no mundo como tendo esse lugar de Primogênito a respeito do próprio Deus. Ele é Primogênito, a expressão imediata dos direitos e da glória de Deus. Tem a primazia universal.

Eis, por assim dizer, a glória de posição do Messias, Ele é não só o Chefe do povo sobre a Terra, como Filho de Davi, ou mesmo sendo reconhecido como Filho de Deus sobre a Terra, segundo o Salmo 2, mas também é Primogênito universal, de sorte que as primeiras e as mais elevadas criaturas e as mais próximas de Deus, os anjos de Deus, os instrumentos do Seu poder e do Seu governo, devem prestar homenagem ao Filho, mesmo nesta posição.

Mas isto está longe de ser tudo; e mesmo essa homenagem estaria fora de lugar, se a glória que Ele possui não Lhe fosse própria e pessoal e não se ligasse à Sua natureza. Porém, o que temos sempre perante nós, neste capítulo, é o Messias como reconhecido por Deus.

Deus diz-nos o que Ele é. Dos anjos diz: "O que a seus anjos faz ventos, e a seus ministros labareda de fogo".

Não faz que o Filho seja uma coisa qualquer; reconhece o que Ele é, ao dizer: "Ó Deus, o teu trono subsiste pelos séculos dos séculos". O Messias pode ter o Seu trono terrestre (que também Lhe não é tirado, mas que cessa pela tomada de posse de um trono eterno), mas tem também um trono pelos séculos dos séculos.

O cetro do Seu trono, como Messias, é um cetro de Justiça.

Quando estava neste mundo, também Ele pessoalmente amou a Justiça e aborreceu a iniquidade; e foi por isso que Deus O ungiu com óleo de alegria, mas do que aos Seus companheiros. Estes são o Remanescente crente de Israel, de quem Ele fez, por Sua graça, Seus companheiros, embora - perfeitamente agradável a Deus pelo Seu amor pela Justiça (amor que não recuou perante nenhuma dificuldade nem nenhum sacrifício) - seja elevado acima de todos eles. Esta passagem é notável, porque, se, por um lado, a divindade do como Seu companheiro o Homem humilhado, contra o qual a Sua espada desperta para o ferir (Zacarias 13); aqui, onde a divindade de Jesus é verificada, o mesmo Jehová reconhece o pobre Remanescente dos crentes como companheiros do Salvador divino.

Maravilhosos laços estes de Deus com o Seu povo! Portanto, nestes notáveis testemunhos o Messias tem já o trono eterno e o cetro da Justiça; é reconhecido como Deus, sendo embora Homem, e glorificado acima de todos em recompensa da Sua Justiça.

Mas o testemunho à sua divindade, o testemunho à divindade do Messias deve ser mais preciso. E este testemunho é aqui de toda a beleza. O Salmo de onde ele é tirado é uma das expressões mais completas que se encontram nas Escrituras, da consciência que Jesus tinha da Sua humilhação sobre a Terra, da Sua dependência de Jehová, do sentimento que Ele teve de que, elevado como Messias, de entre os homens, tinha sido abatido e que os Seus dias tinham sido abreviados. Se Sião estava reedificada, e se o Salmo fala profeticamente do tempo em que isso acontecerá, onde será Ele, o Messias, abatido e humilhado, se os Seus dias foram reduzidos a metade (como, realmente, aconteceu)? Numa palavra, o Salmo 102 é a expressão profética do coração do Salvador, em perspectiva do que Lhe aconteceu como Homem na Terra; é o que o Seu coração disse ao Eterno nesse tempo de humilhação, em presença da afeição renovada do Remanescente pela poeira de Sião - afeição produzida pelo Senhor nos corações dos Judeus piedosos e que é um sina! do Seu bom querer e do Seu desejo de restabelecer a Sua cidade bem-amada.

Mas como poderia um Salvador suprimido ter parte nesse tempo de bênção? Questão deveras difícil para o Judeu crente, quando tentado por esse lado. As palavras citadas aqui são a resposta a essa questão. Por muito humilhado que Ele tivesse sido, esse Messias era o próprio Criador. Ele era sempre o mesmo (7): Os Seus anos nunca acabariam. Ele tinha fundado os Céus; Ele os enrolaria como um manto. Mas Ele próprio nunca mudava.

Tal é, pois, o testemunho prestado ao Messias pelas Escrituras dos próprios Judeus; tal é a glória da Sua posição acima dos anjos, administradores da dispensação da lei; e tal é o Seu eterno trono de Justiça, tal a Sua imutável divindade como Criador de todas as coisas.

Restava ainda uma coisa para completar este encadeamento de glórias, a saber, o lugar que ocupa atualmente o Cristo, em contraste ainda com os anjos, lugar que depende, por um lado, da glória divina da Sua Pessoa, e, por outro, do cumprimento da Sua obra. E este lugar é à direita de Deus, que O chamou para ali Se assentar, até que Ele tenha posto os Seus inimigos por escabelo dos Seus pés. Não só a Sua Pessoa é gloriosa e divina, não só Ele tem o primeiro lugar no universo a respeito de todas as criaturas (falamos dessas glórias, que terão lugar quando Ele for introduzido no mundo), mas tem também o Seu próprio lugar à direita da Majestade nos Céus. A qual dos anjos Deus disse jamais aquilo? Os anjos são, da parte de Deus, os servos dos herdeiros da salvação.

(NOTAS DO ESTUDO SOBRE HEBREUS CAPÍTULO 1)

  1. Verificar-se-á, creio, que na Epístola aos Hebreus o exercício do sacerdócio celestial não é aplicado ao caso de se ter caído no pecado. O seu objetivo consiste em nos fazer encontrar misericórdia e graça para termos socorro no momento oportuno. O seu objetivo é o acesso a Deus no Céu, onde temos um Sumo Sacerdote - e este acesso nós o temos sempre. A consciência é sempre perfeita (capítulos 9 e 10) quanto à imputação e quanto ao acesso a Deus. Na Primeira Epístola de João, onde se trata da questão da comunhão que o pecado pode interromper, temos um Advogado junto do Pai, se alguém tiver pecado. Isto também é baseado na Justiça e na propiciação perfeitas n�Ele. O Sacerdócio de Cristo concilia uma posição celestial perfeita junto de Deus, com um estado de fraqueza sobre a Terra, estado este sempre exposto a quedas - dá um sentimento de segurança e de dependência na viagem através do deserto.

  2. Ele santifica o povo pelo Seu próprio sangue. Eles consideram profano o sangue da aliança pelo qual tinham sido santificados. Na Epístola aos Hebreus não se fala de nenhum operação santificante do Espírito Santo, embora se encontrem ali exortações a prosseguir a santidade.

  3. Ver-se-á que, mostrando de improviso que Aquele que constitui o tema do seu discurso se tinha assentado à direita de Deus, o autor da epístola fala também das comunicações do Senhor na Terra. Mas mesmo aqui é em contraste com Moisés e com os anjos, sendo o Filho bem mais excelente. Tudo é dito tendo em vista livrar do Judaísmo os judeus crentes.

  4. Tem-se querido dar uma interpretação particular à palavra grega traduzida por "mundo"; mas o certo é que essa palavra foi empregada pelos Setenta, isto é, no Grego helenista e escriturística, para os mundos físicos.

  5. O verbo grego tem aqui uma forma particular, que lhe empresta um sentido reflexo, fazendo recair a ação praticada sobre aquele que a praticou; fazendo refletir a glória do que é feito sobre aquele que o faz.

  6. Ver Salmo 68:17; Atos 7:53; Gálatas 3:19

  7. As palavras traduzidas: “tu és o mesmo" - Atta Hou - são consideradas por muitos sábios hebraístas (pelos menos Hou) como sendo um nome de Deus.

Em todo o caso, como Ele é imutavelmente o mesmo, está certo. Os anos que nunca acabarão serão uma duração sem fim depois que Ele se tomou Homem.

CAPÍTULO 2

Esta é a razão porque era tão necessário escutar a Palavra pronunciada, para que não fosse esquecida, nem na vida prática nem na memória.

Deus tinha mantido a autoridade da Palavra, comunicada por intermédio dos anjos, punindo a desobediência porque esta Palavra era uma lei.

Como escaparemos nós pois, se negligenciarmos uma salvação que o próprio Senhor anunciou? Tal tinha sido o serviço do Senhor entre os Judeus - uma Palavra de Salvação que os apóstolos tinham confirmado, e que o poderoso testemunho do Espírito Santo estabeleceu.

Tal é exortação dirigida aos Judeus crentes, exortação fundada sobre a glória do Messias, considerada quer quanto à Sua posição, que quanto à Sua Pessoa.

Já observamos que o testemunho de que a epístola se ocupa é atribuído ao próprio Senhor. Por isso não é preciso procurar nesta epístola a Igreja, como tal considerada - o Senhor não falou dela senão profeticamente - mas é necessário procurar ali o testemunho do Senhor em relação com Israel, no meio do qual Ele permaneceu na Terra, seja qual for o alcance desse testemunho. O que os apóstolos disseram não é tratado aqui como confirmação da palavra do próprio Senhor, tendo Deus acrescentado ao testemunho deles o Seu próprio testemunho, pelas miraculosas manifestações do Espírito, que distribuiu os Seus dons a cada um segundo a Sua vontade.

A glória de que acima falamos é a glória pessoa! do Messias, como Filho de Davi, e a Sua glória no tempo presente, durante o qual Deus Lhe disse que Se assentasse à Sua direita. Ele é o Filho de Deus; Ele mesmo é o Criador, mas há também uma glória em relação com o porvir, que Lhe pertence como Filho do homem. É disso que fala o segundo capítulo desta epístola, comparando-O ainda com os anjos, mas para os excluir inteiramente. No capítulo precedente eles tinham o seu lugar. A lei tinha sido dada por intermédio dos anjo. Eles são, da parte de Deus, servos dos herdeiros da salvação. Neste capítulo 2 eles não têm nenhum lugar, não reinam. O porvir não lhes está sujeito, isto é, esta Terra habitada, dirigida e governada como ela o será, quando Deus cumprir aquilo de que falou pelos profetas.

A ordem do mundo, colocado em relação com Jeová sob a lei, ou jazendo nas trevas, foi interrompida pela rejeição do Messias, que tomou lugar à direita de Deus, não Lhe estando ainda os Seus inimigos entregues para o Julgamento, porque Deus prossegue a Sua obra de graça, reunindo a Igreja. Mas Ele estabelecerá uma nova ordem de coisas obre a Terra: Será "o mundo habitado que há de vir", será o porvir, mas esse mundo não estará sujeito aos anjos. O testemunho prestado no Antigo Testamento a tal respeito é o seguinte: "Que é o homem mortal, para que te lembres dele? E o filho do homem, para que o visites? Fizeste-o, no entanto, por um pouco, menor do que os anjos, e de glória e de honra o coroaste, Deste-lhe domínio sobre as obras da tua mão, e sob seus pés tudo lhe puseste" (Salmo8:4-6). Assim, todas as coisas, sem exceção (à parte Aquele que lhes sujeitou), estão, segundo o propósito formado de Deus, sob os pés do homem, e em particular do Filho do Homem.

Estudando o Livro dos Salmos, vimos o que eu recordo aqui, isto é, que esse testemunho do Salmo 8 é, quanto à posição e à dominação do Cristo como Homem, um progresso sobre o Salmo 2. O primeiro Salmo apresenta-nos o homem justo, aceito por Deus, o Remanescente piedoso ao qual Cristo Se juntou; o Salmo 2 apresenta-nos os desígnios de Deus a respeito do Seu Messias, não obstante os esforços dos reis e dos governadores da Terra. Deus O estabelece Rei em Sião, e intima todos os reis a prestarem homenagem Àquele que ele anunciou como sendo o Seu Filho sobre a Terra. Em seguida vemos que, tendo o Messias sido rejeitado, o Remanescente sofre, e Pedro cita esse Salmo 2 para provar a sublevação das autoridades da Terra, tanto dos Judeus como dos Gentios, contra Cristo. Mas o Salmo 8 mostra que essa rejeição não fazia senão aumentar a esfera da Sua glória.

Cristo toma a posição do homem, e o título de Filho do homem, e goza dos Seus direitos, de harmonia com os desígnios de Deus. Feito menor do que os anjos, Ele é coroado de glória e de honra; e não só os reis da Terra Lhe estão sujeitos, mas também todas as coisas, sem exceção, são postas sob os Seus pés (1). É o que o apóstolo recorda aqui. O Cristo já tinha sido rejeitado, e o Seu estabelecimento como Rei em Sião adiado para ser efetuado mais tarde. Tinha sido elevado à direita de Deus, como vimos, e tinha obtido um título mais extenso, embora o resultado da Sua elevação não estivesse ainda concretizado.

A epístola chama aqui a nossa atenção para este ponto. Nós não vemos ainda o cumprimento de tudo o que diz esse Salmo, a saber, que todas as coisas são postas sob os Seus pés; mas uma parte já está cumprida e tornou-se, para os nossos corações, uma garantia do cumprimento de tudo o mais. Feito um pouco menor do que os anjos, Ele é coroado de glória e de honra; sofreu a morte, e foi coroado em recompensa do Seu trabalho pelo qual glorificou perfeitamente a Deus, ali, onde tinha sido desonrado, e salvou o homem, pelo menos aquele que crê, ali, onde estava perdido, porque Ele foi feito menor do que os anjos, a fim de que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos (versos 8 e 9). Parece-me que as palavras: "Por causa da paixão da morte", e "um pouco menor do que os anjos" se harmonizam, e que "para que, pela graça de Deus" se harmonizam, e que "para que, pela graça de Deus" é uma frase geral, ligada a toda a verdade apresentada.

Esta passagem, aplicada ao Senhor, mostra-no-Lo, pois, assunto ao Céu, após ter sofrido a morte, que, de uma nova maneira, Lhe deu direito a tudo, esperando agora que tudo seja posto sob os Seus pés. Mas uma outra verdade se liga a esta humilhação de Cristo: Ele tinha empreendido a causa dos filhos que Deus levava à glória, e devia, por conseguinte, entrar nas circunstâncias deles, sofrer as consequências, e ser tratado segundo a obra que empreendera.

Colocar-Se nessa posição devia ser uma realidade, e convinha que Deus reivindicasse os direitos da Sua glória e a mantivesse perante aqueles que O tinham desonrado, e tratasse a Pessoa que tinha tomado em mãos a causa deles e Se apresentava diante d�Ele por eles, sustentando a causa deles, sob essa relação.

Cristo devia consumar a salvação deles pelos Seus sofrimentos; devia sofrer as consequências da situação em que tinha entrado. A Sua obra devia ser uma realidade, de acordo com a medida da responsabilidade que tinha tomado sobre Si, porque se tratava da glória de Deus, ali mesmo onde estava o pecado. Ele devia sofrer, provar a morte, e isso pela graça de Deus para o pecado, enquanto que nós provamos a morte pelo pecado.

s Isto faze-nos ver o Cristo tomando lugar, embora esteja à cabeça deles, entre aqueles que são salvos e que Deus conduz à glória. É o que esta epístola nos apresenta: Aquele que santificou, o Cristo - e os santificados, o Remanescente separado para Deus pelo Espírito, são todos de UM. O sentido desta expressão é simples, mas difícil de exprimir, quando se sai da abstração da própria frase. Note-se que é só dos santificados que isto é dito. O Cristo e aqueles que são santificados são todos uma mesma companhia, homens na mesma posição perante Deus. Mas a ideia vai um pouco mais além. .

Este texto não diz: De um só e mesmo Pai. Se assim fosse, não poderia ter sido dito: "Ele não se envergonha de lhes chamar irmãos". Não teria pedido então fazer outra coisa senão chamar-lhes irmãos.

Se se dissesse que eles são da mesma massa, poder- se-ia dar à expressão um sentido demasiado largo, como se Ele e os outros fossem da mesma natureza, como filhos de Adão, juntamente pecadores. Nesse caso, Ele deveria ter chamado a todo o homem Seu irmão, - mas são somente os filhos que Deus Lhe deu, os "santificados", que Ele chama assim. Mas tanto Ele como os santificados se encontram todos Homens na mesma natureza e na mesma posição, juntamente perante Deus. Quando digo "a mesma" não quero dizer que seja no mesmo estado de pecado; pelo contrário, porque eles são Aquele que santifica e os que são santificados, na mesma verdade da posição humana, como ela está perante Deus enquanto a santificados para Ele - a mesma segundo a qual também Ele está como Homem, ele, o Santificado, na presença de Deus. É por isso que Ele Se não envergonha de chamar os santificados Seus irmãos.

Esta posição é completamente adquirida pela ressurreição; porque, embora, em princípio, os filhos Lhe tenham sido dados antes, Ele não os chamou Seus irmãos senão após ter acabado a obra que O habilitava a apresentámos com Ele perante Deus. Na verdade Ele disse: "mãe, irmã, irmão"; mas não disse "meus irmãos" senão quando disse a Maria de Magdala: "Vai para os meus irmãos, e dize-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai para meu Deus e vosso Deus" (jo 20:17). De igual modo, no Salmos 22, quando, de entre os fortes touros de Bazã, clamou e foi atendido é que Ele anuncia o Nome de um Deus Salvador aos Seus irmãos e canta louvores no meio da congregação.

Falou-lhes do Nome do Pai; mas não podia formar-se o mesmo vínculo e não podia apresentá-los ao Pai, a não ser que o grão de trigo, caindo na terra, morresse para frutificar! Até lá, Ele ficava só, fosse quais fossem as revelações que lhes fizesse. E, de fato, Ele declarou o Nome de Seu Pai àqueles que o Pai Lhe tinha dado. Tinha, realmente, tomado a posição humana, e Ele mesmo estava na relação do homem com Deus. Guardava os discípulos em Nome do Pai. eles não estavam ai da juntos com Ele nessa posição de filhos; mas Jesus estava, como Homem, na relação com Deus em que eles deviam também entrar quando, pela redenção, tivessem sido reunidos a Ele. O efeito das explicações que o Senhor no fim do Evangelho de João, dá aos Seus discípulos, quanto ao estado em que Ele os deixava, foi colocá-lo na posição que Ele tinha, de fato, sobre a Terra, em relação com Seu Pai, e como testemunho para o mundo, ao mesmo tempo que a glória da Sua Pessoa como representando e revelando o Pai era necessariamente distinta. E, de fato, Ele associou-os a Si e a eles Se associou quando subiu ao Céu, embora corporalmente já não estivesse desde então sujeito às provações dessa posição (2).

Portanto, ele não Se envergonha de os chamar irmãos ao dizer, embora ressuscitado, ou antes, somente quando é ressuscitado: "anunciarei o teu nome aos meus irmãos, cantar-te-ei louvores no meio da congregação"; e, falando do Remanescente, separado de Israel: Eis-me aqui a mim, e aos filhos que Deus me deu, nós somos para sinais às duas casas de Israel", e ainda: "N�Ele por e a minha confiança", (outra citação de Isaias 8). De igual modo nos Salmos, em particular no Salmo 16, onde declara que não toma o Seu lugar como Deus: "A minha bondade não se eleva até a ti", mas que Se identifica com os excelentes da Terra, que neles estão todas as Suas delícias. Estes "excelentes, ilustres ou notáveis da Terra" é ainda o Remanescente de Israel, chamado pela graça.

Cristo associa com Ele esses santificados homens, esses piedosos homens da erra. Na passagem citada trata-se sempre do Seu lugar na Terra. Os Seus sofrimentos, a Sua exaltação, a Sua glória futura, a Sua divindade, como temos visto, estão juntos aqui.

Tendo tomado este lugar como sendo da companhia dos eleitos, mas como sendo o Chefe, o Servo deles em tudo - teve de Se conformar com a posição deles.

E é o que Ele fez. Tendo os filhos parte na carne e no sangue, também Ele dali participou; e isto para que, pela Sua morte, pusesse fim ao poder daquele que detinha o império da morte, e livrasse aqueles que, pelo medo da morte, tinham estado toda a sua vida sujeitos à servidão.

Também aqui, ao passo que o autor da epístola procura, como faz sempre, mostrar o lado glorioso e mesmo eficaz da parte mais humilhante, para habituar o fraco coração dos Judeus a esse aspecto do Evangelho, encontramos que o coração do Senhor ultrapassa em muito os limites de uma apresentação do Messias ao Seu povo.

Ele não só é glorioso no Céu, mas também venceu a Satanás, mesmo lá onde ele exercia o seu triste império sobre o homem, e onde o Julgamento de Deus pesava duramente sobre este.

Impelido por um profundo amor pelo homem, o Filho, feito Filho de homem, entra de coração e de fato em todas as necessidades do homem, e submete-Se a todas as suas circunstâncias com o fim de o livrar. Toma - porque não estava nessa condição antes – a came e o sangue a fim de poder morrer, porque o homem estava sujeito à morte.

E (a fim de destruir aquele que exercia o seu império sobre o homem pela morte, fazendo tremer o homem ao longo de toda a sua vida, na expectativa desse terrível momento - testemunho do Julgamento de Deus e da incapacidade do homem de se subtrair às consequências do pecado) toma o estado onde o homem se tinha engolfado pela sua desobediência a Deus. Porque, com efeito, o Senhor não empreendeu a causa dos anjos, mas sim a da semente de Abraão. Ora, para poder fazer a obra necessária para essa semente e apresentá-la eficaz e realmente perante Deus, teve de Se colocar na posição e nas circunstâncias em que ela se encontrava - embora não no estado em que se encontravam pessoalmente aqueles que dela faziam parte.

Notar-se-á aqui que é sempre uma família reconhecida por Deus que está sob o nosso olhar, como objeto da afeição e dos cuidados do Salvador - os filhos que Deus Lhe deu, os filhos de Abraão, segundo a carne, se nesta condição eles respondem a esta designação de "semente de Abraão", questão posta em João 37-39, ou de Seus filhos segundo o Espírito, quando a graça lhes dá esse título.

Estas verdades, introduzem o sacerdócio. Como Filho do homem, Ele foi feito um pouco menor que os anjos; e já coroado de glória e de honra, deve ter mais todas as coisas sujeitas sob os Seus pés. E o que nós ainda não vemos. Mas Ele tomou esse lugar de humilhação para provar a morte pelo sistema inteiro, que estava afastado de Deus, e para adquirir em pleno os direitos do segundo Homem, glorificando a Deus ali onde, pela sua fraqueza, a Criatura tinha falhado; e onde também o Inimigo, tendo enganado o homem pela sua astúcia, dominava, segundo o justo Julgamento de Deus, pela sua força e pela sua malícia. Ao mesmo tempo Ele provou a morte com o fim especial de livrar os filhos que Deus queria levar para a glória, tomando a natureza deles, reunindo-os santificados em volta de si, e não Se envergonhando de lhes chamar irmãos. Mas é assim que Ele ia apresentá-los agora perante Deus, segundo a eficácia da obra que tinha realizado por eles; quer dizer que e tomava Sacerdote, sendo capaz de, pela Sua vida de humilhação e de provação neste mundo, simpatizar com os Seus em todos os seus combates e em todas as suas dificuldades.

Ele sofreu, mas não sucumbiu, não se sofre quando se sucumbe à tentação. A carne tem prazer nas coisas pelas quais é tentada.

Jesus sofreu, sendo tentado, e é capaz de socorrer aqueles que são tentados. É importante notar que a carne, movida pelas cobiças, não sofre. Infelizmente, ela goza quando é tentada! Mas quando, segundo a luz do Espírito Santo e a fidelidade da obediência, o espírito resiste aos ataques do Inimigo, tão sutis, tão perseguidores, sofre-se.

O Senhor sofreu assim, e nós somos chamados para sofrermos da mesma maneira. O que tem necessidade de socorro é o novo Homem, o coração fiel, e não a carne - porque eu tenho necessidade de socorro contra a carne e para modificar todos os membros do velho homem.

Aqui o socorro de que temos necessidade refere-se às dificuldades que o santo encontra ao procurar cumprir toda a vontade de Deus. E aqui que se sofre, e é aqui que o Senhor, que também sofreu, pode socorrer.

Ele andou por este caminho; aprendeu nele o que nele se sofre da parte do Inimigo e dos homens.

Um coração de homem sente o que é sofrer assim - e Jesus tem um coração de homem. Além disso, quanto mais fiel o coração for, quanto mais cheio de amor a Deus, menos tem da dureza resultante do convívio com o mundo, e mais se sofre. Ora, não havia nenhum endurecimento em Jesus. A Sua fidelidade era perfeita, como o perfeito era o Seu amor. Ele era homem de dores, sabendo bem o que é a fraqueza e o sofrimento. Ele sofreu ao ser tentado (3).

(NOTAS DO ESTUDO SOBRE HEBREUS - CAPÍTULO 2)

  1. Compare-se a resposta de Cristo a Natanael, no final de jo 1, e também Mateus 16 e Lucas 9, onde Ele ordena aos discípulos que não digam a ninguém ser Ele o Cristo, e onde declara que vai sofrer como Filho do homem, mas lhes anuncia a glória futura.

  2. Isso, porém, em relação com Deus.

Eles não representavam nem faziam conhecer o Pai, como ele o tinha feito.

Além disso, embora sejamos introduzidos na mesma glória que Ele, e na mesma relação com o Pai, a glória pessoal de Cristo como Filho é sempre cuidadosamente mantida. Assim como alguém justamente observou, Ele não diz nunca "nosso" Pai quando está com os discípulos. Ele diz-lhes: Dizei "nosso", mas Ele próprio diz "meu Pai e vosso Pai", e isto é bem mais precioso.

  1. Podemos notar neste capítulo quatro razões da humilhação de Jesus: Primeira, ela convinha a Deus, pois nela estava a Sua glória; segunda, a destruição do poder de Satanás, terceira, a propiciação pela Sua morte; quarta, a capacidade de simpatizar no Sacerdócio.

CAPÍTULO 3

Por conseguinte, o Senhor é-nos apresentado como Apóstolo e Sumo Sacerdote dos crentes de entre os Judeus - do verdadeiro povo. Eu digo "de entre os Judeus", não que Ele não seja o nosso Sacerdote, mas porque o escritor sacro se coloca aqui entre os judeus crentes, ao dizer "nosso", e, em lugar de falar de si próprio como apóstolo, designa Jesus como Apóstolo - o que Ele, na verdade, era pessoalmente para os Judeus. Em princípio, aquilo de que Ele fala é verdadeiro para todos os crentes. O que o Senhor disse é a Sua Palavra, e Ele é capaz de nos socorrer, quando somos tentados. Nós somos a Sua casa.

Com efeito, temos aqui um terceiro caráter de Cristo: ele é "Filho sobre a sua casa". Moisés foi fiel em toda a casa de Deus como servo, em testemunho das coisas que deviam ser ditas mais tarde. Ora, Cristo é sobre a casa de Deus; porém, não é como servo, mas sim como Filho. Ele construiu a casa; Ele é Deus.

Moisés tinha-se identificado com a casa, fiel em tudo nessa posição; Cristo é mais excelente, como é mais excelente que a casa aquele que a construiu. Mas Aquele que constrói todas as coisas é Deus - e é o que Cristo fez.

De fato, a casa, quer dizer, o tabernáculo no deserto era uma figura do Universo. Cristo atravessou os céus, como sumo Sacerdote, entrando no santuário. Tudo estava purificado pelo sangue, e Deus reconciliará todas as coisas por Cristo nos céus e sobre a Terra. Num certo sentido, esse Universo é a casa de Deus; Deus digna-Se de habitar ali. Ele foi inteiramente criado por Cristo; mas há uma casa que é mais particularmente Sua: Somos nós! Nós somos a Sua casa, supondo que perseveremos até o fim.

O perigo dos Cristãos Hebreus - atraídos pelos seus antigos hábitos, por uma lei e por cerimónias estabelecidas pelo próprio Deus - estava em que eles abandonassem o Cristianismo, em que Cristo não está visível, por coisas visíveis e palpáveis. O Cristo dos Cristãos, longe de ser uma coroa de glória para o povo, era apenas um objeto de fé, de sorte que ficava privado de toda a importância, enfraquecesse. Uma religião que falava aos olhos, "o vinho velho", atraía naturalmente mais aqueles que a ela estavam habituados.

De fato, o Cristo era bem mais excelente do que Moisés, como aquele que construiu a casa é maior do que ela. Ora, esta casa era a figura de todas as coisas, e Aquele que as tinha construído era Deus. A passagem apresentados, desse ponto de vista, Cristo e a casa e diz também que somos nós a casa, e que Cristo não é aqui servo, mas sim Filho sobre a casa de Deus.

O leitor não deve esquecer nunca o que fizemos já notar, a saber, que nesta epístola, não encontramos a Igreja como corpo de Cristo, unida a Ele, nem mesmo ao Pai, exceto como termo de comparação, no capítulo 12.

E Deus, um Cristo celestial (que é Filho de Deus) e um povo que nos são apresentados, sendo o Messias um mediador celestial entre o povo e Deus. Por conseguinte, os privilégios próprios da Igreja não se encontravam nesta epístola. Esses privilégios decorrem da nossa união com Cristo; mas aqui Cristo é uma Pessoa à parte, que está entre nós e Deus, nas alturas, enquanto que nós estamos na Terra.

Ainda podemos acrescentar aqui mais algumas observações que esclarecerão melhor este ponto e ajudarão o leitor a compreender mais distintamente os dois primeiros capítulos e o princípio de todas as instruções dadas nesta epístola.

No capítulo 1, Cristo faz por si mesmo (e esta obra é apresentada como sendo uma parte da Sua glória divina - a purificação dos nossos pecados) e assenta-Se à direita de Deus. Esta obra, note-se, é feita por Ele próprio. Nós não temos qualquer papel ali, a não ser crer nela e dela nos beneficiar. E uma obra divina que esta Pessoa divina realizou por Si mesmo, de sorte que a obra tem perfeição absoluta, tem toda a força de uma obra feita por Ele, sem nenhuma mistura da nossa fraqueza, dos nossos esforços ou das nossas experiências. O Filho a fez por Si próprio, e ela está inteiramente concluída. Lá em Cima, senta-Se.

Ninguém O coloca lá; é Ele próprio que Se assenta no trono, nos lugares celestiais.

No capítulo 2 encontramos um outro ponto que caracteriza a epístola, a saber, o estado atual do Homem glorificado. Ele é coroado de glória e de honra, mas tendo em vista uma ordem de coisas que ainda não está realizada. E a Pessoa do Cristo Homem que nos é apresentada, e não a Igreja unida a ele mesmo, quando é considerado como glorificado nos céus. Esta glória é considerada como eu cumprimento parcial do que Lhe pertence segundo os desígnios de Deus, como Filho do homem.

Mais tarde ela será completa em todas as suas partes, pela sujeição de todas as coisas.

A glória atual de Cristo faz, pois, olhar em frente para uma ordem de coisas ainda futuras, que será o pleno descanso, a plena bênção. Numa palavra, além da perfeição da Sua obra, a epístola apresenta-nos o desenvolvimento do que pertence à Pessoa de Cristo, Filho do homem - e não a perfeição da Igreja n�Ele. Ora, isto envolve o tempo atual, cujo caráter depende, para o crente, da glorificação de Cristo nos céus, esperando um porvir onde tudo Lhe estará sujeito.

Neste segundo capítulo se vê também que Cristo é coroado.

Não está entronizado devido ser isso um direito Seu, ainda que tivesse essa glória antes de o mundo existir; porém somente O vemos coroado por Deus depois de ter sido feito um pouco menor que os anjos. Vê-se também claramente que, embora os Cristãos hebreus estejam particularmente em vista, e mesmo todos os Cristãos sejam agrupados sob o título de "Semente de Abraão "sobre a Terra, Cristo é, todavia, considerado como o filho do homem - e não como o filho de Davi. E a questão é: "O que é o homem?". E a resposta – quão precisa ela é para nós! - é: Cristo, morto uma vez por causa do estado do homem, agora glorificado. É n�Ele que nós vemos o pensamento de Deus a respeito do homem.

O fato de os próprios Cristãos serem considerados como semente de Abraão mostra claramente que eles são considerados como fazendo parte da corrente dos herdeiros da promessa sobre a Terra (como em Romanos 11 e não como a Igreja unida a Cristo como Seu corpo no Céu.

A obra é perfeita; é a obra de Deus. Ele fez por Si mesmo a purificação dos nossos pecados.

O pleno resultado dos desígnios de Deus a respeito do Filho do homem ainda não é visível; assim, a parte terrestre desses desígnios pode ser apresentada como coisa prevista, do mesmo modo como a parte celestial, embora aqueles a quem a epístola é dirigida tivessem parte na glória celestial e fossem participantes do chamamento celestial em relação à posição atual do Filho do homem.

O Remanescente dos judeus, como temos dito, é considerado como continuando a corrente do povo abençoado sobre a Terra, quaisquer que sejam, aliás, os seus privilégios celestiais ou o seu estado especial após a subida ao Céu do Messias. Nós fomos enxertados na boa oliveira, de sorte que participamos de todas as vantagens do que se fala aqui; apenas a nossa mais elevada posição e os privilégios que se lhe ligam ainda não estão à vista. Por isso, escrevendo aos Hebreus, e como sendo um de entre eles, o autor da epístola dirige-se aos israelitas cristãos e crentes - é a força da palavra "nós" que encontramos aqui.

É preciso lembrarmo-nos dela e não esquecermos que os Hebreus crentes formam sempre esse "nós" de que o autor faz também parte.

Como tenho dito, em princípio apropriamos justamente esta epístola, mas, para bem a compreendermos, temos de nos colocar no mesmo ponto de vista do Espírito de Deus.

Ninguém devia endurecer o seu coração (verso 8), mas esta palavra é especialmente dirigida a Israel, e isto até o dia em que Cristo aparecer. O autor, falando do perigo dos Hebreus sob este aspecto, volta à palavra outrora dirigida a Israel, não para os advertir do perigo que corriam se a negligenciassem agora, mas para lhes mostrar as consequências do abandono daquilo que eles tinham reconhecido como verdadeiro.

Israel, libertada do Egito, tinha provocado a Deus no deserto (era bem num deserto que se encontravam os cristãos neste mundo), porque Deus não tinha introduzido o Seu povo imediatamente e sem dificuldades em Canaã. Estes, a quem a epístola é dirigida, estavam em perigo de abandonar o Deus vivo da mesma maneira que os outros tinham feito; quer dizer, o perigo estava mesmo ali, diante dos seus olhos. Deviam exortar-se uns aos outros, enquanto ainda era dito "hoje", para que os seus corações não fossem endurecidos pela astúcia do pecado.

Esta palavra “hoje” é a expressão da paciente atividade da graça de Deus para com Israel até ao fim. Mas o povo era incrédulo; endurecia-se, endureceu-se e endurecer-se-á, infelizmente! Endurecer-se-á até o fim, até o dia em que o Julgamento chegar na Pessoa do Messias-Jeová que eles desprezaram. Mas até lá Deus gosta de repetir: "Hoje, se ouvirdes a minha voz!".

É possível que só um pequeno número escute; é possível que a nação seja judicialmente endurecida, para que os gentios sejam admitidos, mas a palavra "hoje" faz- se sempre ouvir para cada um de entre eles, se tiverem ouvidos para ouvir, até que o Senhor apareça em Julgamento, Essa chamada é dirigida ao povo, sendo a paciência de Deus. Para o Remanescente que tinha crido, era uma advertência especial, para não andar no caminho do povo endurecido, que se tinha recusado a escutar, para não se voltar para esse povo, abandonando a confiança na Palavra que o tinha chamado - como Israel fizera no deserto.

Enquanto o "hoje" chamada da graça durasse, os fiéis deviam exortar-se mutuamente, com receio de que a incredulidade se infiltrasse nos seus corações, pela sutileza do pecado. E assim que se abandona o Deus vivo.

Falamos aqui do ponto de vista prático, e não sob o ponto de vista da fidelidade de Deus, que, certamente, não permitirá que nenhum dos Seus se perca. Mas há o perigo prático de sermos, quanto à nossa responsabilidade, separados de Deus, e para sempre, se Deus não intervier, atuando numa vida que Se nos deu e que não pode perecer.

O pecado separa-nos de Deus nos nossos pensamentos. Já não temos a mesma consciência do amor de Deus, nem do Seu poder, nem do interesse que Ele tem por nós. Perde-se a confiança, enfraquece a esperança e o valor das coisas invisíveis. O valor das coisas visíveis aumenta nas mesmas proporções. A consciência torna-se má; não se está à vontade com Deus. O Caminho parece- nos duro e difícil; a vontade endurece-se contra Deus. Já se não vive de fé. As coisas que se veem metem-se entre nós e Deus e tomam posse do nosso coração. Porém, onde há vida, Deus adverte por intermédio do Seu Santo Espírito (como, por exemplo, nesta epístola), castiga e reconduz. Se, pelo contrário, não há na alma senão uma influência exterior, uma fé sem vida, e a consciência não é atingida, então abandonamos a Deus.

É a advertência para não o fazer que detém todo aquele que vive.

O que está morto, aquele cuja consciência não foi atingida, que não diz: "Para quem iremos nós? Tu tens as palavras da vida eterna", advertência - e perece. Assim aconteceu com Israel no deserto e Deus lhes jurou que não entrariam no Seu descanso (Números 14:21-23). E por quê? Porque tinham abandonado a sua confiança em Deus. A sua incredulidade, quando a beleza e a excelência do país lhes tinham sido relatadas, privou-os do descanso prometido.

A posição dos crentes, aos quais a epístola é dirigida, embora em relação às melhores promessas, era a mesma.

A beleza e a excelência da Canaã Celestial tinham-lhes sido anunciadas. Eles tinham visto e saboreado, pelo Espírito, os frutos desse País.

Estavam ainda no deserto; tratava-se, para eles, de perseverar, de manter a sua confiança até o fim.

Notemos aqui - visto que Satanás e até a nossa própria consciência, quando não está livre, despreza a servem-se muitas vezes desta epístola para nos perturbarem - que não se trata aqui de cristãos que duvidam, ou de pessoas que ainda não adquiriram uma plena confiança em Deus. Para os que estiverem nesse estado, estas exortações e estas advertências não têm nenhuma aplicação. Os cristãos são exortados a guardara confiança que eles têm, e a perseverar - e não a fazerem calar receios ou dúvidas. O emprego desta epístola para legitimar tais dúvidas é uma astúcia do Inimigo.

Somente acrescentarei que, se só o pleno conhecimento da graça (o que a alma, em semelhante caso, certamente ainda não possui) pode livrar a alma e libertar-nos desses temores, é, não obstante, muito importante guardarmos uma boa consciência na prática, para não fornecer ao Inimigo um meio especial de ataque.

CAPÍTULO 4

Em seguida o apóstolo, aplicando esta parte da História de Israel àqueles a quem escreve, põe em evidência dois pontos: Em primeiro lugar, Israel tinha sido privado, devido à sua incredulidade, de entrar no descanso; em segundo lugar, o descanso era ainda futuro, e os crentes (aqueles que não procuravam o descanso neste mundo, aceitando o deserto para o tempo presente) deviam ali entrar.

Começa, dizendo: "Temamos. . sendo-nos deixada a promessa de entrar no descanso de Deus, suceda parece que algum de vós fique para trás"; porque Deus nos anunciou boas notícias, como tinha feito outrora a Israel Ora, a Palavra que lhes foi dirigida ficará sem fruto, se não for misturada com fé naqueles que a ouviram; porque nós, os que cremos, entraremos no descanso.

O próprio descanso é ainda futuro, e são os crentes que ali entram; porque há um descanso de Deus e alguns entram nele. Com efeito, Deus disse: "Eles não entrarão no meu descanso!" (quer dizer, aqueles, designando assim uma certa classe de indivíduos que deve ser dali excluída).

Deus trabalhou quando da Criação; depois descansou das Suas obras, quando estas foram concluídas.

Por conseguinte, depois da fundação do mundo, Ele mostrou que havia um descanso para Si, como nos é dito na passagem supracitada: "Eles não entrarão no descanso!" Mas isto, fazendo ver que a entrada estava ainda em questão, demonstrava que o homem não tinha entrado no meu descanso de Deus, quando da primeira Criação. Duas coisas se tomam, pois, evidentes: Primeira, alguns devem entrar no descanso; segunda, Israel, a quem esse descanso foi, de início, proposto, não entrou ali por causa da sua incredulidade. É por isso que Ele fixa ainda um dia, dizendo por Davi, muito tempo depois da entrada em Canaã: "Hoje", como está escrito, "se ouvirdes a Sua voz, não endureçais os vossos corações".

Aqui uma objeção natural se apresenta, à qual o apóstolo dá uma resposta adequada e completa, sem contudo falar na própria objeção. Os Israelitas tinham caído no deserto; mas Josué tinha introduzido o povo em Canaã, aonde os incrédulos não tinham chegado. Os Judeus encontravam-se ali, de sorte que tinham entrado no descanso que os outros não tinham alcançado.

A resposta a esta objeção é muito simples: Foi muito tempo depois que Deus disse, por intermédio de Davi: "Jurei na minha ira: Não entrarão no meu descanso!" Se Josué tivesse dado o descanso a Israel, Davi não teria podido falar, depois disso, de um outro dia.

Resta, pois, um descanso sabático para o povo de Deus. Esse descanso é ainda futuro, mas está nos assegurado pela Palavra de Deus; verdade cujo alcance se compreende imediatamente quanto às relações dos Judeus crentes com o povo, no meio do qual eles se viam tentados a procurarem um descanso que a fé, de momento, não dava, e que, em razão do seu enfraquecimento, não entrevia no futuro senão muito vagamente. Para termos o descanso de Deus é necessário perseverar na fé. O aparente descanso de então não era o verdadeiro descanso. O descanso de Deus ainda se fazia esperar; só a fé o reconhecia, e, não procurando descanso no deserto, apoiava-se na promessa. Deus ainda dizia: "Hoje".

O estado do povo era pior do que o descanso em que Josué o tinha introduzido, descanso esse que não era como os Salmos dos Judeus o indicavam.

Quanto à ordem dos versos, a exortação do verso 11 depende do conjunto precedente, de harmonia com o raciocínio completado pelo testemunhado de Davi, vindo após Josué.

Terminada a Criação, Deus descansou, é verdade; mas depois disso Ele disse: "Eles não entrarão no meu descanso!", de sorte que os homens não entraram nesse descanso. Josué entrou na Terra Prometida, mas a Palavra vinda por meio de Davi, muito tempo depois, prova que o descanso de Deus não fora ainda alcançado.

Todavia, esse mesmo testemunho que proibia a entrada no descanso, por causa da incredulidade, mostra que alguns devem ali entrar, sem o que não teria havido necessidade de falar na exclusão de alguns, por uma razão especial, nem de advertir os outros de que poderiam escapar àquilo que os impedia de ali entrarem. Não há aqui necessidade de nenhum parênteses.

Ora, enquanto alguém não cessa o seu trabalho, não entra no descanso. Aquele que ali entrou, cessou de trabalhar, tal como Deus repousou das suas obras, para entrar no Seu descanso.

"Esforcemo-nos, pois", diz a exortação da fiel testemunha de Deus, "por entrarmos naquele descanso" - o descanso de Deus - para que não caíamos em imitar uma semelhante desobediência.

Note-se bem aqui que se trata do descanso de Deus.

E o que nos faz compreender a felicidade e a perfeição desse descanso. Deus deve descansar naquilo que satisfaz o Seu coração. Foi o que se deu quando da Criação: "Tudo era muito bom!" E agora o Seu perfeito amor não poderia ficar satisfeito, quanto a nós, se não nos introduzisse numa bênção perfeita; possuiremos uma porção celestial na bênção que teremos na Sua própria presença, em luz e santidade perfeitas. Por isso, todo o penoso trabalho da fé, o seu exercício no deserto, o combate (embora ali tenha também muitas alegrias), as boas obras que ali se fazem e todo e qualquer esforço cessarão. Não se trata apenas de ficarmos livres do pecado interior, pois todo o trabalho e todos os sofrimentos do novo homem chegarão ao fim.

Nós estamos já livres da lei do pecado; então, os nossos exercícios espirituais para Deus cessarão. Descansaremos das nossas obras - não das más! Já descansamos delas, pelo que concerne à justificação, e, por conseguinte, nesse sentido, temos o descanso na nossa consciência; mas não se trata aqui disso. Trata-se, sim, do descanso do Cristão quanto a todos os seus trabalhos.

Deus descansou das Suas obras, que eram, evidentemente, boas obras descansaremos então com Ele.

Agora estamos no deserto; também combatemos contra os poderes espirituais da maldade que estão nos lugares celestes.

Resta-nos um descanso precioso.

O nosso coração descansará junto de Deus.

Ali nada perturbará a perfeição do nosso descanso.

Deus descansará na perfeição da bênção que tiver concedido ao Seu povo.

O grande pensamento da passagem é que resta um descanso (quer dizer que o crente não deve esperar o descanso neste mundo), sem que nos seja dito onde; e a epístola não nos fala em pormenor acerca do caráter do descanso, porque deixa a porta aberta a um descanso terrestre, na base das promessas para o povo terrestre; embora para os Cristãos, participantes da chamada celestial, o descanso de Deus seja, evidentemente, celeste.

Este capítulo apresenta-nos em seguida o instrumento que Deus emprega para julgar a incredulidade e todos os movimentos do coração que tendem, como temos visto, a levar o crente a abandonar a sua posição de fé, a ocultar-lhe Deus, satisfazendo antes a sua carne, e a procurar repouso no deserto. Este Julgamento é muito precioso para o crente que é reto de coração; tem por efeito torná-lo capaz de descobrir tudo o que tende a detê-lo no seu caminho, ou a retar-dar-lhe os passos. A Palavra de Deus, revelação de Deus, expressão do que Deus é, de tudo o que O rodeia e do que Ele quer, no meio de todas as circunstâncias em que nos encontramos, julga tudo o que, no coração do homem, não é de Deus. Ela é mais penetrante do que uma espada de dois gumes.

Viva e enérgica, ela separa tudo o que mais intimamente está ligado e confundido nos nossos corações e nos nossos pensamentos. Onde a natureza ("a alma" e os seus sentimentos) se mistura com o que é profundamente espiritual, a Palavra de Deus coloca entre ambos, como o fio de uma espada, a verdade viva de Deus, e julga os movimentos ocultos do coração a tal respeito.

Ela discerne todos os nossos pensamentos e as respectivas intenções. Mas tem ainda um outro caráter, como vinda de Deus: Ela é como um olhar penetrante sobre a nossa consciência; põe-nos na presença de Deus com tudo o que ela nos força a descobrir. Ela coloca, pois, a nossa consciência sob o penetrante olhar do próprio Deus. Nada há oculto; tudo está manifesto aos olhos d�Aquele com quem temos de tratar (1).

(1) A ligação da Palavra dirigida ao homem, com o próprio Deus, é aqui muito notável.

Tal é o verdadeiro socorro, o poderoso instrumento de Deus para julgar em nós tudo o que nos impediria de continuarmos alegremente, com um coração fortificado pela fé e pela confiança em Deus, a nossa caminhada através do deserto. Precioso instrumento de um Deus fiel! Sério e solene na sua operação, mas de uma bênção inapreciável e infinita nos seus efeitos, nas suas consequências! É um instrumento que, na sua operação, não deixa "as vontades da carne e dos pensamentos" livres de atuarem, não permite ao coração enganar-se, e dá-nos força, colocando-nos, sem impedimento, na presença de Deus, para continuarmos o nosso caminho com alegria e energia espiritual.

Termina aqui a exortação que se baseia no poder da Palavra de Deus.

Mas há um outro socorro, socorro de um outro caráter, para nos ajudar na travessia do deserto: E o Sacerdócio, assunto iniciado aqui e que prossegue nos capítulos seguintes.

Nós temos um Sumo Sacerdote que atravessou os céus - como Arão atravessava as partes sucessivas do tabernáculo - Jesus, Filho de Deus.

Ele foi tentado em todas as coisas, semelhantemente a nós, à parte o pecado, de modo que pode simpatizar com as nossas enfermidades. A Palavra de Deus põe a nu as intenções do coração, julga a vontade e tudo o que não tem Deus por alvo e por origem.

Depois, pelo que concerne à fraqueza, temos a simpatia de Cristo. Escusado seria dizer que Ele não teve más cobiças; foi tentado de todas as maneiras, exceto no pecado. O pecado não entrava por nada nas Suas tentações. Mas eu não desejo simpatia pelo pecado que está em mim; detesto-o. Desejo que ele seja castigado, julgado, que não seja poupado em nada - e é o que a Palavra de Deus faz. Para a minha fraqueza e para as minhas dificuldades procuro a simpatia, e encontro-a no Sacerdócio de Jesus. Não é necessário que uma pessoa, para simpatizar comigo, sinta no mesmo momento que eu aquilo que eu próprio sinto; antes o contrário: Se num dado momento eu sofrer atrozmente, não estou em condições de pensar do mesmo modo no sofrimento alheio. Mas, para simpatizar, é necessário que eu tenha uma natureza capaz de apreciar esse sofrimento.

Assim acontece com Jesus, no exercício do Seu Sacerdócio.

Ele está, em todos os sentidos, fora do alcance da dor e da tentação. Mas é Homem, e tem não só a natureza humana que, outrora, soube o que era a dor, mas também fez, mais do que qualquer um de nós, a experiência das penas da tentação que um santo é chamado a enfrentar; e o Seu coração livre e pleno de amor pode simpatizar plenamente conosco, segundo a experiência que tomou do mal e segundo a liberdade gloriosa que agora tem para Se ocupar dos males de que nós possamos sofrer. É o que nos encoraja a aguentar firme a nossa profissão de fé, apesar das dificuldades que obstruem o nosso caminho, porque Jesus ocupa-Se dessas dificuldades segundo o conhecimento e a experiência que tem delas e segundo o poder da Sua graça.

Por conseguinte, estando ali o nosso Sumo Sacerdote, podemos ir com toda a confiança ao trono da graça, para encontrarmos misericórdia e a graça que nos é necessária em todos os tempos de aflição; a misericórdia, porque somos fracos e vacilantes; a graça necessária, porque estamos num combate que Deus reconhece.

Note-se que não é ao sumo Sacerdote que nós vamos.

Fazemo-lo frequentemente, e Deus pode ter compaixão da nossa falta de inteligência; mas proceder assim é uma prova de que se não compreende inteiramente a graça.

O Sacerdote, o Senhor Jesus, ocupa-Se Ele mesmo de nós, simpatiza conosco, por um lado; por outro, nós vamos diretamente ao trono da graça.

O Espírito Santo não fala aqui propriamente de queda. O pensamento de uma queda encontra-se no capítulo 2 da Primeira Epístola de João. Ali, está em relação com a comunicação com Seu Pai; aqui, está em relação com o acesso perante Deus. Aqui, trata-se de nos fortificar, de nos encorajar a perseverarmos no caminho, pelo conhecimento da simpatia que encontramos no Céu, e pela certeza de que o trono nos está sempre acessível.

CAPÍTULO 5

A epístola desenvolve em seguida o Sacerdócio do Senhor Jesus, comparando-o com o de Aarão, mas, como veremos, mais para evidenciar as diferença do que a semelhança, embora haja ali uma analogia geral entre eles, e um tenha sido a imagem do outro.

Encontramos esta comparação nos versos 1 a 10; depois, embora a base do raciocínio seja amplificada e desenvolvida, a continuação deste é interrompida até ao fim do capítulo 6, onde prossegue a comparação com Melquisedeque, e onde é verificada a mudança da lei, consequência da mudança de sacerdócio. Isto introduz as alianças e tudo o que se refere às circunstâncias dos Judeus.

Portanto, o sacerdote, tomado de entre os homens (nesta passagem o Espírito de Deus não fala de Cristo, mas sim daquele com o qual Ele O compara), é estabelecido para os homens em coisas que dizem respeito a Deus, para que ele ofereça dons e sacrifícios pelos pecados, sendo capaz de sentir as misérias dos outros porque ele mesmo está rodeado de fraquezas, e é por isso mesmo que oferece sacrifícios tanto por si mesmo como também pelo povo. Além disso, esta não é uma honra que alguém pode tomar para si, pois é outorgada, tal como foi a Arão, àqueles que são chamados por Deus (v.4).

Mais adiante a carta trata dos sacrifícios. Aqui ela fala da pessoa do sacerdote e como o sacerdócio era ordenado.

O Cristo, portanto, não se glorificou a Si mesmo para que viesse a Se tornar sumo sacerdote.

A glória de Sua pessoa, tal como Ele sendo homem manifestou aqui sobre a Terra, bem como também a glória de Seu ministério como sacerdote, são ambas claramente indicadas aqui. A primeira delas é quando Deus diz: "Tu és meu Filho, Eu hoje Te gerei" (Sl 2), e a segunda com as palavras: “Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque" (Sl 110). Logo este é, tanto segundo a Sua glória pessoal como também segundo a glória de Seu ministério, o sumo sacerdote, o Messias anelado, o Cristo.

Mas Sua glória, ainda que Lhe assegure Sua posição de honra diante de Deus – isto é consequência da redenção – de modo que Ele pode tomar a Seu cargo a causa do povo na presença de Deus e segundo a Sua vontade, não O aproxima das misérias do homem. E a Sua história sobre a Terra que nos faz sentir o quanto Ele é, de fato, capaz de tomar parte nas nossas enfermidades.

"Nos dias da Sua carne", isto é, neste mundo, Ele entrou em todas as agonias da morte, na dependência de Deus, e apresentando o Seu pedido Àquele que podia salvá-LO da morte; porque neste mundo, vindo para obedecer e para sofrer, não Se salvou a Si mesmo.

Submeteu-Se a tudo, obedecia em tudo e dependia de Deus para tudo.

Ele foi ouvido por causa da Sua piedade. Era conveniente que Aquele que tomava sobre Si a morte, como respondendo pelos outros, sentisse todo o peso da morte sobre a Sua alma. Ele não quis consequências do que tinha empreendido (ver capítulo 2), nem faltar ao justo sentimento do que significava encontrar-Se assim sob a mão de Deus em Julgamento.

O Seu temor era a piedade, a justa avaliação da posição em que o homem pecador estava e do que Deus Lhe devia infligir em consequência disso. Mas, para Ele, sofreras consequências dessa posição era a obediência. E esta obediência devia ser perfeita e suportada até ao fim.

Ele era o Filho glorioso de Deus. Mas, embora o fosse, devia aprender a obediência (porque, para Ele, obedecer era uma coisa nova). Devia, por tudo o que tinha sofrido, aprender o que era a obediência no mundo. Em seguida, tendo merecido toda a glória, devia tomar o seu lugar de Homem glorificado – ser consumado, levado à perfeição máxima - e nessa posição torna-Se o autor de uma salvação eterna (e não de libertações simplesmente temporais) para aqueles que Lhe obedecem; o autor de uma salvação que seria em relação com a posição que Ele tinha tomado em seguida à Sua obra de obediência, sendo proclamado por Deus "Sumo Sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque".

O que se segue, até ao fim do capítulo 6, é uma parêntesis que se refere ao estado daqueles a quem a epístola é dirigida. Eles são censurados pela lentidão da sua inteligência espiritual, e ao mesmo tempo encorajados pelas promessas de Deus, tudo em relação com a sua posição de Judeus crentes. Depois é retomado o fio da instrução a respeito de Melquisedeque.

Atendendo ao tempo decorrido, eles já deveriam poder ensinar; todavia, tinham necessidade de que alguém lhes ensinasse os rudimentos dos oráculos de Deus – tinham necessidade de leite em vez de alimento sólido.

Podemos notar que o maior impedimento ao progresso na vida e na inteligência espirituais é a ligação a uma antiga religião (que, sendo tradicional, e não simplesmente a fé pessoal na verdade, consiste sempre em ordenanças e é, por conseguinte, carnal e terrestre).

Podemos ser incrédulos, fora dessas influências tradicionais; mas sob a influência de um sistema semelhante, a própria piedade se consome nas formas e é uma barreira entre a alma e a luz de Deus. E essas formas que envolvem, preocupam e prendem as afeições impedem–nas de se expandirem e de se iluminarem por meio das revelações divinas. Moralmente, como o autor da epístola o exprime aqui, não temos "os sentidos exercitados para discernir tanto o bem como o mal.

Ora o Espírito de Deus não quer limitar-Se ao círculo estreito e aos fracos e fúteis sentimentos das tradições humanas, nem mesmo às verdades que somos capazes de receber em semelhante estado. Cristo não tem o lugar que Lhe pertence, quando a alma está sujeita a uma tal ordem de coisas. É o que esta epístola desenvolve aqui.

O leite é para os pequeninos, o alimento sólido para os adultos.

Esta infância é o estado da alma sob as ordenanças e regulamentos da lei (ver Gálatas 4:1 e seguintes).

Mas havia uma revelação do Messias em relação com esses dois estados da infância e do homem adulto; e o desenvolvimento da palavra de Justiça, das verdadeiras relações práticas de uma alma com Deus, segundo o Seu caráter e segundo os Seus caminhos, cumpre-se na medida da revelação do Cristo, porque Ele revela esse caráter e é o Centro de todos esses caminhos.

É por isso que a epístola fala, no capítulo 5: 2 e 13, dos rudimentos, do início dos oráculos de Deus e da palavra de Justiça; e no capítulo 6:1, da Palavra do princípio, ou dos primeiros princípios, de Cristo.

CAPÍTULO 6

Agora o Espirito Santo não quer deter-Se nesses rudimentos, ensinando os Cristãos, preferindo continuar até à plena revelação da glória de Cristo, que pertence ao homem adulto, ou, se o quisermos, o forma para que ele o seja.

Vê-se facilmente que o escritor inspirado procura fazer sentir aos Hebreus que os colocava numa posição mais elevada, mais excelente, pondo-os em relação com um Cristo invisível e celeste, enquanto que o Judaísmo os retinha na retaguarda, na posição de meninos. Este pensamento caracteriza, de resto, toda a Epístola. No entanto encontramos duas coisas aqui: Por um lado, os rudimentos e o caráter da doutrina que pertencia à infância, no início da Palavra de Cristo, em contraste com o poder e o gosto celeste que acompanhavam a revelação Cristã; por outro lado, qual era a revelação do próprio Cristo em relação com o sistema espiritual e cristão. Mas a epístola faz uma distinção entre o sistema cristão e a doutrina da Pessoa de Cristo, mesmo quando Ele é considerado como homem (1), embora a posição atual de Cristo dê o seu caráter ao sistema Cristão. A distinção é feita, não porque o estado das almas não dependa da medida da revelação de Cristo e da posição que Ele tomou, mas porque a doutrina da Sua pessoa e da Sua glória vai muito mais longe do que o estado atual das nossas relações com Deus.

As coisas de que se fala nos versos 1 e 2 deste capítulo tinham tido o seu lugar quando o Messias estava ainda para vir. Tudo então se encontrava no estado de infância. As coisas de que se fala nos versos 4 e 5 são os privilégios de que os Cristãos gozavam em virtude da obra e da glorificação do Messias. Mas elas não são em si mesmas "o estado de perfeição" mencionado no verso 1 e que se refere mais ao conhecimento da própria Pessoa de Cristo; os privilégios cristãos de que se fala eram o efeito da posição gloriosa da Sua Pessoa no Céu.

E importante prestar atenção a isto para se compreender estas passagens. Nos rudimentos de que se fala nos versos 1 e 2, a obscuridade da revelação do Messias, anunciada, quando muito, por promessas e profecias, deixava os adoradores sob o jugo das cerimônias e das figuras, embora na posse de algumas verdades fundamentais. A Sua exaltação dava lugar ao poder do Espírito Santo neste mundo, do qual dependia a responsabilidade das almas que o tinham provado.

A doutrina da Pessoa e da glória de Jesus constitui o tema das revelações da Epístola, e era o meio de libertar os Judeus de todo o sistema que tinha sido um bem pesado fardo sobre os seus corações, o meio de os impedir de abandonarem o estado descrito nos versos 4 e 5, para entrarem em fraqueza e voltarem, após o regresso de Cristo, ao estado carnal dos versos 1 e 2. Portanto, a Epístola não vem pôr de novo as doutrinas verdadeiras, mas elementares, que pertentem ao tempo em que Cristo não era ainda manifestado; mas quer avançar até à plena revelação da Sua glória e da posição que Ele ocupa, segundo os desígnios de Deus, revelados na Sagrada Escritura. O Espírito Santo não queria voltar a essas coisas antigas, porque as novas, a saber, o Cristianismo, caracterizando pelo poder do Espírito Santo, tinham sido introduzidas em relação com a glória celestial do Messias.

Ora, se alguém, que tinha sido colocado sob a influência desse poder, e que o tinha conhecido, vinha a abandoná-lo, não poderia ser outra vez renovado para arrependimento. As antigas coisas do Judaísmo deviam ser - e tinham sido abandonadas por aquilo em que ele tinha entrado. Os Cristãos não podiam servir-se dessas coisas para atuarem sobre as almas; e, quanto às coisas novas, esse homem as tinha abandonado! Todos os meios oferecidos por Deus tinham sido empregados em favor dele - e nada tinham produzido. .

Aquele que, de sua livre vontade, abandonava assim a doutrina cristã, crucificava por si mesmo o Filho de Deus. Associado com o povo, que se tinha tomado culpado da morte do Filho de Deus, ele tinha reconhecido o pecado cometido pelo seu povo e tinha aceitado que Jesus era o Messias prometido. Mas agora, com plena consciência do fato, repetia o crime cometido contra Cristo.

O julgamento, a ressurreição dos mortos, o arrependimento das obras mortas tinham sido ensinados.

Sob esta ordem de coisas, a nação tinha crucificado o seu Messias. Mas agora o poder divino tinha chegado, e testemunhava da glorificação do Messias crucificado, do Filho de Deus no céu; e, por meio de milagres, destruía, pelo menos pouco a pouco, o poder do Inimigo, que reinava ainda sobre a Terra. Esses milagres constituíam uma antecipação parcial da plena e gloriosa libertação que teria lugar no porvir, onde o Messias, o Filho de Deus, triunfante, destruiria totalmente todo esse poder. E por isso que são chamados "os milagres do século vindouro" ou "as virtudes do século futuro".

O poder do Espírito Santo, os milagres realizados no seio do Cristianismo eram testemunhos de que o poder que realizaria essa libertação, embora ainda o culto no Céu, existia no entanto na Pessoa gloriosa do Filho de Deus. Esse poder não realizaria ainda a libertação deste mundo oprimido por Satanás, porque, enquanto espera, uma outra obra seria realizada: A Luz de Deus brilhava já! A boa palavra da graça era anunciada! Poder-se-ia saborear o dom celeste, melhor ainda do que a libertação do mundo, e o poder sensível do Espírito Santo fazia-se conhecer, esperando que o Messias volte em glória para amarrar Satanás e cumprir assim a libertação do mundo, sujeito ao poder do Inimigo.

D e um modo geral, o poder do Espírito Santo, em virtude da glorificação celestial do Messias, exercia-se sobre a Terra como manifestação presente e antecipação da grande libertação futura. A revelação da graça, a boa Palavra de Deus, era anunciada, e o Cristão vivia na esfera onde essas coisas se manifestavam, e sofria a influência que ali se exercia. Essa influência era sentida mesmo por uma alma que tivesse sido introduzida no meio dos Cristãos, ainda que lhe faltasse a vida espiritual.

Ora, se após ter sofrido a influência da presença do Espírito Santo, saboreado a revelação da bondade de Deus e sentido as provas do Seu poder, uma alma abandonava a Cristo, já não restava nenhum meio de a renovar para a levar ao arrependimento. Os tesouros celestes estavam já gastos para ela, pois tinha-os desprezado como se eles nada valessem; tinha rejeitado a plena revelação da graça e do poder de Deus, depois de os ter conhecido. Que meio se poderia empregar agora? Era impossível voltar ao Judaísmo e à palavra do começo de Cristo, contida no Judaísmo, depois da verdade ter sido revelada; e, por outro lado, a nova luz tinha sido conhecida e rejeitada.

Num caso destes, havia apenas a carne – e nada de uma nova vida! As sarças e os espinhos cresciam como no passado. Não havia nenhuma mudança real no estado daquele homem. .

Uma vez que tenhamos compreendido que esta passagem é uma comparação entre o poder do sistema espiritual e o Judaísmo, e que se trata do abandono do primeiro, após ter sido conhecido, a dificuldade da passagem desaparece. A posse da vida não é suposta, e a questão de se saber se possuímos essa vida não é abordada. A passagem fala, não da vida, mas do Espírito Santo como de um poder presente no Cristianismo.

"Provar a boa Palavra" é ter compreendido o quanto esta Palavra é preciosa, e não ter sido vivificado por meio dela (2).

E por isso que, falando aos cristãos judeus, o autor da Epístola espera, no que lhes diz respeito, melhores coisas que tenham a ver com a salvação, de modo que tudo aquilo que foi enumerado podia estar lá, sem a salvação! E também não poderia haver nenhum fruto, porque o fruto supõe a vida.

Todavia, o autor não aplica as suas palavras aos Cristãos Hebreus, porque, fosse qual fosse o seu estado espiritual, eles tinham dado frutos, tinham dado provas da vida. Ora, nunca o simples poder é, em si, a vida; e o apóstolo continua os seus raciocínios dando-lhes encorajamento e motivos para preservarem.

Notar-se-á, pois, que esta passagem é uma comparação entre o que possuía antes da glorificação de Cristo e após esta glorificação - entre o estado e os privilégios dos processantes nessas duas épocas, sem questão de conversão pessoal. Se o homem, perante o poder do Espirito Santo e a plena revelação da graça, abandonava a assembleia e se separava de Cristo, voltando atrás, já não havia meio de ser ainda renovado ao arrependimento. O autor não queria, pois, pôr de novo o fundamento das coisas antigas acerca de Cristo, coisas já envelhecidas, mas sim avançar, para proveito daqueles que permaneciam firmes na fé.

Notar-se-á também que a Epístola, falando dos privilégios cristãos, não perde de vista o estado terrestre futuro, a glória e os privilégios do mundo milenário.

Os milagres são "as virtudes do século futuro"; pertencem a esse tempo. A libertação e a destruição do poder de Satanás serão então completas. Estes milagres são libertações, e como que mostras desse poder. No capítulo 2, verso 5, vimos já este ponto posto em evidência, portanto, desde o início da doutrina da Epístola, e, no capítulo 4, o descanso de Deus deixado um pouco vago no seu caráter, para abraçar ao mesmo tempo a parte celeste e a parte terrestre do reino milenário de nosso Senhor. Aqui, o poder atual do Espírito Santo caracteriza os caminhos de Deus, o Cristianismo; mas os milagres fazem pressentir o século futuro, em que o mundo inteiro será abençoado.

Nos encorajamentos, a Epístola recorda já aqui os princípios em que o pai dos fiéis e o povo judeu tinha andado, e como Deus o tinha fortalecido na fé. Abraão teve de se apoiar em promessas, sem possuir o que lhe era prometido; este é o mesmo estado em que, quanto ao descanso e à glória, os cristãos hebreus se encontravam então.

Mas, ao mesmo tempo, Deus, para dar uma plena segurança ao coração do homem, tinha confirmado a Sua Palavra por um juramento, a fim de que aqueles que se fundavam sobre esta esperança de glória prometida, tivessem uma firme consolação.

Mas esta segurança tinha recebido uma confirmação ainda maior: entrava adentro do véu, encontrava o seu Fiador no próprio santuário, aonde um Precursor tinha entrado. Dava assim à fé, não só uma palavra e um juramento, mas um Fiador pessoal do cumprimento dessas promessas, e o santuário de Deus para refúgio do coração; dava, para aqueles que tinham compreensão espiritual, um caráter celestial à esperança que eles acarinhavam-, dava, enfim, pelo caráter d�Aquele que tinha entrado no Céu, a certeza do cumprimento de todas as promessas do Antigo Testamento, em relação com um Mediador celeste, que, pela Sua posição, assegurava esse cumprimento; estabelecia a bênção terrestre sobre um firme fundamento do próprio Céu, e dava ao mesmo tempo a essa bênção um caráter mais elevado e mais excelente, ligando-a ao Céu e fazendo-a ali decorrer.

Assim, o duplo caráter da bênção que este livro tem em vista é apresentado aos nossos pensamentos, em relação com a Pessoa do Messias - o conjunto ligado a Jesus pela fé.

Jesus entrou no Céu como precursor. Está ali. Nós pertencemos a esse Céu. Jesus encontra-Se lá como Sumo Sacerdote; por consequência, no tempo atual, o Seu sacerdócio tem um caráter celeste. Todavia, Ele é pessoalmente Sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque. O Seu sacerdócio põe, pois, de lado toda a ordem Aarônica, embora ela seja exercida agora segundo a analogia da de Aarão. Mas, pela sua natureza, ela dirige os nossos pensamentos para a existência futura de um reino que ainda não está manifestado. Ora, o próprio fato de essa realeza futura se ligar à Pessoa d�Aquele que estava assentado à direita da Majestade nos céus, segundo o Salmo 110, dirigia o olhar do Cristão hebreu, tentando a recuar, sobre Aquele que estava em cima; fazia-lhe compreender o sacerdócio que o Senhor exerce no tempo presente, libertava-o do Judaísmo e firmava-o no caráter celeste do Cristianismo que ele tinha abraçado.

  1. Todavia, a relação de Cristo como Filho neste mundo não pode ser separada da sua relação como filho eterno, porque esta empresta o seu carácter à primeira, enquanto que ele Estava na Terra, naquilo que é chamado o tempo. A passagem, no texto, refere-se aos versos 5 e 8 do capítulo 5, comparados com os versos 6 e 10 do mesmo capítulo. Compare-se também o início de João 17.

  2. De igual modo em Mateus 13: alguns recebem a Palavra com alegria; mas não havia raízes…

O VERDADEIRO CRISTÃO JAMAIS PERDERÁ A SUA SALVAÇÃO, PORÉM PODE PERDER AS SUAS COROAS.

O que representam as coroas? Estas coroas não são coroas de governo semelhantes à coroa de Cristo em Apocalipse 19:12 (grego Diadema).

Os anciãos em Apocalipse 4:4 representam os santos glorificados, e a coroa que terão em mãos (grego stefarios) está para "louros de vitória", a recompensa pelo desempenho na corrida.

(veja 1Co9:25; 2 Tm 4:8; Tg 1:12; 1Pe5:4; Ap 2:10; Ap 3:11).

Estas coroas serão concedidas conforme o nosso desempenho!

CAPÍTULO 7

A Epístola, voltando ao assunto de Melquisedeque, considera a dignidade da sua pessoa e a importância do seu sacerdócio, porque do sacerdócio, como meio de se aproximar de Deus, dependia todo o sistema.

Melquisedeque, personagem típica e característica, como o emprego do seu nome no Salmo 110 o demostra, era, pois, rei de Salem, quer dizer rei de paz, e, pelo seu nome, rei de justiça. A justiça e a paz caracterizam o seu reino. Mas ele era, primeiro que tudo, sacerdote do Deus Altíssimo.

Este nome é o nome de Deus como supremo governador de tudo, possuidor e Senhor, como é dito em Gênesis, dos céus e da Terra. É sob este caráter que Nabucodonosor—poder terrestre humilhado—O reconhece; é assim que Ele Se revela a Abraão, quando Melquisedeque abençoa o patriarca após ter alcançado a vitória sobre os seus inimigos.

Tratando-se do caminho da fé, para Abraão, o nome de Deus era o do " Todo-Poderoso"; mas aqui, Abraão, vitorioso sobre os reis da terra, é abençoado por Melquisedeque, pelo rei de Justiça, em conexão com o Deus possuidor e senhor dos céus e da Terra, porém, esse tempo ainda não chegou. Será cumprido no Milênio, em relação preferencial com a parte terrestre. Abraão dá o dízimo a Melquisedeque; mas a realeza não é tudo acerca deste último, porque o Salmo 110 o designa muito claramente como Sacerdote, e gozando de um Sacerdócio durável e não interrompido. Ele não tinha nenhuma parentela sacerdotal, de onde tirasse o seu sacerdócio; como sacerdote, não tem pai nem mãe. Ao contrário dos filhos de Aarão, ele não tem genealogia (comparar Esdras 2:62); não há termo assinalado para o seu sacerdócio, como sucede para os filhos de Aarão (Números 4:3).

Ele foi constituído, na forma do seu sacerdócio, semelhante ao Filho de Deus; mas, agora, Este está nos Céus! O fato de Melquisedeque receber de Abraão o dízimo e de o abençoar mostra a elevada e proeminente dignidade deste personagem, aliás desconhecido e misterioso. O único testemunho que temos dele — sem que pai ou mãe sejam nomeados, sem a intervenção de princípio de vida ou de morte — é que ele vivia!. . A dignidade da sua pessoa era maior do que a de Abraão depositário das promessas; a dignidade do seu sacerdócio era superior à de Aarão, porque Abraão lhe deu o dízimo que, por seu lado, Levi recebe de seus irmãos! O sacerdócio é, pois, mudado, e, com ele, todo o sistema que dele depende. O Salmo 110, interpretado pela fé em Cristo — porque a Epístola, escusado será dizê-lo, é dirigida aos Cristãos — é sempre o ponto de partida do raciocínio. A primeira prova de que tudo tinha mudado era, pois, que o Senhor Jesus, o Messias (Sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque) vinha, como era evidente, de outra tribo, e não da tribo sacerdotal, a saber, da tribo de Judá. Que Jesus era o Messias bem o acreditavam aqueles a quem a Epístola era dirigida; mas, segundo as Escrituras judaicas, o Messias era tal como é apresentado nesta passagem, e, neste caso, o sacerdócio era mudado, e, com ele, todo o sistema. Ora, esta mudança do sacerdócio não era somente uma consequência do fato de o Messias ser da tribo de Judá, e, apesar disso, sacerdote; mas também de haver um outro Sacerdote diferente dos da família de Aarão, um Sacerdote à semelhança de Melquisedeque, que seria Sacerdote, não segundo a lei de um mandamento que já não tinha mais força do que a carne, à qual ele se aplicava, — mas segundo o poder de uma vida imperecível.

O testemunho do Salmo positivo: "Tu és um sacerdote eterno, segundo a ordem de Melquisedeque" (Salmo 110:4).

Porque há, com efeito, abolição do mandamento que tinha existido precedentemente por causa da sua inutilidade (a lei não conduzia a nenhuma perfeição); e há a introdução de uma melhor esperança, pela qual nos aproximamos de Deus.

Que preciosa diferença! Um mandamento feito para o homem pecador, afastado de Deus, é substituído por uma esperança, por uma confiança fundada sobre a graça e sobre a promessa divinas pelas quais podemos entrar na presença de Deus.

A lei, sem dúvida, era boa; mas, com ela, a separação subsistia entre o homem a Deus. A lei nenhuma coisa aperfeiçoou (v.19). Deus é perfeito e exigia a perfeição humana. Tudo devia sem ser de harmonia com a perfeição divina — perfeição esta exigia do homem. Ora, estando lá o pecado, a lei ficava sem força, a não ser para ordenar. As suas cerimonias e as suas ordenanças não eram senão figuras, ou então um pesado jogo. Mesmo aquilo que aliviava temporariamente a consciência recordava o pecado e não tornava nunca o homem perfeito perante Deus. O homem estava sempre longe de Deus. A graça, pelo contrário, conduz a alma a um Deus conhecido pelo Seu amor e segundo uma justiça é em nosso favor.

O caráter do novo sacerdócio trazia as suas linhas a marca da sua superioridade sobre o sacerdócio que existia sob o regime da lei — e com o qual todo o sistema da lei caía ou ficava de pé.

A aliança que se ligava ao novo sacerdócio respondia também à superioridade que este mesmo sacerdócio tinha sobre aquele que o tinha procedido.

O sacerdócio de Jesus era estabelecido com juramento, não se dando o mesmo com o de Aarão. O sacerdócio de Aarão passava de uma pessoa a outra, porque a morte punha fim ao seu exercício pelos indivíduos que em tal tinham sido investidos; mas Jesus permanece o mesmo para sempre. Jesus tem um sacerdócio que não se transmite. Assim, Ele salva completa a perfeitamente todos aqueles que se aproximam de Deus por Seu intermédio.

Jesus vive sempre interceder por eles (v.20-25).

Convinha-nos, portanto, "um tal Sumo sacerdote". Que glorioso pensamento! Chamados para estarmos na presença de Deus, sempre em relação com Ele na glória celeste, para nos aproximarmos d�Ele lá no Céu, aonde cada imundo pode entrar, nós devíamos ter ali um Sumo Sacerdote, ali, cujo acesso nos está aberto (tal como aos judeus no templo terrestre) — e um Sumo Sacerdote tal como a glória e a pureza do Céu o exigiam. Que sublime demonstração do fato de que nós pertencemos ao Céu, e da elevação das nossas relações com Deus! Com efeito, convinha-nos um tal Sacerdote: Santo, Inocente, Imaculado, separado dos pecadores, e elevado mais alto do que os céus — porque, quanto à nossa posição, nós somos tais, tendo de tratar lá com Deus — um Sacerdote que não tem necessidade de renovar os sacrifícios, como se algo restasse ainda por fazer, para tirar o pecado, ou como se os pecados pudessem ainda ser imputados aos crentes — porá que então ser-lhes-ia impossível permanecer no santuário celeste. Tendo acabado a Sua obra, para tirar o pecado do mundo, o nosso Sumo Sacerdote ofereceu um sacrifício uma vez por todas, quando Se ofereceu a Si mesmo.

A lei estabelecida sumos sacerdotes com as mesmas fraquezas dos homens, porque eles próprios eram homens. O juramento de Deus, vindo após a lei, constitui o Filho, quando é consumado para a eternidade, consagrado no Céu a Deus. Vemos aqui que, embora houvesse analogia e figuras das coisas celestes, a Epístola faz sobressair de preferência o contraste dessas coisas, em vez da sua comparação. Os sacerdotes legais tinham as mesmas fraquezas que os outros homens; Jesus tem um Sacerdócio glorificado, de harmonia com o poder de uma vida imperecível.

A introdução deste novo sacerdócio, exercido no Céu, implica uma mudança nos sacrifícios e na aliança. É o que o escritor inspirado desenvolve aqui, expondo o valor do sacrifício de Cristo e a nova aliança há longo tempo prometida. A conexão direta desta passagem é feita com os sacrifícios, mas o autor discorre um momento para falar das suas alianças, assunto de suprema importância e de imenso alcance para os Judeus cristãos, que tinham estado sob a primeira.

O capítulo que aborda esta questão é simples e claro.

Somente os últimos versos exigem algumas observações.

A súmula da doutrina que temos considerado resume-se nisto: Temos um Sumo Sacerdote, assentado no trono da majestade nos Céus, Ministro do Santuário Celestial, que não é feito por mãos humanas. Portanto, uma vez que Ele é Sacerdote, é necessário que tenha algo para oferecer. Quando Jesus estiver na Terra, não será Sacerdote.

Havia sacerdotes na Terra, segundo a lei, onde tudo era apenas figuras das coisas celestiais — como tinha sido dito a Moisés, para fazer todas as coisas segundo o modelo que lhe tinha sido indicado na montanha (v.5).

Ora, o Ministério de Jesus é mais excelente porque Ele é mediador de uma aliança melhor, já mencionada no capítulo 31 de Jeremias e agora citada aqui — prova clara e simples de que a primeira não devia durar! Encontramos aqui novamente o desenvolvimento particular da verdade a que dá lugar o caráter daqueles a quem a Epístola é dirigida.

CAPÍTULO 8

A primeira aliança era feita com Israel; a segunda deve sê-lo com esse mesmo povo, segundo a profecia de Jeremias. Todavia, a Epístola, na passagem que agora estudamos, não menciona o fato de que deve haver uma segunda aliança senão com o fim de demostrar que a primeira já não deve durar: A primeira aliança é antiga e deve desaparecer. A passagem refere os termos da nova aliança de que em seguida é feito uso.

No que se segue, os serviços pertencentes à primeira aliança são postos em contraste com a obra perfeita sobre a qual o Cristianismo é fundado. Deste modo, são introduzidos o alcance e o valor da obra de Cristo.

Embora não exista aqui qualquer dificuldade, é importante estarmos bem elucidados acerca das duas alianças, porque há quem tenha ideias muito vagas acerca deste ponto, e muitas almas, colocando-se a si mesmas sob alianças, quer dizer, em relação com Deus sob condições em que Ele próprio as não colocou, perdem a sua simplicidade, não retendo firmes a graça e a plenitude da obra de Cristo, assim como a posição que Ele adquiriu por meio delas no Céu.

Uma aliança é um princípio de relação com Deus sobre a terra, condições que Deus pôs, mediante as quais o homem deve viver com Ele. Poder-se-ia empregar a palavra " aliança” em sentido figurado, ou por comodidade. Neste caso ela é aplicada aos pormenores das relações de Deus com Israel. O mesmo se deu com Abraão (Génesis 15) e em casos semelhantes, mas, em rigor, não há senão duas alianças pelas quais Deus tem tratado ou tratará com o homem sobre a Terra: a Antiga e a Nova. A antiga foi estabelecida no Sinai; a Nova é feita com as duas casas de Israel (1).

O Evangelho não é uma aliança, mas sim a revelação da salvação de Deus: Ele anuncia a grande salvação! Nós, Cristãos, gozamos de todos os privilégios essenciais da Nova Aliança, tendo Deus por Seu lado, posto o fundamento dela sobre o sangue de Cristo, — mas é em espirito que dela gozamos, e não segundo a letra.

A Nova Aliança será estabelecida formalmente com Israel no Milênio. Entretanto, a Antiga Aliança é julgada pelo fato de haver uma Nova Aliança.

NOTAS 1) Temos também, no fim da Epístola, esta expressão "O sangue da eterna aliança".

A palavra "aliança" é empregada, estou certo, assim como a palavra "lei" o é também, porque se serviam dela comumente para exprimir o estado de revelação com Deus; e a palavra "eterno" é característica da Epístola aos Hebreus. Sempre houve e haverá alianças no que é denominado "o tempo” e para a Terra; mas nós, Cristãos, nós temos condições eternas de relação com Deus, das quais o sangue de Cristo é a expressão e a garantia, estando posto o fundamento, em graça eterna, e em justiça do mesmo modo que em graça, por esse sangue precioso em que todo o caráter de Deus e todo o Seu propósito forma magnificados e glorificados, ao mesmo tempo que os nossos pecados foram tirados.

VOCÊ DESEJA PROGREDIR? É o sincero desejo de sua alma progredir na graça e na santificação? Então cuide para não se ocupar, nem mesmo por apenas uma hora, com coisas que sujem as suas mãos, que pesem sobre a consciência, que entristeçam o Espírito Santo e que tomem impossível a sua comunhão com Deus.

Assuma o firme propósito, de todo o seu coração! Não hesite em abrir mão de tudo que é impuro, custe o que custar; qualquer que seja o prejuízo que você tenha que bancar: deixe isso! Nenhum ganho aqui no mundo, nenhuma vantagem aqui na terra pode compensar o prejuízo da perda de uma consciência pura, de um coração em paz e do gozo de uma comunhão desimpedida com Deus, o Pai e o Filho.

CAPÍTULO 9

A Epístola, relatando algumas circunstâncias particulares que caracterizavam a primeira Aliança, mostra que por elas os pecados não eram tirados, a consciência não era purificada, nem a entrada no lugar santíssimo concedida ao adorador; Deus estava oculto por um véu. O sumo sacerdote — e mais ninguém — entrava uma vez por ano, para fazer propiação. O caminho até Deus, na santidade, estava velado. A consciência não podia ser aperfeiçoada senão pelo sangue de touros e de bodes. Mas tratava-se de ordenanças provisórias e figurativas, até que Deus Se ocupasse da verdadeira obra de propiação, para a realizar plenamente e para sempre.

Isto, porém, leva-nos ao centro da luz que Deus nos dá pelo Espírito Santo nesta Epístola. O escritor sagrado, antes de demostrar pelas Escrituras do Antigo Testamento a doutrina que anunciava, e a cessação dos sacrifícios da lei — de todo o sacrifício pelo pecado — ensina, com o coração cheio da verdade e da sua importância, quais são o valor intrínseco e o alcance do sacrifício de Cristo, sempre em contraste com as antigas ofertas.

São-nos apresentadas as três consequências do valor eficaz desta oferta: em primeiro lugar, o caminho do santuário é manifestado; há acesso até junto do próprio Deus, lá onde Ele está.

Em segundo lugar, há a purificação da consciência. E em terceiro lugar há uma redenção eterna (eu poderia acrescentar: a promessa de uma herança eterna).

Sentimos o imenso alcance, o preço inestimável da primeira dessas consequências! Somos admitidos à presença do próprio Deus pelo Caminho novo e vivo que Jesus nos consagrou através do véu, isto é, da Sua própria carne. Temos agora sempre acesso até junto d�Ele, acesso imediato até lá onde Ele está, na luz! Que salvação tão completa, que felicidade, que segurança! Na verdade, como poderíamos nós ter acesso até junto de Deus, na luz, se tudo o que nos separava d�Ele ainda não tinha sido tirado completamente por Aquele que foi oferecido uma vez, para levar os pecados de muitos! Mas o que nos é revelado aqui, e depois formalmente verificado no capítulo 10, como um direito de que nós gozamos, é o fato precioso e tão perfeito, que o acesso junto do próprio Deus nos é inteira e livremente aberto! Aqui, é verdade, estamos assentados nos lugares celestiais, porque não é a nossa união com Cristo que é o assunto desta Epístola, mas temos acesso ao pé de Deus, no santuário.

É importante notar este fato, que, no seu lugar, é tão precioso como o outro. Somos considerados como estando sobre a Terra, mas, embora estando aqui, temos acesso livre e total junto de Deus, no santuário. Vamos a Deus em perfeita liberdade, lá aonde a santidade permanece, e onde nada do que Lhe é contrário pode ser admitido. Que felicidade, que graça perfeita, que resultado glorioso, supremo, definitivo! Que poderemos nós desejar de melhor, se pensarmos que o santuário é a nossa morada?! Tal é a nossa posição na presença de Deus pela introdução de Cristo no santuário.

A segunda consequência apresenta-nos o estado pessoal em que esta obra nos colocou, para que gozássemos desta posição e do direito de entrarmos livremente. O nosso Salvador aperfeiçoou a nossa consciência de tal modo que podemos entrar no santuário sem temor, sem que se levante no nosso espírito qualquer questão acerca do pecado. Mas uma consciência perfeita não é uma consciência inocente, feliz na sua inconsciência, não conhecendo o mal, nem Deus revelado em santidade; Uma consciência perfeita conhece a Deus, e, tendo o conhecimento do bem e do mal, segundo a luz do próprio Deus, ela sabe que é purificada de todo o mal, de harmonia com a pureza de Deus. Ora o sangue dos touros e dos bodes e as abolições repetidas sob a lei não podiam tornar a consciência perfeita.

Podiam santificar carnalmente para que o adorador se aproximasse exteriormente de Deus, mas somente de longe, pois o véu ainda não tinha sido rasgado.

Quanto a uma purificação real do pecado e dos pecados, de modo que a alma estivesse na presença do próprio Deus, na luz, sem mácula, com a consciência de estar nesse feliz estado, as ofertas sob a lei não saberiam nem poderiam operá-la; elas eram apenas figuras. Mas, graças a Deus, Cristo realizou a obra. E agora, presente, para nós, no santuário celestial e eterno, Ele é ali, naquele lugar, a Testemunha fiel da abolição dos nossos pecados; de sorte que toda a consciência de pecado perante Deus é destruída, para nós, porque sabemos que Aquele que levou sobre Si os nossos pecados está na presença de Deus, após ter realizado a obra da expiação.

Assim, temos a consciência de estarmos na luz, sem mácula. Não só a purificação dos nossos pecados foi efetuada, mas também a purificação da nossa consciência, de modo que agora podemos usar desse acesso junto de Deus em plena liberdade e alegria, apresentando-nos diante d�Aquele que tanto nos amou.

A terceira consequência, que põe o selo sobre as outras duas e as caracteriza, é que Cristo, tendo entrado uma vez no Céu, ali permanece. Entrou no santuário celestial para ali permanecer, em virtude de uma redenção eterna, de um sangue que conserva eternamente o seu valor. A obra está completamente feita e não poderia mudar de valor. Se os nossos pecados são tirados de uma maneira eficaz; se Deus é glorificado e cumprida a Sua justiça, aquilo que uma vez produziu tais efeitos não pode jamais cessar de ter esse valor. O sangue de Cristo é sempre eficaz, tendo sido vertido uma vez por todas.

O nosso Sumo Sacerdote está no santuário, não com o sangue de sacrifícios, que são apenas figuras do verdadeiro Sacrifício: A abolição do pecado foi feita e a redenção não é nem temporal nem passageira — é a redenção da alma, uma redenção para a eternidade, de harmonia com a eficácia do que foi feito. Tais são, pois, os três resultados da obra de Cristo: O acesso imediato junto de Deus, a consciência purificada e uma redenção eterna.

Há ainda mais três pontos a anotar antes de abordar a questão das alianças, que se encontra resumida aqui. Em primeiro lugar, Cristo é Sumo Sacerdote dos bens futuros.

E quando a Palavra de Deus diz "os bens futuros” ponto de partida é Israel sob a lei, antes da chegada de nosso Senhor.

Todavia, uma vez que esses bens futuros foram já adquiridos e se pode dizer: "nós os temos", porque o Cristianismo é o cumprimento do que é expresso nessas palavras, não se pode continuar a chamá-los "bens futuros". No entanto, eles são ainda futuros, porque representam tudo aquilo de que o Messias gozará, quando reinar. É por isso também que as coisas terrestres ali têm o seu lugar. Mas a nosso relação atual com Cristo é pura e inteiramente celestial; Ele atua como Sacerdote num tabernáculo que não é desta Criação; esse tabernáculo está junto de Deus, não é feito por mãos! Nós temos o nosso lugar no Céu!..

Em segundo lugar, "Cristo. . pelo Espírito eterno (1), Se ofereceu a Si mesmo, imaculado, a Deus".

(1) O leitor notará, certamente, com que ansioso cuidado o escritor da Epístola liga aqui a todas as coisas o epíteto" eterno�. O fundamento da relação com Deus não era temporário ou terrestre, era eterno. E de igual modo a redenção; de igual modo a herança! A isto corresponde a obra sobre a Terra, feita uma vez por todas. Não é sem importância assinalar quanto à natureza da obra. É por isso que o epíteto é aplicado até mesmo ao Espírito.

Aqui, a oferenda preciosa do Cristo é considerada com um ato que Ele efetuou como homem, embora na perfeição e no valor da Sua pessoa. Ele oferece-Se a oferece! E é tudo quanto era preciso!. .

Assim, oferenda era perfeita e pura, sem mácula. O ato de oferecer era perfeito, quer em amor, quer em obediência, quer no desejo de glorificar a Deus ou de cumprir os Seus desígnios.

Nada de impuro se misturava à perfeição da intenção com que Ele Se oferecia.

Por outro lado, não se tratava de uma oferenda temporária, devido a uma falta de que a estava sobrecarregada, e que não ia mais longe. Uma oferenda desta espécie não podia, pela sua natureza, ter a perfeição de que acabamos de falar; não era a pessoa a pessoa oferecendo-se a si mesma e absolutamente para Deus, porque não há nela nem a perfeição da vontade e nem a perfeição de obediência.

Mas a oferenda de Cristo era uma oferenda que, perfeita na sua natureza moral, sendo em si perfeita aos olhos de Deus, era necessariamente eterna no seu valor, porque este valor permanecia nada menos do que a natureza de Deus, que ali era Deus, mas fazê-lo movido pelo poder e segundo a perfeição do Espírito eterno.

Todos os motivos que governaram este ato da Sua parte, e o cumprimento do ato segundo esses motivos, foram pura e perfeitamente os do Espírito Santo, isto é, absolutamente divinos nas sua perfeição, mas os motivos do Espírito Santo atuando num homem (Homem sem pecado, que, nascido e vivendo sempre pelo poder do Espírito Santo, não tinha conhecido o pecado; que, livre do pecado pelo Seu nascimento, não o tinha nunca deixado entrar em Si), de modo que é este Homem-Cristo que Se glorificada.

A oferenda era feita, não por necessidade, mas voluntariamente e por obediência; era feita por um Homem, para a glória de Deus, mas também pelo Espírito eterno, sempre o mesmo na Sua natureza e no Seu valor.

Estando tudo assim perfeitamente cumprido para a glória de Deus, a consciência de todo aquele que vier a Deus por meio desta oferenda, é purificada; as obras mortas são apagadas e postas de lado, e nós mantemo-nos diante de Deus na base do que Cristo fez.

Vejamos agora o terceiro ponto: Perfeitamente purificados nas nossas consciências de tudo aquilo que faz o homem morto na sua natureza de pecado, e tendo de tratar com Deus na luz e em amor, sem nenhuma questão de consciência entre Ele e nós, somos capazes de servir o Deus vivo! Preciosa liberdade esta onde, felizes, sem questão perante Deus, de harmonia com a Sua natureza na luz, podemos servi-LO conforme a atividade da Sua natureza em amor. Isto o Judaísmo não conhecia, não indo além da perfeição de consciência.

As obrigações para com Deus eram mantidas pelo sistema, que oferecia uma certa provisão do que era necessário para quem tinha errado exteriormente; mas ter uma consciência perfeita, e então servir a Deus por amor seguro a Sua vontade — eis o que o Judaísmo não conhecia.

É esta a posição cristã. O cristão tem a consciência perfeita, por Cristo (2), de acordo com a natureza do próprio Deus.

(2) Porque em Cristo nós somos a Justiça de Deus. O seu sangue nos purificada parte de Deus.

Jesus fez a purificação dos pecados por Ele mesmo, e glorificou a Deus ao fazê-lo.

Serve a Deus em liberdade, segundo a Sua natureza de amor ativo para com os outros.

O sistema judaico, quanto a todas as suas vantagens, era caracterizado pelos lugares santos. Havia deveres e obrigações a cumprir para poderem aproximar-se; sacrifícios para purificar exteriormente aquele que exteriormente se aproximava; mas Deus estava sempre oculto. Ninguém entrava nos "lugares santos", o que implica que "o lugar santíssimo" era inacessível. Nenhum sacrifício que desse livre acesso, e em todo o tempo, tinha ainda sido oferecido; Deus continuava oculto, Que Deus estivesse assim oculto era o caráter da posição de um Judeu: Não podia estar diante d�Ele. Mas Deus também Se não manifestava. Serviam-NO fora da Sua presença; serviam-NO sem entrarem nessa presença. Para uma melhor compreensão da passagem agora estudamos, é importante notar esta verdade: Todo o sistema, quanto ao acesso junto de Deus, no sentido mais elevado e na maior proximidade, é caracterizado pelo lugar santo.

Considerando o Judaísmo como sistema, o primeiro tabernáculo identifica-se com a primeira parte do tabernáculo, e não estava aberto senão à classe sacerdotal; o segundo tabernáculo ou santuário mostrava que não se podia entrar ao pé de Deus.

Quando o autor da Epístola passa à posição atual de Cristo, deixa o tabernáculo terrestre, introduzindo-nos no próprio Céu, num tabernáculo não feito por mãos, isto é, não desta Criação.

A primeira tenda (ou parte do tabernáculo) caracterizava as relações do povo com Deus — e isto somente por meio de um sacerdócio. Não se podia chegar ao pé de Deus. Quando nos aproximamos do próprio Deus, é no céu que nos aproximamos, e todo o primeiro sistema desaparece. Todas as oferendas, segundo o primeiro sistema, eram oferecidas como figuras, e mesmo como figuras mostravam que a consciência não estava ainda descarregada e que a presença de Deus não era acessível ao homem. O ato comemorativo de pecados era continuamente renovado (o sacrifício anual era um memorial de pecados, e Deus não estava ainda manifestado, nem o caminho para Ele aberto).

Cristo vem, realiza o sacrifício, torna a consciência perfeita e entra no Céu. E nós, por meio dEle, nos aproximamos de Deus, na luz. Misturar o serviço do primeiro tabernáculo, ou lugar santo, com o serviço cristão, é negar neste último, porque o significado do primeiro é que o caminho para Deus não estava ainda aberto; o significado do segundo é que o caminho está aberto. Deus pode usar de paciência com a fraqueza do homem. Até à destruição de Jerusalém, Ele foi paciente com os Judeus. Mas estes dois sistemas, isto é, um sistema que afirmava que não se podia ir ao pé de Deus, e um outro que abria o acesso até Ele não poderiam de modo nenhum coexistir.

Cristo veio; Sumo Sacerdote de outro um outro sistema, Sacerdote de bens que, sob o antigo sistema, eram ainda futuros; mas não entrou no lugar santíssimo terrestre, deixando assim o lugar santo subsistir sem verdadeiro significado. Ele veio para o (e não para um) tabernáculo maior e mais perfeito. Repito, porque isto é essencial aqui: O lugar santo, ou a primeira tenda, é a figura de relação dos homens com Deus sob o primeiro tabernáculo, tomado como um todo único, de modo que podemos servir-nos da expressão "primeiro tabernáculo", aplicando-a à primeira parte do tabernáculo, isto é, ao lugar santo, e passar em seguida ao emprego desta mesma expressão de "primeiro tabernáculo", considerado como um todo e como um período reconhecido, tendo o mesmo sentido.

E o que a Epístola faz aqui. Para se sair desta posição é preciso deixar as figuras passar para o Céu, para o verdadeiro santuário onde Cristo está sempre, não nos barrando a entrada nenhuma véu.

Ora, não nos é dito que tenhamos atualmente "os bens futuros". Cristo entrou mesmo no Céu, Sumo Sacerdote desses bens, assegurando a sua posse aos que se confiarem a Ele; mas nós temos acesso até junto de Deus (3) na luz, em virtude da presença de Cristo no santuário celeste.

(3) É da maior importância compreender claramente que é na presença de Deus que nós entramos, e isto em todo o tempo, e em virtude de um sacrifício e de um sangue que nunca perdem seu valor.

O adorador, sob o antigo tabernáculo, não vinha à presença de Deus; ficava de fora. O véu não estava rasgado! Se pecava, era oferecido um sacrifício; se voltava a pecar, um sacrifício era de novo oferecido. Agora o véu está rasgado — e nós estamos sempre na presença de Deus, sem véu!… Suceda o que suceder, Ele vê-nos sempre. Vê-nos na Sua presença, segundo a eficácia do perfeito sacrifício de Cristo. Nós estamos ali agora em virtude de um sacrifício perfeito, oferecido pela abolição do pecado, segundo a glória divina, e que fez inteiramente a purificação dos nossos pecados. Eu não estaria na presença de Deus, no santuário, se não estivesse purificado segundo a pureza de Deus — e por E!e. É o que me levou lá. Ora, esse sacrifício e esse sangue não perdem o seu valor. Eu estou, pois, sempre perfeito na presença de Deus, por causa desse sacrifício e desse sangue; foram eles que ali me introduziram.

Esta presença de Cristo perante Deus é uma prova de que a justiça é perfeitamente glorificada. O sangue é um memorial de que os nossos pecados são tirados para sempre, e a nossa consciência aperfeiçoada. O Cristo, lá no Céu, é o Fiador do cumprimento de todas as promessas. Abriu-nos, desde então, o acesso ao pé de Deus na luz, tendo purificado as nossas consciências, uma vez por todas — porque Ele está no Céu permanentemente—a fim de que possamos entrar e servir a Deus em liberdade neste mundo.

Tudo isto está já estabelecido e assegurado, mas há mais: A Nova Aliança, da qual Ele é Mediador, é fundada sobre o Seu sangue. É, aliás, bem impressionante a maneira como o apóstolo evita sempre fazer uma aplicação direta da Nova Aliança.

As transgressões imputadas sob a primeira Aliança, e que os sacrifícios que ela oferecia não podiam expiar, são, pelo sangue da Nova Aliança, plenamente apagadas.

Assim os chamados— note-se a expressão (v.15) — podem receber a promessa da herança eterna. Isto quer dizer que a base é posta para o cumprimento das bênçãos da Aliança. Ele diz: "A herança eterna", porque a reconciliação era completa, como temos visto.

Os nossos pecados tinham sido levados e apagados; e a obra pela qual o pecado é definitivamente tirado de diante Deus estava concluída, em relação com a natureza e o caráter do próprio Deus. E o ponto capital de toda esta parte da Epístola.

E por causa da necessidade desse sacrifício, por causa da necessidade que havia de tirar inteiramente os pecados, e de uma matéria definitiva o pecado (4), para que se gozasse das promessas eternas (porque Deus não podia abençoar, como princípio eterno e definitivamente, enquanto o pecado estivesse diante dos Seus olhos), que o Cristo, o Filho de Deus, Homem sobre a Terra, é feito Mediador da Nova Aliança, para franquear, pela morte, o caminho para o gozo permanente daquilo que estava prometido.

(4) A obra em virtude da qual todo o pecado é definitivamente tirado de diante de Deus—abolido está realizada. A questão do bem e do mal foi definitivamente regularizada sobre a cruz, e Deus foi perfeitamente glorificado quando o pecado esteve perante Ele. O resultado não será definitivamente estabelecido antes dos novos céus e da nova Terra, mas os nossos pecados foram levados por Cristo sobre a Cruz; Ele ressuscitou, tendo feito a propiação, testemunho eterno de que eles desaparecem para sempre e de que, pela fé, nós estamos agora justificados e temos a paz. É preciso não confundir estas duas coisas: A abolição do pecado, e o fato de que Deus foi perfeitamente glorificado a respeito do pecado quando Cristo foi feito pecado, obra cujos resultados não estão ainda cumpridos.

Quanto à natureza de pecado, ela está ainda em nós. Ora, estando Cristo morto, esta natureza foi condenada na Sua morte; mas tendo isso tido lugar pela morte, nós próprios nos reconhecemos como mortos para essa natureza, e não há nenhuma condenação para nós.

A Nova Aliança, em si mesma, não falava de um Mediador. Segundo ela, Deus escreveria as Suas leis sobre os corações do Seu povo e não Se lembraria mais dos pecados deles. Esta aliança não é ainda feita com Israel e Judá; mas Deus, enquanto espera, estabeleceu e revelou o Mediador que fez a obra sobre a qual o cumprimento dessas promessas possa ser fundado de uma maneira durável, eterna, é em relação com a natureza do próprio Deus.

Isto tem lugar por meio da morte, salário do pecado, pela qual o pecado é deixado para trás. Para a expiação dos pecados, sendo feita segundo a Justiça de Deus, Cristo tomou uma posição inteiramente nova, fora e além do pecado. O mediador pagou o resgate! O pecado já não tem direitos sobre nós.

Os versos 16-17 são um parênteses em que a ideia do "testamento" (a mesma palavra em Grego que a de "aliança", quer dizer uma disposição da parte daquele que tem o direito de dispor) é introduzida para fazer compreender que a morte deve ter lugar, antes de se poder gozar dos direitos adquiridos por testamento (5).

(5) Alguns consideram estes dois versos,16 e 17, não como um parêntese que fala de um testamento, mas como continuando o raciocínio acerca da Aliança, tomando a correspondente palavra grega não como designado o testador, mas o sacrifício, que punha um selo mais solene do que um juramento na obrigação de observar a Aliança.

É uma questão do Grego, muito delicada, que não trato aqui. Mas não posso dizer que me tenham convencido.

Esta necessidade de fundar a aliança sobre o sangue de uma vítima não tinha sido esquecida quando da primeira aliança: Tudo foi aspergido com sangue; simplesmente, neste caso, era a sanção solene da morte, ligada à obrigação da aliança. Os tipos falavam sempre da necessidade da intervenção da morte antes do homem poder estar em relação com Deus. O pecado tinha trazido a morte e o julgamento; era-nos, pois, necessário, ou sofrermos o julgamento nós mesmos, ou então ver os nossos pecados apagados pelo fato de um outro ter sofrido o julgamento em nosso lugar.

São-nos apresentadas aqui três explicações do sangue: A Aliança é fundada sobre o sangue; a purificação das máculas é feita por esse meio; a culpabilidade é tirada pela remissão obtida pelo sangue que foi derramado.

Estas são, com efeito, as três coisas necessárias: Primeira — Os caminhos de Deus em bênção, segundo as Suas promessas, são postos em relação com a Sua Justiça; os pecados daqueles que são abençoados estando expiados, fundamento indispensável da Aliança; tendo Cristo, ao mesmo tempo, glorificado a Deus quanto ao pecado, quando Ele foi feito pecado sobre a Cruz.

Segunda — A purificação dos pecados pelos quais estamos maculados (assim como todas as coisas, embora elas mesmas não pudessem ser culpadas) é cumprida aqui. Havia casos em que a água era empregada: era um tipo da purificação moral e prática — decorria da morte! A água que purifica saiu do lado da Santa Vítima, já morta: É a aplicação, à consciência e ao coração, da Palavra que julga todo o mal e revela todo o bem.

Terceira—Quanto à remissão, em caso algum ela se efetua sem que o sangue seja vertido. Note-se aqui que não nos é dito "aplicado". Trata-se do cumprimento da obra da verdadeira propiciação. Sem efusão de sangue não há remissão.

Verdade esta da maior importância: Para uma obra de remissão, é preciso que a morte e a efusão de sangue tenham lugar.

Duas consequências decorrem desses aspectos da expiação e da reconciliação com Deus.

Em primeiro lugar, era necessário um melhor sacrifício, uma vítima mais excelente do que aquela que era oferecida sob a Antiga Aliança, porque se tratava, não de purificar figuras, mas sim das próprias coisas celestiais — e foi na presença do próprio Deus que Cristo entrou.

Em segundo lugar, Cristo não devia oferecer-Se muitas vezes, como o sumo sacerdote, que entrava todos os anos com o sangue de outro, porque Ele ofereceu-Se a Si próprio. Se tudo o que aproveitava do sacrifício não fosse levado à perfeição por uma só oferenda, feita uma vez por todas, o Cristo deveria ter sofrido muitas vezes, desde a fundação do mundo (6).

(6) E Ele deveria ter sofrido várias vezes, porque é preciso que o pecado, na realidade, seja tirado.

Esta observação dá lugar à declaração clara e simples dos caminhos de Deus a respeito desse sacrifício, feito uma vez por todas, declaração de um preço infinito.

Deus deixou passar os séculos (quer dizer, os diversos períodos distintos nos quais o homem tem sido posto à prova de diversas maneiras e tem tido tempo suficiente para mostrar o que ele é) sem cumprir ainda a obra da Sua graça. Esta prova tem servido para mostrar que o homem é mau por natureza e pela sua vontade. A multiplicação dos meios empregados não fez senão pôr em evidência que a índole da natureza essencialmente má, porque ele não aproveita de nenhum desses meios para se aproximar de Deus.

Pelo contrário, a sua inimizade contra Deus tem sido plenamente manifestada.

Quando Deus tornou isto evidente antes da lei, sob lei, por promessas, pela chegada e pela presença de Seu Filho, então a obra de Deus tomou, para a nossa salvação e para Sua glória, o lugar da responsabilidade do homem.

Ora, sobre o terreno dessa responsabilidade, a fé sabe que o homem está inteiramente perdido.

É por isso que nos é dito: "na consumação dos séculos" (v. 26).

Ora, esta obra é perfeita e foi perfeitamente realizada. O pecado tinha desonrado a Deus e separado d�Ele o homem. Tudo o que Deus tinha feito para dar ao homem um meio de regressar a Ele só tinha tido como resultado o dar-lhe ocasião de atingir, o cúmulo do pecado para rejeição de Jesus. Mas os desígnios eternos de Deus cumpriam-se nessa rejeição, ou, pelo menos, a base moral do seu cumprimento estava posta, e isto de harmonia com a Sua perfeição infinita, a fim de que eles fossem realmente perfeitos nos seus resultados.

Agora tudo repousava, de fato, como nos eternos desígnios de Deus, sobre o segundo Adão e sobre o que Deus tinha feito—não sobre a responsabilidade do homem, embora tenha ficado plenamente satisfeito quanto a essa responsabilidade para a glória de Deus (comparar 2 Timóteo 1:9-10; Tito 1:1-2). O Cristo, que o homem tinha rejeitado, tinha vindo para abolir o pecado pelo sacrifício de Si mesmo. Deste modo, e moralmente, "a consumação dos séculos" tinha chegado.

Os resultados da obra e do poder de Deus não são ainda manifestados; isso será uma nova Criação. Mas o homem, como filho de Adão, tem cumprido bem a sua missão nas suas relações com Deus: ele é inimizade contra Deus! Cristo, cumprindo a vontade de Deus, veio, na consumação dos séculos, para abolir o pecado pelo sacrifício de Si mesmo. É esta a força moral do Seu ato (7), do Seu sacrifício perante Deus. Como resultado, o pecado será totalmente suprimido dos céus e da terra. Pela fé, este resultado, a saber a abolição do pecado, está já realizado na consciência (8), porque Cristo, que foi feito pecado por nós, está morto, e morto ao pecado; mas, uma vez que Ele está agora ressuscitado e glorificado, o pecado (embora Cristo tenha sido mesmo feito pecado por nós) foi posto de lado.

(7) Quanto mais examinarmos a Cruz, do ponto de vista d e Deus, mais veremos este poder: A inimizade do homem contra Deus, e contra Deus vindo em bondade, foi manifestada de uma maneira absoluta; e também o poder de Satanás em mal sobre o homem. E, além disso, a perfeição do Homem no Seu amor pelo Pai e na obediência ao Pai foi manifestada, assim como a majestade e a Justiça de Deus contra o pecado e o Seu amor pelos pecadores, tudo o que Ele é. Sim, toda a questão do bem e do mal foi regularizada, ali, onde se encontrava o pecado, a saber, em Cristo feito pecado por nós. Quando, Naquele que era sem pecado, o pecado esteve como tal perante a face de Deus, lá onde era necessário que o pecado estivesse; quando Deus foi glorificado perfeitamente, como certamente também o filho do homem, então, moralmente, tudo foi regulado — e nós o sabemos! Somente os resultados reais não foram ainda produzidos.

(8) O julgamento que se abaterá sobre os maus não é a abolição do pecado. A obra e a posição de Cristo têm ainda muitos outros resultados, tais como a glória celestial ao pé de Deus, mas não é esse assunto de que nos ocupemos aqui.

Este resultado, para os que esperam o regresso do Senhor, é também anunciado ao crente. A sorte dos homens, filhos de Adão, é a morte e o julgamento. Mas Cristo foi oferecido uma só vez para levar sobre Si os pecados de muitos, e, àqueles que O esperam, Ele "aparecerá uma segunda vez, sem pecado, para salvação" (v. 27-28). Para estes, quanto à sua posição perante a Deus, o pecado está presentemente abolido. Tal como é Cristo, assim eles são; os seus próprios pecados são todos suprimidos. Quando da primeira vez, Cristo tinha sido manifestado a fim de ser feito pecado por nós e de levar sobre Si os nossos pecados—e Ele os carregou sobre a Cruz. Mas, acerca daqueles que O esperam, esses pecados estão totalmente eliminados. Quando voltar, Cristo não tem nada a ver com o pecado, pelo que lhes diz respeito.

Ele acabou com o pecado quando da Sua primeira vinda. E aparecerá uma segunda vez para os livrar de todos os resultados do pecado, de toda a servidão.

Aparecerá, não para o julgamento, mas sim para a salvação. Para eles — para nós, crentes—a abolição do pecado foi tão completa, tão perfeita, os pecados tão inteiramente tirados que, quando Ele voltar, nada tem a ver com o pecado. Aparecerá totalmente separado do pecado; não só sem pecado na Sua pessoa — era o caso da Sua primeira vinda—mas também fora (quanto àqueles que O esperam) de toda a questão de pecado, para a libertação final deles.

"Sem pecados" está em contraste com "levar os pecados de muitos" (9). Mas notar-se-á que aqui não é feita a menção do arrebatamento da Igreja.

(9) É importante ver a diferença entre os versos 26 e 28. Era preciso que o pecado, no s eu sentido abstrato, fosse tirado de diante de Deus; é por isso que era necessário que Deus fosse perfeitamente glorificado quanto ao pecado, ali onde o pecado se encontra na Sua frente. Cristo foi feito pecado; Ele foi manifestado para o abolir de diante Deus.

Por outro lado, havia em questão os nossos pecados (a nossa culpabilidade); e Cristo os levou no Seu próprio corpo sobre o madeiro. Os pecados foram levados, e Cristo já os não tem. Quanto a culpabilidade, eles são tirados de diante Deus para sempre.

A obra para a abolição do pecado perante Deus está concluída, e Deus reconhece-a como realizada, tendo glorificado a Jesus, que O glorificou a Ele, quanto a esta obra, quanto foi feito pecado. Assim, para Deus a questão está regulada, e a fé o reconhece, mas o resultado não está ainda produzido.

A obra está perante Deus em todo o seu valor, mas o pecado existe ainda no crente e no mundo.

A fé reconhece as duas coisas; sabe que, perante Deus, a obra está consumada, e descansa nela, do mesmo modo como Deus o faz. Mas o cristão sabe que, de fato, o pecado ainda está nele; somente tem o direito de se considerar a si mesmo como morto ao pecado — sabe que o pecado na came está condenado, mas isto no sacrifício pelo pecado, de sorte que não há nenhum pecado para ele próprio. A abolição ainda não está realizada, mas o que a produz já foi feito, de modo que Deus a reconhece, e a fé a reconhece também — e o crente está, perante Deus, perfeitamente livre do pecado e dos pecados. Aquele que está morto (ora, nós estamos, estando mortos com Cristo) está justificado do pecado. Os nossos pecados foram todos levados por Cristo. A dificuldade provém, em parte, da palavra "pecado " se usar para um ato particular, e se empregar também no sentido abstrato. Com a palavra “Pecados no plural, já se não dá o mesmo equívoco. Um sacrifício por causado pecado—a expressão é correta, embora se trate de uma falta particular. O pecado entrado no mundo é outra ideia. Este duplo sentido tem causado alguma confusã o.

E é de notar também as expressões empregadas: analisam minuciosamente o caráter da segunda vinda do Senhor. Ele foi manifestado uma só vez. Agora é visto por aqueles que O esperam. A expressão pode aplicar-se à libertação dos judeus que O esperam nos últimos dias.

Ele aparecerá para a sua libertação. Mas nós também esperamos o Senhor para essa libertação — e nós O veremos, quando Ele operar por nós. O autor da Epístola não aborda a questão da diferença entre este e o nosso arrebatamento, e não emprega aqui a palavra grega que serve para anunciar a manifestação pública do Senhor.

Ele aparecerá "aqueles que O esperam". Não é visto por todo o mundo, e, por conseguinte, não é ainda o julgamento, embora este possa seguir-se. O Espírito Santo não Se ocupa aqui senão daqueles que O esperam. Ele aparecerá a estes; será visto por eles, e esse será o tempo da sua libertação, de sorte que isto que é dito aqui é verdadeiro para nós e aplicável também ao remanescente Judaico nos últimos dias.

Assim, a posição cristã, e a esperança do mundo habitado futuro, fundada sobre o sangue e sobre o Mediador da Nova Aliança, são as duas coisas aqui verificadas: Uma, a porção atual do crente; a outra, tornada certa como a esperança de Israel. Que sublime graça esta, a que consideramos agora!..

Há duas coisas que se nos apresentam em Cristo: O atrativo da Sua graça e da Sua bondade, para o coração, e a Sua obra que coloca a alma na presença de Deus. É desta última que o Espírito de Deus nos ocupa aqui. Não se trata apenas da piedade que produz a graça. O efeito da obra é também verificado. E o que é, para nós, esse efeito? Temos acesso perante a face de Deus, em luz, sem véu, estando inteiramente livres de todo o pecado perante Ele, alvos como a neve, na luz que O revela. Que maravilhosa posição para nós! Não se trata de esperar um dia de Julgamento, por muito certo que ele esteja, nem de procurar os meios de nos aproximarmos de Deus: Nós estamos na Sua presença; Cristo comparece na presença de Deus por nós, mas não é somente isso: Cristo permanece lá, portanto, a nossa posição não muda. Na verdade, nós somos chamados para andarmos de harmonia com esta posição, mas isso em nada altera o fato de ser essa a nossa posição.

E como chegamos nos lá, e me que condições? Os nossos pecados foram totalmente abolidos, perfeitamente abolidos, e uma vez por todas. Toda a questão do pecado está regularizada perante Deus; nós estamos lá, porque Cristo consumou a obra que aboliu o pecado. De modo que existem as duas coisas: A obra feita, e esta posição adquirida para nós na presença de Deus.

Vê-se a força do contraste de tudo isto com a Judaísmo. Segundo este, o serviço divino, como vimos, era realizado fora do véu; não se chegava até à presença de Deus.

Por isso tinham sempre de recomeçar. O sacrifício propiciatório renovava-se de ano para ano, testemunho constantemente repetido de que o pecado estava ainda lá.

Individualmente, obtinha -se um perdão passageiro, para um ato particular, mas tinha de ser sempre renovado: A consciência não ficava perfeita, a alma não estava na presença de Deus, esta grande questão não era nunca eficazmente resolvida.

(E quantas almas não estarão, mesmo ainda hoje, nesse estado?!). A entrada do sumo sacerdote, uma vez por ano, não fazia senão fornecer uma prova de que o Caminho se encontrava ainda fechado, que não se aproximavam de Deus, e que havia sempre diante d�Ele a lembrança do pecado.

Agora, para nós, o pecado está abolido por uma obra feita uma vez por todas; a consciência foi aperfeiçoada e já não há condenação para nós. O pecado na carne foi condenado em Cristo quando Ele foi o sacrifício pelo pecado, e Cristo está para sempre, para nós, na presença de Deus. O nosso sumo sacerdote permanece lá.

Assim, em lugar de um memorial do pecado, reiterado de ano em ano, a Justiça perfeita subsiste sempre, para nós, na presença de Deus. A posição está totalmente mudada! A sorte do homem — porque esta obra perfeita nos faz sair do círculo do Judaísmo—é a morte e o julgamento; mas agora a nossa sorte depende de Cristo — e não de Adão! Cristo foi oferecido para levar os pecados de muitos (l0) —a obra é perfeita e completa aos pecados abolidos, e, aqueles que O esperam, Ele aparecerá sem a questão do pecado, tendo a questão sido perfeitamente resolvida quando da Sua primeira vinda.

(10) A palavra "muitos" tem aqui um duplo alcance, um alcance negativo e positivo ao mesmo tempo. Não se pode dizer “todos", porque assim todos seriam salvos; mas, por outro lado, a palavra “muitos" ou “vários", generaliza a obra, de modo que não são apenas os Judeus o seu objeto.

Na morte de Jesus, Deus tratou dos pecados daqueles que O esperavam — e Ele aparecerá, não para julgar, mas para salvação, para finalmente os livrar da posição em que os seus pecados os tinham colocado. Estas verdades terão a sua aplicação no Remanescente judaico, de acordo com as circunstâncias da sua posição; mas elas aplicam-se de uma maneira absoluta ao Cristão, cuja porção é o Céu.

O ponto essencial estabelecido na doutrina da morte de Cristo é que Ele Se ofereceu uma vez por todas. Para bem se compreender o alcance de tudo o que é dito aqui ê necessário reter este pensamento.

CAPÍTULO 10

O capítulo 10 é o desenvolvimento e a aplicação do fato de Cristo Se ter oferecido uma vez por todas. O autor resume nele a sua doutrina sobre este ponto, e aplica-a às almas, confirmando-a pelas Escrituras e por considerações evidentes para toda a alma instruída.

A lei, com os seus sacrifícios, não conduzia os adoradores à perfeição, porque, se estes tivessem sido aperfeiçoados, os sacrifícios não seriam repetidos, Se eram ainda oferecidos, é porque os adoradores não eram perfeitos, era, pelo contrário, um memorial dos pecados.

O sacrifício repetido recordava ao povo que o pecado estava ainda ali, e que estava perante Deus. A lei, com efeito, era bem a sombra das coisas futuras, mas não a própria imagem dessas coisas. Havia sacrifícios, mas sacrifícios repetidos, em lugar de um só sacrifício, eficaz para sempre; havia um sumo sacerdote, mas um sumo sacerdote mortal, o que implicava um sacerdócio transmissível; um sumo sacerdote que entrava num lugar santíssimo, mas somente uma vez por ano; havia o véu que escondia Deus, ficando sempre lá, e um sumo sacerdote que não podia permanecer na Sua presença, porque a obra não era perfeita.

Havia, pois, elementos que indicavam claramente as partes constitutivas, se me posso exprimir assim, do sacerdócio dos bens futuros, mas o estado dos adoradores era, um caso, totalmente o oposto do que era no outro. No primeiro caso, cada ato mostrava que a obra de reconciliação não era perfeita no segundo caso, a posição do Sumo Sacerdote e a dos adoradores é o testemunho de que esta obra foi realizada, e que os adoradores são aperfeiçoados para sempre na presença de Deus.

No capítulo 10, este princípio é aplicado ao sacrifício.

A sua repetição demostrava que o pecado ainda lá estava; e o fato de o sacrifício de Cristo não ser oferecido senão uma vez era a demonstração da sua eficácia eterna. Se os sacrifícios judaicos tivessem tornado os adoradores realmente perfeitos perante Deus, esses sacrifícios teriam cessado de ser oferecidos. Embora o princípio seja geral, o apóstolo fala dos sacrifícios que eram oferecidos todos os anos no dia das propiciações; porque, aperfeiçoados de uma maneira permanente, pela eficácia do sacrifício, os adoradores já não teriam nenhuma consciência de pecados, e não teriam o pensamento de renovar o sacrifício.

Note-se aqui, porque é muito importante, que a consciência é purificada, sendo expiados os pecados e aproximando-se o adorador em virtude do sacrifício de Cristo. O sentido do serviço judaico era que a culpabilidade não era tirada; o sentido do serviço cristão é precisamente o contrário. Quanto ao primeiro, por muito precioso que seja o tipo, a razão é evidente: o sangue dos touros e dos bodes não podia tirar o pecado.

Por isso esses sacrifícios foram abolidos, e uma obra foi realizada que, sendo embora um sacrifício, tem outro caráter. E uma obra que exclui qualquer outra e toda a repetição, porque se trata da dedicação do próprio filho de Deus, para cumprir a vontade de Deus e realizar aquilo para que tinha sido consagrado, ato impossível de repetir, porque não se pode cumprir toda a vontade de Deus duas vezes. Se isso fosse possível, seria um testemunho da insuficiência do primeiro ato e, por conseguinte, da insuficiência de ambos.

Eis o que o Filho de Deus diz nesta passagem tão solene (v. 5 a 9), onde nós somos informados, segundo a graça de Deus, do que se passou entre Deus o Pai e Ele próprio, quando o Filho empreendeu o cumprimento da vontade de Deus — o que Ele disse, e quais eram os desígnios eternos de Deus, que He cumpriu.

Ele toma a posição de submissão e de obediência, para cumprir a vontade de um Outro. Deus já não queira sacrifícios oferecidos sob a lei, cujos quatro gêneros são assinalados aqui; não tinha nenhum prazer neles.

Em seu lugar, tinha preparado um corpo para o Seu Filho — verdade importante, imensa, porque a verdadeira posição do homem é a da obediência. Portanto, tomando este lugar de obediência, o Filho de Deus coloca-Se numa posição em que pode obedecer perfeitamente, e, de fato, Ele empreende fazer toda a vontade de Deus, qualquer que ela seja — vontade sempre boa, agradável e perfeita.

O Salmo, no texto hebraico, diz: "Tu me escavaste (1) os ouvidos”, o que os Setenta traduziram por: "Tu me formaste um corpo", e esta palavra uma vez que ela dá o verdadeiro sentido, o Espírito Santo a emprega aqui; porque a palavra "ouvido", assim empregada, tem sempre o sentido da recepção de mandamentos, e de obrigação de obedecer, ou de disposição para V o fazer. "Efe desperta- me todas as manhãs, desperta-me o ouvido para que ouça" (Isaías 50:4); quer dizer que Ele me faz prestar atenção à Sua vontade, ser obediente aos Seus mandamentos.

A orelha era furada ou pregada com uma sovela à porta, como sinal de que o Israelita estava ligado à casa como escravo para obedecer para sempre. Ora, tomando um corpo, o Senhor tomou a forma de servo (Filipenses 2:7); teve "orelhas furadas", quer dizer, colocou-Se na posição em que deveria cumprir toda a vontade do Seu Senhor, fosse ele quem fosse. Mas é o próprio Senhor (2) que fala na passagem: Tu, diz Ele, "tu me formaste um corpo".

(1) Não é a mesma palavra que "furar" ou perfurar em Êxodo 21, nem que "abrir� em Isaías 50. Um escavar significa preparar para a obediência, o outro significa ligar à obediência para sempre e sujeitar à obediência que é devida. A passagem de Êxodo 21 refere-se à verdade bendita que o Senhor, uma vez cumprindo o Seu serviço pessoal sobre a Terra, não quis abandonar nem a Sua Igreja nem o Seu povo. Ele é sempre Deus, mas também sempre Homem, sempre Homem humilhado, o Homem glorificado e reinante, o Homem dependente, em- bora na alegria da perfeição eterna.

(2) O tema, como em toda a Epístola, é o Messias. No Salmo, é o Messias que fala, isto é, o Ungido neste mundo.

Ele exprime a Sua paciência e a Sua fidelidade na posição que tinha tomado, dirigindo-Se ao Eterno com Seu Deus, e conta-nos como tinha tomado este lugar voluntariamente, segundo os eternos desígnios a respeito da Sua Pessoa.

Porque a Pessoa não mudou, mas Cristo fala no Salmo segundo a posição de obediência que tomou, dizendo sempre mim e eu, ao falar daquilo que se passou antes da Sua encarnação.

Entrando mais pormenores, Ele especifica os holocaustos e as oferendas pelo pecado, sacrifícios que tinham menos o caráter de comunhão que o de sacrifícios de prosperidade e de ganho, e eram, por conseguinte, de um maior alcance, mas Deus não tinha nisso prazer algum. Numa palavra, o serviço judaico era já então declarado, pelo Espírito, inaceitável perante Deus. Tudo isso devia cessar, pois não produzia fruto.

Nenhuma oferenda, fazendo parte desse serviço, era agradável Não, os planos de Deus desenvolvem-se, mas em primeiro lugar no coração do verbo, do Filho de Deus, que Se oferece a Si mesmo para cumprir a vontade de Deus. Então Ele diz: "Eis aqui venho (no princípio do livro está escrito a respeito de mim), para fazer, ó Deus, a tua vontade" (v.7) está Nada mais solene do que tirar assim o véu de sobre aquilo que se passa no Céu entre Deus e o Verbo que empreendeu fazer a Sua vontade. Note-se que, antes de estar na posição de obediência, Ele próprio Se oferece para fazer a vontade de Deus; isto é, como alguém que podia fazê-lo, de livre vontade e por infinito amor, Ele Se oferece para a glória de Deus. Empreende uma total obediência, empreende fazer tudo o que Deus quer. Faz o sacrifício de boa vontade, e faze-o livremente, como de Sua própria iniciativa, embora isso seja, na ocasião, a vontade do Pai. Era preciso ser Deus para o fazer, para empreender o cumprimento de tudo aquilo que Deus quisesse.

Eis aqui o grande mistério dessa divina conversação, que fica sempre rodeada da sua solene majestade, embora nos seja comunicada para que nós o saibamos e precisávamos de o saber, porque é assim que compreendemos a graça infinita e a glória dessa obra.

Antes de ser feito homem, no lugar em que só a divindade se conhece, e onde os desígnios e os pensamentos eternos se comunicam entre as Pessoas divinas, o Verbo, assim como Ele nô-lo declarou em devido tempo pelo Espírito profético (tal sendo a vontade de Deus, contida no livro dos desígnios eternos) — Ele, que podia fazê-lo, Se ofereceu livremente para cumprir essa vontade.

Submetido a esse desígnio já determinado a Seu respeito, Ele Se oferece entretanto com perfeita liberdade para o cumprir. Oferecendo-Se, Ele submeteu-Se; todavia, e ao mesmo tempo, empreende fazer tudo o que Deus, como Deus queria. Mas também empreender fazer a vontade de Deus, Ele a faz por via da obediência, da submissão e da dedicação; porque eu poderia empreender fazer a vontade de um outro como sendo livre e competente para a fazer, mas também porque eu queria essa coisa. Mas se eu digo: "Para fazer a tua vontade", trata-se de uma submissão absoluta e completa. Foi o que o Senhor, o Verbo, fez. E Ele o fez também, declarando que vinha para o fazer.

Tomava uma posição de obediência, aceitando o corpo formado para Ele; vinha para fazer a vontade de Deus.

Isto, que acabamos de dizer, encontra-se continuamente manifestado na vida de Jesus, na Terra. A divindade transparece através da posição que Ele tinha tomado num corpo humano, porque Ele era Deus necessariamente no próprio ato da Sua humilhação, e só Deus teria podido empreender a obra que empreendeu, e nela Se encontrar; mas Ele era sempre, inteiramente, perfeitamente obediente e dependente de Deus.

O que se revelava na sua existência sobre a Terra era a expressão do que se tinha cumprido nas moradas eternas, na Sua própria natureza, quer dizer (e é aquilo de que o Salmo 40 nos fala), aquilo que Ele exprime e que Ele foi neste mundo são a mesma coisa: uma, na realidade, no Céu, e a outra corporalmente sobre a Terra. O que foi neste mundo não era senão a expressão, a manifestação viva, real, corporal, dessas comunicações divinas que nos foram reveladas, e que eram a realidade da posição que Ele tomou. Ora, é muito importante ver esta coisas na livre oferenda de Si próprio, feita segundo a competência divina, e não somente quando elas são cumpridas na morte. Isto dá um caráter inteiramente diferente à Sua obra, no corpo, neste mundo.

Na realidade, depois do primeiro capítulo, o Espírito Santo apresenta sempre Cristo desta maneira; mas esta revelação do Salmo 40 era necessária para explicar como Ele Se fez servo — o que o Messias realmente era. E para nós, Ele abre uma vida imensa sobre os caminhos de Deus, vista cujo fundo, pela própria luz da revelação, nos mostra coisas tão divinas e tão gloriosas que baixamos a cabeça e nos curvamos ao pensamento de sermos admitidos, por assim dizer, a assistirmos a tais conversações, dada a majestade das Pessoas cujas relações íntimas e cujos atos nos são revelados. Aqui, não é a glória que nos deslumbra, mas, neste pobre mundo, não há nada a que sejamos tão estranhos como à intimidade daqueles que são, nos seus hábitos, muito superiores a nós. O que será, pois, quando se trata da intimidade de Deus? Bendito seja o Seu Nome! Que sublime graça esta que nos introduz tão perto de Deus, que se aproximou de nós na nossa fraqueza! Somos, pois, admitidos a conhecer esta preciosa verdade, que o Senhor Jesus empreendeu, de Sua livre vontade, o cumprimento de toda a vontade de Deus, e que quis mesmo tomar o corpo formado por Ele, a fim de cumprir a Sua vontade. Assim, o amor, a dedicação à glória de Deus e a maneira como Ele empreendeu obedecer, são plenamente postos em evidência.

Esta obra, fruto dos eternos desígnios de Deus, destitui, em virtude da sua própria natureza, toda a representação provisória e encerra somente em si a condição de toda a revelação com Deus, e o meio pelo qual Ele Se glorifica (3).

Portanto, o Verbo toma um corpo para Se oferecer em sacrifício.

Além da revelação desta dedicação do Verbo para cumprir a vontade de Deus, é-nos apresentado o efeito do Seu sacrifício segundo essa mesma vontade. Ele veio para fazer a vontade de Jeová; ora, é pela vontade d�Aquele que, segundo a Sua eterna sabedoria, formou um corpo para o Seu Filho, que a fé compreende que aqueles que Ele chamou para Si, para a salvação, são separados para Deus, ou seja: são "santificados". É pela vontade de Deus que nós somos separados para Ele, não pela nossa vontade, e isto tem lugar por meio do sacrifício oferecido a Deus — Jesus Cristo.

Notar-se-á que a Epístola não fala aqui da comunicação da vida nem de uma santificação prática, operada pelo Espírito Santo (4); é da Pessoa de Cristo assunto ao Céu e da eficácia da Sua obra que ela se ocupa.

(3) Note-se também aqui não só a substituição das figuras cerimoniais da lei pela realidade, mas também a diferença de princípio. A lei exigia que, para haver justiça, o homem fizesse a vontade de Deus; e era justo — era a justiça humana. Aqui Cristo toma sobre Si o fazer a vontade de Deus, e Ele a faz, oferecendo-Se a Si mesmo. O fato de Ele ter feito assim a vontade de Deus é a base da nossa relação com Deus. A vontade de Deus foi feita, e nós somos aceitos.

Sendo nascidos de Deus, achamos cts nossas delícias em fazer a Sua vontade» mas isto em amor e na nova natureza, e de modo nenhum para sermos aceitos.

(4) Nas exortações, capítulo 12:14, a Epístola fala dela; mas a doutrina da Epístola a palavra "santificação" não é empregada no sentido daquilo que é praticamente operado em nós.

E isto é importante acerca da santificação, porque o emprego desta palavra mostra que a santificação é uma separação completa de um homem para Deus, como pertencendo-Lhe, pelo preço da oferenda de Jesus, uma consagração a Ele por meio desta oferenda. Deus tomou de entre os homens os Judeus impuros e os separou, os consagrou a Si mesmo.

De igual modo Ele consagrou a Si mesmo agora os chamados de entre este povo, e, graças a Deus, nós mesmos também, por meio da oferenda de Jesus.

Ora, há um outro elemento já assinalado desta oferenda, cujo alcance a Epístola aplica aqui aos crentes, a saber, que a oferenda está feita "uma vez por todas".

Não admite nenhuma repetição.

Se gozarmos do resultado desta oferenda, a nossa santificação é eterna na sua natureza; não falha, não se repete. Somos de Deus, de acordo com a sua eficácia, e para sempre. Assim, a nossa santificação, a nossa separação para Deus, quando se trata da obra pela qual ela é realizada, tem toda a firmeza da vontade de Deus e toda a graça que dela tem sido a fonte. Participa também, na sua natureza, na perfeição da própria obra pela qual é realizada e possui a duração e a força constante da eficácia desta obra.

Mas o alcance desta oferenda não se limita a esta separação para Deus. O ponto já tratado compreende a nossa separação para o próprio Deus, pela oferenda perfeitamente eficaz de Cristo, cumprindo a Sua vontade; agora a posição que Cristo tomou, a seguir à Sua oferenda, é empregada para manifestar inteiramente o estado em que, como consequência desta oferenda, nós nos encontramos perante Deus.

Os sacerdotes, entre os judeus (e este contraste ainda se mantém), ficavam de pé diante do altar, para continuamente repetirem os mesmos sacrifícios, que não podiam nunca tirar os pecados. Cristo, tendo oferecido um só sacrifício pelos pecados, assentou-Se para sempre (5) à direita de Deus (v.12).

(5) A palavra traduzida aqui "para sempre" não é mesma palavra empregada para eternamente; ela tem o sentido de continuamente, sem interrupção. Ele não Se levanta, nem permanece de pé.

Está sempre assentado, pois consumou a Sua obra.

Mas levantar-Se-á no fim, para vir buscar os Seus e para julgar o mundo, como nos é dito nesta mesma passagem.

Ali, tendo concluído tudo o que era necessário para os Seus, no que concerne à sua apresentação perante Deus, sem mácula, Ele espera o momento em que os Seus inimigos serão postos por escabelo de Seus pés, segundo o Salmo 110: "Assenta-te à minha mão direita, até que ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés". O Espírito dá-nos, para tal, uma razão muito preciosa, razão de uma importância infinita para nós, a saber, que "Ele aperfeiçoou para sempre aqueles que são santificados".

Aqui (v.14), como no verso 12, do qual este depende, a expressão "para sempre" tem a força de: em permanência, em continuidade, sem interrupção. O Cristo está sempre assentado; nós somos sempre perfeitos em virtude da Sua obra, segundo a perfeita Justiça na qual e em virtude da qual Ele está assentado à direita de Deus, no Seu trono, e segundo o que Ele é pessoalmente lá, segundo a Sua aceitação da parte de Deus, estando demostrada pela Sua permanência à direita de Deus. E Ele está lá por nós! É uma Justiça que caracteriza o trono de Deus: E a própria justiça do trono, não varia nem falha. Ele está assentado nesse trono para sempre. Portanto, se somos santificados, separados para Deus por esta oferenda, de harmonia com a vontade do próprio Deus, somos também aperfeiçoados para Deus, pela mesma oferenda, como apresentados perante Ele na Pessoa de Jesus.

Já vimos que esta posição dos crentes tem a sua origem na boa vontade de Deus, isto é, a vontade que reuniu a Sua graça e o Seu propósito formado, e que tem o seu fundamento e a sua certeza atual no cumprimento da obra de Cristo, cuja perfeição é demostrada pela Sua permanência à direita de Deus.

Mas o testemunho pelo qual nós cremos nesta graça (porque, para dele gozarmos, é preciso saber com certeza divina que ela existe, e reconhecer o seu valor para nós; e quanto mais importante for este valor, mais o coração será levado a duvidar dele) deve ser divino — e ele o é! O Espírito Santo dela nos dá testemunho! A vontade de Deus é a fonte da obra; Cristo, o Filho de Deus, a realizou; o Espírito Santo dela nos dá testemunho! Ora aqui a aplicação ao povo, chamado e poupado por graça, é plenamente posta em evidência — e não somente o cumprimento da obra.

O Espírito Santo é-nos testemunha: "E jamais me lembrarei dos seus pecados e das suas iniquidades".

Que preciosa posição! A certeza de que Deus nunca mais Se lembrará dos nosso pecados, nem das nossas iniquidades, é fundada sobre a firme vontade de Deus, sobre a perfeita oferenda de Cristo, assentado, por com seguinte, à direita de Deus, segundo o infalível testemunho do Espírito Santo. E um tema de fé, para nós, que Deus não se lembrará mais dos nossos pecados.

Podemos notar aqui a maneira como a Aliança é introduzida; porque, embora o autor da Epístola, escrevendo aos "irmãos santos, participantes da chamada celestial", diga: "nós dá testemunho", a forma do seu discurso é sempre a de uma Epístola aos Hebreus (crentes, bem entendidos, mas Hebreus, e, portanto, ainda no caráter de povo de Deus). O escritor inspirado não cita a Aliança como sendo um privilégio em que os cristãos tinham diretamente parte. O Espírito Santo—diz ele— declara: "Não me lembrarei mais", etc.

Eis o que Ele cita. Faz somente alusão à Nova Aliança, deixando–a de lado quanto a toda a aplicação atual, porque, depois de ter dito: "Esta é a aliança (6) etc., este testemunho é citado como sendo o do Espírito Santo, para demostrar o ponto capital de que trata a passagem: Deus não mais Se lembrará dos nossos pecados.

(6) Algumas edições traduzem "concerto" em vez de "Aliança". Neste caso, o significado é o mesmo. (N. doT.).

Mas aqui Ele faz alusão à Aliança já conhecida dos Judeus, como antecipadamente anunciada por Deus, que dava a autoridade das Escrituras ao testemunho que Deus não mais Se lembraria dos pecados do Seu povo santificado a admitido ao Seu favor. A passagem apresenta ao mesmo tempo, dois pensamentos: Primeiro, esse perdão completo não tinha lugar sob a primeira Aliança; e segundo, a porta é deixada aberta à bênção do povo, quando a Nova Aliança for formalmente estabelecida.

Uma outra consequência prática nos é apresentada, a saber, que os pecados tinham sido remidos, que já não há oblação pelo pecado. Tendo um só sacrifício obtido a remissão, não podem ser oferecidos outros sacrifícios para a obter. Pode bem existir uma lembrança desse sacrifício, seja qual for o seu caráter; mas um sacrifício para tirar os nossos pecados — que já foram tirados! — é doravante impossível.

Estamos, pois, na realidade, num terreno inteiramente novo, o do fato de que, pelo sacrifício de Cristo, os nossos pecados são inteiramente abolidos, e de que, para nós, santificados, participantes da chamada celestial, a purificação dos nossos pecados, perfeita e permanente, já teve lugar, a remissão foi concedida e uma redenção eterna obtida; de sorte que estamos, aos olhos de Deus, sem pecado, na base da perfeição da obra de Cristo, que está assentado à Sua direita, tendo entrado no verdadeiro santuário, no próprio Céu, para ali ficar assentado, porque a Sua obra está concluída.

Assim, temos plena liberdade (toda ousadia) de entrar nos lugares santos pelo sangue de Cristo, pelo caminho novo e vivo que Ele nos consagrou através do véu, ou seja, da Sua carne, para nos admitir sem mácula na presença do próprio Deus, revelado no santuário. Para nós, o véu está rasgado, e Aquele que o rasgou, para nos admitir no pecado que nos excluía. E, como temos visto, temos também um Sumo Sacerdote na Casa de Deus, que nos representa nos lugares santos.

Sobre estas verdades são fundadas as exortações que se seguem. Digamos somente uma palavra, antes de as considerarmos, sobre a relação entre a justiça perfeita e o sacerdócio: Há muitas almas que se servem do sacerdócio como de um meio para obterem o perdão, quando têm pecado; e vão a Cristo, como Sacerdotes, a fim de que Ele interceda por elas e obtenha o perdão que elas desejam, mas não ousam pedi-lo a Deus diretamente.

Estas almas, por muito sinceras que sejam, não têm a liberdade de entrar nos lugares santos; refugiam-se ao pé de Cristo, para serem de novo colocadas na presença de Deus.

Estão realmente no mesmo estado em que se encontravam os Judeus piedosos: Perderam, ou antes, nunca tiveram a verdadeira consciência, pela fé, da sua posição perante Deus, em virtude do sacrifício de Cristo.

Não falo aqui de todos os privilégios da Igreja; a Epístola não fala deles.

Como vimos, a posição que ela estabelece aos fiéis é esta: Aqueles aos quais é dirigida não são consideradas como estando colocados no Céu, embora participando da chamada celestial; mas a redenção perfeita é realizada, toda a culpabilidade do povo é inteiramente tirada, e Deus não mais Se lembrará dos pecados deles. A consciência á aperfeiçoada; os crentes já não têm consciência de pecado, em virtude da obra realizada uma vez por todas.

Já não há questão de pecado entre eles e Deus, isto é, da sua imputação, como se eles os tivessem sobre si na presença de Deus; não pode havê-la, devido à obra realizada na Cruz do Calvário. Assim, a sua consciência é perfeita; o seu representante e Sumo Sacerdote está no Céu — sendo ali testemunha da obra já realizada por eles.

Portanto, embora não estejam representados como assentados no lugar santíssimo, como no-los mostra a Epístola aos Efésios, têm plena liberdade, uma inteira ousadia para ali entrarem.

A questão de imputação já não existe; os seus pecados foram imputados a Cristo. E Ele está agora no Céu, em testemunho de que os pecados estão apagados para sempre. Portanto, os crentes entram com inteira liberdade junto do próprio Deus; podem ali entrar sempre, não tendo nunca mais a consciência de pecado.

Para que serve então o Para que serve então o sacerdócio? Que resulta das faltas que nós cometemos? Na verdade, estas interrompem a nossa comunhão com Deus, mas não mudam nada à nossa posição na Sua presença nem ao testemunho da presença de Cristo à Sua direita, e também não levantam nenhuma questão quanto à imputação. São pecados contra esta posição ou contra Deus, avaliados segundo a revelação em que nós estamos com Ele, porque o pecado é avaliado pela consciência da nossa posição.

A presença contínua de Cristo à direita de Deus tem um duplo efeito para nós: Primeiro, somos aperfeiçoados para sempre, já não temos consciência de pecados perante Deus e somos aceitos; segundo, como Sacerdote, Ele o obtém a graça para dar socorro no momento oportuno, a fim de que nós não pequemos. Mas o exercício atual do sacerdócio não tem relação com os pecados. Em virtude da Sua obra, já não temos consciência de pecados; fomos aperfeiçoados para sempre.

Há uma outra verdade ligada a esta, que encontramos em 1 João 2: Temos um Advogado (7) para com o Pai, Jesus Cristo, o Justo.

(7) Há aqui uma diferença no pormenor, mas isso não afeta este tema. 0 Sumo Sacerdote tem a ver com o nosso caso até junto de Deus; o Advogado, com a nossa comunhão com o Pai e com o Seu governo de Pai a nosso respeito. A Epístola aos Hebreus trata daquilo que nos valeu o acesso e demostra que nós somos aperfeiçoados para sempre. Ora a intercessão do sacerdote não se aplica aos pecados sob este ponto de vista. Faz chegar a misericórdia e a graça para dar socorro no momento oportuno, mas nós somos aperfeiçoados para sempre perante Deus. Não obstante, a comunhão é necessariamente interrompida pelo menor pecado, pelo menor pensamento inoperante —e ela o tinha sido realmente, praticamente, senão judicialmente, mesmo antes da concepção desse pensamento. É aqui que a intervenção do Advogado, de que João nos fala, tem o Seu lugar: "Se alguém pecar" — e a alma é restaurada. Mas para o crente não há jamais imputação.

E sobre esta verdade que a nossa comunhão com o Pai e com Seu Filho Jesus Cristo é fundada e assegurada.

Os nossos pecados não são imputados, porque a propiciação está presente diante de Deus em todo o seu valor; mas, pelo pecado, a comunhão é interrompida.

Todavia, a nossa justiça não é alterada — é o próprio Cristo à direita de Deus, em virtude da Sua obra. A graça também não é mudada, porque "Ele é a propiciação pelos nossos pecados"; mas o coração afastou-se de Deus, e a comunhão é interrompida. Todavia, em virtude da perfeita Justiça, a graça atua pela intercessão de Jesus em favor daquele que errou, e a alma é restabelecida na comunhão. Não é que nós fôssemos a Jesus para que vai a Deus por nós.

A Sua presença diante de Deus é o testemunho de uma Justiça imutável, que é a nossa; a Sua intercessão mantém-nos no caminho que devemos seguir, ou então, como nosso Advogado, restabelece a comunhão fundada sobre esta Justiça. O nosso acesso ao poder de Deus está sempre aberto; o pecado interrompe esse gozo; o coração não está em comunhão; a intercessão de Jesus é o meio de despertar a consciência pela ação do Espírito a da Palavra, e nós regressarmos, depois de nos termos humilhado, ao pé do próprio Deus. O Sacerdócio e a intercessão de Cristo referem-se ao estado de uma criatura que está sobre a Terra, imperfeita e falível, ou mesmo em queda, a fim de a reconduzir à perfeição do lugar e da glória onde a Justiça divina nos coloca. A alma é mantida ou então restaurada.

As exortações continuam.

Tendo o direito de acesso até Deus, aproximemo-nos com um coração reto, em plena certeza de fé. E a única coisa que honra a eficácia da obra de Cristo e o amor que nos levou a gozarmos da presença de Deus. No que se segue é feita alusão a consagração dos sacerdotes, alusão assaz natural, pois trata-se de se aproximarem de Deus no lugar santíssimo. Os sacerdotes eram aspergidos com o sangue e lavados com água; em seguida aproximavam-se para servir a Deus. Porém, embora eu não duvide de que seja feita alusão aos sacerdotes, é muito natural que o batismo tenha dado lugar a esta alusão. Não se trata de unção aqui; é o poder do direito moral de se aproximarem.

Além disso, podemos notar que, para a base da verdade, será sobre este mesmo terreno que Israel será colocado nos últimos dias. O lugar de Israel não será em Cristo, no Céu, e o povo não será a possessão do Espírito Santo, como o crente que Ele une a Cristo no Céu; mas a bênção do povo será fundada sobre a água e sobre o sangue. Deus já não Se lembrará dos pecados do Seu povo, que será levado na pura Água da Palavra de Deus. A segunda exortação consiste em perseverar na profissão de fé, sem vacilar. Aquele que fez as promessas é fiel. Não só deveríamos ter estas confiança em Deus para nós mesmos, mas pensarmos também uns nos outros para mutuamente nós encorajarmos; e, ao mesmo tempo, não faltarmos à profissão pública e comum da fé, pois, por vezes, embora pretendendo mantê-la, evitamos a aberta identificação de nós próprios com o povo do Senhor nas dificuldades resultantes da profissão desta fé perante o mundo. Aliás, esta confissão encontrava um novo motivo no fato de o dia se aproximar (v. 23-25). Vê-se que é o Julgamento que nos é apresentado aqui como objeto de espera — para que atuasse sobre as consciências e garantisse os Cristãos do regresso do Senhor o mundo, ou do efeito do temor dos homens — antes da vinda do Senhor para tomar os Seus para Si. O verso 26 refere-se ao conjunto dos versos 23 e 25; as últimas palavras deste último verso sugerindo a advertência do v. 26, fundado, de resto, sobre a doutrina dos dois capítulos (9 e 10) acerca do servo.

A advertência insiste sobre a perseverança na confissão franca de Cristo, porque não há senão um sacrifício uma vez oferecido. Se aquele que professava ter reconhecido este valor desse sacrifício e abandonava, não havia nenhum outro no qual pudesse encontrar recurso. E também se não repetia; portanto, já não restava sacrifício para o pecado. Todo o pecado era perdoado por virtude desse sacrifício; mas se, após termos conhecido a verdade, se preferia o pecado, já não havia sacrifício, mesmo em virtude da perfeição do de Cristo. Já não restava senão o julgamento. Tendo tido conhecimento da verdade e tendo-a abandonado, aquele que tinha feito uma tal profissão tomava o caráter de inimigo.

O caso aqui suposto é, pois, o abandono da confissão de Cristo, quando se tem conhecido a verdade, deliberadamente e segundo a própria vontade de andar no pecado, isto é evidente, conforme o que precede o verso 29.

Assim, encontramos (capítulos 6 e 10) os dois grandes privilégios do Cristianismo, o que o distingue do Judaísmo, apresentados para advertir aqueles que faziam profissão do primeiro, de que o abandono da verdade, depois de ter gozado dessas vantagens, era fatal—pois não havia outro meio de salvação, tendo renunciado a este.

Esses privilégios eram a presença e o poder manifesto do Espírito Santo, e a oferenda que, pelo seu valor intrínseco e absoluto, não deixava lugar para nenhum outro. Havia nestes dois privilégios um poder eficaz que, enquanto, por um lado, dava um impulso, uma força divina ao verdadeiro crente, e a manifestação da presença de Deus, por outro lado fazia conhecer a redenção eterna e a perfeição do adorador. Não deixava nenhum meio de arrependimento, se se tivesse abandonado o poder manifestado e conhecido dessa presença; nenhum lugar para um outro sacrifício (que, de resto, teria negado a eficácia do primeiro), após a perfeita obra de Deus em salvação, perfeita quer a respeito o Senhor julgaria o Seu povo.

Note-se aqui de que maneira a santificação é atribuído ao sangue, e como os crentes são tratados como pertencendo ao povo. O sangue, recebido pela fé, separa a alma para Deus; mas é também considerado aqui como um meio exterior para separar o povo, como tal considerado. Se um indivíduo tinha reconhecido Jesus como sendo o Messias, e o sangue como selo e fundamento de uma Aliança eterna, válida para uma purificação e para uma redenção eternas da parte de Deus; se reconhecia para ser, por esse meio, separado para Deus, como sendo um dos do Seu povo; se abandonava tudo isso, esse abandono era feito com perfeito conhecimento. Já não havia meio de o santificar.

O sistema antigo tinha, evidentemente, perdido a sua força para ele, e quanto ao verdadeiro sistema divino, ele o tinha abandonado. É por isso que nos é dito no verso 26: "Depois de termos recebido o conhecimento da verdade".

Todavia, o autor da Epístola espera melhores coisas, porque havia ali fruto — e o fruto é sinal de vida.

Recorda-lhes o quanto eles tinham sofrido pela verdade e mesmo aceitado com alegria a espoliação dos seus bens materiais, sabendo que tinham da redenção, quer a respeito da presença de Deus pelo Espírito no meio dos Seus. Não restava senão o julgamento.

Os que tivessem desprezado a lei de Moisés morriam sem misericórdia. Se alguém pisava aos pés o Filho de Deus, se considerava profano o sangue da Aliança pela qual tinha sido santificado, se tinha ultrajado o Espírito de graça, o que não merecia essa pessoa da parte de Deus? Não se tratava simplesmente de desobediência, por muito culpável que ela fosse; era o desprezo da graça de Deus e do que Ele tinha feito na Pessoa de Jesus para nos livrar das consequências dessa desobediência. Por um lado, que restava, se alguém O tinha abandonado, sabendo Quem Ele era? E, por outro, como escapar o Julgamento? Os Hebreus conheciam um Deus que tinha dito que a vingança Lhe pertencia, e que Ele retribuiria; e ainda que uma parte melhor e permanente no Céu. São, pois, exortados a não rejeitarem esta confiança, que tinha uma grande recompensa; porque nós temos, com efeito, necessidades de paciência a fim de que, tendo feito a vontade de Deus, recebamos o efeito da promessa. E em breve Aquele que há de vir virá.

É a esta vida de paciência e de perseverança que o capítulo se aplica. Mas há um princípio que é a força desta vida, e que a caracteriza (v. 37-39): No meio das dificuldades da marcha cristã "o justo viverá da fé"; e se alguém recua, Deus não terá prazer nele. Mas nós — diz o autor, colocando-se, como sempre, no meio dos crentes — não somos daqueles que se retirem, mas sim daqueles que creem para a conservação da alma. A este respeito, ele descreve a ação desta fé, encorajando os crentes pelos exemplos dos antigos, que tinham adquiridos a sua fama andando no mesmo princípio segundo o qual os fiéis eram agora chamados a andar.

CAPÍTULO 11

Não é uma definição desse princípio que a Epístola nos dá no início do capítulo 11, mas uma declaração da sua força e da sua ação. A fé realiza o que se espera; dá a essas coisas uma existência real, e é para a alma uma demonstração do que se não vê.

Há muito mais ordem do que geralmente se pensa na série de exemplos da ação da fé, que encontramos neste capítulo, embora esta ordem não seja o alvo principal.

Assinalarei o que me parecer essencial.

Em primeiro lugar, pelo que concerne à Criação, o espírito humano, perdido em argumentações e ignorando a Deus, procurava, por meio de soluções sem fim, explicar a origem do que existe. Aqueles que têm lido as cosmogonias dos antigos sabem quantos sistemas diversos, qual deles o mais absurdo, têm sido imaginados para resolver aquilo que a introdução de Deus pela fé torna perfeitamente simples. A Ciência moderna, com um espírito menos ativo e mais prático, detém-se nas causas secundárias e não se ocupa de Deus. A Geologia substituiu a Cosmologia dos Indianos, dos Egípcios, dos Orientais e dos filósofos. Para o crente, o pensamento é simples e claro; o seu espírito está certo do fato e instruído pela fé: Deus, pela Sua palavra, chamou tudo à existência.

O Universo não é uma causa primeira produtora; existe pela vontade de Deus — e os seus movimentos são regulados por uma lei que lhe foi imposta. Aquele que tem autoridade para o fazer, fala, e a Sua palavra tem uma eficácia divina. Ele diz, e a coisa existe. Sente-se que isto é digno de Deus, porque uma vez que se introduza Deus tudo se torna simples. Mas se Deus for excluído, o homem fica perdido nos esforços da sua própria imaginação, que não pode criar nem chegar ao conhecimento de um Criador, porque não pode ultrapassar a capacidade de uma criatura.

É por isso que, antes de entrar nos pormenores da forma atual de Criação, a Palavra de Deus diz simplesmente: "No princípio criou Deus os céus e a Terra" (Gênesis 1:1). Tudo o que poderia ter acontecido entre o caos e a Criação não faz parte da Revelação. Isto é distinto da ação especial do dilúvio, a qual nos é dada a conhecer.

O começo de Gênesis não nos dá a história dos pormenores da própria Criação nem a história do Universo; ensinados o fato, que, no princípio, Deus criou, e em seguida narra o que diz a respeito ao homem sobre a Terra. Os próprios anjos não estão lá. Acerca das estrelas, não nos é dito senão isto: "E fez as estrelas". O “quando" não nos é revelado. Assim, nós cremos, pela fé, que os mundos foram criados pela palavra de Deus.

Mas o pecado entrou, e a Justiça tem de ser encontrada em alguma parte pelo homem caído, para que possa permanecer diante de Deus. Deus deu um Cordeiro para o sacrifício; porém, aqui é-nos apresentado, não o dom da parte de Deus, mas sim a alma aproximando-se d�Ele pela fé.

Pela fé, pois, Abel ofereceu a Deus um sacrifício mais excelente do que Caim, um sacrifício que fundado na revelação já feita por Deus, era oferecido no conhecimento que tinha a consciência ensinada por Deus do estado em que se encontrava aquele que o oferecia. A morte e o julgamento tinham entrado pelo pecado, e o homem não poderia suportá-los, embora tivesse de sofrê- los. É, pois, necessário que vá a Deus, confessando-O, mas que vá com um Substituto dado por graça; que se aproxime de Deus com sangue, testemunha ao mesmo tempo do Juízo e da perfeita graça de Deus. Abel, fazendo- o, estava na verdade — e esta verdade era a Justiça e a graça.

Ele aproxima-se de Deus e coloca o sacrifício entre si e Deus. Recebe o testemunho deque ele era justo, justo segundo o julgamento de Deus, porque o sacrifício estava em relação com a Justiça que tinha condenado o homem, e tinha reconhecido também o perfeito valor daquilo que tinha sido feito no sacrifício. O testemunho é prestado à sua oferta, mas Abel é justo perante Deus. Nada de mais claro nem demais precioso sobre este ponto! Não é somente o sacrifício que é aceito; é Abel que se aproxima com o sacrifício.

Recebe de Deus o testemunho de que ele é justo. Que doce e preciosa consolação! Mas o testemunho é prestado aos seus dons, de modo que tem toda a certeza de ser aceito de harmonia com o valor do sacrifício que é oferecido. Indo a Deus pelo sacrifício de Jesus, não só sou justo (recebo o testemunho de ser justo), mas também o testemunho é prestado à minha oferenda. Por consequência a minha justiça tem o valor e a perfeição de oferenda, isto é, de Cristo oferecendo-Se a Deus. O fato de recebermos da parte de Deus o testemunho de sermos justos, e de, ao mesmo tempo, o testemunho ser prestado à dádiva que nós oferecemos (não ao estado em que nos encontramos) é de um valor infinito para nós. Estou agora perante Deus na perfeição da obra de Cristo. Deste modo ando com Deus.

Pela fé, tendo a morte sido o meio da minha aceitação perante Deus, tudo o que concerne ao velho homem é abolido. O poder e os direitos da morte são inteiramente destruídos: Cristo sofreu-os. Assim, se Deus o quiser, vamos para o Céu sem mesmo passarmos pela morte (comparar 2 Coríntios 5:1-4). Foi o que Deus fez por Enoque, por Elias, como testemunho. Não só os pecados foram abolidos e a Justiça de Deus estabelecida por meio da obra de Cristo, mas também os direitos e o poder d�Aquele que tem o poder da morte foram inteiramente destruídos.

A morte pode vir; sofrê-la é o nosso estado segundo a natureza, mas temos uma vida que está fora da sua alçada. A morte, se vier, não é senão um ganho. E embora seja só o poder de Deus que pode ressuscitar ou transformar, este poder foi manifestado em Jesus, e tem já atuado em nós, vivificando-nos (comparar Efésios 1:19).

Atua em nós no poder da libertação do pecado, da lei e da carne. Como poder do Inimigo, a morte é vencida; e é tornada um “ganho" pela fé, em vez de ser um julgamento sobre a natureza. A vida, o poder de Deus nesta vida, opera em santidade e em obediência neste mundo, e manifesta-se na ressurreição ou na transformação do corpo. É um testemunho de poder acerca de Cristo, em Romanos 1:4.

Mas resta ainda uma consideração bem doce a notar aqui: Enoque recebeu o testemunho de ter agradado a Deus, antes de ser arrebatado. Isto é muito importante e muito precioso; andando com Deus, temos o testemunho de Lhe agradarmos, a doçura da Sua comunhão, o testemunho do Seu Espírito.

Gozamos das Suas comunicações conosco, na consciência da Sua presença, na consciência de que andamos segundo a Sua Palavra; sabemos que o nosso procedimento é aprovado por Ele, numa palavra, vivemos de uma vida que, passada com Ele e perante Ele pela fé, decorre à luz do Seu rosto, e nos gozos das comunicações da Sua graça e de um testemunho assegurado, vindo d�Ele, que nós Lhe somos agradáveis.

Uma criança que passeia com um pai amoroso, conversando com ele (não lhe reprovando nada a sua consciência), não goza do conhecimento do favor de seu pai? Como figura, Enoque representa aqui a posição dos santos que formam a Igreja. Foi assunto ao Céu em virtude de uma vitória completa sobre a morte. Pelo exercício da graça soberana, ele está fora do governo e das libertações vulgares de Deus; presta testemunho pelo Espírito ao julgamento do mundo, mas não passa por esse julgamento (Judas 14 e 15). Um comportamento como o de Enoque tem Deus por seu alvo. Realiza a existência de Deus — a grande tarefa da vida que, no mundo, se passa como se o homem fizesse tudo - e o fato de Ele Se interessar pelo comportamento dos homens, tomando conhecimento dele para recompensar aqueles que O procuram.

Noé encontra-se nas cenas do governo deste mundo.

Ele não advertiu os outros dos julgamentos futuros como alguém que está de fora, embora fosse pregador de Justiça; as suas advertências são também para si mesmo, pois está nas mesmas circunstâncias daqueles a quem as suas advertências se dirigem. Ele personifica o papel do espírito de profecia. Noé teme e constrói uma arca para a conversão da sua casa, condenando deste modo o mundo.

Enoque não tinha de construir uma arca para atravessar o dilúvio com segurança; não estava no meio dele! Excepcionalmente, Deus tomou-o para Si. Noé, herdeiro da Justiça que é segundo a fé, é guardado para um mundo futuro.

Há um princípio geral que aceita o testemunho de Deus acerca do Julgamento que vai abater-se sobre os homens, e do meio dado por Deus para lhe escapar. É um princípio que governa todos os crentes. Mas há algo de mais concreto: Abel temo testemunho de ser justo; Enoque anda com Deus, agrada a Deus, e é isento da sorte comum da Humanidade, proclamando, como do alto, essa sorte que espera os homens, e a vinda d�Aquele que há de executar o Julgamento.

Enoque vai em frente até ao cumprimento dos desígnios de Deus; mas nem Abel nem Enoque, assim considerados, condenam o mundo como um mundo no meio do qual eles andam, atingidos eles próprios pelas advertências dirigidas aos que nele habitam.

Esta última posição é a de Noé. O profeta, embora libertado, está no meio do povo condenado; a Igreja está fora. A arca de Noé condenava o mundo; o testemunho de Deus bastava para a fé, e Noé, herda de um mundo destruído.

Ele possui a herança de todos os crentes, a justiça pela fé, sobre a qual o novo mundo é também fundado. É a posição do Remanescente dos Judeus nos últimos dias: Atravessam os Julgamentos de diante dos quais nós somos retirados, como não pertencendo ao mundo.

Advertidos eles próprios dos caminhos do governo terrestre de Deus, serão testemunhas para o mundo dos Julgamentos que vão chegar; serão os herdeiros da Justiça que é pela fé, e dela serão as testemunhas num novo mundo, onde a Justiça será cumprida em Julgamento por Aquele que é vindo, e cujo trono sustentará o mundo, precisamente onde Noé fracassou. A expressão "herdeiros da justiça que é segundo a fé" significa, penso eu, que esta fé, que tinha governado alguns, estava resumida na pessoa de Noé, e todo mundo incrédulo condenado.

Testemunha desta fé antes do novo juízo, Noé atravessa-o, e, quando o mundo é renovado, ele é testemunha para todos da bênção de Deus que repousa sobre a fé, embora exteriormente tudo seja mudado.

Assim, Enoque representa, em figura, os santos do tempo atual; Noé representa o Remanescente Judaico (1).

(1) Numa palavra, todos aqueles que são poupados para o século vindouro. O seu estado é expresso no fim de Apocalipse 7, assim como os dos Judeus nos primeiros versículos do capítulo 14.

Depois de ter estabelecido os grandes princípios fundamentais da fé em ação, o Espírito Santo apresenta em pormenor (v.8) alguns exemplos da vida divina, sempre em relação com os conhecimentos judaicos, relação esta que o coração de um Hebreu não poderia deixar de reconhecer — e ao mesmo tempo em relação com o alvo da Epístola e as necessidades dos Cristãos entre os Hebreus.

Nos primeiros exemplos que nos foram apresentados, vimos uma fé que reconhecia um Deus criador, e em seguida os grandes princípios das relações dos homens com Deus, e isto até ao fim, sobre a Terra.

No que se segue (v.8 a 22) temos em primeiro lugar a paciência da fé quando ainda nada possui, mas se confia em Deus e espera, certa do cumprimento das promessas.

Esta passagem pode subdividir-se assim: Primeiro a fé que toma o lugar de um estrangeiro na Terra, mantém-se porque deseja algo de melhor, e, através da fraqueza, encontra a força necessária para que. As promessas se cumpram. E disto que tratam os versos 8 a 16. O efeito disto é que se entra na alegria de uma esperança celestial.

Estrangeiros no país da promessa, e não gozando do efeito das promessas neste mundo, espera-se coisas mais excelentes ainda, coisas que Deus prepara em Cima para aqueles que ama.

Preparou uma cidade para tais homens. Em uníssono com Deus nos Seus próprios pensamentos, nos Seus desejos, respondendo pela graça às coisas em que Ele encontra o Seu prazer, eles são o objeto do Seu interesse particular.

Não tem vergonha de ser chamado o seu Deus.

Abraão não só seguiu a Deus até ao país que Ele lhe indicou, mas também, sendo ali estrangeiro, e não possuindo o país da promessa, é elevado na esfera dos seus pensamentos pela poderosa graça de Deus; e, gozando da comunhão de Deus e das comunicações da Sua graça, descansa n�Ele para o tempo presente, aceita a sua posição de estrangeiro na Terra, e espera, como sendo a porção da sua fé, a cidade celeste de que Deus é o Arquiteto e o Criador. Não é uma revelação manifestada do que era o assunto desta esperança, se assim me posso exprimir, como aquela pela qual Abraão tinha sido chamado por Deus; mas, andando muito perto de Deus para conhecer aquilo de que gozava ao pé d�Ele, sabendo que não tinha recebido o efeito da promessa, Abraão apreendia as melhores coisas, esperava-as, embora as não vislumbrasse senão de longe — e fica estrangeiro na terra da promessa, sem pensar no país de onde tinha saído.

É evidente a ampliação especial destes primeiros princípios de fé ao caso dos Hebreus cristãos. Tal é a vida normal da fé para todos.

O segundo caráter da fé que nos é apresentado aqui (v.17 a 22) é uma perfeita confiança no cumprimento das promessas, confiança que a fé mantém através de tudo o que poderia tender a destruí-la.

Em seguida encontramos a segunda grande divisão, a saber, que a fé faz o seu caminho a despeito de todas as dificuldades que se opõem ao seu progresso (v.23 a 27).

Nos versos 28 a 31, a fé manifesta-se numa confiança que assenta em Deus acerca do emprego dos meios que Deus nos apresenta, meios de que a natureza não poderia servir-se.

Enfim, há a energia, em geral, de que a fé é a fonte, os sofrimentos que caracterizam a marcha da fé» (2).

(2) De uma maneira geral, podemos dizer que os versos 8 a 22 apresentam a fé assentando com segurança sobre a promessa—a paciência da fé; e o resto do capítulo, a fé assentando em Deus quanto à atividade e quanto às dificuldades do caminho — a energia da fé.

Este caráter geral, cuja aplicação ao estado dos Hebreus é evidente, é o caráter de todos os exemplos citados, a saber, que aqueles que viveram pela fé não receberam o efeito da promessa.

Além disso, esses famosos heróis da fé, fosse qual fosse a honra de que gozassem junto com os judeus, não tinham os privilégios de que gozavam os Cristãos. Deus, nos Seus desígnios, tinha em vista algo de melhor para nós.

Entremos agora nalguns pormenores. A fé de Abraão revela-se numa inteira confiança em Deus. Chamado a deixar os seus, rompendo assim os laços da natureza, Abraão obedece. Não sabe para onde vai; basta-lhe que Deus lhe mostre o lugar. Deus, tendo-o conduzido lá, não lhe dá nada. No entanto Abraão ali permanece contente, numa perfeita confiança em Deus. E ele ganhava com esta confiança: esperava uma cidade que tem fundamentos! abertamente que é estrangeiro e peregrino na Terra (Gênesis 23:4), aproximando-se assim espiritualmente de Deus. Embora não possua nada, as suas afeições estão comprometidas: deseja um pais melhor e une-se a Deus mais imediata e mais inteiramente. Não se sente nenhum desejo de voltar ao seu país; ele procura uma pátria! Tal é o Cristão. Na oferenda de Isaque encontramos esta confiança absoluta em Deus que, sobre o pedido de Deus, renuncia às promessas do próprio Deus como se possuem segundo a carne. A fé está certa de que Deus as restituirá pelo exercício do Seu poder, vencendo a morte e todos os obstáculos.

Foi assim que o Cristo renunciou aos Seus direitos messiânicos e foi até à morte, tivesse atravessado antes.

Note-se aqui que se ganha sempre confiando em Deus e renunciando a tudo por Ele, e que se aprende a conhecer algo mais dos caminhos do Seu poder, porque renunciando, segundo a Sua vontade, a uma coisa que Ele já deu, devemos esperar no poder de Deus para que nos conceda uma outra coisa. Abraão renuncia à promessa segundo a carne; tem em vista a cidade que tem fundamento e sabe desejar uma porção celeste: Renuncia a Isaque, em quem estavam as promessas, e aprende a conhecer a ressurreição, porque Deus é infalivelmente fiel. As promessas estavam em Isaque. Deus devia, pois, restitui-lo a Abraão em ressurreição, uma vez que Abraão o oferecia em sacrifício.

Em Isaque, a fé distingue a porção do povo de Deus segundo a eleição, e a do homem tendo direito de primogenitura segundo a natureza. É o conhecimento dos caminhos de Deus em bênção e em Juízo.

Pela fé, Jacó, estrangeiro, fraco, já não tendo senão o pau com que tinha atravessado o Jordão, adora a Deus e anuncia a dupla porção do herdeiro de Israel, daquele que foi separado dos seus irmãos, tipo do Senhor, herdeiro de todas as coisas. Sobre isto assenta o princípio da adoração.

Pela fé, José, estrangeiro, que representa aqui Israel longe do seu país, conta com o cumprimento das promessas terrestres. (3)

(3) Note-se que, nestes casos, encontramos os direitos de Cristo em ressurreição, o julgamento da natureza, e a bênção da fé, segundo a graça, a herança de todas as coisas, celestes e terrestres, por Cristo, e o regresso futuro de Israel ao seu país.

Todos estes exemplos são a expressão da fé na fidelidade de Deus, no cumprimento dos Seus desígnios no porvir. No que se segue, encontramos a fé que ultrapassou todas as dificuldades que se apresentam no caminho do homem de Deus, caminho que Deus lhe traça na sua peregrinação para o gozo das promessas.

A fé dos pais de Moisés não tem em conta a cruel ordem do rei egípcio. Escondem o filho, que Deus, respondendo à fé deles, soube guardar por meios extraordinários, pois não havia maneira de o conservar de outro modo. A fé não raciocina; atua sob o seu ponto de vista de deixa o resultado a Deus. Mas o meio que Deus empregou para a conservação de Moisés tinha colocado este, com pouca diferença, na posição mais elevada do reino. Ali, ele tinha adquirido remetendo-Se à vontade de Deus, confiando-Se a Ele — e tudo recebeu em ressurreição! Era assim que os Cristãos hebreus deviam fazer a respeito do Messias e das promessas feitas a Israel.

Pela simples fé, o Jordão se secou; aliás, nós não poderíamos atravessá-lo, se o Senhor o não tudo o que aquele século podia dar a um homem notável pela sua energia e pelo seu caráter; mas a fé faz da sua obra, inspirando afetos divinos que não procuram uma direção para a conduta nas circunstâncias em que nos encontramos colocados, mesmo quando essas circunstâncias devem a sua origem a intervenções extraordinárias da Providência.

A fé tem os seus objetos próprios, dados pelo próprio Deus, e governa o coração em vista desses objetos. Dá-nos um lugar e relações que dominam toda a vida, e não deixa nenhum lugar a outros motivos e a outras esferas de afeição, que repartiriam o coração; porque os motivos e os afetos que governam a fé são dados por Deus, e isto para formar e governar o coração.

Os versos 24 e 26 desenvolvem este ponto. E um princípio muito importante, porque se alega frequentemente a Providência de Deus como razão para não se andar pela fé. Nunca a intervenção da Providência foi tão notável como quando colocou Moisés na corte de Faraó. E esta intervenção produziu o seu resultado, mas não o teria produzido se Moisés não tivesse deixado a posição em que a Providência o tinha colocado. Mas a fé, isto é, as afeições divinas, criadas no coração de Moisés, e não a Providência de Deus, como regra e como móbil, (4) produziu o resultado para o qual a Providência tinha guardado e preparado Moisés.

(4) Móbil: causa, motor, motivação.

A providência de Deus governa as circunstâncias, Deus seja bendito; a fé governa o comportamento e o coração.

A recompensa que Deus prometeu entra aqui em linha de conta como objeto, na esfera da fé. Não é o móbil mas sustém e encoraja o coração que atua pela fé, em vista do objeto que Deus apresenta aos Seus afetos. Deste modo ela subtrai o coração à influência do tempo presente e das coisas que nos rodeiam, quer sejam agradáveis quer inspirem o temor; eleva o coração e o caráter daquele que atua pela fé, e fortalece-o numa marcha de dedicação que o conduz ao objetivo a que ele aspira.

Ter um motivo fora daquilo que está presente diante de nós é o segredo da firmeza e da verdadeira grandeza.

Podemos ter um objeto a respeito do qual atuamos; mas necessitamos de um motivo fora dele, um motivo divino, para nos tornar capazes de atuarmos segundo Deus a respeito desse mesmo objeto (v.27).

A fé realiza também (v.27) a intervenção de Deus sem O ver, livrando assim de todo o temor do poder do homem, inimigo do Seu povo.

Mas o pensamento de que Deus intervém coloca o coração numa dificuldade ainda maior do que faria o temor do homem.

Para que os Seus sejam libertados é preciso que Deus opere essa libertação, e isto em Juízo. Mas eles, tal como os seus inimigos, são pecadores; ora, a consciência do pecado e do julgamento que nós merecemos destrói necessariamente a confiança n’Aquele que julga. Não tememos nós de O ver vir para manifestar o Seu poder em julgamento? Porque, no fundo, é o que deve suceder para a libertação do povo de Deus. O nosso coração interroga-se: Deus, esse Deus que vem em Juízo, é para nós? Mas Deus preparou o meio de tornar certa a nossa segurança em presença do Juízo (v.28), meio aparentemente fraco e inútil, mas que, de fato, é o único que, glorificando a Deus acerca do mal de que nós somos culpados, pode colocar- nos inteiramente ao abrigo do Julgamento.

A fé reconhece o testemunho de Deus, confiando-se à eficácia do sangue posto sobre a porta, e pode, com toda a segurança, deixar vir Deus em julgamento, porque, vendo o sangue, Ele passa por cima do Seu povo crente.

Pela fé, Moisés fez a Páscoa.

Note-se aqui que o povo, colocando o sangue sobre a porta, reconhece que era, tanto como o Egípcio, o objeto de um justo julgamento de Deus. Deus deu-lhe o que o protegia, mas isso porque ele é culpado e merece julgamento. Ninguém pode manter-se e permanecer na Sua presença.

Verso 29. Ora, o poder de Deus é manifestado, e manifestado em julgamento. A natureza, os inimigos do povo de Deus pretendem atravessar esse julgamento "a seco" com aqueles que estavam no abrigo da justa vingança de Deus; o julgamento os tragou, justamente no lugar onde o povo encontrou sua libertação — principio de um alcance maravilhoso: onde está o julgamento de Deus, está também a libertação! E o que, realmente, nos acontece em Cristo.

A cruz é a morte e o julgamento, as duas terríveis consequências do pecado, a sorte do homem pecador.

Mas, para nós, a morte e o julgamento são a libertação de Deus! Pela Cruz, nós somos libertados e (em Cristo) passamos adiante e fora do seu alcance. Cristo é morto e ressuscitado, e nós entramos pela fé, em virtude do que teria sido a nossa ruína eterna, onde a morte e o julgamento são postos de lado e onde os nossos inimigos já não nos atingirão. Passamos através deles sem sermos atingidos. A morte e o julgamento protegem-nos do inimigo; são a nossa segurança. Mas nós entramos numa nova esfera: gozamos do efeito, não só da morte de Cristo, mas também da Sua ressurreição.

Aqueles que, de acordo com a força da natureza, querem passar por esse mar, e falam da morte e do julgamento, e de Cristo, que tomam a posição cristã, que pensam em poder passar pela morte e pelo julgamento sem que o poder de Deus em redenção ali se encontre, estão já submersos. .

Em relação com os Judeus, este acontecimento terá um antítipo terrestre, porque, com efeito, o dia do Juízo de Deus sobre a Terra será o dia da libertação do Israel, que terá sido levado ao arrependimento.

Esta libertação no Mar Vermelho vai mais longe do que a proteção pelo sangue no Egito.

Pela Páscoa, onde Deus, na expressão da Sua santidade, executava o julgamento contra o mal, era preciso que se fosse posto ao abrigo desse julgamento, que se fosse protegido do justo Juízo do próprio Deus.

Deus, vindo para o executar, ficava de fora por causa do sangue; o povo estava em segurança diante do Juiz. Esse julgamento tinha o caráter do Juízo eterno, e Deus tinha o caráter de Juiz.

No Mar Vermelho não havia apenas libertação do julgamento suspenso sobre o povo; (5) Deus estava ativo em amor e em poder para o povo. A libertação era uma libertação atual; o povo saía de um estado em que se encontrava escravizado, para entrar num outro diferente.

Ali estava o poder do próprio Deus fazendo atravessar o Seu povo sem que este fosse atingido, o que, de outro modo, teria sido a sua destruição. Assim, para nós, o Mar Vermelho representa a morte e a ressurreição de Cristo, nas quais nós temos parte; a redenção que Cristo realizou, (6) introduzindo-nos num estado totalmente novo, inteiramente fora da natureza.

(5) Esta quietos — diz Moisés — e vede o livramento do Senhor (Êxodo 14:13).

(6) A passagem do Jordão representa a libertação do crente e a sua entrada inteligente nos lugares celestiais pela fé. É a consciência de que estamos mortos e ressuscitados com Cristo. O Mar Vermelho fala-nos do poder e da redenção cumprida por Cristo.

Já não estamos na carne. Em princípio, a libertação terrestre do povo Judeu (do Remanescente Judeu) será a mesma. Fundada sobre o poder de Cristo ressuscitado e sobre a procriação realizada na Sua morte, esta libertação será feita por Deus que intervirá a favor dos que se voltarem para Ele pela fé.

Ao mesmo tempo os Seus adversários, que são também os do Seu povo, serão destruídos pelo mesmo julgamento que preservará aqueles que eles tiverem oprimido.

Verso 30. Mas, se as dificuldades não estavam todas superadas, a redenção estava cumprida, a libertação efetuada, e o Deus de libertação estava com o povo.

Perante Ele, as dificuldades desapareciam. O que constitui dificuldades para o homem, não é nada para Deus. A fé confia-se em Deus; emprega meios que bem exprimem esta confiança. Os muros de Jericó caem perante o som das trombetas, quando Israel os rodeou durante sete dias, fazendo soar sete vezes essas trombetas! Raabe, em presença de todo o poder ainda intacto dos inimigos de Deus e do Seu povo, identifica-se com este último ainda antes de ele ter alcançado a primeira vitória, porque tem a consciência de que Deus está com ele. Embora estrangeira para esse povo, quanto à carne, escapa pela fé ao julgamento que Deus executa sobre a sua nação.

Verso 32. Aqui o apóstolo cessa de seguir os pormenores Israel, estabelecido no país da promessa, fornecia menos ocasiões de desenvolver, por meio de exemplos, os princípios sobre os quais a fé atuava, embora os indivíduos devessem ainda agir pela fé. O Espírito Santo recorda, de um modo geral, alguns desses exemplos em que a fé se reproduz sob diversos caracteres de energia e de paciência e sustém as almas em todas as espécies de sofrimentos. A glória dele é ao pé de Deus. O mundo não é digno deles. Eles não tinham recebido o efeito das promessas; deviam viver de fé, tal como os Hebreus a quem o apóstolo se dirige.

Todavia, estes últimos tinham privilégios que os antigos fiéis de modo nenhum possuíam. Nem eles nem os Cristãos foram levados à perfeição, quer dizer, à glória e na qual eles devem ter parte.

Abraão e outros esperaram esta glória, e nunca a possuíram. Deus não quis dar-lha sem nós. Mas Ele não nos chamou só pelas revelações que lhes fez; tinha reservado algo de melhor para os tempos do Messias rejeitado. As coisas celestiais tornam-se coisas do tempo presente, coisas plenamente reveladas e já possuídas em espírito pela união dos santos com Cristo, e pela entrada atual no lugar santíssimo em virtude do Seu sangue.

Não se trata agora de uma promessa, nem de uma vista distinta de um lugar visto do exterior e cuja entrada não é ainda permitida, nem de relações com Deus que não sejam fundadas sobre a entrada adentro do véu, sobre a entrada da Sua própria presença. Agora nós entramos com plena liberdade; pertencemos ao Céu; é ali que se encontra a nossa cidadania; ali, estamos em nossa casa. A glória celeste é a nossa porção presente, tendo Cristo ali entrado como nosso Precursor. Temos no Céu um Cristo, Homem glorificado. Abraão não O tinha; marchava sobre a Terra num espírito celeste, esperando uma cidade, sentindo que nada mais podia satisfazer os desejos que Deus tinha posto no seu coração. Mas não podia estar em relação com o Céu por meio de um Cristo, assentado de fato lá em Cima, em glória. Ora, esta é a nossa posição atual. Podemos mesmo dizer: Estamos unidos a Cristo lá.

A posição do Cristão é diferente da de Abraão. Deus tinha em vista algo de melhor para nós.

O Espírito Santo não desenvolve aqui toda a extensão deste " algo de melhor" porque a Igreja não é o Seu tema.

Apresenta, em geral, aos Hebreus, para os encorajar, esta verdade: Os crentes do tempo presente têm privilégios especiais, nos quais eles têm parte da fé, privilégios que nem mesmo pertencem à fé dos antigos fiéis.

Nós seremos perfeitos, quer dizer, glorificados juntamente em ressurreição; mas há uma parte especial que pertence aos santos atuais e que não pertencia aos patriarcas. O fato de o Cristo Homem estar no Céu, após ter cumprido a redenção, e de o Espírito Santo, pelo qual nós estamos unidos a Ele, estar na Terra, torna esta superioridade concedida aos Cristãos facilmente compreensível; aliás, mesmo o menor no reino dos céus é maior daqueles que precederam esse reino.

CAPÍTULO 12

A Epístola aos Cristãos Hebreus passa agora às exortações práticas que decorrem do seu ensino, tendo em conta os perigos particulares; ensino próprio, no seu todo, para inspirar-lhe coragem. Rodeados de uma grande nuvem de testemunhas, tais como as do capítulo 11, todas declarando a vantagem de uma vida de fé em promessa ainda não realizadas, deviam sentir-se inspirados a seguir-lhes o exemplo, correndo com paciência a carreira que lhes estava preparada, desviando os olhos de todas as dificuldades (1) para os fixar em Jesus, que percorreu toda a carreira da fé sustido pela alegria que se Lhe patenteava e que, tendo chegado ao fim, Se assentou em glória à direita de Deus.

(1) Isto não é ser insensível às dificuldades; mas é, quando as sentimos, desviar o olhar delas e lançá-los sobre Cristo. E este o segredo da fé. "Não vos inquieteis" teria sido uma exortação inútil, se não tivesse havido nada a inquietar. Abraão não considerava o seu corpo já amortecido…

Esta passagem apresenta o Senhor, não como Aquele que dá a fé, mas como Aquele que com ela cumpriu a Sua missão. Outros tinham percorrido uma parte do caminho, tinham superado algumas dificuldades; a obediência e a perseverança do Senhor foram submetidas a todas as provas de que a natureza humana é susceptível: os homens, o Inimigo, o abandono de Deus, tudo, tudo era contra Ele! Os Seus discípulos fogem quando Ele está em perigo; o Seu amigo íntimo traiu-O! Espera que alguém tenha compaixão, mas não encontra ninguém! Os pais, cujos nomes são recordados no capítulo precedente, confiaram em Deus e foram libertados, mas para Ele não há libertação! Ele é um verme, e não um homem; a sua garganta está seca de tanto gritar — o Seu amor por nós, a Sua obediência a Seu pai sobrepujam tudo, e ele alcança a vitória! Submetendo- Se, assenta-Se numa glória tão elevada quão grandes foram a Sua humilhação e a Sua obediência—a única recompensa justa, devida ao fato de Ele ter glorificado perfeitamente a Deus, onde o pecado O tinha desonrado.

A alegria e as recompensas que nos são propostas não são nunca os motivos da marcha da fé. Bem sabemos que não o foram para Cristo e também o não serão para nós. São, sim, uma forma de encorajamento dos que nela andam.

Portanto, tendo Jesus e quanto mais pensarmos nisso, mais carregados ficamos. O coração encontra-se seduzido pelos objetos das cobiças; não se desenlaça deles. A luta é travada com um coração que ama a coisa contra a qual lutamos; não conseguimos desviar o pensamento dessa coisa. Mas, olhando para Jesus, o novo homem é ativo. Há um novo objeto que nos descarrega e nos desliga de qualquer outro objeto por uma nova afeição, que tem o seu lugar numa nova natureza; e, no próprio Senhor Jesus, para o qual olhamos, há uma positiva que nos liberta.

É rejeitando tudo, de uma maneira absoluta, que facilmente nos desembaraçamos de todos os fardos; olhando para Aquele que enche o coração de outros objetos e o ocupa noutro lugar, com um outro objeto, operando sobre uma nova natureza, objeto que possui um poder positivo, absorvendo o coração e excluindo todos os objetos que apenas atuassem sobre a velha natureza. É fácil atirar para longe o que pesa como um fardo.

Julgamos todas as coisas segundo a sua relação com o fim que queremos atingir. Se eu correr na liça, e os meus pensamentos estiverem todos concentrados no premio, de boa vontade atiro para longe de mim um saco cheio de alcançado a glória que Lhe era devida, toma-Se o nosso exemplo nos sofrimentos que atravessou para ali chegar; é por isso que nós não devemos perder a coragem nem ceder ao cansaço. Ainda não perdemos a vida, como Lhe sucedeu a Ele, para glorificarmos a Deus O servimos. E digna de ser notada a maneira como o apóstolo exorta os Hebreus crentes a desembaraçarem-se de todo o entrave, seja pecado seja simples dificuldade, como se eles tivessem mais nada a fazer senão rejeitarmos, como um peso inútil, e, de fato, quando olhamos para Jesus, verificamos que nada é mais fácil; porém, quando se não olha para Ele, nada de mais impossível!..

Há duas coisas a rejeitar: todo o fardo e todo o pecado que nos enlaça os pés (porque se trata aqui daquele que corre na liça). A carne, o coração humano, ocupa-se dos cuidados e das dificuldades; ouro, se esse ouro constitui um fardo impeditivo. É preciso olhar para Jesus. Nele, e somente Nele, deitamos, e sem dissimulação, para longe de nós todos os entraves; não se combate o pecado por meio da came.

Mas há uma outra espécie de provações que vêm de fora; essas não as rejeitamos, pois é necessário sofrê-las.

Cristo, como vimos, passou por essas provações. Nós não temos, como Ele, resistido até — antes vertermos o nosso sangue até à última gota do que faltarmos à fidelidade e à obediência. Ora, Deus atua nessas provações como um Pai: repreende-nos. Como para Jó, talvez eles venham do Inimigo, mas a mão e a sabedoria de Deus ali estão: Ele repreende aqueles que ama. Não devemos nem desprezar essas repreensões, nem estar desencorajados quando elas nos sobrevêm. Não devemos desprezá-las, porque Ele não repreende sem motivo nem sem causa; e depois, é Deus quem o faz. Não devemos perder a coragem, porque Ele repreende sempre em amor.

Se perdermos a vida por causa do testemunho do Senhor e resistindo ao pecado, o nosso combate está terminado — e isso não é uma repreensão, mas sim a glória de sofrermos com Cristo. A morte, neste caso, é a negação do pecado. Aquele que está morto, está livre do pecado; aquele que sofreu na carne acabou com o pecado.

Mas, até lá, a carne, no sentido prático (por que nós temos o direito de nos considerarmos mortos) não está ainda destruída; e Deus sabe reunir a manifestação da fidelidade do novo homem que sofre pelo Senhor, com a disciplina pela qual a carne é mortificada, O espinho de Paulo, por exemplo, reunia essas duas coisas: Sofria no exercício do seu ministério, porque esse espinho era algo que tendia a torná-lo desprezível quando pregava (e ele o suportava por amor do Senhor); mas, ao mesmo tempo, esse espinho mantinha a sua carne em situação permanente embaraçosa.

Verso 9. Ora, nós submetemo-nos aos nossos pais segundo a carne, que nos disciplinam à sua vontade; quanto mais não devemos nós sujeitar-nos ao Pai dos espíritos (2) que quer tornar-nos participantes da Sua própria santidade! (2) "Pai dos espíritos" está aqui simplesmente em contraste com os "pais da nossa carne".

Note-se aqui a graça à qual é feito apelo. Temos visto o quanto os Hebreus tinham necessidades de advertências, e a tendência que havia neles para enfraquecerem na vida da fé. Ora, o meio de os impedir de falharem não é, certamente, poupar-lhes advertências, mas sim colocar as suas almas em plena relação com a graça. Isto só pode dar força e coragem pela confiança em Deus.

Não fomos ao Sinai, à lei que exige, mas a Sião, onde Deus manifestou o Seu poder, restabelecendo Israel pela Sua graça na pessoa do rei eleito, quanto à responsabilidade do povo, tudo estava inteiramente perdido, toda a relação com Deus era impossível nessa base, porque a arca estava perdida. Já não havia propiação, já não havia trono de Deus no meio do povo; Icabode (3) estava escrito sobre Israel.

(3) Icabode (1 Samuel 4:21): "Foi-se a glória de Israel".

Assim, falando da santidade, esta Epístola mostra que Deus está ativo em amor para com os fiéis, mesmo nos seus sofrimentos.

É Ele que não só lhes deu livre acesso à Sua presença pelo sangue e pela presença de Cristo perante Si por eles, mas também Se ocupa continuamente de todos os pormenores da sua vida. A Sua mão está em todas as suas provações. Pensa constantemente neles, a fim de que eles participem da Sua santidade. Não se trata aqui de exigir a santidade da nossa parte, por muito necessária que fosse; trata-se, sim de nos fazer parte da Sua própria santidade.

Que graça imensa e perfeita! Que meio Ele emprega! É o meio de gozarmos perfeitamente do Seu amor.

Verso 11. Deus não espera que esses exercícios nos sejam agradáveis no momento em que possamos por eles não produzirem o seu efeito, se o fossem. Mas depois, uma vez quebrantada a nossa vontade, eles produzirão os pacíficos frutos da Justiça. O orgulho dos homens é abatido, quando forçado a submeter-se ao que é contrário à sua vontade. Deus também toma um maior — sempre o mais precioso — lugar nos seus pensamentos e na sua vida.

Verso 12. Sobre o princípio da graça, os Hebreus são pois, exortados a encorajarem-se mutuamente no caminho da fé, e a velar para que o pecado não germine no meio deles, quer algum de entre eles cedendo às cobiças da carne, quer renunciando aos privilégios cristões por algo deste mundo; deviam andar com uma coragem tal que a evidência da sua felicidade e da sua alegria (a qual é sempre um testemunho claro e que alcança a vitória sobre o Inimigo) fizesse sentir aos fracos que ali estava também assegurada a sua própria parte—e assim ser-lhes- iam administradas a força e a cura, e não o desencorajamento.

E preciso tornar fácil às almas fracas e coxas o caminho da fé quanto às suas circunstâncias; é preciso construir para eles um caminho bem trilhado. Elas sentirão então, mais do que as almas fortes, o quanto um tal caminho é bom e precioso!..

O motivo que nos é dado para que andemos assim Já o dissemos, é a graça; mas ela toma aqui uma forma que requer ser considerada um pouco mais em pormenor, é- nos dito que não estivemos no Sinai. Ali, os terrores da majestade de Deus mantinham o homem a distância; ninguém devia aproximar-se d�Ele. O próprio Moisés temia e tremia ante a presença de Jeová. Não é ali que o Cristão é levado, porém, em contraste com tais relações com Deus, todo o estado milenário é desenvolvido em todas as suas partes, — mas essas partes são conhecidas, por agora, apenas em esperança. Nós pertencemos a esta Nova Ordem, mas, como é evidente, esse estado de coisas não está ainda estabelecido, a saber: Sião; a Jerusalém celeste; os anjos; a Igreja universal; a Igreja dos primogênitos, cujos nomes estão inscritos nos céus; Deus julga todos; os espíritos dos justos consumados; Jesus, Mediador de uma Nova Aliança; e finalmente o sangue da aspersão, que fala melhor do que Abel.

Falamos de Sião como princípio; é a intervenção da graça soberana (no Rei) após a ruína e no meio da ruína de Israel, restabelecendo o povo segundo os desígnios de Deus em glória, e as relações desse povo com o próprio Deus. É o descanso de Deus sobre a Terra, sede do poder real do Messias. Mas, nós bem o sabemos, a extensão da Terra está longe de formar os limites da herança do Senhor. "Sião neste mundo é o descanso do Eterno; não é a cidade do Deus vivo, a Jerusalém celeste, a capital celeste, por assim dizer, do Seu reino, a cidade que tem fundamentos, de que Ele mesmo é o fundador e o arquiteto.

Tendo nomeado a Sião deste mundo, o autor passa naturalmente à Jerusalém celestial; mas isto introduz-nos no Céu, e ele encontra-se com todo o povo de Deus, no meio de uma multidão de anjos, a grande Assembleia universal (4) do mundo invisível.

(4) A palavra traduzida aqui" Assembleia" empregava-se para a assembleia de todos os Estados da Grécia; para os "primogênitos" a palavra é a mesma que para a assembleia dos cidadãos de um Estado particular.

No entanto aqui há um objeto muito particular para os seus olhos, nesta cena maravilhosa e celestial: É a Assembleia dos primogênitos, cujos nomes estão escritos nos céus. Eles não nasceram no Céu, não são indígenas como os anjos guardados de Deus sem queda; não se trata apenas de eles chegarem ao Céu; eles são os gloriosos herdeiros e primogênitos de Deus, de harmonia com os Seus eternos desígnios, segundo os quais eles estão registrados nos céus. A Assembleia dos objetos da graça, agora chamada em Cristo, pertencem ao Céu por graça; não são os objetos das promessas, que, não tendo recebido o efeito das promessas sobre a Terra, não deixam de delas gozar no Céu; não têm de esperar nenhuma outra pátria ou cidadania senão o Céu; as promessas não lhes são dirigidas; não têm nenhum lugar sobre a Terra; o Céu está-lhes preparado pelo próprio Deus; os seus nomes estão inscritos no Céu por Ele. Esta posição dos primogênitos é a posição mais elevada nos céus, acima dos caminhos de Deus quanto ao Seu governo, quanto às promessas e à lei sobre a Terra.

Isto conduz o espectador desta glória ao próprio Deus. Mas quando chegamos ao ponto mais elevado, ao que há de mais excelente na graça, Deus apresenta-Se-nos sob um outro caráter, a saber o caráter de Juiz de todos, como que olhando de cima para julgar tudo o que há em baixo. Nós somos assim introduzidos ante uma outra categoria desses bem-aventurados habitantes da glória celeste — aqueles que o Justo Juiz reconheceu como Seus antes de a Assembleia celeste ser revelada, os espíritos dos justos consumados.

Tinham acabado a sua carreira, tinham vencido no combate, já não esperavam senão a glória.

Tinham estado em relação com os caminhos de Deus sobre a Terra; mas, fiéis antes de o tempo ter chegado para a abençoar, eles tinham a sua porção e o seu descanso no Céu. No entanto, Deus queria abençoar a Terra, mas não podia fazê-lo segundo a responsabilidade do homem.

Mesmo o Seu povo não era senão como a erva. Deus queria, pois, estabelecer uma nova aliança com Israel, aliança de perdão e de harmonia com a qual Ele escrevia a lei nos corações do Seu povo. O Mediador desta Nova Aliança já tinha aparecido, tinha feito tudo o que era necessário para estabelecer. Os Santos de entre os Hebreus tinham vindo ao Mediador da Nova Aliança; assim a bênção estava preparada para a Terra, e estava- lhe assegurada.

Enfim, o sangue de Jesus tinha sido derramado sobre a Terra, tal como o de Abel o fora por Caim; mas, em lugar de clamar desde a Terra, pedindo vingança, e de tornar um Caim vagabundo e fugitivo sobre a Terra impressionante tipo do Judeu culpado da morte de Jesus, é a graça que fala — e o sangue derramado clama, sim, mas para obter o perdão e a paz daqueles que O feriram de morte.

Notar-se-á que, falando de diversas partes da bênção milenária, a Palavra de Deus dá aqui tudo segundo o estado atual das coisas, antes da chegada desse período de bênção da parte de Deus. Nós entramos nesse estado de bênção quanto às nossas relações, mas não nos é falado aqui senão dos espíritos dos justos do Antigo Testamento e do Mediador da Nova Aliança. A própria Aliança ainda não está estabelecida. O sangue clama, mas a resposta da bênção terrestre, ainda não chegou. E isto compreende-se: O que nos é dito exprime o estado de coisas tal como ele existe, deitando mesmo uma grande luz sobre a posição dos Cristãos Hebreus e sobre a doutrina da Epístola. Trata-se, sobretudo para eles, de não se desviarem d�Aquele que falava do Céu, pois é com Ele que têm de se haver. Nós vimo-los ligados a tudo o que tinha procedido o testemunho do Senhor sobre a Terra, mas, de fato, no tempo presente, eles têm de se haver com o próprio Senhor, falando do Céu. Outrora o Eterno tinha- lhes falado sobre a Terra. A sua voz, então, abalava a Terra. Agora, falando com a autoridade da graça e estando no Céu, Ele anunciava a dissolução de tudo isso sobre o que a carne poderia apoiar-se, ou sobre o que a criatura poderia fazer assentar a sua esperança.

Tudo o que pode ser abalado será desfeito. Quanto mais fatal não é desviarmo-nos d�Aquele que fala agora, do que era desviarem-se dos próprios mandamentos do Sinai! Este abalamento de todas as coisas (seja aqui, seja na passagem análoga em 2- de Pedro) vai, evidentemente, mais longe do que o Judaísmo, mas aplica-se-lhe de uma maneira muito particular.

O judaísmo era o sistema e o quadro das relações de Deus com os homens sobre a Terra, segundo o princípio da sua responsabilidade. Tudo isso pertencia à Primeira Criação, mas as suas fontes estavam contaminadas. O céu, sede do poder do Inimigo, pervertia e corrompia; o coração do homem, sobre a Terra, estava corrompido e rebelado. Portanto, Deus vai agora abalar tudo e tudo modificar. E o resultado será uma nova Criação, na qual habitará a Justiça. Enquanto espera, formam-se as primícias desta nova Criação: Deus forma no Cristianismo a parte celeste desse reino inabalável; e o Judaísmo, centro do sistema terrestre e da responsabilidade humana, desaparece. O escritor inspirado anuncia, por conseguinte, o abalamento de tudo; tudo o que existe, como Criação atual, será posto de lado. Quanto ao fato atual, ele diz somente que nós recebemos "um reino inabalável” chama-nos a servirmos a Deus com verdadeira piedade, visto que o nosso Deus é um fogo consumidor — não Deus fora de Cristo, como alguns dizem, mas sim o nosso Deus. A expressão "fogo consumidor" pinta o Seu caráter em santa majestade e em justo julgamento do mal.

CAPÍTULO 13

Neste capítulo, há mais de uma verdade que importa assinalar. As exortações são tão simples quanto importantes e não exigem muitas explicações. Ficam nos limites da esfera de toda a Epístola—esfera compreendendo o que se refere ao caminho do Cristão na sua marcha neste mundo, e não o que decorre da sua união com Cristo nos lugares celestiais.

O amor fraternal, a hospitalidade, os cuidados com os prisioneiros, a estrita manutenção dos laços do matrimônio e a pureza individual, guardando-se da avareza, tais são os termos da exortação, todos importantes e ligados ao comportamento de um Cristão, que caracteriza um espírito de graça. Mas não são tirados das fontes nem dos princípios mais elevados e mais celestes da vida cristã, tal como os vemos nas Epístolas aos Efésios e aos Colossenses. As exortações não são mesmo como as da Epístola aos Romanos, embora se lhes assemelham mais. Com efeito, é, em geral, à vida de Cristo neste mundo que esta última Epístola dá mais atenção, apresentando-nos a ressurreição de Cristo, sem, contudo, ir até à Sua ascensão. (1)

(1) Não se fale da ascensão senão no capítulo 8, [verso 34(https://mysword.info/b?r=Heb_8:34)], além de uma breve alusão no capítulo 10, verso 6.

As exortações que se seguem referem-se às circunstâncias em que se encontravam os Hebreus e dizem respeito à abolição e ao Julgamento, então próximos do Judaísmo, do qual eles tinham agora de se separar definitivamente.

Exortando-os (v.7) a lembrarem-se daqueles que tinham conduzido o rebanho, a Epístola fala dos condutores que tinham já partido para a eternidade; porém, no versículo 17 fala dos vivos. O resultado da fé deles era um bom encorajamento, para que outros seguissem o seu exemplo, segundo os princípios da fé que os tinham levado a esse bom resultado.

Em seguida, o autor recorda que Cristo não muda: Ele é o mesmo ontem, hoje, e eternamente (v.8). Ele quer que permaneçamos na simplicidade e na integridade da fé. Nada, mais que a procura inquieta de algo de novo, "das doutrinas várias e estranhas", demostra que o coração não possui, na prática, o que dá o descanso em Cristo, que não concebe corretamente o que é Cristo. Crer no conhecimento de Cristo é a nossa vida e o nosso privilégio; a procura de novidades a Ele estranhas é uma prova de que Ele não nos satisfaz. Ora, aquele que não se contenta com Jesus não O conhece, ou, pelo menos, esqueceu-O. É impossível gozar do Seu amor sem se sentir que Ele é tudo para nós, isto é, que Ele nos satisfaz, excluindo, por Sua natureza, qualquer outra coisa.

Quanto ao Judaísmo, onde os Hebreus estavam naturalmente dispostos a procurar a satisfação da carne, o apóstolo vai mais longe: Eles já não eram Judeus, tendo o verdadeiro culto de Deus, culto privilegiado, no qual outros não tinham o direito de participar; o altar divino pertencia agora aos Cristãos; só eles tinham o direito de ali terem a parte. Um culto terrestre, onde se não entrava adentro do véu, mesmo em presença de Deus, no santuário; um culto que tinha a sua glória mundana, que estava agarrado aos elementos deste mundo e aqui encontrava o seu lugar, já não podia subsistir. Nós agora ou estamos no Céu, ou sob a Cruz e sob o opróbrio. O grande sacrifício pelo pecado foi realizado; mas esse sacrifício, peia sua eficácia, introduz no santuário, no próprio Céu, aonde o sangue foi levado; e, por outro lado, tira-nos para fora do campo, para fora de um povo religioso ligado a este mundo, e nós encontramo-nos assim no opróbrio, na rejeição sobre a Terra. E a parte do Cristo. No Céu, Ele é aceito; entrou ali pelo Seu próprio sangue. Na Terra, foi lançado fora e desprezado.

Uma religião mundana que consista num sistema onde o mundo pode andar e onde o elemento religioso é adaptado ao homem sobre a Terra, é a negação do Cristianismo.

Nós não temos cidade permanente neste mundo; procuramos a que é vindoura.

Por Cristo, oferecemos os nossos sacrifícios de ações de graças e de louvores; repartimos os nossos bens com os outros mais necessitados, praticamos o bem, oferecemos sacrifícios nos quais Deus tem prazer (v.16).

Em seguida, os crentes são exortados a obedecer àqueles que velam pelas suas almas, como responsáveis perante Deus, e que vão à frente dos santos, para os conduzirem.

Esta obediência é uma prova de um espírito humilde de graça, que não procura senão agradar ao Senhor.

O sentimento desta responsabilidade faz com que Paulo peça as orações dos santos, mas acrescentando que está certo de ter uma boa consciência.

Servimos a Deus, atuamos para Ele, quando Ele não é obrigado a atuar sobre nós; quer dizer, o Espírito de Deus atua por nosso intermédio, quando não tem de nos ocupar de nós próprios. Neste último caso, não poderíamos pedir as orações dos santos como obreiros; não podemos considerarmos obreiros para Deus, quando o Espírito nos trabalha na nossa consciência. Quando a consciência é boa, podemos pedir as orações dos santos, sem dissimulação. O apóstolo pedia-as, tanto mais que esperava desse modo voltar a vê-los mais cedo.

Enfim, Paulo deseja aos Hebreus a bênção. Dá a Deus o título que Lhe atribui muito frequentemente, o de "Deus de paz". No meio dos exercícios de coração a respeito dos Hebreus, no meio dos raciocínios para preservar o amor deles do esfriamento, no meio das incertezas morais que enfraqueciam a marcha desses cristãos, e das suas provações, quando se desmoronava o que eles consideravam como estável e santo, esse título tem um caráter particularmente precioso.

O Espírito coloca-nos também em presença de um Cristo ressuscitado, de um Deus que tinha fundado e assegurado a paz na morte de Cristo, e disso tinha dado a prova na Sua ressurreição; tinha-O ressuscitado de entre os mortos, segundo o poder do sangue da Aliança eterna (2).

(2) A palavra "eterno" é característica na Epístola aos Hebreus, em contraste com um sistema que desaparecia.

Esta Epístola fala de uma redenção eterna, da herança eterna e mesmo do Espírito eterno.

Sobre esse sangue o povo crente podia fundar uma esperança que nada seria capaz de abalar. Porque não eram, como o Sinai, promessas estabelecidas sob condição da obediência do povo, mas uma esperança fundada sobre o resgate pago, sobre a perfeita expiação da desobediência deles. Era assim uma bênção imutável; a Aliança (tal como a herança e a redenção) era eterna.

O autor da Epístola pede que o Deus que tinha operado tais coisas atue agora nos crentes Hebreus para lhes conceder a plena força e a energia para o cumprimento da Sua vontade, operando Ele mesmo neles o que Lhe era agradável.

Exorta-os a escutarem a exortação, pois não lhes tinha enviado senão algumas palavras.

Quer que os Hebreus saibam bem que Timóteo tinha sido posto em liberdade. O próprio apóstolo o tinha sido já; estava em Itália.

Estas circunstâncias tendem a confirmar o pensamento que foi o apóstolo Paulo quem escreveu esta carta, ponto muito interessante, embora não mude em nada a autoridade da própria Epístola, porque é o Espírito de Deus que por toda a parte da a Sua própria autoridade à Palavra de Deus.

(FIM DO ESTUDO DA EPÍSTOLA AOS HEBREUS)

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