Bruce Anstey

As Epístolas de Paulo a TITO e FILEMOM

A Verdade Segundo a Piedade & A Graça e Amor Cristãos em Ação

Bruce Anstey

AS EPÍSTOLAS DE PAULO A TITO E FILEMOMA Verdade Segundo a Piedade & A Graça e o Amor Cristãos em Ação

Bruce Anstey

Originalmente publicado por:

CHRISTIAN TRUTH PUBLISHING

9-B Appledale Road

Hamer Bay (Mactier) ON P0C 1H0

CANADÁ

christiantruthpublishing@gmail.com

Título do original em inglês: THE EPISTLES OF PAUL TO TITUS & FILEMONThe Truth According to Godliness & Christian Love and Grace in Action

Primeira edição – agosto 2019

Traduzido, publicado e distribuído no Brasil com autorização do autor por:

ASSOCIAÇÃO VERDADES VIVAS, uma associação sem fins lucrativos, cujo objetivo é divulgar o evangelho e a sã doutrina de nosso Senhor Jesus Cristo.

atendimento@verdadesvivas.com.br

Primeira edição em português – outubro 2019

e-Book v.1.0

Abreviaturas utilizadas:

ARC – João Ferreira de Almeida – Revista e Corrigida – SBB 1969

ARA – João Ferreira de Almeida – Revista e Atualizada – SBB 1993

TB – Tradução Brasileira – 1917

ACF – João Ferreira de Almeida – Corrigida Fiel – SBTB 1994

AIBB – João Ferreira de Almeida – Imprensa Bíblica Brasileira – 1967

JND – Tradução inglesa de John Nelson Darby

KJV – Tradução inglesa King James

Todas as citações das Escrituras são da versão ARC, a não ser que outra esteja indicada.

A Epístola de Paulo a

TITO

A Verdade Segundo a Piedade

Bruce Anstey

A EPÍSTOLA DE PAULO A

TITO

INTRODUÇÃO

Essa é uma das quatro epístolas “pastorais” (1 e 2 Timóteo, Tito e Filemom) que o apóstolo Paulo escreveu sob inspiração divina. Elas são chamadas assim porque não são escritas para assembleias ou grupos de pessoas, mas para indivíduos, dando-lhes conselhos e instruções pessoais. (O apóstolo João também escreveu duas epístolas pastorais – 2 e 3 João).

Esta é a única epístola escrita para um gentio; também existem apenas dois livros na Bíblia escritos por um gentio (Lucas) – o Evangelho de Lucas e o livro de Atos. W. Kelly disse que, a julgar pelas evidências internas da epístola, parece ter sido escrita depois que Paulo escreveu sua primeira epístola a Timóteo, mas antes de escrever sua segunda epístola para ele (The Epistles of Paul, pág. 131). Assemelha-se a 1 Timóteo, pois ambas as epístolas lidam com a ordem na casa de Deus e se concentram muito na conduta que é adequada a essa ordem. A epístola a Tito não é, no entanto, uma repetição da primeira epístola a Timóteo. Juntamente com a necessidade de sã doutrina, a epístola a Tito insiste em “boas obras” que manifestam a realidade da fé de alguém. Boas obras são mencionadas em todos os capítulos (caps. 1:16, 2:7, 14, 3:1, 8, 14) e, portanto, essa epístola foi chamada de “A Epístola das Boas Obras”.

Não se sabe como o evangelho chegou a Creta. Pode ter sido pelos judeus de Creta que ouviram Pedro pregar em Jerusalém no dia de Pentecostes (At 2:11). Na época em que esta epístola foi redigida, havia várias assembleias Cristãs na ilha.

Sua História Pessoal

Tito aparece pela primeira vez no registro divino de Antioquia como um convertido gentio do apóstolo Paulo (Gl 2:1-3). Ele foi trazido a Jerusalém como um “caso precedente”, sobre uma questão que havia surgido sobre se os gentios crentes precisavam ser circuncidados. No conselho apostólico, Tiago apontou na Escritura que na conversão dos gentios no reino vindouro do Messias de Israel, Deus não imporá sobre eles essa condição (At 15). Tiago concluiu que, uma vez que isso não será necessário para os crentes gentios no mundo vindouro (o Milênio), então não seria necessário para os crentes gentios hoje quando Deus está chamando aqueles que compõem a Igreja. Tito, portanto, não foi obrigado a ser circuncidado.

A próxima vez que Tito aparece na Escritura, o vemos trabalhando com Paulo em conexão com a recepção pelos coríntios da primeira epístola de Paulo escrita a eles (2 Co 2:13, 7:5-7, 13-14). Ele também levou a segunda epístola de Paulo aos coríntios e cuidou de assuntos entre eles relacionados à coleta dos santos aos pobres na Judeia (2 Co 8:6, 16-17, 23, 12:18).

Uma outra vez que lemos sobre Tito, ele é visto com Paulo em Creta, e é deixado lá para nomear anciãos (Tt 1:5). Depois de fazer isso, ele se encontraria com Paulo em Nicópolis, no oeste da Grécia (Tito 3:12).

Tito é visto pela última vez com Paulo em Roma, onde Paulo ficou em cativeiro pela segunda vez e prestes a ser executado pelas autoridades romanas. De lá, Tito foi para a Dalmácia (2 Tm 4:10).

Sendo um servo fiel do Senhor, Paulo chamou Tito de “irmão” (2 Co 2:13), de “companheiro”, de “cooperador” (2 Co 8:23) e de “meu verdadeiro filho” (Tito 1:4). Embora Paulo tenha valorizado muito Tito, ele não fala com ele com a mesma intimidade que falava com Timóteo. No entanto, ele era um homem muito confiável, e é por isso que Paulo delegou a ele a responsabilidade de levar a coleta das assembleias gentias aos santos pobres da Judeia. O cuidado de Paulo para que a integridade de Tito fosse mantida diante de todos, o levou a enviar “um irmão” (2 Co 8:18) com ele, para que a entrega dos fundos estivesse acima de qualquer suspeita e que Tito não pudesse ser acusado de negligência ou furto nessas questões de dinheiro (2 Co 13:1).

A Ocasião da Epístola

Naqueles dias, as assembleias em Creta estavam em um estado de desordem devido aos mestres judaizantes trazendo doutrinas e práticas errôneas. Esses homens haviam conseguido um papel de liderança nessas assembleias, mas, infelizmente, não estavam genuinamente preocupados com o bem-estar espiritual dos santos, como deveriam estar os verdadeiros pastores. Em vez de liderar os santos a seguirem Cristo, eles os estavam explorando para obter ganhos monetários! Além da confusão, estava o problema do caráter dos cretenses – serem “mentirosos” e “ventres [glutões – AIBB] preguiçosos” (cap. 1:12). Desnescessário dizer que isso estava tendo um impacto negativo no testemunho deles como Cristãos.

Tito deveria corrigir essas coisas nomeando anciãos que fossem firmes na sã doutrina e cuja vida fosse de caráter excepcional. Esses homens deveriam manter a Palavra fielmente e insistir na verdade sendo ensinada nas assembleias, e, assim, refutar os contraditores. Além de estabelecer anciãos, Tito deveria instruir os santos em uma linha de conduta que estivesse de acordo com a ordem moral de Deus na assembleia (cap. 1), no lar (cap. 2) e diante do mundo (cap. 3).

A Relevância Prática da Epístola em Nossos Dias

A aplicação prática dessa epístola é de grande importância hoje, pois há um número crescente de assembleias Cristãs que têm homens na posição de liderança que não têm, no coração, os melhores interesses pelo rebanho. Essas pessoas precisam ser removidas e substituídas por homens qualificados moral e espiritualmente para liderar as assembleias locais. A pergunta é: “Como isso deve ser feito, já que hoje não há na Terra apóstolos ou pessoas delegadas pelos apóstolos para designá-los?” A Escritura não indica que isso deva ser feito da maneira que as assembleias formadas nas linhas congregacionalistas o fazem – as pessoas votam em quem elas gostariam que liderasse a assembleia. Por mais bem-intencionado que isso possa ser, a democracia não é o caminho de Deus para o governo da Igreja. Tampouco a Escritura indica que isso deva ser feito como as denominações episcopais – com o chamado “bispo”, com autoridade sobre um grupo de assembleias em uma região, que dita as regras e sanciona tudo nessas assembleias. A hierarquia criada pelo homem também não é o caminho de Deus para o governo da Igreja.

A resposta está nas observações de Paulo a duas assembleias que não tinham anciãos ordenados – Corinto e Tessalônica. Em Corinto, a assembleia estava em um estado tão carnal que o apóstolo se absteve de ordenar quando esteve lá. Em Tessalônica, todos eles eram novos convertidos, tendo sido salvos apenas em questão de semanas (At 17:1-9) e, como tais, nenhum deles era maduro o suficiente para esse papel (1 Tm 3:6). Mas escrevendo para estas assembleias algum tempo depois, ele lhes deu um princípio pelo qual os santos podiam conhecer aqueles que eram os líderes genuínos e, assim, reconhecê-los como tais, mesmo que não tivessem sido oficialmente ordenados para esse cargo.

É importante entender que, independentemente de haver apóstolos (ou pessoas delegadas pelos apóstolos) disponíveis para designar anciãos oficialmente, Deus ainda está levantando homens pelo Espírito Santo para fazer esse trabalho em várias localidades (At 20:28). E, em dias de fraqueza e falhas, mesmo que esses homens possam não ter todas as qualificações morais para serem oficialmente designados para esse cargo, se pelo menos eles realmente cuidassem do rebanho (1 Co 16:15-16; 1 Ts 5:12-13), os santos deveriam seguir sua liderança. Tudo o que é necessário para os santos é que eles sejam encontrados em um estado de alma correto para reconhecer esses homens por quem eles são e, assim, os ter “em grande estima e amor, por causa da sua obra” (1 Ts 5:13) e ser “submissos” a eles (Hb 13:17 – ARA) e seguir os que nos “presidem” (1 Ts 5:12; 1 Tm 5:17). Quando isso é feito, a assembleia terá os homens adequados e o problema da liderança da assembleia será resolvido.

VERDADE E PIEDADE NOS ANCIÃOS DA ASSEMBLEIA

Capítulo 1

A Saudação

Vs. 1-4 – Paulo se apresenta como um “servo [escravo – ARA] de Deus” e um “apóstolo de Jesus Cristo”. Essa é a única epístola na qual ele se apresenta como um servo de Deus; ele geralmente fala de si mesmo como um servo de Cristo. Independentemente de qual seja, nem o Senhor Jesus, nem Deus, o Pai ordenou que alguém fosse Seu servo. É algo que o crente escolhe por sua própria vontade quando percebe que foi “comprado por bom preço” (1 Co 6:20, 7:23). O processo de exercício espiritual que leva o crente a essa entrega vem por meio do refletir no que Cristo sofreu na cruz para nos redimir e tornar cada um de nós um homem “livre” (1 Co 7:22a). Ele levou nossos pecados e o juízo deles em Seu próprio corpo no madeiro (1 Pe 2:24), e por meio de Seus sofrimentos expiatórios (Jo 18:11), fomos libertados do juízo que merecíamos. Quando temos consciência do custo da nossa liberdade, resolvemos não mais usar nossa liberdade para buscar nossos próprios interesses, mas para promover os interesses de Cristo. Voluntariamente nos alistamos no serviço de Cristo como Seu “servo [escravo – ARA] (1 Co 7:22b). Este é puramente um exercício individual e uma decisão que uma pessoa toma por si mesma – ninguém pode fazer isso por ela. Ao afirmar que ele era “um servo de Deus”, Paulo estava indicando que havia passado por esse exercício e estava, com alegria, se colocando nas mãos de Deus para ser usado em Seu serviço da maneira que Ele desejasse.

Como “apóstolo de Jesus Cristo”, Paulo recebeu autoridade do Senhor e foi por Ele enviado a fazer uma obra por Ele (Mt 10:1, 5; 1 Cor 1:17). Um “servo” é alguém sob autoridade e um “apóstolo” é alguém com autoridade. Ele enfatiza seu apostolado aqui porque foi com isso que ele autorizou Tito a estabelecer anciãos em Creta. Se surgisse alguma dúvida entre os santos de lá, Tito poderia apresentar essa carta como prova.

Paulo continua sua saudação inicial afirmando que seu chamado e serviço eram “segundo a fé dos eleitos de Deus e o conhecimento da verdade, que é segundo a piedade”. O que caracterizou seu apostolado foi a verdade distinta relacionada ao Cristianismo. A “fé dos eleitos de Deus” refere-se à fé pessoal no coração dos verdadeiros crentes – os eleitos. Ela os traz a um relacionamento vivo com Deus e a possuir as verdades distintivas que marcam o Cristianismo. Por isso, Paulo acrescenta: “e o conhecimento da verdade”. J. N. Darby disse: “É um relacionamento pessoal com o próprio Deus; portanto, é a fé dos eleitos de Deus. Por isso, também é para todos os gentios, bem como para os judeus. Essa fé dos eleitos de Deus tem um caráter íntimo em relação ao próprio Deus. Ela repousa n’Ele; ela conhece o segredo de Seus conselhos eternos – aquele amor que fez dos eleitos o objeto de Seus conselhos. Mas há outra característica relacionada a ela, a saber, a confissão diante dos homens. Existe a verdade revelada pela qual Deus Se faz conhecido… Existe no coração a fé dos eleitos, a fé pessoal em Deus e no segredo do Seu amor; e há a confissão da verdade”. (Synopsis of the Books of the Bible, edição Loizeaux, vol. 5, págs. 239-240).

O argumento apresentado aqui é que o efeito prático da verdade do Cristianismo no coração de uma pessoa produz piedade1 em sua vida. Portanto, Paulo diz que o conhecimento da revelação Cristã da verdade é “segundo a piedade”. Isso mostra que verdade e piedade caminham juntas. Ser sadio na doutrina nunca é considerado pelo apóstolo como um fim em si mesmo; a verdade recebida tem em vista um efeito prático de piedade na vida do crente. Essas duas coisas se complementam. Paulo enfatiza repetidamente a sã doutrina nesta epístola, com o objetivo de produzir vida santa nos santos.

(Vs. 2-3) – Paulo acrescenta: “Em esperança da vida eterna2, a qual Deus, que não pode mentir, prometeu antes dos tempos dos séculos: Mas a Seu tempo manifestou a Sua Palavra pela pregação que me foi confiada segundo o mandamento de Deus, nosso Salvador”. Isso mostra que a recepção da verdade do Cristianismo coloca o crente na esperança de coisas mais excelentes ainda por vir. “Em esperança da vida eterna2**”** não significa que esperamos ter essa vida e que não saberemos se a temos ou não até estarmos diante do trono de Deus no último dia. Esse é um erro católico romano que rouba o crente da certeza de sua salvação e da paz que Deus deseja que ele tenha. Isso nega as afirmações claras da Escritura que declara nossa segurança eterna (Jo 10:28-29, etc.) Na Bíblia, **“esperança”** não é usada da mesma maneira em que é usada no português moderno. Usamos a palavra em nossos dias para nos referir a algo que gostaríamos que acontecesse, mas não temos garantia de que acontecerá. Na Bíblia, esperança é uma _certeza adiada_. É algo que definitivamente vai acontecer – apenas não sabemos quando. Há expectativa com certeza relacionada a ela.

Em Romanos 5:2, Paulo fala da “esperança da glória de Deus”, que se refere à futura glorificação do crente na vinda do Senhor (o Arrebatamento). É algo que o crente aguarda com certeza. Esse fim glorioso de estar com Cristo e ser como Ele em um estado glorificado é a esperança do Cristão. Quando no princípio cremos no evangelho e recebemos o Senhor Jesus Cristo como nosso Salvador, fomos colocados na esperança de nossa final glorificação. Paulo se refere a isso em Romanos 8:24, afirmando que “em esperança fomos salvos”. Ou seja, somos salvos em esperança ou em vista do estado completo e final de glorificação que ainda está por vir (1 Co 15:49; Fp 3:21; 1 Jo 3:2).

Aqui em Tito 1:2, nossa esperança tem em vista a “vida eterna2**”**. Isso vai além da glorificação mencionada em Romanos 5:2, para estar lá no céu naquele estado glorificado desfrutando de comunhão com o Pai e o Filho! Para entender isso corretamente, precisamos entender que, em conexão com os Cristãos, existem dois aspectos dessa vida mais abundante: _Primeiro_, refere-se à vida divina no crente como uma possessão presente, pela qual ele desfruta de comunhão consciente com o Pai e o Filho (Jo 17:3) por meio da habitação do Espírito Santo (Jo 4:14). Esse aspecto é encontrado nos escritos de João (Jo 3:15-16, 36, etc.). _Segundo_, é vista como a esfera da vida para a qual o crente está se dirigindo em sua jornada ao céu. Portanto, também existe um aspecto futuro. Esta é a maneira pela qual Paulo e Judas falam sobre a vida eterna (Rm 2:7, 5:21, 6:22, 23; Gl 6:8; 1 Tm 1:16, 6:12, 19; Tt 1:2, 3:7; Jd 21). Nesse sentido futuro, a vida eterna é vista como um ambiente de vida espiritual, onde tudo é luz, amor e justiça, e onde a comunhão com o Pai e o Filho é desfrutada em sua plenitude. Portanto, o primeiro aspecto tem a ver com a vida que habita _em nós_, e o segundo é a vida _na qual_ um dia iremos habitar.

Usamos a palavra “vida” nessas duas maneiras em nossa linguagem no dia a dia. Podemos falar de uma planta, um animal ou um ser humano como tendo vida neles. Mas também falamos da vida como um elemento ou esfera em que uma pessoa pode habitar – por exemplo, “vida no campo”, “vida na cidade”, “vida na assembleia” etc. Assim, podemos desfrutar a vida eterna agora pelo Espírito, mas então habitaremos nessa esfera da vida em seu sentido mais pleno quando formos glorificados. Esses dois aspectos da vida foram ilustrados em um mergulhador do fundo do mar. Ele trabalha debaixo d’água, mas respira ar por meio de um tubo, o que o mantém vivo. É como o crente que possui a possessão presente da vida eterna. Vivendo neste mundo, vivemos, nos movemos e temos nosso ser em um elemento ao qual não somos naturalmente adequados, pois pertencemos à nova criação e somos pessoas celestiais. Assim, não somos do mundo, mas somos sustentados pelo nosso “tubo” da comunhão com o Pai e o Filho enquanto estamos no mundo. Quando o trabalho do mergulhador é concluído, sai da água para o elemento que lhe é natural e, retirando o capacete e o traje de mergulho, respira o ar sem esse aparelho. Da mesma forma, quando nosso trabalho for completado aqui na Terra e formos levados para casa no céu, estaremos na esfera da vida eterna para a qual estaremos perfeitamente adequados.

Portanto, ao afirmar que o que temos em Cristo é “em esperança da vida eterna2**”**, Paulo está indicando que nosso destino não é apenas ser glorificado, mas ser encontrado como tal em plena comunhão com o Pai e o Filho no céu – que é a essência dessa vida. Isso é algo que Deus **“prometeu antes dos tempos dos séculos”**. Isso mostra que a vida eterna estava nos pensamentos de Deus antes de Ele criar o mundo. Parece que a comunhão das Pessoas divinas na eternidade passada era tão doce e preciosa que Deus queria que outros experimentassem esse gozo também. Então, Ele prometeu que, no **“tempo próprio”** (AIBB) (tempos Cristãos), quando feita a expiação e o Espírito Santo concedido, os crentes no Senhor Jesus Cristo teriam essa oportunidade (1 Jo 1:3).

A possessão presente desta vida pode ser referida como “vida eterna” e o aspecto futuro como “vida eterna2**”**. Somos gratos à tradução de J. N. Darby3 que distingue essas coisas – embora ele negligencie observar a vida eterna como tal em 1 Jo 3:15, 5:11, 13, 20. No entanto, a tradução de Kelly distingue.

A Missão de Paulo

A manifestação da revelação especial da verdade Cristã havia sido “confiada” a Paulo por “Deus, nosso Salvador”. Depois de receber essa comissão, ele usou toda a sua energia para proclamá-la. É significativo como ele usa o termo “Salvador” nesta epístola; aplica a Deus e ao Senhor Jesus, enfatizando assim a deidade do Senhor.

Paulo enfatiza seu apostolado aqui porque foi como apóstolo que oficialmente autorizou Tito a nomear anciãos. Isso mostra que Paulo não estava apenas escrevendo uma carta pessoal para Tito; era um documento oficial que Tito poderia apresentar aos santos de Creta, mostrando de onde vinha sua autoridade para nomear anciãos. Ele poderia então agir como delegado de Paulo entre eles, sem que houvesse dúvida da autoridade com que estava investido.

Ordenando Anciãos

V. 5 – A primeira responsabilidade de Tito era estabelecer uma liderança forte em cada uma das assembleias em Creta, nomeando homens que tivessem peso moral para liderar os santos no caminho da justiça e que defenderiam a verdade quando confrontados com ataques. Paulo diz: “Por esta causa te deixei em Creta, para que pusesses em boa ordem as coisas que ainda restam, e de cidade em cidade estabelecesses presbíteros, como já te mandei”. Tito deveria fazer isso, não escolhendo amigos e partidários que ele favorecia, mas reconhecendo aqueles a quem Deus havia levantado pelo Espírito Santo e designar a esses (At 20:28). Assim, a escolha dos homens para liderar nessas assembleias não era de Tito, mas de Deus. Ele conheceria esses homens por suas qualificações morais (1 Tm 3:1-7; Tt 1:5-9) e pelo trabalho que eles estavam fazendo para se dedicar aos cuidados dos santos e ministrar para eles (1 Co 16:15-16; 1 Ts 5:12-13; 1 Tm 5:17).

Visto que havia uma forte oposição de um certo conteúdo judaizante entre os cretenses (cap. 1:10-11), esses homens precisavam ser colocados naquele cargo por nomeação oficial, para que não houvesse dúvida sobre a liderança deles na assembleia. Como mencionado na Introdução, isso é algo que não pode ser feito hoje simplesmente porque não há apóstolos ou delegados de um apóstolo na Terra para fazê-lo. Mas ainda podemos reconhecer aqueles que são moral e espiritualmente qualificados para liderar os santos e seguir sua orientação. Ao fazermos isso, a mesma coisa será realizada de forma não oficial.

Parece que Paulo foi chamado abruptamente de Creta e, ao sair, deixou trabalho por fazer. Ele não declara porque saiu, mas encarregou Tito de concluir esse trabalho em sua ausência. A delegação de Paulo a Tito não prova que exista algo como Sucessão Apostólica – outro erro católico romano. A tarefa dada a Tito pelo apóstolo Paulo foi para um determinado lugar e por um determinado tempo. Ele não tinha ordens de Paulo para levar essa autoridade a outro lugar ou transmiti-la a outras pessoas.

As Qualificações dos Anciãos

Vs. 6-9 – Paulo passa a esboçar as qualidades morais e espirituais que um ancião deve ter. Antes de examinar essas coisas, seria bom observarmos que Paulo usa as palavras “anciãos” (AIBB) e “**presbíteros [bispos]”** de forma intercambiável aqui. (Compare também At 20:17 _com_ At 20:28 e 1 Pe 5:1 – JND _com_ 1 Pe 5:2 – JND). Isso mostra que esses termos se referem ao mesmo cargo. Quando **“ancião”** é usado, enfatiza a maturidade e a experiência que o homem deve ter; quando **“presbíteros** [**bispos**]**”** é usado, está se referindo ao trabalho que ele faz ao supervisionar e cuidar do rebanho. Paulo então declara os requisitos morais necessários de um ancião/presbítero:

SUA VIDA PÚBLICA

Quanto à sua vida pública diante do mundo (v. 6a), ele deveria ser “irrepreensível [livre de toda acusação contra ele – JND] (1 Tm 3:7).

SUA VIDA FAMILIAR

Quanto à vida em família (v. 6b), ele deveria ser “marido de uma mulher”. Ou seja, ele não deveria ser um polígamo. Um polígamo poderia ser salvo pela graça de Deus e estar à mesa do Senhor, mas ter mais de uma esposa o excluiria deste trabalho na assembleia. Seus múltiplos casamentos não representariam adequadamente a ordem moral que Deus instituiu na criação a respeito do casamento (Mc 10:6-9). Nem refletiria o modelo de Cristo e da Igreja (Ef 5:24-32). Ele também deveria ter “filhos crentes não acusados de falta de limites ou rebeldia” (JND). Assim, ele deveria ter uma família que cresse no evangelho e que seguisse o caminho da fé Cristã de maneira ordenada.

SUA VIDA EM ASSEMBLEIA

Quanto à sua vida na assembleia (vs. 7-9), ele deveria ser “irrepreensível [livre de toda acusação contra ele – JND] entre seus irmãos. Se os santos devem respeitá-lo como “despenseiro da casa de Deus”, eles devem, necessariamente, ver piedade e consistência em sua vida.

Se ele deve realizar seu trabalho de supervisão de forma bem sucedida, ele não deve ser caracterizado pelos seguintes traços negativos: “soberbo [cabeça dura – JND], “iracundo [impetuoso – JND], “nem dado ao vinho”, “nem espancador [violento – ARA] e “nem cobiçoso de torpe ganância [visando ganho por meios desonestos – JND]. Assim, ele não deve ser dominador, ou ter mau temperamento, ou gostar de álcool, ou ser violento ou comprometer princípios para ganhar dinheiro.

Quanto aos traços positivos, um ancião/presbítero deve ser: “dado à hospitalidade”, “amigo do bem”, “moderado”, “justo”, “santo [piedoso – AIBB] e “temperante”. Assim, seu lar deve ser aberto aos santos (Rm 12:13), ele deve se envolver pessoalmente com coisas boas e proveitosas (cap. 3:14) e se portar com dignidade e sobriedade em todos os assuntos (Ec 10:1). Ele também deve ser marcado pela justiça, piedade e controle próprio.

Por fim, mas não menos importante, ele também deve manter firme “a fiel Palavra, que é conforme a doutrina, para que seja poderoso, tanto para admoestar [encorajar – JND] com a sã doutrina, como para convencer [refutar – JND] os contradizentes” (v. 9). Isso mostra que um ancião/presbítero deve conhecer a verdade e ter “um conhecimento prático” da Palavra de Deus, para poder “refutar” (JND) aqueles que se opõem a ela (1 Tm 3:2 – “apto a ensinar”). Nota: ele deve refutar os opositores, não por argumentos inteligentes fundamentados em inteligência humana, mas “pela sã doutrina” (2 Tm 2:14-15).

Observe também: nada é dito aqui (ou em qualquer outro lugar na Escritura) sobre a eloquência de um ancião, sua educação secular, sua perspicácia nos negócios ou seu status social na vida. Os Cristãos mundanos podem fazer muitas dessas coisas, pensando que são qualidades necessárias para um líder, mas essas coisas não são o que tornam um ancião/presbítero capaz. De fato, o sucesso nas coisas seculares pode ministrar ao orgulho de uma pessoa e dar a ele uma falsa sensação de importância. Sua capacidade como ancião não é medida pelo seu sucesso nos negócios, mas por sua espiritualidade e sabedoria prática.

Mestres Judaizantes

Vs. 10-13a – Paulo passa a falar da oposição que Tito e os santos de Creta enfrentaram. Ele diz: “Porque há muitos desordenados, faladores, vãos e enganadores, principalmente os da circuncisão, aos quais convém tapar a boca; homens que transtornam casas inteiras ensinando o que não convém, por torpe ganância. Um deles, seu próprio profeta, disse: Os cretenses são sempre mentirosos, bestas ruins, ventres [glutões – AIBB] preguiçosos. Este testemunho é verdadeiro”. A necessidade de verdade e piedade na assembleia era óbvia; homens carnais estavam agindo mal entre os santos por seus próprios interesses egoístas. Eles eram faladores e enganadores indisciplinados e vaidosos que se apresentavam como mestres, mas, na realidade, estavam levando os santos à escravidão legal e ao erro. Foi, de modo geral, o trabalho de um elemento dos mestres judaizantes, que Paulo chama de “a circuncisão”. Enquanto professava um zelo pela Lei e pela santidade cerimonial, seu verdadeiro motivo era o ganho vil (“torpe ganância”). O que eles estavam realmente fazendo era defraudar os santos! Paulo diz que convinha “tapar a boca” dos tais porque estavam “ensinando o que não convém”. Esses homens definitivamente precisavam ser silenciados.

Juntamente com o problema dos maus ensinamentos, os cretenses eram marcados por certos traços nacionais indesejáveis que eles carregavam em sua vida Cristã desde seus dias de não convertidos. Para comprovar isso, Paulo cita um de seus próprios profetas – Epimênides, que viveu no século VI a.C. (Ver Concise Bible Dictionary, pág. 777.) Ele disse que os cretenses sempre eram “mentirosos”, “bestas ruins” e “glutões preguiçosos”. Paulo diz: “Este testemunho é verdadeiro”. Ele não diz que esse homem era um profeta de Deus, mas um “seu próprio” profeta. Isso mostra que os falsos profetas podem falar coisas corretas quando servem ao propósito deles. Ele cita o profeta para mostrar que o caráter dos cretenses era famoso. Mesmo aqueles que não eram salvos podiam ver! Esses cretenses eram verdadeiros crentes, mas não se preocupavam com o seu andar e modos como Cristãos. Talvez eles pensassem que isso não importava. É triste dizer que hoje existem muitos como eles na profissão Cristã. Desnecessário dizer que seu caráter nacional, que eles deveriam ter renunciado quando foram salvos, teve um efeito negativo em seu testemunho Cristão diante do mundo.

Os crentes de Creta são um excelente exemplo de como o caráter nacional e a cultura natural podem entrar na assembleia. Certos comportamentos particulares não Cristãos podem se manifestar na vida de um crente, e às vezes isso é desculpado dizendo: “É a cultura deles” – como se fosse algo tolerado por causa da história de uma pessoa. Pode muito bem ser uma característica de sua cultura nacional, mas isso não justifica sua presença entre os santos na assembleia. Se esse comportamento não estiver de acordo com os padrões e modos morais de Deus, não terá lugar na vida de um Cristão. Não é para ser desculpado, mas antes julgado como não característico de um Cristão. Quando uma pessoa é salva, deve haver uma “regeneração” de caráter moral em sua vida, que é parte integrante da salvação de sua alma (cap. 3:5). Os hábitos e modos anteriores de nossa vida antiga devem ser lavados, e os padrões de Deus e os modos morais de comportamento adotados como nosso ideal. Infelizmente, essa regeneração moral estava ausente entre os santos de Creta.

O Remédio

Vs. 13b-14 – Paulo diz que a resposta para esses faladores indisciplinados e vaidosos foi para que eles fossem repreendidos “severamente, para que sejam sãos na fé”. O fato de Paulo dizer que eles poderiam ser corrigidos e tornados sãos na fé mostra que alguns desses mestres judaizantes poderiam ser verdadeiros crentes, mas estavam terrivelmente confusos. Um Cristão sério pode ser corrigido, mas o homem natural que não tem vida divina não pode ser corrigido (Jo 8:43; 1 Co 2:14). Aqueles que tinham vida precisavam de correção, não de excomunhão. Eles não deviam dar “ouvidos às fábulas judaicas, nem aos mandamentos de homens”; tais noções apenas confundem as pessoas e as “desviam da verdade”.

Vs. 15-16 – Paulo passa a falar dos mestres judaizantes que não eram crentes verdadeiros. Ele diz: “Todas as coisas são puras para os puros, mas nada é puro para os contaminados e infiéis: antes o seu entendimento e consciência estão contaminados. Confessam que conhecem a Deus, mas negam-No com as obras, sendo abomináveis, e desobedientes, e reprovados [inúteis – JND] para toda a boa obra”. Essa observação sobre todas as coisas serem “puras” para “os puros” tem sido frequentemente mal utilizada e usada para significar que as coisas que são ímpias podem ser usadas pelos crentes e eles não serão contaminados por isso, se sua mente for santa. Isto é falso. Certamente os Cristãos ficarão contaminados por coisas profanas. É por isso que Paulo disse aos filipenses que buscassem tudo que era “amável” e “puro” etc. (Fp 4:8). O que ele está falando aqui é que, como os puros (verdadeiros crentes) se deleitam com a pureza, os profanos (incrédulos) também se deleitam com o que é impuro, porque “seu entendimento e consciência estão contaminados”. Seus processos mentais são depravados; portanto, seus pensamentos seguem linhas carnais, e deleitam-se com isso. O argumento de Paulo aqui levanta a questão: “Como essas pessoas poderiam estar em condições de liderar os santos na ‘verdade, que é segundo a piedade’?” (cap. 1:1) Não é possível.

Esses enganadores precisavam ser identificados como tais e expostos. Eles seriam conhecidos por suas ações, pois a prática deles não combinaria com o que professavam. “Confessam que conhecem a Deus, mas negam-No com as obras”. Paulo não diz a Tito para corrigi-los, como faz com os do versículo 13. Isso ocorre porque eram infiéis que eram “abomináveis e desobedientes”. Eles eram incorrigíveis e “reprovados”. Algumas traduções interpretam os réprobos como “desqualificados” (NVI). Por suas más doutrinas e más práticas, eles realmente se desqualificaram de ter algum lugar na assembleia.

VERDADE E PIEDADE NOS SANTOS

Capítulo 2

Paulo passa a falar aos, por assim dizer, santos “comuns” na assembleia, que seriam aqueles sob os cuidados dos anciãos mencionados no capítulo 1. Vemos neste segundo capítulo que verdade e piedade são coisas que devem não apenas caracterizar os anciãos/presbíteros na assembleia, mas todos os santos – do mais velho ao mais novo. Visto que o Cristianismo não é apenas a verdade contida em nossa mente, mas algo que deve ser trabalhado na prática em todos os nossos relacionamentos na vida, Paulo passa a apresentar diante de Tito a conduta que deve ser esperada dos santos.

V. 1 – Ele diz: “fala o que convém à sã doutrina” Assim, existem certas “coisas” que “convém” (ou se ajustam adequadamente) à sã doutrina que Tito deveria enfatizar em seu ministério. Como mencionado, essas seriam coisas práticas que têm a ver com nossa caminhada e modos. O fim que Paulo tinha em vista era que os santos fossem marcados por boas obras (v. 14). A ordem aqui não é tanto para Tito ensinar publicamente essas coisas práticas na assembleia, embora certamente haja um lugar para isso, mas comunicar essas coisas aos santos em nível pessoal. Por isso, Paulo diz: “Tu, porém, fala, o que implica um nível de comunicação interativo. Vemos a partir disso que o trabalho de Tito foi em grande parte de caráter pastoral. Uma grande parte do trabalho de um pastor é falar com os santos frente a frente. Isso mostra que o ministério público não é, por si só, suficiente para atender a todas as necessidades que surgem entre o povo de Deus. Muita instrução prática é melhor transmitida pessoalmente.

Neste capítulo, Paulo examina as várias classes de pessoas que compõem uma assembleia normal e dá a Tito um breve resumo do que se espera de cada uma delas quanto ao seu comportamento. Essas coisas são tão aplicáveis a nós em nossos dias como eram para aqueles naquele dia.

OS VELHOS (v. 2)

Eram homens que tinham idade avançada, mas não eram anciãos/presbíteros – pois nem todos os homens mais velhos se qualificam ou aspiram a esse trabalho. Embora esses homens não estivessem no cargo de anciãos/presbíteros, a vida deles ainda deveria ser governada pela verdade e piedade. Paulo diz que eles deveriam ser “sóbrios, graves (sérios), prudentes [discretos – JND], sãos na fé [são em fé – JND], na caridade [amor – JND], na paciência [perseverança – TB]. Ser “sóbrio” é ter uma visão adequada da vida e, assim, usar o tempo com sabedoria (Sl 90:12). Isto é especialmente verdade para uma pessoa idosa que não tem muito desse bem precioso. “Grave” é se portar com dignidade. Isso não significa que ele seja severo e mal-humorado. Ser “prudente” é ter controle próprio em todas as coisas. “São em fé” é ter uma confiança saudável e pessoal em Deus. Isso não é o mesmo que ser “são na fé” (cap. 1:13), que tem a ver com o entendimento sadio do conjunto da doutrina Cristã que nos foi entregue para guardar (Jd 3; 2 Tm 1:14). (Como regra, quando o artigo definido “a” está no texto em conexão com “fé”, está se referindo à revelação Cristã da verdade e, quando está ausente, está se referindo à energia interior da confiança da alma em Deus). Além disso, esses homens mais velhos deveriam ter um “amor” genuíno por todos os santos. Eles também deveriam ter “resistência” nas circunstâncias difíceis da vida. Isso incluiria os testes de suportar enfermidades em seu corpo, que ocorrem em seus anos em declínio. Eles deveriam suportar essas provações, em vez de reclamar delas e, assim, ser modelos para o rebanho.

AS VELHAS (vs. 3-5)

As irmãs mais velhas, “semelhantemente”, deveriam ter “comportamento como convém àquelas que dão testemunho das coisas sagradas” (JND). Como nos homens mais velhos, as irmãs mais velhas deveriam ser modelos em seu comportamento. Elas deveriam ter o controle de duas coisas em particular que certamente teriam um impacto negativo em seu testemunho e trabalho pessoal – suas línguas e seus apetites. Elas não deveriam ser “caluniadoras” e não deveriam ser “dadas a muito vinho”. Essas coisas podem muito bem ter caracterizado a vida delas quando não eram convertidas – sendo que os cretenses eram caracteristicamente mentirosos (a língua) e glutões preguiçosos (o apetite) – mas essas coisas não tinham lugar na vida delas como Cristãs. A indulgência própria4 é inadequada para os Cristãos, e especialmente para as irmãs mais velhas; deveria ser substituída por serem “mestras do que é correto” (JND).

Tendo abordado o caráter que deve marcar as mulheres idosas no versículo 3, Paulo descreve o trabalho que elas devem fazer ao ensinar as irmãs mais novas nos versículos 4-5. Esse é em grande parte um “ministério ausente” na Igreja hoje.

AS JOVENS (vs. 4-5)

Vale ressaltar que, quando Paulo segue em suas instruções para as irmãs mais novas, não diz a Tito que se dirija diretamente a elas, mas, pelo contrário, isso deveria ser feito por intermédio das irmãs anciãs. W. Kelly disse: “Podemos observar a maneira sábia e santa pela qual este [Tito] é instruído a advertir as moças, não diretamente, mas por meio das anciãs” (The Epistles of Paul to Titus and Filemom, pág. 52). Isso é instrutivo; ensina-nos que os irmãos não têm um ministério para com as irmãs em nível pessoal – especialmente as irmãs mais novas. Tito deveria ter cuidado para não causar uma impressão errada às pessoas do sexo oposto. Muitos equívocos e danos resultaram de irmãos que não deram ouvidos aos sábios conselhos de Paulo aqui.

O apóstolo toca em sete coisas nas quais as irmãs mais velhas deveriam instruir as irmãs mais novas:

A primeira foi que elas deveriam ser carinhosamente “apegadas aos seus maridos” (JND). Elas não deveriam ser independentes de seus maridos na tomada de decisões importantes.

Elas também deveriam ser afetuosamente “apegadas aos seus filhos” por estarem com eles e não os deixar passar sem supervisão.

Quanto ao seu caráter, elas deveriam ser “moderadas [discretas – JND] que significa ter discernimento nas coisas práticas da vida – por exemplo, lidar com dinheiro etc.

Elas também deveriam ser “castas” e, assim, evitar qualquer sugestão de impureza, vestindo roupas provocantes e se comportando de maneira imprópria.

Elas deveriam ser “boas donas de casa [diligentes no trabalho doméstico – JND]. Isso significa que os deveres domésticos não deveriam ser negligenciados. Um lar arrumado e organizado é um bom testemunho; reflete o Deus da ordem a Quem representamos. Essa exortação censura o caráter nacional de preguiça dos cretenses (v. 12).

Elas deveriam ser “boas”. Isso cobriria uma infinidade de atos de bondade.

Por fim, elas deveriam estar “sujeitas a seus maridos, a fim de que a palavra de Deus não seja blasfemada”. Assim, elas deveriam reconhecer a liderança de seus maridos e estar sujeitas a eles (Ef 5:22-23). Elas deveriam “governar a casa” (1 Tm 5:14), mas não governar seus maridos!

OS JOVENS (vs. 6-8)

Paulo passa a dar uma palavra aos rapazes. Ele diz: “Exorta semelhantemente os mancebos a que sejam moderados. Em tudo te dá por exemplo de boas obras; na doutrina mostra incorrupção, gravidade, sinceridade, linguagem sã e irrepreensível, para que o adversário se envergonhe, não tendo nenhum mal que dizer de nós”. Ao incluir Tito em seus comentários aos homens mais jovens, mostra que Tito também era um irmão mais novo – embora provavelmente não seja tão jovem quanto Timóteo. Tito deveria ensinar os rapazes por meio de exemplo, mostrando-se como um “exemplo”.

Os jovens deveriam ser “moderados”, o que tem a ver com o bom senso em todas as coisas – tanto espirituais quanto naturais.

Eles também deveriam mostrar “incorrupção” na doutrina. Ser sólido na doutrina requer diligência, acompanhando vários assuntos da Escritura com um estudo cuidadoso (1 Tm 4:6; 2 Tm 2:15).

Eles também deveriam ser marcados pela “gravidade”. A chocarrice5 não teria lugar na vida deles se esperassem que os santos os levassem a sério.

Por fim, quanto ao seu discurso, eles deveriam falar em linguagem “sã”, para que aqueles que se opusessem à verdade não tivessem motivo para condená-los.

OS SERVOS (vs. 9-15)

Paulo inclui uma palavra para os empregados domésticos. Ele diz a Tito: “Exorta os servos a que se sujeitem a seus senhores, e em tudo agradem, não contradizendo; não defraudando [furtando]; antes, mostrando toda a boa lealdade, para que, em tudo, sejam ornamento da doutrina de Deus, nosso Salvador”. Esses servos eram escravos. Como escravos Cristãos, eles deveriam prestar testemunho de Cristo por meio de seu comportamento, enquanto trabalhavam para seus senhores terrenos. Se eles se comportassem de maneira piedosa, estando sujeitos a seus senhores e agradando-os bem – “não contradizendo” ou “furtando” – esses servos “adornariam a doutrina de Deus nosso Salvador em todas as coisas”. Assim, o lado prático da verdade do Cristianismo seria visto em ação e seria um poderoso testemunho prestado para o Senhor. A conduta piedosa embeleza a doutrina que defendemos.

É interessante e instrutivo o modo como Paulo trata o assunto da escravidão em suas epístolas (Ef 6:5-9; Cl 3:22-25; 1 Tm 6:1-2). É algo que Deus nunca pretendeu para o homem; foi introduzido por homens perversos visando ganho por meios desonestos. No entanto, ao escrever para os escravos Cristãos, Paulo não os incentiva a que se esforcem em se livrar dessa situação. Em vez disso, ele diz a eles como se comportar nessa situação em que se encontram, para que o testemunho da graça de Deus no evangelho seja promovido. Isso ocorre porque o Cristianismo não é uma força para corrigir injustiças sociais no mundo; esse não é o objetivo do evangelho. Quando o Senhor veio em Sua primeira vinda, Ele não tentou reformar o mundo retificando seus erros sociais e políticos. Ele fará tudo isso no dia vindouro, quando intervier no julgamento em Sua Aparição. Então, tudo que estiver errado neste mundo será corrigido (Is 40:3-5). Consequentemente, os Cristãos não foram chamados para consertar o mundo, mas para esperar pelo dia vindouro. Devemos deixar o mundo como está e anunciar o evangelho que chama homens para fora dele para ir ao céu. Portanto, não há instrução nas epístolas para que os Cristãos consertem os erros da escravidão – ou qualquer outra injustiça social no mundo. Isso ocorre porque estamos “no” mundo, mas não somos “do” mundo (Jo 17:14). O Senhor disse que, se Seu reino fosse “deste mundo”, Seus servos lutariam por essas causas (Jo 18:36). Mas, como não somos deste mundo, deixemos “o caco entre outros cacos de barro” (Is 45:9).

Paulo sabia o quanto era importante para os Cristãos manter um bom testemunho diante do mundo. Sua grande preocupação com os escravos Cristãos era que eles se comportassem de maneira correta, para que “o nome de Deus e a doutrina” não fossem “blasfemados” (1 Tm 6:1). Esses escravos crentes não deveriam fugir (como Onésimo fez antes de ser salvo – Fm 15), mas permanecer em sua posição na vida e glorificar a Deus diante de seus senhores, tratando-os com respeito genuíno, e “não servindo só na aparência, como para agradar aos homens”. Se servissem com “simplicidade de coração, temendo a Deus”, seriam um poderoso testemunho da realidade da fé que tinham em Cristo (Cl 3:22). Assim, eles deveriam trabalhar para seus senhores “de todo o coração, como ao Senhor”, pois, na realidade, estavam servindo a “Cristo, o Senhor” (Cl 3:23-24). Isso mostra que, independentemente de onde o crente se posicione quanto a sua situação na sociedade, ele ainda tem uma oportunidade de testemunhar por Cristo. Não podemos todos ser missionários, mas todos podemos compartilhar o evangelho com aqueles com quem interagimos em nossa vida diária e, assim, servir ao Senhor dessa maneira.

Três Grandes Motivadores

para uma Vida Piedosa

Vs. 11-15 – Relacionado à palavra “Porque” do versículo. 11, Paulo traz três grandes motivadores para a vida piedosa:

- O ensino da graça de Deus (vs. 11-12). - A iminência da vinda do Senhor (v. 13). - O grande preço que o Senhor pagou para nos redimir da vida de pecado (v. 14).

Esses motivadores da vida piedosa são enfatizados aqui pelo apóstolo, porque era o que faltava aos santos de Creta. Eles foram verdadeiramente convertidos, mas havia pouco ou nenhum arrependimento em relação aos seus velhos hábitos.

O ENSINO DA GRAÇA (vs. 11-12)

Tendo mencionado “a doutrina de Deus, nosso Salvador” (v. 10), Paulo amplia o que há nesses próximos versículos. Ele diz: “Porque a graça de Deus se há manifestado, trazendo salvação a todos os homens. Ensinando-nos que, renunciando [tendo rejeitado – JND] à impiedade e às concupiscências mundanas, vivamos neste presente século sóbria, e justa, e piamente”. Esta é uma declaração abrangente de o que é o Cristianismo e o que ele faz para aqueles que creem no evangelho. Deus em graça tornou a salvação disponível para todos os homens por meio do envio de Seu Filho ao mundo. Aqueles que O recebem por fé são ensinados a negar a impiedade e as concupiscências mundanas e a viver uma vida santa neste presente século mau.

“A graça de Deus” é o nosso grande professor aqui. A graça é a concessão de favor imerecido a beneficiários que não o merecem. Isso é exatamente o que Deus fez pela raça humana. Pela bondade e amor de Seu coração, Ele encontrou um caminho por meio da morte de Seu Filho para trazer “salvação” ao homem. Aqueles que creem no Senhor Jesus Cristo e O recebem como seu Salvador são assim libertados da justa punição de seus pecados. Desse modo, somos instruídos, por esse ato de favor divino, sobre o que Deus pensa do pecado – ele odeia com ódio divino! É abominável para Sua natureza santa. Ele, portanto, certamente não quer que continuemos praticando o pecado. O crente é levado a se perguntar: “Como posso continuar fazendo essas coisas que Deus odeia e me salvou delas?” Essa lógica simples levará todo crente sóbrio a renunciar à sua vida anterior entregue “à impiedade e às concupiscências mundanas” para que agora “vivamos neste presente século sóbria, e justa, e piamente” O verbo “renunciar” está no tempo aoristo do grego, indicando que essa renúncia à antiga vida do crente deve ser uma coisa feita de uma vez por todas. A tradução de J. N. Darby enfatiza isso ao traduzir o verbo como “tendo renunciado”. Assim, a graça de Deus se manifestou para todos os homens, mas apenas ensina aqueles que recebem a salvação que ela traz.

A IMINÊNCIA DA VINDA DO SENHOR (v. 13)

Paulo menciona a vinda do Senhor. Isso também nos motivará a viver piedosamente. Ele diz: “Aguardando a bem-aventurada esperança e o aparecimento da glória do grande Deus e nosso Senhor Jesus Cristo”. Essa **“**bem-aventurada esperança e o aparecimento da glória” são eventos escatológicos6 que estão para ocorrer. São as duas partes da segunda vinda do Senhor. A bem-aventurada esperança é o Arrebatamento, quando o Senhor vier para levar Seus santos ao céu (Jo 14:2-3; 1 Ts 4:15-18). Isso ocorrerá antes do período de 7 anos da tribulação. O Aparecimento da glória é a revelação pública de Cristo com Seus santos perante o mundo após a grande tribulação (Zc 14:5; 1 Ts 3:13; Jd 14). Nessa ocasião, Ele “com justiça há de julgar o mundo” (At 17:31) e estabelecerá Seu reino milenar (Ap 11:15). Para um Cristão, essas coisas são muito mais que meros eventos proféticos. O Arrebatamento ocorrerá quando Cristo, nosso “Noivo”, vier nos levar daqui para a casa do Pai (Mt 25:6; Jo 14:2-3), momento em que estaremos formalmente unidos a Ele nas “bodas do Cordeiro” (Ap 19:7-10). Isso gera afeições nupciais em nosso coração (Ap 22:17). O apóstolo João nos diz que ter essa esperança de estar com Ele e ser como Ele nos faz querer nos purificar “como também Ele é puro” (1 Jo 3:3). Assim, se a iminência da vinda do Senhor para nós for mantida corretamente em nosso coração, afetará nossa vida praticamente e nos motivará a viver piedosamente – pois nenhum Cristão sóbrio quer ser encontrado fazendo algo duvidoso quando o Senhor vier nos chamar ao lar (Lc 12:35-40).

A Aparição de Cristo também é mencionada, porque, quando entendida adequadamente, também terá um efeito prático em nossa vida. A Aparição de Cristo é o momento em que os resultados de nossa vida serão exibidos diante do mundo na forma de recompensas. É perfeitamente possível perdermos uma recompensa por termos vivido descuidadamente (Ap 3:11) e, portanto, poderíamos ficar, diante d’Ele, “envergonhados na Sua vinda” (1 Jo 2:28 – ARA). Esse fato nos motiva a viver de uma maneira que alcance a aprovação do Senhor naquele dia (2 Co 5:9). Assim, ambos os aspectos de Sua vinda são colocados diante de nós como motivação para viver uma vida piedosa.

Alguns pensam que a bem-aventurada esperança (o Arrebatamento) e a Aparição de Cristo são um e o mesmo evento. Essa é uma doutrina errônea que existe há muitos séculos. Faz parte da Teologia Reformada (do Pacto). Em apoio a isso, muitas versões modernas traduzem esse versículo 13 como sendo um evento. Seu raciocínio para fazer isso é baseado em uma regra na gramática grega. A regra é que, quando existem dois substantivos conectados pela conjunção “e”, se o primeiro substantivo tiver o artigo “o”, mas o segundo não, então o segundo substantivo se refere à mesma coisa que o primeiro e é uma descrição adicional disso. Como esse versículo tem apenas um “o” em conexão com a bem-aventurada esperança e a gloriosa Aparição, alguns tradutores e estudantes da Bíblia concluíram que estão se referindo à mesma coisa.

W. Kelly abordou esse assunto, mostrando que há exceções a essa regra. As seguintes observações são retiradas de The Bible Treasury, vol. 3, pág. 32: “Pergunta: Uma nota incorreta indaga se essa ‘bem-aventurada esperança’ é equivalente ou distinta de ‘o aparecimento da glória do grande Deus e nosso Senhor Jesus Cristo’. Resposta: Eu entendo que a forma da frase em grego (um artigo para os dois substantivos conectados) não os identifica necessariamente, mas apenas os une em uma classe comum. Compare 2 Tessalonicenses 2:1, onde a mesma construção ocorre. No entanto, ninguém sustentaria que ‘vinda de nosso Senhor Jesus Cristo’ é a mesma coisa que ‘nossa reunião com Ele’. Devem ser consideradas, penso, como juntamente associadas na mente do Espírito Santo, embora em si mesmas sejam assuntos distintos. Pode ajudar alguns a entender melhor Tito 2:13, se eles tiverem em mente que o verdadeiro sentido é “o aparecimento da glória” – em contraste com a graça que já apareceu (“se há manifestado” – v. 11). Essa “bem-aventurada esperança” me parece ainda mais próxima e mais pessoal para o coração”. Portanto, há exceções a essa regra na gramática grega que exigem discernimento de nossa parte sobre onde e quando elas se aplicam. Como sabemos de outras passagens que o Arrebatamento e a Aparição de Cristo são eventos distintos, segue-se logicamente que seria assim aqui em Tito 2:13.

F. B. Hole disse: “Pode ser que, pela ‘bem-aventurada esperança’, o apóstolo tenha indicado a vinda do Senhor para Seus santos, da qual ele escreve aos tessalonicenses em sua primeira epístola (cap. 4:15-17), e se assim for, temos ambas, a Sua vinda para e a Sua vinda com os Seus santos, diante de nós como nossa esperança no versículo 13” (Epistles, vol. 2, pág. 189). Assim, “graça” apareceu no primeiro advento de Cristo (v. 11) e “glória” ainda está para aparecer no Seu segundo advento (v. 13).

O GRANDE PREÇO QUE O SENHOR PAGOU PARA NOS REDIMIR (v. 14)

Paulo passa a dar talvez o maior de todos os motivadores para uma vida piedosa – o preço extraordinário que o Senhor pagou para nos redimir. Ele diz: “O qual Se deu a Si mesmo por nós para nos remir de toda a iniquidade [ausência de lei – JND], e purificar para Si um povo Seu especial, zeloso de boas obras”. O que mais o Senhor poderia ter dado para nos salvar do que dar a “Si mesmo?” Esse fato é mencionado pelo menos dez vezes na Escritura (Mt 20:28; Gl 1:4, 2:20; Ef 5:2, 25; 1 Tm 2:6; Tt 2:14; Hb 7:27, 9:14, 26). Que sacrifício! É a mente de Deus que isso produza resposta em nós. Quando reservamos um tempo para considerar o quanto custou ao Senhor nos redimir – a agonia de Seus sofrimentos expiatórios – responderemos com apreciação e gratidão, e isso se evidenciará em devoção de coração a Ele. Isso criará em nós um desejo de agradá-Lo e fazer algo por Ele por causa do que Ele fez por nós. Como o salmista, perguntaremos: “Que darei eu ao Senhor por todos os Seus benefícios para comigo?” (Sl 116:12 – ARA) Sabendo que Deus odeia o pecado, o crente de coração correto será exercitado para abandonar toda “rebeldia” (JND) e começará a aperfeiçoar a santidade em sua vida (2 Co 7:1; 1 Tm 4:7).

Paulo prossegue dizendo que é intenção de Deus que os Cristãos sejam Seu povo “especial, zeloso de boas obras”. Isso mostra que o objetivo do Cristianismo não é criar um vácuo na vida das pessoas; a rebeldia deve ser substituída pela vida piedosa manifestada na realização de boas obras. Isso mostra que aqueles que são os destinatários da graça salvadora de Deus devem ser louvados por sua conduta.

V. 15 – O capítulo termina com uma reafirmação das responsabilidades de Tito. Paulo diz; **“**Fala disto, e exorta e repreende com toda a autoridade”. Há uma ordem moral aqui. Primeiro, Tito deveria “falar” das coisas que convém a um comportamento Cristão, mas se isso não fosse recebido, ele deveria “exortar” os santos a respeito dessas coisas. Isso implica em usar mais força. Se ainda não estava sendo recebido, então Tito deveria “repreender” com “toda a autoridade”, pois ele fora comissionado com autoridade apostólica para insistir nessas coisas.

Quanto à conduta de Tito, Paulo disse: “Ninguém te despreze”. Ele deveria ter o cuidado de andar de maneira correta em todas as coisas, para que ninguém tivesse uma justa causa para desconsiderar seu ministério.

VERDADE E PIEDADE DIANTE DO MUNDO

Capítulo 3

Neste último capítulo, Paulo segue adiante para abordar o testemunho do Cristão perante o mundo. Aprendemos com suas observações aqui que a sã doutrina e a vida piedosa não são coisas válidas apenas para nossa vida em assembleia, mas elas devem ser vistas em nós enquanto caminhamos por este mundo. É a intenção de Deus que nossa vida exiba Seu poder de transformar pecadores em santos. As pessoas deste mundo devem ver o que a bondade e o amor de Deus podem fazer por eles. Infelizmente, essa mudança moral que acompanha a salvação de nossa alma estava faltando nos santos de Creta, e isso prejudicou muito o testemunho público deles diante do mundo (Compare Romanos 2:24). Paulo aborda essa questão no capítulo 3, concentrando-se em duas esferas em particular: a responsabilidade do crente em relação às autoridades e a responsabilidade do crente em suas interações sociais com pessoas deste mundo.

A Responsabilidade do Cristão em Relação às Autoridades

V. 1 – Paulo diz: “Adverte-lhes que estejam sujeitos aos governadores e autoridades, que sejam obedientes, e estejam preparados para toda boa obra” (AIBB). Julgamos por essa exortação e pela descrição de seu caráter no capítulo 1:12, que os santos de Creta não foram cuidadosos com isso e foram desrespeitosos e insubordinados às autoridades romanas que estavam sobre eles. Tito deveria tratar esse problema e corrigi-lo imediatamente. O dever do Cristão em relação ao governo (“os poderes que existem” – Rm 13:1) sob o qual ele vive é: orar, pagar e obedecer. Devemos orar pelos governantes no cargo (1 Tm 2:1-2), pagar nossos impostos (Rm 13:6-7) e obedecer a todas as ordenanças legais (1 Pe 2:13). Isso deve ser feito para que nosso testemunho do evangelho não seja prejudicado por má conduta. Aqueles que olham para nós não devem nos ver como rebeldes às autoridades governamentais, mas pessoas cumpridoras da lei, que têm o que o mundo precisa7.

Ao abordar esse assunto, Paulo não diz a Tito que os santos de Creta se envolvam na política do mundo ou se envolvam em causas de reforma social, porque, como Cristãos, não somos chamados para tornar esse mundo um lugar melhor. O Cristão entende que o mundo é incorrigivelmente corrupto e está piorando a cada dia e, portanto, está sob a sentença do julgamento de Deus, que será executada em breve no segundo advento de Cristo. Portanto, gastar nossa energia na tentativa de melhorar as condições aqui seria semelhante a reorganizar as cadeiras que reclinavam no convés do Titanic enquanto ele afundava! Os Cristãos que se envolvem na tentativa de consertar o mundo apenas ficam contaminados e frustrados, e inevitavelmente falham em seu objetivo. Ló é mencionado na Escritura para nos ensinar que o crente não pode consertar o mundo, envolvendo-se em seus assuntos políticos (Gn 19). Tentar reformar o mundo reflete um equívoco básico do chamado do Cristão e o caráter incorrigível da natureza caída no homem. O dever do Cristão em relação aos poderes estabelecidos é que “estejam preparados para toda boa obra”, que deve ser compatível com os governos sob os quais ele vive.

Obviamente, existem limites para nossa obediência às autoridades governamentais sobre nós. Se eles nos mandarem fazer algo moral e eticamente errado, devemos antes “obedecer a Deus do que aos homens” (At 5:29). Contudo, o objetivo das autoridades geralmente é restringir o mal e incentivar o bem (Rm 13:2-4).

A Responsabilidade do Cristão em Relação às Pessoas do Mundo

Vs. 2-3 – Paulo então fala da conduta do Cristão em relação a amigos, vizinhos e conhecidos incrédulos no mundo. Ele diz: “que a ninguém infamem, nem sejam contenciosos, mas moderados, mostrando toda a mansidão para com todos os homens” (AIBB). Isso mostra que é importante manter um espírito gracioso para com as pessoas perdidas deste mundo, para que eles possam ver o Cristianismo em ação em nós e, por meio de nosso comportamento piedoso, possamos obter oportunidades de lhes pregar o evangelho. Ser contencioso com nossos semelhantes dificilmente é o caminho para conquistá-los para Cristo. Manifestar um espírito correto para com os incrédulos não deve ser difícil quando lembramos que já fomos como eles antes de sermos salvos. Por isso, Paulo acrescenta: “Porque também nós éramos noutro tempo insensatos, desobedientes, extraviados, servindo a várias concupiscências e deleites, vivendo em malícia e inveja, odiosos, odiando-nos uns aos outros”. Todo Cristão deve poder dizer sinceramente: “se não fosse a graça de Deus, aquela pessoa pecadora poderia ser eu!”. Uma percepção dessa graça divina que nos foi mostrada deve nos dar paciência para com todos os homens, e um genuíno amor e piedade por eles.

Um Resumo do que o Cristianismo Faz para Aqueles que Creem no Evangelho

Vs. 4-9 – Paulo dá outro belo resumo do que o Cristianismo faz pela pessoa que crê no evangelho. Ele diz: “Mas quando apareceu a benignidade e caridade de Deus, nosso Salvador, para com os homens, não pelas obras de justiça que houvéssemos feito, mas, segundo a Sua misericórdia, nos salvou pela lavagem da regeneração e da renovação do Espírito Santo, que abundantemente Ele derramou sobre nós por Jesus Cristo nosso Salvador; para que, sendo justificados pela Sua graça, sejamos feitos herdeiros segundo a esperança da vida eterna”. Como mencionado, o mundo deve ver no Cristão o que o evangelho pode fazer por uma pessoa. Em suma, quando crido, o evangelho não apenas livra uma pessoa do julgamento de seus pecados, mas também transforma sua vida de ruim para boa e a torna uma pessoa verdadeiramente feliz por ter sido trazida a um relacionamento vivo com Deus.

Paulo começa este resumo com a intervenção da “bondade e amor de Deus” aparecendo “para com os homens”. Isso se refere à vinda de Cristo para afastar o pecado pelo sacrifício de Si mesmo (Hb 9:26). Sem isso, não poderia haver bênção para ninguém, pois a questão do pecado tinha que ser resolvida primeiro. Paulo não entra nisso aqui, nem fala de fé e obediência do crente ao evangelho que são necessárias para a salvação. A razão é que ele está se concentrando nos benefícios positivos da salvação que Deus dá aos que creem.

Ao enfatizar esse lado das coisas, Paulo deixa claro que a salvação que Deus garantiu ao homem não é conquistada por nenhum mérito do crente. Ele diz: “não pelas obras de justiça que houvéssemos feito, mas, segundo a Sua misericórdia, nos salvou”. Assim, a “misericórdia”, “amor” e “graça” de Deus que agiu para nos salvar não é algo que tivemos de trabalhar para conseguir; “é dom de Deus” (Ef 2:4-5, 8). O crente, portanto, não pode ter o crédito por sua salvação; “não vem das obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2:9; Rm 4:4-5).

Paulo então acrescenta: “pela lavagem da regeneração e da renovação do Espírito Santo”. Isso se refere a um novo estado moral formado pelo Espírito no crente. Isso se manifestará em uma mudança externa em sua vida, e isso será algo que as pessoas verão. W. Scott confirmou isso, afirmando: “A lavagem da regeneração pode ser discernida pelo olho humano, pois é uma mudança externa” (Doctrinal Summaries, pág. 28).

Essa “lavagem” externa da vida de alguém é ilustrada no batismo. O novo convertido deixa seus pertences (cigarros, garrafas de bebidas alcoólicas, revistas mundanas etc.) na beira da água e entra nela. Depois de ser batizado, ele segue seu caminho com os Cristãos que participaram do batismo. Mas alguém o chama e diz: “Ei João, você esqueceu suas coisas”. Ele responde: “Deixe-as lá; elas pertencem ao velho João”. Assim, o efeito prático da lavagem da regeneração é que haverá uma separação moral (e, portanto, uma limpeza) do antigo estilo de vida em que a pessoa outrora vivia. As pessoas do mundo vão observá-lo e dizer: “Ele limpou sua vida; ele está agora no caminho direito e estreito!” A “renovação” do Espírito Santo, “que abundantemente Ele (Deus) derramou sobre nós”, é mencionada aqui porque é o Espírito que energiza a nova vida e nos permite viver uma vida divina de acordo com a vontade de Deus. A renovação do Espírito é uma obra ainda em curso no crente, enquanto o Espírito derramado sobre nós é a recepção permanente do Espírito ao crer no evangelho (Rm 5:5). F. B. Hole disse: “Ele foi ‘derramado’ sobre nós em abundância. Assim concedido, Ele energiza a nova vida que temos agora e trabalha uma renovação diária dentro de nós, que realiza uma salvação contínua e crescente da vida antiga que uma vez vivemos” (Epistles, vol. 2, pág. 190).

Paulo menciona “a lavagem da regeneração” em conexão com ser “salvo”. Isso ocorre porque a mudança moral deve ser parte integrante da salvação de uma pessoa; as duas coisas andam juntas. Deus não pretende que creiamos no evangelho e, assim, sejamos libertados do julgamento eterno de nossos pecados, para então continuarmos praticando os mesmos pecados pelos quais Cristo morreu para deles nos libertar! Toda essa conduta é hipocrisia e levanta uma questão sobre se essa pessoa foi realmente salva. Paulo enfatiza esse lado das coisas para Tito porque ele precisava insistir nisso em seu ministério em Creta, pois faltava muito disso entre os santos de lá.

O único outro lugar na Escritura onde a palavra “regeneração” ocorre é Mateus 19:28. Nessa passagem, refere-se à nova ordem moral externa das coisas que será estabelecida na Terra quando Cristo reinar em Seu reino milenar. Nesse dia vindouro, todos os homens viverão de acordo com os santos padrões de Deus (Sl 101:7-8; Zc 5:1-4). Enquanto esse dia ainda não chega, os Cristãos hoje devem manifestar a lavagem da regeneração em sua vida.

Não obstante, os Cristãos de todas as escolas de ensino teológico entenderam mal a regeneração. Eles acham que, como a palavra “regenerar” significa recomeçar, está se referindo a nascer de novo e, portanto, eles usam os termos de forma intercambiável. No entanto, J. N. Darby disse: “Regeneração não é a mesma palavra que ‘nascer de novo’, nem é usada dessa forma na Escritura” (nota de rodapé da sua tradução em Tito 3:5). F. B. Hole disse: “Devemos notar que a palavra “regeneração” em nosso versículo não é exatamente o equivalente ao novo nascimento” (Epistles, vol. 2, pág. 190). W. Scott disse: “Novo nascimento não é o mesmo que regeneração; o último termo só ocorre duas vezes no Novo Testamento (Tt 3:5; Mt 19:28). O primeiro termo refere-se a um trabalho interior; o último a uma mudança externa” (The Young Christian, vol. 2, pág. 131). W. Scott também disse: “A regeneração é quase universalmente considerada como equivalente ao novo nascimento, mas não é assim na Escritura. A regeneração é uma condição ou estado objetivo, enquanto o novo nascimento é a expressão de um estado interno e subjetivo” (Bible Handbook – Old Testament, pág. 372).

Tanto novo nascimento quanto regeneração se referem a um novo começo na vida de uma pessoa, mas são dois começos diferentes. O novo nascimento, que ocorre primeiro na história de uma pessoa, é um novo começo interior na alma ao receber uma nova vida de Deus. Uma evidência disso será vista em sua busca por Deus. A regeneração é um novo começo externo da vida de um crente, resultante de ele ter sido salvo e ter recebido o Espírito Santo. Novo nascimento e regeneração envolvem um “banho”, que significa lavagem ou limpeza. O banho envolvido no novo nascimento significa uma lavagem interior da alma ao receber uma nova vida limpa de Deus (Jo 13:10 – AIBB; 1 Co 6:11), enquanto o “banho” na regeneração significa um lavagem externa da vida da pessoa em um sentido prático (Tt 3:5 – nota de rodapé da tradução J. N. Darby8).

V. 7 – Paulo passa da obra de Deus em nós para a obra de Deus para nós. Ele diz: “sendo justificados pela Sua graça, sejamos feitos herdeiros segundo a esperança da vida eterna2**”**. Não poderíamos nos tornar herdeiros de Deus meramente pela obra do Espírito em nós; também devemos ser justificados por Sua graça, pela qual somos colocados em nossa plena posição Cristã diante de Deus **“em Cristo”** – que é o que justificação faz (Gl 2:17). Assim, Deus nos salvou e nos justificou, e, assim, fomos feitos **“herdeiros”** da herança – a qual abrange toda coisa criada (Rm 8:17; 1 Co 3:22; Gl 4:7; Ef 1:11, 14). E não é só isso, temos a **“esperança”** (uma certeza adiada) da vida eterna. Temos essa vida agora como uma possessão presente, mas devemos esperar para ser levados para casa no céu para tê-la em nosso estado glorificado, da qual Paulo fala aqui.

V. 8 – Ele conclui com: “Fiel é a palavra, e isto quero que deveras afirmes [insista vigorosamente – JND], para que os que creem em Deus procurem [sejam cuidadosos em diligentemente – JND] aplicar-se às boas obras; estas coisas são boas e proveitosas aos homens”. Assim, Tito deveria insistir no exercício prático da verdade na vida dos santos em um caráter piedoso, e isso seria visto em suas “boas obras”.

A Responsabilidade do Cristão em Relação aos Mestres Falsos e Cismáticos

Vs. 9-11 – Paulo sabia que afirmar a verdade, como havia ordenado que Tito fizesse, certamente encontraria resistência dos mestres judaizantes que estavam lá em Creta (cap. 1:10). Antecipando isso, ele deu a Tito alguns conselhos simples, mas importantes. Ele diz: “Mas não entres em questões loucas, genealogias e contendas, e nos debates acerca da lei; porque são cousas inúteis e vãs”. Os mestres judaizantes amam discutir questões religiosas relacionadas à Lei, mas Tito devia ter o cuidado de não se envolver nessas discussões. Ele deveria evitar tudo o que era de natureza controversa em seu ministério; isso apenas o estragaria.

Paulo supõe que poderia haver alguém que iria ficar tão ocupado com estas questões inúteis que iria se tornar o líder de um partido que se organizaria em torno dessa causa. Essa pessoa manifestaria um espírito divisivo e deveria ser evitada. Paulo alertou os santos romanos sobre isso: “E rogo-vos, irmãos, que noteis os que promovem dissensões e escândalos contra a doutrina que aprendestes; desviai-vos deles. Porque os tais não servem a nosso Senhor Jesus Cristo, mas ao seu ventre: e com suaves palavras e lisonjas enganam os corações dos símplices [ingênuos – JND] (Rm 16:17-18). Nota: não é “noteis os que seguem em divisões”, mas aqueles que “promovem” divisões. Isso significa que devemos distinguir entre os líderes e os liderados quando um espírito de partido surge na assembleia. Se o líder do partido não se julgar, suas agitações levarão a uma divisão externa na assembleia, onde ele e seu partido se afastarão da comunhão dos santos e se reunirão em outros lugares. Ao causar uma separação externa, o homem provará ser um “herege”, que significa “um criador de uma seita”.

Muitos pensam que a heresia é sustentar ou propor má doutrina, provavelmente porque a maioria dos hereges sustentam má doutrina (2 Pe 2:1). Tornou-se convencionalmente aceito como tal na maioria dos círculos religiosos. No entanto, heresia realmente se refere à divisão dos santos. Sendo iludido, um herege acreditará que o que ele está fazendo é certo e bom e para a glória do Senhor – mas é claramente uma obra da carne (Gl 5:20). Uma “dissenção” é uma divisão interna entre os santos – uma partição (“cismas” 1 Co 11:18 – KJV margem). Enquanto uma “heresia” é uma divisão externa de santos que se separam e começam algo novo (“seitas” 1 Co 11:19 – KJV margem). Um cisma, se não é julgado, se tornará uma seita. Paulo diz a Tito: “Ao homem herege, depois de uma e outra admoestação, evita-o; Sabendo que esse tal está pervertido, e peca, estando já em si mesmo condenado” (vs. 10-11). Paulo não diz para a assembleia colocá-lo fora de comunhão, porque ele, por seu próprio ato de levar seu partido a se separar da assembleia, já está fora. Se Tito se deparasse com uma pessoa que liderou uma separação, ele deveria “adverti-lo” uma e outra vez. Depois disso, ele deveria “evitá-lo”, porque ele está “pervertido”.

Conclusões

Vs. 12-15 – Paulo encerra a epístola com algumas breves diretrizes sobre o trabalho. Ele planejava enviar “Ártemas” ou “Tíquico” para aliviar Tito em Creta, para que Tito pudesse estar livre para encontrá-lo em “Nicópolis” (oeste da Grécia). Parece, a partir de 2 Timóteo 4:12, que Tíquico foi enviado a Éfeso, e não a Creta, o que significa que provavelmente foi Ártemas quem foi a Creta (v. 12).

V. 13 – Aparentemente, “Zenas, doutor da lei, e Apolo”, deveriam visitar a ilha. Paulo incentivou Tito a ajudá-los “com diligência” (KJV) em seu ministério. Zenas era um doutor da lei judeu que havia sido convertido. Ele seria de grande ajuda para Tito, refutando o elemento judaizante que estava incomodando os santos ali. Zenas era perfeitamente adequado para lidar com suas disputas sobre os detalhes da Lei. Pode ser a razão pela qual ele e Apolo foram para lá.

V. 14 – Paulo faz uma última exortação sobre a necessidade de boas obras. Ele diz: “E os nossos aprendam também a aplicar-se às boas obras, nas coisas necessárias, para que não sejam infrutuosos”. Paulo insistiu em “boas obras” muitas vezes nesta epístola; sua importância não pode ser minimizada – especialmente na situação que existia em Creta. Os cretenses, outrora preguiçosos, deveriam ser diligentes em mudar sua imagem pública na ilha realizando boas obras; isso ajudaria a reverter o testemunho negativo que eles tinham lá. Paulo acrescenta: “nas coisas necessárias”. Isso mostra que os Cristãos podem ser encontrados realizando algum trabalho ou serviço na vida secular que não é realmente necessário para a vida na Terra. Como regra, nosso emprego secular deve ser em algo que não seja de um caráter duvidoso e questionável.

V. 15 – Sua saudação final mostra a necessidade de um amor genuíno ser expresso entre os santos – especialmente quando eles enfrentam a fria perseguição do mundo, que está por toda parte. Todos nós precisamos desse tipo de encorajamento.

A Epístola de Paulo a

FILEMOM

A Graça e Amor Cristãos em Ação

Bruce Anstey

A EPÍSTOLA DE PAULO A

FILEMOM

INTRODUÇÃO

Esta é uma das quatro epístolas “pastorais” (1 e 2 Timóteo, Tito e Filemom) escritas pelo apóstolo Paulo. Essas epístolas são chamadas de “pastorais” porque são dirigidas a indivíduos, e não a assembleias – cada uma com caráter de pastoreio e aconselhamento. Essa epístola, no entanto, é única entre as epístolas pastorais, na medida em que se refere a um assunto puramente privado entre dois indivíduos. Assim, ela possui um caráter distinto, demonstrando a graça e o amor Cristãos em ação em uma circunstância da vida real. A epístola não contém nenhuma declaração de doutrina; nem tem exortações gerais à vida Cristã; mas nos fornece um exemplo inspirador da graça e amabilidade Cristãs.

Foi escrita na época em que Paulo redigiu a epístola aos Colossenses e ambas foram levadas aos Colossenses por Tíquico e Onésimo (Cl 4:7-9).

A Ocasião da Epístola

Pelo conteúdo da epístola, não é difícil reunir as circunstâncias que levaram Paulo a escrever a carta. Filemom era um chefe de família rico em Colossos, que havia sido grandemente ajudado por Paulo – talvez tendo se convertido por meio dele (v. 19). Ao longo do tempo, o escravo de Filemom (Onésimo) fugiu, aparentemente tendo-o roubado (v. 18). Pela providência de Deus, o escravo fugitivo foi para Roma, onde conheceu Paulo e foi genuinamente convertido (v. 10). A vida de Onésimo foi completamente transformada pelo poder da graça de Deus e ele se tornou útil ao apóstolo em seu confinamento. No entanto, a questão de Filemom ter sido prejudicado ainda era relevante e, portanto, Paulo e Onésimo achavam que seria correto esclarecer a questão com ele antes que qualquer outra consideração pudesse ser cogitada. Como Paulo estava escrevendo sua epístola para a assembleia de Colossos na época, e Filemom morava naquela mesma cidade (na verdade, a assembleia se reunia em sua casa – v. 2), era o momento perfeito para enviar essa carta pastoral e, esperançosamente, ter esta matéria esclarecida de uma maneira divina.

Um Testemunho do Poder de Deus no Evangelho

A epístola serve como testemunho do fato de que Deus pode salvar pessoas de seus pecados e transformar a vida deles. Foi a isso que Paulo se referiu quando disse: “Porque não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação” (Rm 1:16). Não precisamos ir além da história de Onésimo para ver isso. Ele é um exemplo brilhante de uma verdadeira conversão. Antes havia sido um inútil escravo que havia fugido, mas desde que acreditou no evangelho e passou da morte para a vida, houve uma transformação completa em sua vida. Ele havia sido um pecador, mas, atendendo ao chamado de Deus, tornou-se um santo – e sua vida mostrou isso. Nada pode explicar essa radical mudança para o bem que não seja a misericórdia soberana, o amor e a graça de Deus trabalhando nele (Ef 2:4-9). Os santos tessalonicenses também foram um exemplo desse poder. Quando eles creram no evangelho, houve uma mudança tão profunda neles que Paulo disse: “dos ídolos vos convertestes a Deus, para servir o Deus vivo e verdadeiro; e esperar do céu a Seu Filho” (1 Ts 1:9-10).

O Ponto Relevante da Epístola

O Exercício do Perdão Pessoal

Mesmo que os verbos “desculpar” e “perdoar” não sejam encontrados na epístola, eles estão implícitos. O perdão pessoal é claramente o assunto que o apóstolo tem diante de si. É extremamente elementar para a vida Cristã e de grande importância; se não for praticado, a saúde e o bem-estar da assembleia estarão ameaçados. Este é um assunto tão importante para Deus que Ele dedicou uma epístola inteira a ele!

O perdão pessoal ou fraternal é baseado no perdão eterno de Deus. Paulo disse: “Antes sede uns para com os outros benignos, misericordiosos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus vos perdoou em Cristo” (Ef 4:32). Quando pensamos em quanto fomos perdoados e quanto custou a Deus nos perdoar, não devemos ter problemas em perdoar os outros. Onde estaríamos sem o perdão? Não estar disposto a perdoar alguém é impensável. Como mencionado, perdoar um ao outro é um dos elementos mais básicos da vida Cristã. É, de fato, uma das características do novo homem (Cl 3:13). Um Cristão que carece dessa graça evidencia que ele ou ela não amadureceu espiritualmente. Quando Pedro perguntou ao Senhor quantas vezes devemos perdoar nosso irmão, Ele respondeu: “Até setenta vezes sete” (Mt 18:22). Isso significa que nosso perdão deve ser infinito.

O Valor Prático da Epístola

Como hoje a escravidão humana foi proibida em todos os países da Terra, podemos estar inclinados a pensar que essa epístola não tem relevância prática para nós. Podemos até nos perguntar por que ela está incluída no cânon da Escritura. No entanto, os mesmos elementos básicos envolvidos no problema que Paulo estava abordando ainda surgem hoje entre o povo de Deus. O conselho e a sabedoria que Paulo aplicou a essa situação pode ser tomado e aplicado às situações que possamos enfrentar. As circunstâncias serão diferentes, mas os princípios envolvidos são praticamente os mesmos.

Devido ao fato de os santos ainda terem a carne, os problemas podem surgir em nossos relacionamentos pessoais. Pessoas serão maltratadas, e ofensas serão acolhidas e resultarão em rupturas na comunhão dos santos. Como foi o caso aqui, na maioria dos problemas interpessoais haverá um ofensor e haverá uma parte ofendida; e muitas vezes, haverá alguém que atuará como um pacificador para tentar ajudar as duas partes a resolver o problema de uma maneira que honre o Senhor. Nesta situação, Onésimo era o ofensor, e Filemom e sua esposa (Ápia) eram a parte ofendida, e Paulo agia como o pacificador. Aprendemos com esse incidente que o ofensor precisa confessar seu erro (Lc 17:4), e aqueles a quem ele ofendeu precisam genuinamente perdoá-lo em seu coração (Mt 18:35). E o pacificador pode encorajá-los a fazê-lo genuinamente. Assim, somos instruídos nesta curta epístola a respeito de como a graça e o amor Cristãos resolvem problemas sociais que surgem entre os santos para a glória do Senhor e para o bem de todos os envolvidos.

J. N. Darby comentou: “A epístola serve mais para produzir esses sentimentos no leitor mais do que ser o objeto da explanação” (Synopsis of the Books of the Bible, edição Loizeaux, vol. 5, pág. 258). Assim, ao meditar no caminho que Paulo empreendeu para resolver o problema que eles estavam enfrentando, o Espírito de Deus gera em nós o mesmo espírito de amor e graça que encontraria um meio de se manifestar em nossos irmãos. Portanto, esta epístola é muito aplicável a nós hoje.

A primeira lição prática que aprendemos dessa situação é que as questões de ofensa pessoal entre irmãos devem ser resolvidas o mais rápido possível. Se as rupturas na comunhão dos santos forem deixadas sem solução, elas podem degradar e crescer, e outros podem ser contaminados, por se envolver na situação (Hb 12:15). O inimigo de nossa alma (Satanás) pode, e irá, usá-las para destruir uma assembleia.

Três Consequências Negativas que Resultam da Falta de Perdão

Nutrir um espírito implacável pode resultar em algumas consequências terríveis em nossa vida que nenhuma pessoa sóbria deseja:

Em primeiro lugar, magoamos a nós mesmos. Ao remoer sobre o erro e nos recusar a perdoar alguém, ficamos presos no passado. Tal ocupação apenas mantém viva a dor e nos torna miseráveis. Meditando sobre isso, mantemos a ferida aberta e não permitimos que ela se cure. Isso alimenta raiva, ressentimento e amargura em relação à pessoa que nos ofendeu. O Senhor alertou sobre isso em uma parábola em Mateus 18:23-35. Ele falou de um homem que foi muito perdoado por seu credor, mas quando foi libertado de sua dívida, ele não perdoou seu companheiro que lhe devia uma quantia insignificante. Quando seu senhor soube disso, ele ficou “indignado” e “o entregou aos atormentadores, até que ele pagasse tudo o que devia”. Isso não significa que alguém com um espírito implacável perde sua salvação e é enviado para uma eternidade perdida, mas que ele é entregue ao seu espírito amargo que o atormenta continuamente. Sempre que vê ou pensa na pessoa que o ofendeu, seu estômago se revira e sua amargura e ressentimento o atormentam. Isso continuará até que ele finalmente abra a mão e perdoe seu irmão de coração. Assim, mantendo um espírito implacável para com alguém, nos machucamos (Pv 8:36). George Washington Carver sabia disso e disse: “Nunca deixarei outro homem arruinar minha vida por me permitir odiá-lo”.

Em segundo lugar, abrimos a porta para Satanás trabalhar em nossa vida. Somos avisados para não dar oportunidade a Satanás (Ef 4:27), pois ele certamente atacará qualquer crente que puder e o desviará (1 Pe 5:8) – mas é exatamente isso que um espírito implacável faz. Paulo disse aos coríntios: “E a quem perdoardes alguma coisa também eu; porque, o que eu também perdoei, se é que tenho perdoado, por amor de vós o fiz na presença de Cristo; para que não sejamos vencidos por Satanás; porque não ignoramos os seus ardis” (2 Co 2:10-11). Ele sabia que os santos de Corinto precisavam perdoar o ofensor juntos, corporativamente (1 Co 5), porque se alguns deles o perdoassem e outros não, Satanás aproveitaria a situação e causaria estragos na assembleia, criando desunião. Paulo disse que seguiria o exemplo deles e perdoaria o homem quando eles o perdoassem. Embora esse seja um assunto corporativo, é o mesmo em nossa vida pessoal – não perdoar com sinceridade e verdade dará a Satanás uma oportunidade de destruir nossa vida Cristã.

Em terceiro lugar, trazemos o julgamento governamental de Deus sobre nós mesmos. O Senhor disse: “E, quando estiverdes orando, perdoai, se tendes alguma coisa contra alguém, para que vosso Pai, que está nos céus, vos perdoe as vossas ofensas. Mas, se vós não perdoardes, também vosso Pai, que está nos céus, vos não perdoará as vossas ofensas” **(**Mc 11:25-26). Deus não quer um espírito implacável em Seus filhos e Se comprometerá a eliminá-lo por meio da sabedoria de Seus caminhos disciplinares. Podemos ter certeza de que tudo o que Ele faz em nossa vida a esse respeito é sempre feito em amor e para o nosso bem (Hb 12:5-11). Ele pode nos permitir chegar a uma posição em que precisemos de Seu perdão governamental, porque erramos de alguma maneira (Tg 3:2), e Ele, por um tempo, não nos concederá Seu perdão. Assim, somos levados a sentir o mesmo espírito que temos contra os outros e seremos ensinados, por Sua disciplina, que estamos errados em como agimos com os outros. Não nos julgarmos a esse respeito é uma coisa séria; isso pode prejudicar nossa comunhão com Deus. Podemos começar a questionar a sabedoria de Seus caminhos conosco, e isso pode resultar em um colapso em nossa fé e confiança em Deus (Lc 22:32).

A Escravidão Humana e o Cristianismo

O cenário e o contexto em que a epístola foi escrita é o da escravidão humana. Essa injustiça social sempre foi contrária aos pensamentos de Deus, mas Paulo não trata disso aqui porque o Cristianismo não é uma força para melhorar o mundo. O Cristianismo não reforma o mundo; ele chama as pessoas (crentes) para fora do mundo, por meio do evangelho e anuncia o julgamento de Deus que virá em breve. O Cristianismo, como encontrado nas epístolas do Novo Testamento, não tenta corrigir os males sociais do mundo. Estamos **“**no mundo” (Jo 17:11), mas não somos **“**do mundo” (Jo 17:14, 16). Como “peregrinos e forasteiros”, estamos apenas de passagem por essa cena em nosso caminho para o céu, onde está nossa cidadania (1 Pe 2:11; Fp 3:20). Como tal, deixamos os homens do mundo lutarem entre si em suas causas, e não temos nada a dizer sobre isso (Is 45:9). Se fôssemos do mundo, nos envolveríamos em seus assuntos (Jo 18:36).

Alguns podem perguntar: “Se a escravidão está errada, por que Paulo não clamou contra ela? Por que ele retornaria um escravo ao seu mestre que havia escapado daquela escravidão terrível?” Como afirmado, a resposta é que os Cristãos não são chamados a consertar o mundo. Nosso trabalho é apresentar Cristo ao mundo em nossos caminhos e modos, e pregar Cristo a toda criatura humana que pudermos para que elas sejam salvas (Cl 1:23). Se o Cristianismo fosse uma causa para mudar o mundo, esse certamente seria o lugar para Paulo falar disso. Mas ele não tem nada a dizer a Filemom sobre a escravidão. Ele não dá nenhuma orientação para libertar Onésimo de sua posição na vida. De fato, o ensinamento de Paulo sobre esse assunto é: “Cada um fique na vocação em que foi chamado. Foste chamado sendo servo? Não te dê cuidado; e, se ainda podes ser livre, aproveita a ocasião” (1 Co 7:20-21). Isso não significa que ele aprovou a escravidão, mas que essas coisas não são o foco do evangelho que ele foi enviado para pregar.

A Saudação

Vs. 1-3 – Paulo começa chamando a si mesmo de “prisioneiro de Cristo Jesus” (ARA). Ele não se vê como prisioneiro de Nero, o imperador romano, mas como prisioneiro do Senhor (Ef 3:1, 4:1). Ao declarar isso, ele estava se submetendo ao que o Senhor havia permitido que lhe acontecesse ao ser levado em cativeiro. Ele reconheceu o que o Senhor lhe havia feito por Sua providência divina e estava feliz por ser Seu prisioneiro, já que era essa a vontade de Deus. A Igreja foi a beneficiária disso, pois foi durante seu cativeiro que ele foi inspirado a escrever as chamadas “epístolas da prisão” (Efésios, Filipenses, Colossenses), nas quais é divulgada a verdade do Mistério de Cristo e a Igreja.

Ele inclui “Timóteo” na saudação porque, embora endereçada a um indivíduo, a carta também tem a assembleia em vista e, quando é assim, tudo deve ser feito pela boca de duas ou três testemunhas (2 Co 13:1). Não é dito que Timóteo era prisioneiro como Paulo e Epafras eram (v. 23), mas ele estava lá com Paulo ministrando a ele, e assim seu nome é incluído.

A carta é endereçada a “Filemom”, que era “cooperador” no evangelho, e sua esposa “Ápia”. “Arquipo” também é mencionado e parece ter sido parte da família de Filemom; portanto, alguns expositores sugerem que ele poderia ser filho deles. Mas não temos como ter certeza disso; A Escritura não diz que ele era. Tudo o que sabemos dele é que ele tinha um dom para ministrar a Palavra, ao que Paulo o encorajou a buscar com diligência (Cl 4:17).

V. 3 – “Graça a vós e paz da parte de Deus nosso Pai, e da do Senhor Jesus Cristo”. Como regra, ao escrever para as assembleias, o apóstolo os cumprimenta com “graça” e “paz”, mas quando escreve para indivíduos, ele acrescenta uma terceira coisa: “misericórdia”. Isso ocorre porque quando uma pessoa não se beneficia do suprimento de graça e paz que Deus concede a Seus filhos, e falha no caminho da fé, há misericórdia para ela, e assim pode ser restaurada. No entanto, quando se trata de responsabilidade corporativa, onde o testemunho público da assembleia está em vista, se ela falhar, que foi o que a Igreja fez, não há misericórdia. Assim, não há menção na Escritura do testemunho público da Igreja sendo restaurado depois que falhou; ela será posta de lado no julgamento quando os verdadeiros crentes forem chamados para o céu na vinda do Senhor (Rm 11:17-24; Ap 3:16). Como a misericórdia não está incluída aqui no versículo 3, como geralmente ocorre quando se dirige a indivíduos, entendemos que a assembleia também está em vista nesta carta, pois deveria ter interesse em como os problemas interpessoais em seu meio são resolvidos. J. N. Darby disse: “O apóstolo, ao enviar Onésimo de volta, se dirige a toda a assembleia. É por essa razão que temos aqui “graça” e “paz”, sem a adição de “misericórdia”, como quando apenas os indivíduos são dirigidos pelos apóstolos” (Synopsis of the Books of the Bible, edição Loizeaux, vol. 5, pág. 260).

Filemom precisaria desse suprimento de “graça” e “paz” para receber Onésimo adequadamente e falar com ele com um espírito correto, para que tudo fosse tratado com honra. Paulo menciona essas coisas antes mesmo de explicar a Filemom o propósito de ter escrito a carta.

Ação de Graças e Oração de Paulo

Vs. 4-7 – Paulo agradeceu a Deus por Filemom e orou por ele regularmente (v. 4). Ele queria que ele soubesse que apreciava muito o “amor e a fé” que tinha “para com o Senhor Jesus, e para com todos os santos” (v. 5 – TB). Isso levou Filemom a ter “participação na fé” (v. 6 – JND). Ou seja, sendo um homem de recursos, ele ajudou na difusão da verdade apoiando monetariamente os servos do Senhor. Dessa maneira, ele foi um dos “participantes” na obra do Senhor (Fp 1:7). Com o amor e fé sendo “eficazes” na vida de Filemom, como Paulo observa, ele foi levado à realização de “todo o bem” nessas questões práticas (v. 6). Com isso em mente, Paulo acrescenta: “Tive grande gozo e consolação da tua caridade, porque por ti, ó irmão, as entranhas dos santos foram recreadas” (v. 7). Isso mostra que o amor e a fé de Filemom não foram direcionados apenas aos que estão na obra do Senhor, mas ele também não deixou de ajudar os santos que tinham necessidades. Aprendemos com isso que ele era um homem muito prático, e sua benevolência havia encontrado um meio para dar vazão a uma boa causa entre o povo do Senhor.

Vemos grande sabedoria no preâmbulo introdutório de Paulo aqui. Ele observa e elogia a bondade de Filemom antes de prosseguir com seu pedido, que segue nos versículos 8-21. Seu raciocínio diplomático é que, como Filemom costumava mostrar bondade com os santos, ele certamente ficaria feliz em mostrar mais uma ação de amor Cristão – da qual Paulo estava prestes a fazer um pedido.

Seu Pedido

Vs. 8-9 – Somente após uma introdução cuidadosa, terna e extensa é que Paulo prossegue com o propósito de sua carta. Mesmo assim, ele adia seu pedido para lembrar a Filemom de que ele não estava afirmando sua autoridade apostólica e impondo algo a ele nesta questão. Ele preferiu suplicar a Filemom em prol do amor, como sendo o servo idoso e prisioneiro do Senhor. Ele poderia muito bem, como apóstolo, ter dado uma ordem a Filemom, mas preferia ver aquilo que estava prestes a solicitar ser realizado pela graça e amor Cristãos. Assim, ele diz: “Pois bem, ainda que eu sinta plena liberdade em Cristo para te ordenar o que convém, prefiro, todavia, solicitar em nome do amor, sendo o que sou, Paulo, o velho e, agora, até prisioneiro de Cristo Jesus” (ARA). Ele contava com o amor fraterno trabalhando no coração de Filemom para responder a seu pedido, pois o amor é “um caminho ainda mais excelente” de lidar com questões e problemas entre os santos (1 Co 12:31). Ser um servo “velho” foi intencional para inspirar o respeito de Filemom, e ser um “prisioneiro” do Senhor inspiraria sua empatia.

Vs. 10-12 – Finalmente, Paulo chega ao seu ponto e faz seu pedido para o qual a carta foi redigida. Ele roga a Filemom em nome de Onésimo, que havia sido notavelmente salvo por meio de Paulo. Ele diz: “Peço-te por meu filho Onésimo, que gerei nas minhas prisões: o qual, noutro tempo, te foi inútil, mas, agora, a ti e a mim, muito útil; eu to tornei a enviar. E tu torna a recebê-lo como às minhas entranhas”. Ao chamar Onésimo de “meu filho”, Paulo indicou carinhosamente que Onésimo agora era um de seus convertidos – ele fora salvo por Paulo! Ele fala de Timóteo e Tito da mesma maneira (1 Tm 1:2; 2 Tm 2:1; Tt 1:4). Pedro fala de Marcos da mesma forma (1 Pe 5:13).

Acompanhando a fé de Onésimo em Cristo, houve uma transformação completa de seu caráter. Ele havia sido “inútil”, mas agora era “útil” no serviço do Senhor. Essa transformação foi uma prova clara de que ele realmente havia sido salvo. Com o argumento de que houve uma verdadeira conversão nesse homem, Paulo faz um pedido triplo a Filemom para “recebê-lo” (vs. 12, 15, 17). Ele gentilmente pressiona Filemom que, uma vez que o Senhor perdoou Onésimo e o recebeu, ele deveria fazer o mesmo. Paulo não pede sua liberdade, mas seu perdão. Acrescentando as palavras: “como às minhas entranhas”, ele expressou sua profunda afeição por esse novo converso.

Vs. 13-14 – Paulo continua explicando por que estava enviando Onésimo de volta a Filemom: “Eu bem o quisera conservar comigo, para que por ti me servisse nas prisões do evangelho; mas nada quis fazer sem o teu parecer, para que o teu benefício não fosse como por força, mas voluntário”. Onésimo se tornara útil para Paulo em seus trabalhos no evangelho, mas Paulo sabia que Onésimo pertencia a Filemom, e mantê-lo lá em Roma teria passado por cima dos direitos de Filemom. Ele, portanto, achava que essa questão de transgressão pessoal deveria ser resolvida antes que qualquer outra coisa fosse considerada. Onésimo deve ter concordado com isso porque estava disposto a voltar para Colossos e enfrentar seu mestre. Era uma distância considerável a percorrer – estava em outro continente! Sua vontade de voltar e consertar as coisas com Filemom era outro sinal de que ele era verdadeiramente um homem arrependido. Assim, Paulo não faria nada sem o consentimento de Filemom nesse assunto. A amabilidade e sabedoria que ele usa ao se dirigir a Filemom são instrutivas; fornecem-nos um padrão de graça Cristã ao lidar com assuntos interpessoais entre os santos.

Paulo não chegou ao ponto de pedir que Onésimo fosse colocado em liberdade para que pudesse retornar ao seu lado no serviço; ele deixou essa escolha inteiramente para Filemom. Ele não o pressionou de maneira alguma. Se Filemom pretendia enviar Onésimo de volta a Paulo, ele queria que esse “benefício” viesse de Filemom, e não fosse algo feito “por força”, porque havia sido ordenado pelo apóstolo.

Vs. 15-16 – Paulo acrescenta: “Porque bem pode ser que ele se tenha separado de ti por algum tempo, para que o retivesses [o recebas – ARA] para sempre, não já como servo [escravo]; antes, mais do que servo [escravo], como irmão amado, particularmente de mim e quanto mais de ti, assim na carne como no Senhor?” Ao sugerir que Onésimo talvez tenha partido “por algum tempo”, ele sugeriu que tudo havia sido ordenado nos caminhos providenciais de Deus e, portanto, tudo isso fazia parte do plano de Deus (Pv 16:33; Jr 10:23). O princípio por trás de tudo aqui é que, mesmo nas falhas e fracassos dos homens, Deus pode tirar o bem do mal. Ele pode usar essas falhas e fracassos para realizar Seu propósito na bênção dos homens (Sl 76:10).

Ele, portanto, pede a recepção de Onésimo com base no perdão fraterno, já que agora era “um irmão amado”. A breve perda de seu escravo estava sendo recompensada pelo ganho permanente de um irmão! Filemom se beneficiaria dessa obra da graça em Onésimo de duas maneiras: primeiro, “na carne” por ter seu servo de volta e, segundo, “no Senhor” por ter um irmão no Senhor.

O Compromisso Assumido por Paulo

Vs. 17-19 – Paulo então faz um terceiro pedido a Filemom para receber Onésimo. “Assim pois, se me tens por companheiro, recebe-o como a mim mesmo. E, se te fez algum dano, ou te deve alguma coisa, põe isso à minha conta. Eu, Paulo, de minha própria mão o escrevi; eu o pagarei, para te não dizer que ainda mesmo a ti próprio a mim te deves”. Ser considerado amigo ou camarada é uma coisa boa, mas ser considerado como um “companheiro [parceiro – KJV], como Paulo acreditava que ele era para Filemom, é uma coisa ainda maior. É assim que ele pede a recepção de Onésimo. Ele não pede apenas que seja recebido meramente, mas que seja recebido como Filemom receberia o próprio apóstolo! Este foi realmente um pedido ousado. O que Filemom deve ter pensado?

Se houvesse alguma suspeita latente no coração de Filemom, Paulo se apressou em apagá-la, prometendo assumir todas as obrigações pendentes que pudessem ter ocorrido. Ele diz: “se te fez algum dano, ou te deve alguma coisa, põe isso à minha conta”. Ele não chama a ofensa de furto, mas se houvesse algo pendente da parte de Onésimo, Paulo se comprometeu de próprio punho, dizendo: “eu o pagarei”. Que espírito de graça Cristão! E que exemplo para os pacificadores! Podemos querer ajudar a curar uma ruptura pessoal que se desenvolveu entre os santos, e esse é um bom desejo, mas estamos dispostos a cobrir os custos que possam ter ocorrido?

Assim, vemos uma progressão na tríplice solicitação de Paulo de “receber” Onésimo. No versículo 12, ele pediu a Filemom para recebê-lo como um escravo arrependido que havia sido salvo. Então, no versículo 15, ele pede que ele seja recebido como um irmão amado. Mas agora no versículo 17, ele visa ainda mais alto e pede que seja recebido como o próprio apóstolo!

Como motivação adicional, Paulo acrescenta: “para te não dizer que ainda mesmo a ti próprio a mim te deves”. Ou seja, o que fosse que Paulo tivesse pedido a ele, na verdade, Filemom era devedor a Paulo – ele devia a si mesmo a Paulo. A maioria dos expositores diz que isso é uma referência ao fato de que Filemom havia sido salvo por meio de Paulo e, portanto, ele havia recebido algo que o dinheiro nunca poderia pagar.

Sua confiança em Filemom

Vs. 20-23 – Paulo encerra seu pedido afirmando sua absoluta confiança de que ouviria uma resposta favorável de Filemom. Ele diz: “Sim, irmão, eu me regozijarei de ti no Senhor: recreia as minhas entranhas no Senhor. Escrevi-te confiado na tua obediência, sabendo que ainda farás mais do que digo”. Ele usa a palavra “obediência” aqui, mas não como obediência a um comando apostólico, mas ao chamado de Filemom ao dever Cristão. Examinando a carta, podemos ver como tudo isso seria irresistível para Filemom – um homem caracterizado por amor e fé (v. 5). Se ele estivesse propenso a se endurecer, ela teria derretido seu coração. O efeito do apelo gracioso e amável de Paulo deve ter sido irresistível.

Paulo encerra seu humilde pedido com uma pequena solicitação adicional para que Filemom preparasse (“prepara-me”) um alojamento para ele, pois esperava ser libertado e pretendia ir a Colossos, onde aparentemente nunca tinha visitado antes (Cl 2:1). Ele diz a Filemom que ele estava contando com suas “orações” para que assim fosse feito (v. 22).

Saudações Finais

Vs. 23-24 – A carta termina com breves saudações enviadas por alguns dos “cooperadores” de Paulo – um dos quais também foi cativo com Paulo (Epafras).

V. 25 – Sua última palavra a Filemom foi: “A graça de nosso Senhor Jesus Cristo seja com o vosso espírito. Amém”. Essa foi uma observação importante de despedida, pois Filemom precisava ter um espírito correto ao lidar com toda a questão da qual Paulo lhe pedia.

Os Elementos do Evangelho da Graça de Deus São Ilustrados na História de Onésimo

F. B. Hole disse: “Não devemos deixar essa epístola sem perceber a maneira impressionante de como toda a história ilustra o que a mediação significa e envolve, ilustrando realmente a afirmação: ‘Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem’ (1 Tm 2:5). Deus é o único ofendido pelo pecado; homem, o ofensor; o Homem Cristo Jesus, o Mediador.

Podemos nos ver retratados em Onésimo e sua triste história. Éramos também ‘inúteis’. Injuriamos a Deus e, consequentemente, éramos Seus devedores, tendo em vista que não podíamos pagar. Também ‘nos afastamos’ d’Ele, pois o temíamos e desejávamos estar o mais longe possível de Sua presença. Nossa alienação foi fruto do nosso pecado.

A mediação de Paulo entre Filemom e Onésimo ilustra, embora apenas levemente, o que Cristo fez. Não podemos quase ouvir o bem-aventurado Salvador falando assim quando, na cruz, Ele levou a culpa de nossas iniquidades e tomou o julgamento que merecíamos? Não devemos bendizê-Lo para sempre em relação a tudo o que nos era devido por causa de nossos pecados, quando Ele disse a Deus: ‘Ponha isso na Minha conta’?

No entanto, existe essa diferença: embora Paulo tenha que escrever: ‘Eu retribuirei’, mas nosso Salvador ressuscitado não usa o tempo futuro. Sua palavra para nós no evangelho, como fruto de Sua morte e ressurreição, é: ‘Eu a paguei’. Ele foi entregue por nossas ofensas e ressuscitado para nossa justificação. Por isso, é que, justificados pela fé, temos paz com Deus. Nesse ponto, portanto, a ilustração fica muito aquém da realidade ilustrada.

Nossa ilustração também falha nisso, que Deus não precisa de persuasão ao pleno exercício da graça, como era necessário no caso de Filemom. Ele é a própria Fonte da graça. Ele, no entanto, precisa de uma base justa para demonstrar Sua graça, assim como Paulo forneceu a Filemom uma razão justa de graça ao assumir todas as responsabilidades de Onésimo. A mediação envolve a aceitação de tais responsabilidades, para que seja exercida plena e efetivamente, pois somente então a graça pode reinar por meio da justiça” (Epistles, vol. 2, págs. 194-195).

Conclusões

A carta cumpriu seu propósito? Filemom respondeu favoravelmente ao pedido de Paulo e perdoou o escravo que voltou? A Escritura não dá a resposta. No entanto, é difícil imaginar que um pedido feito com um amor tão delicado e terno e uma graça diplomática teria sido recusado por Filemom. O amor nunca falha (1 Co 13:8). A eternidade nos dirá o resto da história.

APÊNDICE

Todas as versões da Bíblia em português não fazem qualquer distinção entre o caráter presente e o futuro da vida eterna como o fazem as versões de J. N. Darby e William Kelly.

Na tradução de J. N. Darby os versículos que se referem ao caráter presente (que traduzem como eterna vida) são: Mt 19:16, 29, 25:46; Mc 10:30; Lc 10:25, 18:30; Jo 3:15, 16, 36, 4:36, 5:24, 39, 6:27, 40, 47, 54, 68, 10:28; 12:25, 50, 17:2; Rm 2:7; 1 Tm 1:16; 1 Jo 2:20.

A tradução de William Kelly ainda acrescenta à lista acima quatro versículos (1 Jo 3:15, 5:11, 13, 20) que se referem ao caráter presente da vida eterna.

Os versículos seguintes se referem ao caráter futuro (que traduzem como vida eterna): Mc 10:17; Lc 18:18; Jo 4:14, 17:3; At 13:46, 48; Rm 5:21, 6:22, 23, Gl 6:8; 1 Tm 6:12; Tt 1:2, 3:7; 1 Jo 1:2; Jd 21.

Notas

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N. do T.: A palavra grega “eusebeia” traduzida como “piedade” aparece no Novo Testamento principalmente nos últimos livros escritos (At 3:12 – AIBB; 1 Tm 2:2, 3:16, 4:7, 8, 6:3, 5, 6, 11; 2 Tm 3:5; Tt 1:1; 2 Pe 1:3, 6, 7; 2 Pe 3:11), e, segundo o Concise Bible Dictionary, significa ‘exercer piedade, reverência’; um senso reverencial de ter que dar conta a Deus, que deve ser mostrado pela criatura ao Criador, e que deve caracterizar especialmente os santos para com Deus, seu Pai e ao Senhor Jesus. Ao contrário, “asebeia”, traduzida como “impiedade”, ocorre em Rm 1:17, 18, 11:26; 2 Tm 2:16; Tt 2:12.

[←2]

(*) Caráter futuro da vida eterna.

[←3]

N. do T.: As traduções de J. N. Darby e W. Kelly diferenciam os dois significados da expressão traduzida para o português como “vida eterna”, utilizando as expressões “life eternal” e “eternal life”. Como traduzir isso para o português não destacaria a diferença existente, usaremos a expressão “vida eterna” para indicar o aspecto presente da possessão da vida eterna (que Darby e Kelly traduzem como “life eternal”) e “vida eterna2” para indicar o aspecto futuro dessa possessão (que Darby e Kelly traduzem como “eternal life”). O Concise Bible Dictionary diz: “Aquele que tem o Filho de Deus, portanto, tem vida agora (a possessão presente) e sabe disso pelo Espírito Santo, o Espírito da vida. O apóstolo João fala da vida como um estado subjetivo nos crentes, embora inseparável do conhecimento de Deus plenamente revelado como o Pai no Filho, e de fato caracterizado por isso. O Senhor disse a Seu Pai: “a vida eterna é esta: que Te conheçam, a Ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a Quem enviaste” (Jo 17:3). O apóstolo Paulo apresenta a vida eterna mais como uma esperança diante do Cristão (a possessão futura), que, no entanto, tem um efeito moral presente (Tt 1:2, 3:7). Disso obtemos que a vida eterna para o Cristão se dirige à sua plenitude para a glória de Deus, quando o corpo atual como parte da velha criação será transformado, e haverá total conformidade a Cristo, de acordo com o propósito de Deus. Nesse meio tempo, a mente de Deus é que o Cristão, habitado pelo Espírito Santo, saiba (tenha o conhecimento consciente) que ele tem a eterna vida (1 Jo 5:13). Veja no Apêndice, na última página deste livro, como Darby e Kelly identificam o caráter presente e futuro da vida eterna em suas traduções.

[←4]

N. do T.: Facilidade para perdoar a si mesmo de suas falhas. Está relacionada com a clemência, tolerância e perdão próprios, pois todas essas qualidades derivam do ato de desculpar a si mesmo.

[←5]

N. do T.: “Chocarrices” (Ef 5:4) é a tradução da palavra grega “morologia” que significa divertir alguém com gracejos, expondo outros a desprezo – “o bobo da corte”. Efésios 5:4 também menciona “parvoíces” (“eutrapelia”) que significa brincadeiras vulgares e obscenas.

[←6]

N. do T.: A escatologia é o estudo do destino final do homem e do mundo. A palavra é formada a partir de dois termos gregos éskhatos, que significa “extremo” ou “último” e logos, que significa “palavra” ou “estudo”.

[←7]

N. do T.: Isto é, o mesmo espírito que havia em Cristo de Se submeter às autoridades que estavam sobre Ele, dando a César o que era de César e a Deus o que era de Deus.

[←8]

N. do T.: “‘Lavagem’ está correto aqui. É um banho ou a água para ele. ‘Regeneração’ não é a mesma palavra para ‘nascido de novo’ e nem é usada assim na Escritura. A força da palavra é de uma mudança de posição; um novo estado de coisas. A palavra é apenas usada aqui e em Mateus19:28 em relação ao reino vindouro do Salvador”.

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