As Epístolas de JOÃO e JUDAS
As Epístolas de JOÃO e JUDAS
As Características da Vida Eterna nos Filhos de Deus em Tempos de Apostasia
Bruce Anstey
AS EPÍSTOLAS DE JOÃO E JUDAS – As características da Vida Eterna nos Filhos de Deus em Tempos de Apostasia
Bruce Anstey
Originalmente publicado por:
9-B Appledale Road
Hamer Bay (Mactier) ON P0C 1H0
CANADÁ
christiantruthpublishing@gmail.com
Título do original em inglês: THE EPISTLES OF JOHN & JUDE – The Characteristics of Life Eternal in the Children of God in Times of Apostasy
Primeira edição – maio 2019
Traduzido, publicado e distribuído no Brasil com autorização do autor por:
ASSOCIAÇÃO VERDADES VIVAS, uma associação sem fins lucrativos, cujo objetivo é divulgar o evangelho e a sã doutrina de nosso Senhor Jesus Cristo.
atendimento@verdadesvivas.com.br
Primeira edição em português – novembro 2019
e-Book v.1.0
Abreviaturas utilizadas:
ARC – João Ferreira de Almeida – Revista e Corrigida – SBB 1969
ARA – João Ferreira de Almeida – Revista e Atualizada – SBB 1993
TB – Tradução Brasileira – 1917
ACF – João Ferreira de Almeida – Corrigida Fiel – SBTB 1994
AIBB – João Ferreira de Almeida – Imprensa Bíblica Brasileira – 1967
JND – Tradução inglesa de John Nelson Darby
KJV – Tradução inglesa King James
Todas as citações das Escrituras são da versão ARC, a não ser que outra esteja indicada.
A PRIMEIRA EPÍSTOLA DE
JOÃO
INTRODUÇÃO
Cinco livros da Bíblia foram escritos pelo apóstolo João – seu evangelho, três epístolas e o Apocalipse. Estes foram os últimos livros a serem escritos, por volta de 90 d.C. Isso significa que João escreveu numa época em que a nação judaica havia sido destruída pelos romanos. Em 70 d.C., a cidade de Jerusalém e o templo foram destruídos e a maioria das pessoas mortas – e quase 100.000 foram deportadas como cativas. Sem o lugar e o povo, o judaísmo deixou de existir na terra de Israel. De fato, João é o único escritor do Novo Testamento a escrever desta perspectiva. O irmão de João, Tiago, foi o primeiro apóstolo a morrer (em martírio – At 12:2) e João foi o último apóstolo a morrer.
Propósito de João ao Escrever a Epístola
No corpo da epístola, João declara três razões para escrever aos santos naquele dia:
- Em primeiro lugar, que o gozo deles seria completo por meio da comunhão com o Pai e o Filho (cap. 1:3-4). - Em segundo lugar, que eles não falhariam no caminho mediante o pecado (cap. 2:1). - Em terceiro lugar, que eles teriam o conhecimento consciente e certeza da posse da vida eterna (cap. 5:13).
Os Gnósticos
Além de querer que os santos fossem felizes, devotos e saudáveis (espiritualmente), o Espírito de Deus tinha outro motivo para levar João a escrever a epístola. Naquele dia, muitos mestres anticristãos haviam se levantado, que professavam ser filhos de Deus, mas negavam a verdade do Pai e do Filho (2:18-26, 4:1-6). Para ajudar os santos a conhecer aqueles que eram verdadeiros crentes e os que não eram, João foi levado a apresentar os traços característicos da vida eterna, pelos quais todas as falsas pretensões à posse daquela vida poderiam ser detectadas. Isso forneceria aos santos um padrão pronto pelo qual eles poderiam testar toda a profissão.
Este movimento divergente de ensinamentos anticristãos surgiu entre as assembleias no final do primeiro século e atormentou a Igreja por aproximadamente 200 anos com suas doutrinas errôneas. Foi o começo do que se tornaria conhecido como gnosticismo. Gnóstico significa “conhecer”. (Inversamente, agnóstico significa “não conhecer”). Esses falsos mestres afirmavam que o que os apóstolos entregaram à Igreja era introdutório e elementar, mas o que eles tinham era conhecimento superior. No entanto, o que eles realmente propunham era blasfêmia! Alguns deles (os cerintianos1) negavam a deidade de Cristo. O apóstolo João refutou esse erro com o seu evangelho, mostrando que o Senhor tem todos os atributos da deidade. Outra seita (o docetismo2) negava a encarnação de Cristo e, assim, ensinava que Ele não era um Homem real. João refutou esse erro em suas epístolas. Sob o pretexto de avançar na verdade, esses falsos mestres se afastaram dela! Por isso, o ministério de João tem grande valor prático na defesa contra aqueles que professam conhecer a Deus, mas negam certos aspectos da verdade da Pessoa de Cristo.
Os Temas no Ministério de Pedro, de Paulo e de João
O tema do ministério de João é bem diferente do de Paulo e Pedro. João concentra-se na família de Deus, insistindo em nosso relacionamento com Deus como Suas “crianças” (Jo 1:12-13; 1 Jo 3:1 – JND). Assim, as características da vida eterna na família são expandidas extensivamente. O apóstolo Paulo, por outro lado, ao mencionar que somos “crianças de Deus” (Rm 8:16 – JND), se apoia em nossa posição diante de Deus como “filhos”, delineando nossos privilégios como tais (Rm 8:14-15; Gl 4:1-7; Ef 1:4-6; Hb 2:10). Paulo também desenvolve a verdade da Igreja como “o corpo de Cristo” (1 Co 12:12-13, 27; Ef 3:6, 4:16, 5:25-32, etc.) e “a casa de Deus” (Ef 2:19-22; 1 Tm 3:15; Hb 3:6, etc.). A linha do apóstolo Pedro é diferente de novo; ele vê as coisas da perspectiva do reino de Deus. Tendo recebido “as chaves do reino dos céus” (Mt 16:19), ele havia sido escolhido para abrir a porta da bênção aos judeus (At 2) e aos gentios (At 10). Assim, ele enfatiza o reino em seu ministério. Ele fala frequentemente da Aparição de Cristo, que é o evento que marca a inauguração do reino e o reinado público de Cristo neste mundo (1 Pe 1:5, 7, 13, 4:13, 5:1, 4; 2 Pe 1:11, 16, 3:4, 10).
O Estilo Abstrato dos Escritos de João
O apóstolo João escreve de uma maneira única. A chave para entender suas declarações é ver que ele enxerga as coisas abstratamente. J. N. Darby disse: “Se alguém não puder ver tais declarações abstratamente, ele nunca as entenderá” (Notes and Jottings, pág. 36). F. B. Hole definiu a palavra “abstrato” da seguinte forma: “Quando falamos abstratamente, propositadamente eliminamos de nossa mente e linguagem todas as considerações qualificantes, a fim de que possamos mais claramente definir a natureza essencial da coisa da qual falamos” ( Epistles, vol. 3, pág. 161). Assim, poderíamos dizer: “A cortiça flutua”. Ao afirmar isso, estamos falando do que a cortiça faz caracteristicamente. Não estamos levando em consideração que ela poderia ser afundada na água se amarrássemos algo pesado a ela para mantê-la no fundo. Em condições normais, a cortiça flutua. Da mesma forma, João fala de coisas em sua essência – isto é, como elas são caracterizadas sem se referir a qualquer pessoa, coisa ou situação específica. Ele examina as características da vida eterna por aquilo que normalmente a caracteriza, não por aquilo que alguém faz com aquela vida que não é característico dela. Devido a um estado precário, essas características podem ser, às vezes, obscurecidas em nós, mas João não leva isso em consideração quando vê as características dessa vida.
J. N. Darby disse: “Todas as declarações de João são absolutas. Ele nunca as modifica trazendo dificuldades ou obstáculos que possamos ter no corpo. “Aquele que é nascido de Deus”, diz ele no capítulo 3, “não pratica pecado” (JND). Ele está falando ali de acordo com a própria essência da natureza. A natureza divina não pode pecar. Não é uma questão de progresso ou grau, mas ele não pode pecar porque ele é nascido de Deus. João sempre declara isso em sua própria incondicionalidade, de acordo com a própria verdade. Podemos falhar em mantê-la, mas o apóstolo não considera essas modificações, mas somente a verdade em si” (Collected Writings, vol. 28, pág. 214). Assim, João fala dos crentes como estando excelentemente ou idealmente – isto é, o que eles são quando andam no poder do Espírito e no gozo da vida eterna. Ele não os vê como sendo menos do que isso. Ele escreve sem meio termo na discussão. É a luz ou as trevas, a vida ou a ausência de vida, amor ou ódio, etc. Isso deve ser mantido em mente ao ler a epístola.
O Perigo de Interpretar o Ministério de João Usando a Terminologia de Paulo
Outro problema que levou muitos a entender mal o ministério de João foi tentar interpretar seus termos e expressões usando os pensamentos de Paulo. Isto é, João poderá usar uma palavra que Paulo usa, mas de uma maneira diferente; se isso não for levado em consideração, entenderemos mal a passagem. Assim, vem o ditado muitas vezes repetido: “Não transfira a terminologia de Paulo para o ministério de João”. Por exemplo, Paulo usa a palavra “andar” para indicar a prática Cristã (Gl 5:16; Ef 4:1, 5:2, 8, 15, etc.); ele leva em consideração a possibilidade de que os Cristãos andem mal, ao passo que João nunca considera assim. Ele vê todos os crentes como andando na luz – quer estejam indo bem, em um bom estado, ou não. Eles podem virar as costas para a luz e não viver de acordo com ela, e se o fizerem, a luz brilhará em suas costas, porque os crentes estão sempre na luz. Assim, João não fala de como andamos, mas de onde andamos.
Outro exemplo é o modo pelo qual os dois apóstolos usam o termo “crianças” (JND). Em Gálatas 4:1-7, Paulo o usa para indicar alguém que está no terreno do Velho Testamento; ele é nascido de Deus, mas não é habitado pelo Espírito Santo. Enquanto João usa a palavra para descrever um crente em terreno Cristão sendo habitado pelo Espírito Santo (1 Jo 2:20, 28, 3:24, 4:13).
Outro exemplo é o modo pelo qual Paulo e João usam a palavra “em” relacionada ao crente e ao Senhor. A frase característica de Paulo “em Cristo” não deve ser equiparada a “n’Ele” (em Ele) de João. Paulo está se referindo à posição de aceitação do Cristão no próprio lugar em que Cristo está diante de Deus (Ef 2:6), enquanto João fala da nossa conexão com Cristo em vida e comunhão (Jo 14:20, 15:4).
Apenas Oito Exortações
Outra coisa que torna esta epístola única é que ela tem apenas oito exortações (caps. 2:15, 24, 28, 3:7, 18, 4:1, 7, 5:21). Além dessas exortações, a maior parte das observações da epístola tem a ver com a manutenção de vários aspectos da vida eterna como provas e contraprovas pelas quais toda pretensão pode ser testada. Isso não quer dizer que a epístola não seja prática. Muito pelo contrário, quando os pontos que João traz em relação às características da vida eterna são aplicados a todos os que professam conhecer a Cristo, seu ministério se torna imensamente prático; podemos assim discernir imediatamente quem são os verdadeiros crentes e quem não são. Vivendo em um dia em que há o perigo de ser corrompido por falsos mestres e muitos que professam ser filhos de Deus, mas não são, a epístola de João é de grande auxílio para nos ajudar a identificar aqueles que são assim.
“Conhecer” e “Conhecido”
Outra coisa que marca essa epístola é o uso frequente das palavras “conhecer” e “conhecido”. Elas ocorrem cerca de 40 vezes. Ele enfatiza essas palavras para contrabalançar as alegações dos falsos mestres de ter conhecimento superior ao dos apóstolos. Usando estas palavras ele acentua o que sabemos por meio das revelações da verdade que nos foi dada por meio dos apóstolos e do que nos foi assegurado por meio da comunhão com o Pai e o Filho.
Existem duas palavras principais no texto grego que são traduzidas como “conhecer” – “ginosko” e “oida”. João usa ambas em suas epístolas, e é instrutivo entender quando e como ele o faz, como veremos a seguir no capítulo 5 (Somos gratos pelas notas de rodapé da Tradução J. N. Darby que indicam qual palavra é usada em uma passagem em particular. Veja sua longa nota3 sobre o uso dessas palavras em 1 Co 8:1). “Ginosko” se refere ao conhecimento objetivo derivado de fatos sobre algo ou alguém; “Oida” é um conhecimento consciente interno de algo ou alguém adquirido por meio de um relacionamento íntimo e pessoal e de uma comunhão. As duas palavras são usadas pelo Senhor em João 8:55 e servem para ilustrar a diferença entre elas. Em relação ao conhecimento do Pai, Ele disse aos fariseus incrédulos: “Vós não O conheceis (ginosko); mas Eu conheço-O (oida)”. Assim, os fariseus não tinham entendimento de Deus Pai, mas o Senhor vivia em comunhão pessoal e íntima com Ele e, portanto, tinha um conhecimento profundo e pleno do Pai.
Vida Eterna
Como mencionado, o grande tema que percorre todo o ministério de João é a “vida eterna”. Seu evangelho complementa suas epístolas, contendo todas as sementes desenvolvidas nas epístolas. No evangelho, as características da vida eterna são apresentadas nos ensinamentos do Senhor e são perfeitamente ilustradas em Sua vida; na epístola, essas mesmas características são vistas nos filhos de Deus. João alude a isso no capítulo 2:8, onde ele fala do novo mandamento de amar uns aos outros sendo aquilo que é “verdadeiro n’Ele e em vós**”**. É como olhar para um álbum de fotos de família; há semelhanças perceptíveis por toda a família – dos pais aos filhos. Assim é na família de Deus; vemos os traços da vida eterna que caracterizam o Pai e o Filho aflorando nos filhos de Deus. Esses traços podem estar obscurecidos em nós às vezes, mas, mesmo assim, eles estão lá. Do mesmo modo como agrada a um bom pai terreno ver seus filhos seguindo em seus caminhos e ouvir as pessoas dizerem que eles o seguem, assim agrada a Deus, nosso Pai, ver as coisas que O caracterizam mostradas nas ações de Seus filhos.
Tendo declarado que o tema de João é a vida eterna, pode-se perguntar: “O que exatamente é a vida eterna?” Simplificando, é a posse da vida divina em comunhão com o Pai e o Filho no poder do Espírito Santo. O Senhor disse: “E a vida eterna é esta: que conheçam a Ti só por único Deus verdadeiro e a Jesus Cristo, a Quem enviaste” (Jo 17:3). Para termos esta vida, Cristo teve que descer do céu para revelar o Pai e o relacionamento eterno que Ele tem com Seu Filho (Jo 1:18, 10:10; 1 Jo 4:9). Além disso, esta vida não poderia ser possuída sem o crente estar descansando em fé na obra consumada de Cristo (Jo 3:14-15) e sendo habitado pelo Espírito Santo (Jo 4:14). Isso mostra que a vida eterna é uma bênção distintamente Cristã que possuímos “em Cristo Jesus”, o Homem ressuscitado, ascendido e glorificado à direita de Deus (Rm 6:23; 2 Tm 1:1). F. G. Patterson disse: “A vida eterna é o termo Cristão para o que possuímos em Cristo; por meio dela somos levados à comunhão com o Pai e o Filho e, assim, temos uma natureza adequada ao céu” (Scripture Notes and Queries, pág. 112). Ele também disse: “Temos a vida eterna em Cristo – Cristo vive em nós; e essa vida eterna nos leva à comunhão com o Pai e o Filho, o que não poderia acontecer antes que o Pai fosse revelado n’Ele e o Espírito Santo fosse dado, pelo qual gozamos isso” (Words of Truth, vol. 3, pág. 178). H. Nunnerley disse: “A vida eterna é uma vida de comunhão, uma participação nos relacionamentos divinos, um conhecimento experimental do Pai e do Seu Enviado” (Scripture Truth, vol. 1, pág. 197). A. C. Brown disse: “A vida eterna se refere à vida de Deus desfrutada em comunhão com o Pai e o Filho pela habitação do Espírito Santo” (Eternal Life, pág. 4).
Muita confusão surgiu ao longo dos anos quanto ao significado da vida eterna. Muitos missionários, evangelistas e professores de escolas dominicais a definem como “vida que dura para sempre”. Entretanto, se essa fosse uma definição correta da vida eterna, então teríamos que dizer que o diabo e todos os pecadores perdidos têm vida eterna, porque eles também existirão para sempre! Isto, com certeza, não é verdade. H. Nunnerley disse: “Muitos se equivocam quanto à vida eterna, limitando seu significado à duração infinita da existência e à segurança eterna daqueles que possuem essa vida” (Scripture Truth, vol. 1, pág. 195). A. C. Brown confirmou isso, afirmando que a vida eterna “não significa apenas que temos vida que dura para sempre” (Eternal Life, pág. 4). (“Vida permanente” aparece ocasionalmente na KJV, mas deveria ser traduzida como “vida eterna”). H. M. Hooke comentou: “Muito poucos de nós se esforçam em se sentar e pensar o que é a vida eterna. Lembro-me de uma vez ter perguntado a uma irmã idosa se ela gentilmente me dissesse o que era a vida eterna. “Ah, sim!”, ela disse, “perpetuidade da existência”. Então, eu disse: “Você não possui nada mais do que o demônio possui – pois ele tem perpetuidade de existência!” Acredito que o que ela disse é uma ideia popular. Mesmo os perdidos têm perpetuidade da existência; pois eles passarão a eternidade no lago de fogo, mas eles não terão a vida eterna” (The Christian Friend, vol. 12, pág. 230).
O termo não é chamado de vida “eterna” por causa de sua duração sem fim, mas porque é uma vida que pertence à eternidade. Refere-se à qualidade especial da vida divina que o Pai e o Filho têm desfrutado juntos eternamente. Por meio da vinda de Cristo para revelar o Pai, a morte de Cristo para resolver a questão de nossos pecados, a ressurreição e ascensão de Cristo e com o Espírito sendo enviado é, para nós agora, possível participar dessa vida em um relacionamento com o Pai e o Filho. Assim, podemos desfrutar do que as Pessoas divinas desfrutam (1 Jo 1:3-4). Esta é uma bênção que não era conhecida ou possuída pelos santos do Velho Testamento, pois eles não tinham conhecimento de Deus como Pai, nem o fundamento para a redenção, estabelecido na morte de Cristo, nem o Espírito Santo enviado para habitar em crentes.
Muitos Cristãos têm dificuldade em entender como alguém poderia dizer que os santos do Velho Testamento não têm vida eterna. Para eles, parece que estamos dizendo que aqueles santos não foram salvos e, portanto, não estão no céu agora! Seu problema é que eles têm uma ideia errada do que é a vida eterna e isso os levou a conclusões erradas. A verdade é que os santos do Velho Testamento nasceram de novo e, portanto, tiveram vida divina e, assim, estão no céu agora – mas não puderam ter a qualidade e o caráter de vida envolvidos na vida eterna pelas razões expostas acima. J. N. Darby foi questionado: “Pergunta: os santos do Velho Testamento não tinham a vida eterna? Resposta: Quanto aos santos do Velho Testamento, a vida eterna não fazia parte da revelação do Velho Testamento, mesmo supondo que os santos do Velho Testamento a tivessem” (Notes and Jottings, pág. 351). H. M. Hooke disse: “Fiquei muito impressionado ao examinar as Escrituras do Velho Testamento e não encontrar um único exemplo mencionando um santo do Velho Testamento que tivesse a vida eterna; ela não era conhecida” (The Christian Friend, vol. 12, pág. 230). Nem é dizer que eles tinham a vida eterna, mas não a conheciam (como alguns equivocadamente ensinaram), porque a própria essência e significado da vida eterna é ter comunhão consciente com o Pai e o Filho (Jo 17:3). Como poderia uma pessoa ter comunhão consciente com o Pai e o Filho (a essência da vida eterna) e não ser consciente disso?!
A vida eterna é uma vida “celestial” (Jo 3:12-13) que apareceu pela primeira vez quando Cristo veio do céu e habitou entre os homens (Jo 1:14). Antes da vinda de Cristo ao mundo, a vida eterna (estar “com o Pai” no céu – 1 Jo 1:2) era desconhecida pelos homens. Foi agora dada aos Cristãos (Jo 3:15-16, 36, etc.). pela qual somos capazes de ter comunhão com o Pai e o Filho, e ter a plenitude de gozo resultante disso (1 Jo 1:3-4). F. G. Patterson disse: “Não pode ser dito que eles [os santos do Velho Testamento] tiveram a vida eterna. Ela só foi trazida à luz por meio do evangelho (2 Tm 1:10; Tt 1:2, etc.)”. (Scripture Notes and Queries, pág. 66).
Ensinar que os santos do Velho Testamento tinham a vida eterna confunde a diferença entre os dois Testamentos e as bênçãos e privilégios que distinguem a Igreja de Israel. É um erro enraizado na Teologia Reformada (Pacto), que vê Israel e a Igreja como um povo que tem as mesmas bênçãos. Muitos problemas e confusões resultaram do fato de os homens entenderem equivocadamente o assunto da vida eterna e, consequentemente, ensinarem o erro a respeito disso. Por exemplo: F. W. Grant tentou dá-la aos santos do Velho Testamento, enquanto F. E. Raven tentou tirá-la dos santos do Novo Testamento! (O sr. Raven provavelmente negaria isso, mas se o que ele ensinou for examinado com cuidado, a essência disso será descoberta. Veja “Life Eternal with F.E.R’s Heterodoxy as to it” – por W. Kelly.)
A vida eterna também é universalmente confundida com “nascer de novo” (Jo 3:3-8), mas esses termos não são sinônimos. Ambos têm a ver com possuir a vida divina, mas a vida eterna, como afirmamos, tem a ver com ter a vida divina em seu sentido mais pleno, em comunhão com o Pai e o Filho. Não é que existem dois tipos de vida divina; a vida comunicada no novo nascimento e vida eterna são a mesma vida em essência. É a própria vida de Cristo – na verdade, Ele é chamado de “esta Vida Eterna” (TB) nesta epístola (1 Jo 1:2). A diferença é que quando uma pessoa nasce de novo, ela tem a vida divina em um estágio embrionário, por assim dizer, quando uma pessoa recebe a vida eterna pela fé em Cristo, tem a vida divina em sua forma mais elevada – conhecendo o Pai e o Filho pelo poder do Espírito Santo. Da mesma forma, a vida em uma semente de maçã é a mesma que em uma macieira adulta; a diferença é que, na árvore, essa vida está totalmente desenvolvida.
Dois Aspectos da Vida Mais Abundante
Há dois aspectos dessa vida mais abundante: em primeiro lugar, refere-se à vida divina no crente como uma possessão presente, pela qual ele desfruta de comunhão consciente com o Pai e o Filho (Jo 3:15-16, 36, etc. – “tem”). Este é o aspecto em vista no ministério de João. Em segundo lugar, ela é vista como a esfera da vida para a qual o crente está indo em direção ao final de seu caminho quando chegar ao céu. Assim, é uma coisa futura. Este é o modo como Paulo fala a respeito (Rm 2:7, 5:21, 6:22, 23; Gl 6:8; 1 Tm 1:16, 6:12, 19; Tt 1:2, 3:7). Judas fala disso dessa maneira também (Jd 21). Neste último sentido, a vida eterna4 é um ambiente de vida espiritual onde tudo é luz, amor e justiça, e onde a comunhão com o Pai e o Filho é desfrutada. Assim, o primeiro aspecto tem a ver com a vida em nós, e o segundo é a vida na qual estaremos.
Usamos a palavra “vida” dessas duas maneiras em nossa linguagem cotidiana. Podemos falar de uma planta, um animal ou um humano como tendo vida neles. Mas também falamos de vida como um ambiente ou esfera em que uma pessoa pode habitar – por exemplo, “vida no campo”, “vida na cidade”, “vida de assembleia”, etc. Assim, podemos gozar a vida eterna agora pelo Espírito, mas depois habitaremos nessa esfera de vida em seu sentido mais amplo quando formos glorificados. Esses dois aspectos de vida foram ilustrados no exemplo de um mergulhador em águas profundas. Ele trabalha debaixo d'água, mas respira por meio de conexão ao cilindro de ar que o mantém vivo. Isto é como o crente tendo a possessão presente da vida eterna. Vivendo neste mundo, nós vivemos e nos movemos e temos nosso ser em um ambiente inadequado para a nossa nova natureza, pois pertencemos à nova criação e somos pessoas celestiais. Assim, não somos deste mundo, mas somos sustentados pela conexão de vida de comunhão com o Pai e o Filho enquanto estamos no mundo. Quando o trabalho do mergulhador é concluído e ele é trazido para fora da água para o ambiente que lhe é natural, ele tira seu equipamento de mergulho e respira o ar sem esse aparato. Da mesma forma, quando nosso trabalho estiver concluído aqui na Terra e formos chamados para o céu em nosso estado glorificado, estaremos então no ambiente da vida eterna4 e para o qual estaremos perfeitamente adequados.
A possessão presente desta vida pode ser referida como “vida eterna” (JND) e o aspecto futuro como “vida eterna4**”** (JND). Somos gratos à Tradução J. N. Darby que distingue estas coisas desta maneira. (O Sr. Darby não considera a vida eterna como tal em 1 Jo 3:15, 5:11, 13, 20, mas a tradução de Kelly o faz). Quando fala de Cristo pessoalmente, é traduzida como **“Vida Eterna”** (1 Jo 1:2 – JND).
Vida Eterna4 nos Evangelhos Sinópticos
Nos evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), o termo “vida eterna4**”** (JND) refere-se a ter a vida divina _na Terra_ no reino milenar de Cristo (Mt 19:16, 29, 25:46; Mc 10:17, 30; Lc 10:25, 18:18, 30, etc.). Isso foi prometido no Velho Testamento (Sl 133:3; Dn 12:2) e será desfrutado pelo remanescente de Israel (Ap 7:1-8) e pelas nações gentias crentes (Ap 7:9-10) em um dia vindouro. Este aspecto da vida divina não está em vista na epístola de João, nem no seu evangelho.
Aproximando-se do Fim
João vê as coisas no testemunho Cristão como elas estarão em seus últimos momentos antes que o Senhor venha (o Arrebatamento). Seu ponto de vista é o mais recente de todos os escritores do Novo Testamento, como mostra o diagrama a seguir.
A Vinda do Senhor
(O Arrebatamento)
OS ÚLTIMOS TEMPOS (1 Tm 4:1)
OS ÚLTIMOS DIAS (2 Tm 3:1, 2 Pe 3:3)
O ÚLTIMO TEMPO (Jd 18)
A ÚLTIMA HORA (1 Jo 2:18)
Este simples diagrama mostra que à medida que nos aproximamos do final, as coisas ficarão cada vez piores no testemunho Cristão (2 Tm 3:13) e finalmente se encerrarão no julgamento de Deus (Rm 11:17-22; Jd 14-16). Assim, o fim do testemunho Cristão não é restauração, mas julgamento.
Um Breve Esboço da Epístola
- Capítulo 1:1-4 – A Introdução. - Capítulos 1:5-5:5 – Um exame triplo das características essenciais da natureza de Deus em Seus filhos:
- Luz – capítulos 1:5-2:11.
- PARÊNTESE – capítulo 2:12-28.
- Vida – capítulos 2:29-4:6. - Amor – capítulos 4:7-5:5.
- Capítulo 5:6-21 – O Epílogo
VIDA ETERNA MANIFESTADA NO MUNDO
Capítulo 1-2:11
As epístolas de João são diferentes das outras epístolas no Novo Testamento, na medida em que não mencionam o autor, nem a primeira epístola tem qualquer saudação introdutória àqueles a quem ele escreve. A única outra epístola que faz isso é Hebreus. Embora o escritor não se identifique, comparando a epístola ao evangelho de João, vemos que as expressões usadas e o estilo de escrita são idênticos. Além disso, os mesmos temas são proeminentes em ambos. Essas coisas nos mostram, além de qualquer dúvida, que João realmente escreveu a epístola. Os pais da Igreja (os primeiros expositores Cristãos nos primeiros três séculos) concordam com isso.
O Prólogo
Cap. 1:1-4 – Os quatro primeiros versículos do capítulo 1 formam a Introdução à epístola. É uma declaração de que a vida eterna se manifestou neste mundo na Pessoa do Filho de Deus, e que pessoas competentes e confiáveis (os apóstolos) deram testemunho disso. Eles declararam esse maravilhoso fato para que pudéssemos participar daquela vida com eles e, assim, ter comunhão com o Pai e o Filho e com todos os que também assim foram feitos por Deus.
João diz: “Aquilo que era desde o princípio, aquilo que ouvimos, o que temos visto com os nossos olhos; o que contemplamos e manejamos com nossas mãos sobre a Palavra da vida; (e a vida se manifestou, e vimos e testificamos e relatamos-lhes a vida eterna que estava com o Pai e nos foi manifestada) …” (JND). João fala “Aquilo que era desde o princípio…”. Poderíamos ter pensado que ele teria dito: “Aqu’Ele que era desde o princípio”, mas João não está se referindo ao Senhor Jesus pessoalmente, mas sim à manifestação da vida eterna que foi apresentada n’Ele e, portanto, “aquilo que” é apropriado.
O “princípio” que João fala aqui refere-se a quando a vida eterna foi manifestada pela primeira vez neste mundo. Isso nos leva de volta à encarnação de Cristo quando o caráter pleno daquela vida se tornou visível n’Ele (Jo 1:14). “Desde o princípio” é uma expressão que ocorre onze vezes nas epístolas de João (1 Jo 1:1, 2:7 [duas vezes], 2:13, 14, 24 [duas vezes], 3:8, 11; 2 Jo 5, 6). Como mencionado, a frase refere-se ao princípio da exibição moral do Cristianismo na Pessoa de Cristo. Não deve ser confundido com o “princípio” em Gênesis 1:1, que marca o começo de todas as coisas criadas – visíveis e invisíveis. Nem é o mesmo “princípio” como em João 1:1, que nos leva de volta antes de Gênesis 1:1 para uma eternidade passada sem tempo. Nem é o “princípio” mencionado em Apocalipse 3:14, que é o começo da raça da nova criação dos homens sob Cristo quando Ele ressuscitou dos mortos (2 Co 5:17; Cl 1:18).
A responsabilidade de João desde o início é insistir no fato de que Cristo Se tornou um Homem real e, como tal, Ele manifestou plenamente a vida eterna neste mundo. Ao afirmar o que os apóstolos (“nós”) “O ouvimos”, “O temos visto”, “O contemplamos” e “O manejamos”, João mostra que a vida eterna não é um conceito místico (como os gnósticos estavam propondo), mas aquilo que foi vivamente expresso em um Homem real. Os apóstolos O conheciam como tal e tinham comunhão íntima e pessoal com Ele. João menciona isso para refutar as noções dos gnósticos que, de um modo blasfemo, ensinavam que Cristo era um fantasma, e não um Homem real.
João identifica Cristo como “o Verbo da vida” (ARA), e isso sincroniza com João 1:1, que afirma que Ele é uma Pessoa divina e eterna na Divindade, tendo todos os atributos da deidade. Ele é chamado a Palavra da vida porque Ele expressou plenamente a vida e a natureza de Deus. Todas as Suas benditas características foram apresentadas n’Ele em perfeição. “O Verbo” (Jo 1:1, 14; Ap 19:13 – ARA) é um nome adequado para o Senhor Jesus. Palavras são veículos pelos quais transmitimos nossos pensamentos aos outros. Podemos ter certos conceitos, ideias e emoções em nossa mente, e a maneira pela qual os tornamos conhecidos pelos outros é por meio de palavras. Assim, o Senhor Jesus é a Palavra de Deus no sentido de que Ele é o Revelador de tudo o que Deus é para o homem. Ele tornou Deus plenamente conhecido – como sendo o Pai, o Filho e o Espírito Santo (Jo 1:18, 14:9, 17:6-8).
V. 2 – Em um parêntese, João declara que não só os apóstolos viram a vida eterna expressa em Cristo, mas também deram testemunho disso e trouxeram esse relato aos santos (“vos anunciamos”). O relato dos apóstolos é uma declaração de que Cristo – que é a personificação dessa vida e apropriadamente chamado de “esta Vida Eterna” (TB) – existiu eternamente “com o Pai” no céu antes de ser manifestado neste mundo. Isso significa que a vida eterna é algo que não era conhecido pelos homens antes da vinda de Cristo. Como mencionado na Introdução, a vida eterna é conhecer Deus como nosso Pai e Jesus Cristo como Seu Filho (Jo 17:3). Para que uma pessoa tenha esse caráter de vida divina, Cristo teve que vir e revelar o relacionamento eterno do Pai e o Filho (Jo 1:14-18), e fazer expiação pelo pecado (Jo 3:14-15), e enviar o Espírito Santo para habitar nos crentes (Jo 4:14). Os santos do Velho Testamento, portanto, não poderiam ter a eterna vida. Eles nasceram de Deus e, portanto, tinham vida divina e estão a salvo no céu agora, mas não conheciam esse caráter da vida divina que a Escritura chama de “eterna vida”.
Nos versículos 3-4, João explica por que Deus Se comprometeu a manifestar a vida eterna e a entregá-la aos crentes – é para nos levar à bem-aventurança da comunhão com as Pessoas divinas, que os santos até então nunca conheceram. Simplificando, Ele quer que desfrutemos do que Ele tem desfrutado eternamente. João diz: “o que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos, para que também tenhais comunhão conosco; e a nossa comunhão é [na verdade – JND] com o Pai e com Seu Filho Jesus Cristo. Estas coisas vos escrevemos, para que o vosso gozo se cumpra”. Assim, o Pai e o Filho têm habitado eternamente juntos em doce comunhão com o Espírito Santo, e agora que a redenção foi realizada, um caminho em graça foi aberto para trazer outros para essa comunhão.
Os apóstolos foram os primeiros a provar essa doce comunhão e declararam isso na pregação do evangelho, para que todos os que cressem também conhecessem e desfrutassem sua bem-aventurança. Cristo, o Filho de Deus, é o centro dessa comunhão divina e, como tal, é a fonte de grande deleite para Deus, o Pai. Ele poderia dizer: “Então Eu estava com Ele e era Seu Aluno [Artífice]: e era cada dia as Suas delícias” (Pv 8:30). O Pai Se deleita em Seu Filho (Mt 3:17, 17:5, Jo 3:35, 5:20) e quer compartilhar esse deleite conosco, para que possamos conhecer sua bem-aventurança também! (Compare com o Salmo 36:8) Beber do cálice de deleite do Pai e desfrutar de uma doce comunhão com Ele e Seu Filho é a essência da eterna vida. É, de fato, uma verdade surpreendente que Deus em graça (e a um grande custo para Si mesmo) alcance e traga pecadores que se afastaram d’Ele, em comunhão íntima e pessoal Consigo – e isso é o que Ele tem feito!
João conclui suas observações introdutórias acrescentando que não é apenas o desejo de Deus que experimentemos esse gozo, mas é o desejo dos apóstolos também, e é uma das razões pelas quais João escreveu a epístola.
LUZ
Caps. 1:5-2:11
O problema enfrentado pela Igreja naqueles primeiros dias era que os mestres anticristãos haviam se infiltrado nas fileiras Cristãs e estavam corrompendo muitos crentes meramente professos com suas doutrinas malignas (caps. 2:18-26, 4:1-6). Esses falsos mestres professavam conhecer a Deus e ter a vida eterna – mas eram impostores. A preocupação de João era que eles “enganassem” os santos com suas doutrinas errôneas e os levassem a “se extraviar” (cap. 2:26). Os santos, portanto, precisavam ser capazes de identificar esses charlatães e evitá-los. Para ajudá-los a reconhecer quais eram reais e quais não eram, João foi levado a apresentar vários elementos essenciais da natureza de Deus (que caracterizam os filhos de Deus) pelos quais toda a falsa pretensão à posse da vida eterna poderia ser detectada. Isso forneceria aos santos uma pedra de toque pela qual eles poderiam testar, e assim saber quem era falso, e recusar comunhão com eles, como João ordena que a senhora eleita faça (2 Jo 9-11).
Luz e Trevas
Cap. 1:5 – O primeiro elemento essencial da natureza e do Ser de Deus que João mantém diante de nós é a luz. Ele diz: “E esta é a mensagem que d’Ele ouvimos, e vos anunciamos: que Deus é luz**, e não há n’Ele trevas nenhumas”**. **“Luz”** significa absoluta santidade e verdade, enquanto **“trevas”** significa o mal e a ausência do conhecimento de Deus. Ao declarar que **“Deus é luz, e não há n’Ele trevas nenhumas”**, João deixa claro que Deus é absolutamente santo e que não é possível que o pecado possa ser encontrado n’Ele, ou de alguma forma associado a Ele. Todo verdadeiro Cristão sabe disso.
Nesta passagem, João afirma que Deus não apenas “é luz” (v. 5), mas que Ele “está na luz” (v. 7 – ARA). Visto que a luz dissipa as trevas e revela as coisas como realmente são (Ef 5:13), ao declarar que Deus está agora na luz, João indica que Deus Se revelou completamente. Isso, como vimos nos versículos 1 e 2, foi feito pela vinda de Cristo ao mundo. Agora houve uma revelação completa do Pai em Cristo (Jo 1:18, 14:9). Nos tempos do Velho Testamento, Deus habitava em “trevas espessas” quanto à revelação de Sua Pessoa (1 Rs 8:12; 2 Cr 6:1 – ARA). Certos atributos de Deus foram revelados naqueles tempos, mas Ele não foi totalmente declarado. Tal revelação aguardava a vinda de Cristo, o Revelador de Deus. Assim, resultante da vinda de Cristo, o Deus que é luz Se colocou na luz.
Não somente Deus está na luz, mas Seus filhos também estão na luz. A vinda de Cristo trouxe Deus para a luz, mas é o sangue de Cristo derramado em Sua morte que nos habilitou para essa luz (v. 7). Antes da conversão, éramos “trevas” (Ef 5:8a), mas ao nos tornarmos crentes no Senhor Jesus Cristo, fomos trazidos “das trevas para a Sua maravilhosa luz” (1 Pe 2:9; At 26:18; 2 Co 4:6). Somos agora “filhos da luz” (Ef 5:8b; 1 Ts 5:5). Agora, todo verdadeiro crente caminha na luz, devido à gloriosa manifestação da vida eterna em Cristo e à obra que Ele realizou na cruz.
O Exame de Várias Alegações de Andar na Luz
Tendo declarado que Deus “é luz” e “está na luz”, isso imediatamente se torna um teste para a profissão de um homem. João aborda seis alegações comuns que uma pessoa pode professar, indicadas pelas palavras: “Se dissermos … ” (cap. 1:6, 8, 10) e “Aquele que diz … ” (cap. 2:4, 6, 9). Nesta passagem, João dá provas e contraprovas pelas quais todas as alegações de conhecer a Deus e estar na luz podem ser verificadas.
O TESTE DE ESTAR EM COMUNHÃO COM DEUS NA LUZ (cap. 1:6-7)
João diz: **“**Se dissermos que temos comunhão com Ele e andarmos em trevas, mentimos e não praticamos a verdade. Mas, se andarmos na luz, como Ele na luz está, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus Cristo, Seu Filho, nos purifica de todo o [cada] pecado”. Assim, se Deus é luz e dizemos que O conhecemos e estamos em comunhão com Ele, mas vivemos de uma forma que prova que estamos em total ignorância de Deus, é claro que nossa profissão é falsa. Todos esses andam “nas trevas” e não são realmente crentes de verdade. Eles não têm conhecimento real da natureza santa de Deus e nada têm em comum com Ele, pois “que comunhão tem a luz com as trevas?” (2 Co 6:14) Por outro lado, se um homem faz a profissão de conhecer verdadeiramente a Deus, ele manifestará a realidade disso. Ele andará “na luz” e terá “comunhão” com os outros que estão na luz, e entenderá que “o sangue de Jesus Cristo, Seu Filho” limpou seus pecados. Ele será caracterizado por estas três coisas:
Em primeiro lugar, o crente está “na luz”. Assim, ele tem um conhecimento básico de Deus e da Sua natureza santa, por ter vida divina e crer no evangelho. Isso o coloca na luz posicionalmente. Como mencionado na Introdução, João olha as coisas abstratamente, Ele está falando aqui de onde o crente caminha, não como caminha. Ele não está levando em consideração que um crente, que está na luz, pode, às vezes, não andar de acordo com a luz. (“todos tropeçamos em muitas coisas” – Tg 3:2). Ele está olhando para a luz e para as trevas como algo posicional; todos estão na luz ou nas trevas. Alguém perguntou a J. N. Darby: “O que são ‘trevas?’ A resposta: a ausência do conhecimento de Deus e, quanto a isso, não é possível a nenhum Cristão estar nas trevas. Ao receber Cristo, eu recebo luz. Deus é luz e, se eu O conheço, não estou nas trevas” (Notes and Jottings, pág. 106). Foi-lhe perguntado também: “E se um crente virar as costas para a luz?” A resposta que ele deu foi: “Então a luz vai brilhar em suas costas, porque ele está sempre na luz!” (Unknown and Well Known, a biography of John Nelson Darby por W. G. Turner, pág. 36).
Em segundo lugar, “temos comunhão uns com os outros”. Os filhos de Deus têm um interesse comum – Cristo, o Filho de Deus – e isso os leva a andar juntos em feliz comunhão. Isso os caracteriza. Novamente, João não está considerando que às vezes uma pessoa pode sair da comunhão prática com seus irmãos com pensamentos e ideias divergentes, mas do que caracteriza os filhos de Deus.
Em terceiro lugar, “o sangue de Jesus Cristo nos purifica de todo o [cada] pecado”. Assim, os filhos de Deus conhecem o significado da obra consumada de Cristo na cruz, da qual fala Seu sangue. A consciência deles foi purificada como resultado do descanso na fé sobre o que Ele realizou lá (Hb 9:14). Assim, eles não têm desejo de escapar da luz, mas ficam felizes em serem sondados por ela (Sl 139:23-24; Jo 3:21) porque sabem que tudo o que a luz expõe, o sangue purificou. De fato, quanto mais minuciosamente a luz brilha sobre eles, mais claramente é visto que não há mancha de pecado neles! Tal é o poder purificador do sangue de Cristo. A palavra “purifica” neste versículo está no tempo perfeito no grego. Isso não significa que o sangue precise ser continuamente reaplicado se e quando um crente falhar, mas que o crente permaneça em um estado constante de ser purificado pelo sangue, porque o sangue nunca perde seu poder, tendo eficácia eterna.
O TESTE DE TER A NATUREZA PECAMINOSA (Cap. 1:8)
João passa a examinar outra alegação; neste caso, é em relação ao crente que ainda tem a natureza pecaminosa nele. Ele diz: **“**Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e não há verdade em nós”. Essa falsa alegação de que não temos pecado, mostra que não só havia homens associados à profissão Cristã que estavam em trevas quanto à verdadeira natureza de Deus, mas eles também estavam em trevas quanto ao seu próprio estado. Eles professavam não ter pecado neles! Ou seja, eles diziam que não tinham uma natureza pecaminosa – a carne! João diz que todas essas pessoas “enganam” a si mesmas. Fazer tal afirmação só prova que eles não estão na luz, porque se eles estivessem, a luz teria revelado a eles o que eles são. Um dos pontos mais elementares do conhecimento Cristão resultante de estar na luz é que sabemos que ainda temos a carne em nós (Rm 7:18). Isso mostra a seriedade de abraçar um erro; se nossas vontades estiverem trabalhando com relação ao erro, perderemos nosso discernimento e seremos enganados por ele. Assim, se nos depararmos com alguém que professa conhecer a Deus e estar em comunhão com Ele, mas diz que não tem uma natureza pecaminosa, ele está nos dando uma indicação clara de que provavelmente não é um verdadeiro crente.
O TESTE DA CONFISSÃO DOS PECADOS (Cap. 1:9-2:2)
João passa para outro ponto – a questão de ter pecado. Ele diz: “Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça. Se dissermos que não pecamos, fazemo-Lo mentiroso, e a Sua Palavra não está em nós” (vs. 9-10). A confissão dos pecados marca um verdadeiro filho de Deus. Já que ele está na luz, se ele peca, a luz o examinará, e sua consciência será despertada quanto ao que ele fez. Isso levará ao seu arrependimento, que trará uma confissão franca e humilde de ter pecado. Assim, o efeito de estar na luz é que confessamos nossos pecados. Todo verdadeiro filho de Deus fará isso. Alguém perguntou a J. N. Darby o que um crente em falta deve fazer quando ele está em um curso rebelde há anos e não consegue lembrar que pecado exatamente deu início ao seu afastamento do Senhor. Sua resposta foi: “Ele pode confessar seu estado de fraqueza em geral”. Se for genuíno, levará à sua restauração.
Confissão de pecados é, na realidade, um exercício do crente em relação à sua restauração à comunhão, quando ele falha. Se a confissão dos pecados fosse exigida dos pecadores que vinham a Cristo para a salvação, então como alguém seria salvo? Que pecador pode se lembrar de todos os seus pecados? Quando levamos em consideração o fato de que “a lavoura [pensamentos] dos ímpios é pecado” (Pv 21:4) e “o pensamento do tolo é pecado” (Pv 24:9), seria uma tarefa impossível. Seus pecados podem chegar aos milhares – talvez aos milhões! Um pecador buscar a salvação e o perdão dos pecados é simplesmente reconhecer ou confessar que é um pecador (Lc 18:13) e confessar Jesus como seu Senhor (Rm 10:9; Fp 2:11), mas não é exigido que confesse todos e cada um dos pecados que cometeu. O princípio abstrato envolvido no perdão dos pecados aqui pode ser amplo o suficiente para cobrir a vinda inicial de uma pessoa a Cristo para o perdão eterno e a salvação (ver Synopsis of the Books of the Bible por J. N. Darby, nota de rodapé em 1 João 1:9), mas o contexto mostra que João está realmente falando daqueles dentro da companhia Cristã. Comentando sobre isso, F. B. Hole disse: “É verdade, claro, que a única coisa honesta para um incrédulo, quando a convicção chega até ele, é confessar seus pecados, então o perdão, completo e eterno, será dele. O crente, contudo, está em questão aqui. Isto é: ‘Se (nós) confessarmos’”. (Epistles, vol. 3, pág. 147).
Perdão Paterno
Ao confessarmos nossos pecados, Deus é “fiel e justo para nos perdoar os pecados” porque as reivindicações da justiça divina foram satisfeitas por causa de um resgate ter sido pago por Cristo pelos nossos pecados (Mt 20:28; 1 Tm 2:6). João não diz exatamente que o crente que pecou deve pedir perdão – porque todos os crentes permanecem em um estado de eternamente perdoados – mas ele diz que precisamos reconhecer o que fizemos confessando nossos pecados a Deus, o Pai. Portanto, não é o perdão eterno que está em vista aqui, mas sim o perdão paterno. João acrescenta: “E nos purificar de toda a injustiça”. Isso tem a ver com sermos limpos da influência do pecado que cometemos e obter libertação de sua servidão (Jo 8:34). Isso é para nos ajudar a não falhar dessa maneira novamente.
V. 10 – Contudo, se alguém que professa estar na luz diz que “não pecamos”, deixa claro que não está na luz. Se ele estivesse realmente na luz, a luz teria manifestado seus pecados, e ele saberia que pecou. Negar que pecamos é o fruto da incredulidade. Isso desafia “Sua Palavra”, que afirma que todos os homens pecaram (Ec 7:20; Rm 3:23). Não vamos contradizer a Palavra se a tivermos realmente habitando em nós, como João diz aqui. No caso de um crente, o pecado interrompe sua comunhão com Deus. Ele ficará desconfortável durante todo o tempo em que estiver fora de comunhão, porque todo verdadeiro filho de Deus anseia pela paz e alegria e complacência que emana de estar em comunhão com Deus. Perder isso é perder seu senso de bem-estar espiritual, e isso produzirá uma confissão de seus pecados, quando a comunhão será recuperada de uma maneira feliz. Um crente meramente professante não sente essa perda porque nunca conheceu a comunhão com Deus.
A Advocacia de Cristo
Cap. 2:1-2 – Tendo falado da provisão graciosa de Deus para Seus filhos que falham, para que ninguém pense que ele está ensinando que não há problema algum para um filho de Deus pecar (porque existe esta provisão), João se apressa em corrigir esta falsa noção. Ele exclama: “Meus filhos, estas coisas vos escrevo para que não pequeis” (JND). Esta é a primeira vez na epístola que João fala ao seu público como: “Meus filhos”. Nisso, vemos sua paixão e profunda preocupação pela preservação deles. De modo algum ele aceitaria crentes tratando o pecado levianamente. É realmente algo muito sério que um filho de Deus seja encontrado em pecado; devemos nos afastar até mesmo de pensar isso. Se verdadeiramente enxergamos o que foi necessário para tirar o pecado com justiça – a agonia dos sofrimentos expiatórios de Cristo na cruz – nós o repudiaríamos!
A KJV diz: “Meus filhinhos [no diminutivo] …”5. No entanto, a palavra não deve estar no diminutivo no texto dos capítulos 2:1, 12, 28; 3:7, 18; 4:4; 5:21. “Filhinhos” se refere àqueles que são jovens na fé, mas João está se dirigindo a toda a família de Deus aqui, não apenas aos novos convertidos. Usar “filhinhos” neste versículo implica que os jovens na fé são os únicos que estão em perigo de pecar. Isso não é verdade; todos os santos podem falhar se não se mantiverem perto do Senhor (até mesmo um apóstolo poderia).
João prossegue e diz: “e, se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o Justo; e Ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo [mas também para o mundo inteiro – JND]”. Isso explica como é que os crentes que falham chegam a confessar seus pecados; é por meio da obra de Cristo como um “Advogado junto ao Pai” (ARA). Nota: João não diz: “Quando alguém pecar …”. Isso implicaria dizer que pecar é algo normal para um Cristão, o que não é verdade. Com Cristo intercedendo por nós como nosso Sumo Sacerdote, somos impedidos de pecar – se buscarmos ajuda n’Ele (Hb 7:25; 2 Pe 2:9; Jd 24). Portanto, na realidade, não pecar é Cristianismo normal. Mas “se”, por vontade própria, um crente pecar, há essa provisão de Deus para a restauração dele. Este é o argumento de João aqui. Dizer que não pecamos nega nosso estado e a necessidade da advocacia de Cristo; mas dizer que pecar é normal para nós, nega o sumo sacerdócio de Cristo.
Cristãos que falham não perdem sua salvação (como alguns erroneamente ensinam); se isso fosse verdade, então João teria dito: “Se alguém pecar, ele precisa receber a Cristo como seu Salvador novamente”. Mas ao referir-se a Cristo como nosso Advogado, como ele o faz, indica que está tratando com o assunto de restauração e não de salvação. Note também: a advocacia de Cristo é para “com o Pai”. Isso mostra que o pecado de um crente não afeta seu relacionamento com Deus. Deus ainda é seu Pai e o crente ainda é Seu filho, mesmo que tenha falhado. Da mesma forma, em uma família terrena, a criança que desobedece a seu pai não deixa de ser seu filho. Embora nosso relacionamento com Deus não possa ser afetado pelo pecado, nossa comunhão com Deus certamente será, e permanecerá suspensa até que confessemos o pecado que rompeu a comunhão. O problema é que poderemos entrar num estado de alma tão fraco que nem sequer estaremos conscientes de que estamos fora da comunhão com o Senhor e ser como Sansão que “não sabia que já o SENHOR Se tinha retirado dele” (Jz 16:20). Não devemos pensar que o Senhor nos abandona quando pecamos; Ele prometeu nunca fazer isso (Hb 13:5). Mas Ele retira o senso de Sua presença conosco.
“Advogado [Paráclito – TB]” poderia ser traduzido como “Patrono”, que significa “aquele que assume a causa de outro”. Na Escritura, é aplicado ao Senhor (1 Jo 2:1) e ao Espírito Santo (“parakletos” em grego, traduzido como “Consolador” em Jo 14:16, 26, 15:26, 16:7). É importante entender que a obra de Cristo como um Advogado começa imediatamente quando um crente cai em pecado, e não quando ele se volta para Deus em arrependimento e confessa seus pecados. João não diz: “Se alguém confessar seus pecados, tem um Advogado junto ao Pai”. Isso faria com que o trabalho de advocacia de Cristo fosse consequência de o crente falho se voltar para Ele, e estaríamos, assim, colocando o “carro na frente dos bois”. Se a obra de Cristo como um Advogado dependesse de nos voltarmos para Deus e confessarmos os nossos pecados, ninguém jamais seria restaurado, porque nenhum crente falho pode voltar por sua própria vontade – tal é o poder escravizador do pecado (Pv 5:22; Jo 8:34). A verdade é que não podemos nos salvar e, se falharmos, não podemos nos restaurar. A restauração é puramente uma obra do Senhor (Sl 23:3). É o que Cristo faz como um Advogado que nos leva a voltar para Deus e confessar nossos pecados.
Quatro Coisas Envolvidas na Advocacia de Cristo
Podemos perguntar: “O que exatamente Cristo faz como um Advogado que resulta na restauração do crente?” Há quatro coisas envolvidas neste trabalho:
- Em primeiro lugar, no exato momento que pecamos, Ele vai ao Pai e ora por nossa restauração. O Senhor orou por Pedro dessa maneira antes de Pedro ter retornado (Lc 22:31). Ao mesmo tempo, o Senhor defende nossa causa diante de Deus contra as acusações do diabo com relação aos pecados envolvidos em nossas falhas (Ap 12:10). O Senhor não está lá para persuadir Deus a desculpar ou ignorar nossos pecados, mas como “Jesus Cristo, o Justo”, Ele aponta para o Seu sangue e diz: “Eu paguei por esses pecados no terreno de ter feito ‘propiciação’ por eles”. Assim, nossa restauração é baseada na eficácia imutável da obra propiciatória de Cristo na cruz. - Em segundo lugar, Ele dirige o Espírito de Deus para trazer a Palavra de Deus para a nossa consciência (Lc 22:61). O Espírito abordará nosso estado e nosso proceder pecaminoso e nos ocupará com nosso fracasso até que nos arrependamos e confessemos nossos pecados. Ele pode trazer um versículo à mente, seja ouvindo, lendo ou se lembrando, que falará conosco. Assim, a Palavra de Deus tem uma participação na restauração de um crente (Sl 19:7, 119:9). - Em terceiro lugar, Ele emprega ação disciplinar em nossa vida (1 Pe 3:12). O Pai também trabalhará para esse fim (1 Pe 1:16-17). Todas as Suas ações para conosco nesta maneira governamental são fundamentadas em Seu amor por nós (Hb 12:5-11). Seu amor é tal que Ele usa até mesmo problemas (sofrimento, doença, tristeza etc.) em nossa vida para chamar nossa atenção e nos transformar (Jó 33:14-22). - Em quarto lugar, Ele enviará nossos irmãos a nos buscar (Gl 6:1; Tg 5:19-20). Um irmão ou uma irmã pode falar-nos sobre o nosso curso, e isso pode ser usado pelo Senhor para nos converter do caminho tomado.
Essas coisas funcionarão conjuntamente para trazer o crente falho de volta a Deus no coração. Alguém que falsamente professa ter a vida eterna, não tem a Cristo como seu Advogado (nem como seu Salvador), e é por isso que ele não reconhece que pecou – e se o fizer, será superficial.
Propiciação
“Propiciação” (Rm 3:25; Hb 2:17; 1 Jo 2:2, 4:10) é uma palavra que tende a intimidar as pessoas porque parece algo profundo e complicado. Enquanto propiciação é uma verdade imensamente importante, seu significado, na verdade, não é difícil de entender. Refere-se simplesmente ao lado de Deus da cruz – ao que Deus recebeu por meio da obra expiatória de Cristo. Sua morte satisfez as demandas de justiça divina e reivindicou a natureza santa de Deus em relação ao pecado. Permitiu que Deus viesse em graça ao homem com uma oferta para perdoar plenamente todo pecador que crê. Assim, propiciação tem a ver com o atendimento das santas reivindicações de Deus contra o pecado. Mas há também o nosso lado da obra de Cristo na cruz, que os mestres da Bíblia chamam de substituição. O lado substitutivo de Sua obra na expiação tem a ver com atender às necessidades do pecador. Precisávamos de alguém para tomar nosso lugar sob o justo julgamento de Deus contra nossos pecados. Cristo fez isso, como diz o apóstolo Pedro: “o Justo pelos injustos, para levar-nos a Deus” (1 Pe 3:18). Assim, a expiação tem duas partes – propiciação e substituição.
Pregamos Propiciação ao Mundo, Não Substituição
João acrescenta: “não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo [mas também para o mundo inteiro – JND]”. Isso mostra que a propiciação é muito ampla em sua aplicação. Ela foi feita para o mundo todo e, por causa disso, cada pessoa no mundo pode ser salva se vier a Cristo com fé. A KJV acrescenta em itálico: “Para ‘os pecados do’ mundo todo”6. O uso de itálico na versão King James indica que a palavra “pecado” não está no texto grego, mas foi adicionada pelos tradutores por acharem que daria clareza ao texto. No entanto, quase sempre, essas adições mudam o significado da passagem. Isso é o que aconteceu aqui. A verdade é que a propiciação foi feita para o mundo inteiro, mas Cristo não levou os pecados de todos no mundo. A escritura afirma que Ele levou o juízo dos pecados de “muitos” – que se refere aos crentes (Is 53:12; Mt 20:28, 26:28; Hb 9:28) – mas não de todos os homens. É verdade que Cristo “morreu por todos”; isso é propiciação (2 Co 5:15; 1 Tm 2:6), mas Ele só suportou os pecados dos muitos que viriam a crer. Assim, o que Cristo realizou na cruz é “para todos”, mas apenas “sobre todos” os que creem (Rm 3:22). A gravidade desse erro, embora na maioria dos casos não seja intencional, é que apresenta Deus como sendo injusto. Se Cristo levou o juízo dos pecados de todos do mundo, então Deus seria injusto em permitir que alguém seja lançado no inferno. Eles pagariam pelos pecados que já foram pagos por Cristo!
Assim, pregamos a propiciação ao mundo no evangelho. Dizemos aos perdidos que as santas reivindicações de Deus foram atendidas pela obra expiatória de Cristo na cruz e que Deus não apenas está satisfeito, mas também que foi glorificado por isso. E, se eles vierem a Cristo com fé, eles podem ser salvos. Por outro lado, ensinamos a substituição para aqueles que creem. Dizemos a eles que Cristo levou o justo juízo de seus pecados e, portanto, Deus (sendo o Deus justo que Ele é) nunca os punirá por seus pecados. Fazê-lo exigiria um pagamento duplo, algo que Deus nunca faria porque seria injusto. Esta preciosa verdade dá ao crente paz e segurança.
Como regra geral nas epístolas, quando a obra de Cristo na cruz está em vista, e os pronomes “nós”, “nos” ou “nosso” são usados, é o lado substitutivo de Sua morte que está sendo apresentado (Is 53:5-6; Rm 4:25, 5:8; 1 Co 15:3; 2 Co 5:21; Gl 1:4; Ef 1:7; 1 Pe 2:24, 3:18; 1 Jo 3:5; Ap 1:5-6, etc.). Infelizmente, muitos pregadores evangélicos, obreiros missionários e professores de escola dominical, etc., têm entendido mal isso, e dizem a seus ouvintes não salvos que Cristo morreu por seus pecados e que Ele levou o juízo por eles. Esse equívoco decorre em grande parte de supor que esses pronomes na Escritura estão se referindo a toda raça humana, o que não estão; eles estão se referindo aos crentes – a companhia Cristã. As epístolas foram escritas para os Cristãos, não para as pessoas perdidas deste mundo. Ficaríamos muito contentes se os homens deste mundo as lessem; muitos foram salvos ao fazer isso, mas elas não foram escritas para eles.
O TESTE DE OBEDIÊNCIA (Cap. 2:3-5)
João prossegue para examinar outra confirmação de profissão. Ele diz: “E nisto sabemos que O conhecemos: se guardarmos os Seus mandamentos. Aquele que diz**: Eu conheço-O e não guarda os Seus mandamentos é mentiroso, e nele não está a verdade. Mas qualquer que guarda a Sua Palavra, o amor de Deus está nele verdadeiramente aperfeiçoado; nisto conhecemos que estamos n’Ele”**. O teste aqui é obediência. Esta é uma das maiores provas da realidade da profissão de uma pessoa. João menciona _duas_ coisas a esse respeito:
- Guardando Seus “mandamentos” (v. 3). - Guardando Sua “Palavra” (v. 5).
Os “mandamentos” do Senhor são as instruções especiais que Ele deu a Seus discípulos em Seu ministério terreno. João se refere a eles várias vezes em seus escritos (Jo 13:34, 14:15, 15:10-12; 1 Jo 2:3-4, 7-8, 3:22-23, 4:21, 5:2-3; 2 Jo 4-6). Como mencionado na Introdução, o tema no ministério de João é a vida eterna na família de Deus. Ele supõe que condições felizes de afeto existam na comunhão do Pai e o Filho com os filhos de Deus, e quando o menor desejo ou anseio é dado a conhecer aos filhos, tem o poder de um comando sobre o coração deles. Torna-se algo para eles que devem fazer para aqu’Ele a Quem eles amam tanto (cap. 4:19). Por isso, essas coisas são apropriadamente chamadas de “mandamentos”. (Veja 2 Samuel 23:15-17).
Esses mandamentos não devem ser confundidos com os Dez Mandamentos que Deus deu a Israel por intermédio de Moisés (Êx 20). Alguns têm entendido mal isso e imaginaram que o Senhor estava ensinando que os Cristãos estão sob a lei e, portanto, devem observar suas determinações. 1 Coríntios 14:37 mostra que os mandamentos do Senhor não são os Mandamentos da lei dados no Sinai. Nesse capítulo, Paulo instrui os santos quanto à ordem de Deus para o ministério Cristão na assembleia, e conclui chamando essas coisas de “mandamentos do Senhor”. Isso mostra que não devemos pensar que toda vez que vemos a palavra “mandamentos” na Escritura, refere-se automaticamente aos Dez Mandamentos; as instruções que Paulo deu em 1 Coríntios 14 não têm nada a ver com os Mandamentos legais que Deus deu no Sinai. Geralmente, quando os Mandamentos mosaicos são mencionados nas epístolas, eles são chamados de “a lei” (Rm 3:19-20, 13:8-9; 1 Tm 1:9; Tg 2:10, etc.)
Seus mandamentos não são “pesados” para aqueles que O amam (1 Jo 5:3) porque Seu “jugo é suave” e Seu “fardo é leve” (Mt 11:29). Assim, no Cristianismo, as coisas que Ele nos pediu para fazer não são penosas, como foi a Lei de Moisés (Mt 11:28; At 15:10).
Guardar “Sua Palavra” é algo maior do que guardar Seus mandamentos. Tem a ver com conhecer a mente e a vontade de Deus quando não há nenhum versículo bíblico específico que aborde nosso motivo de preocupação. Tais coisas são discernidas permanecendo n’Ele – isto é, estando em comunhão com o Senhor (Jo 15:4, 7). Em tais situações, “o amor de Deus” é “aperfeiçoado” em nós. O gozo do Seu amor por estar em comunhão com Ele nos levou a discernir Sua mente e, nesse sentido, o amor de Deus alcançou seu fim divino em nós. Por isso, como crentes, nós não apenas “O conhecemos” por fé (v. 3), mas também “sabemos que estamos n’Ele” por meio da experiência pessoal da comunhão (v. 5). Nossa obediência prova a realidade do nosso relacionamento com Ele e mostra que realmente o conhecemos.
Por outro lado, se alguém disser que conhece a Deus, mas não guarda Seus mandamentos (e muito menos a Sua Palavra), fica claro que o amor e a obediência de que João está falando não estão nele. A pessoa manifestou sua condição real; ela não tem conhecimento real de Deus e mostra ser alguém “mentiroso, e a verdade não está nele” (v. 4).
O TESTE DE ANDAR COMO CRISTO ANDOU (Cap. 2:6-8)
João fala então de outro teste: “Aquele que diz que permanece n’Ele, deve também andar como Ele andou. Amados, não vos escrevo um mandamento novo, mas um mandamento antigo que tendes tido desde o princípio; este mandamento antigo é a palavra que ouvistes” (TB). (“Amado” é uma palavra que não é usada na Escritura para os perdidos. Deus ama os pecadores (Jo 3:16), mas reserva este termo de carinho para as crianças em Sua família.) Tendo falado em guardar Sua Palavra permanecendo n’Ele, João antecipa que haverá alguns que professarão permanecer n’Ele. Ele mostra que todas essas pessoas podem ser testadas quanto à realidade de sua profissão pela maneira como andam. Os verdadeiros crentes andarão “assim como Ele andou” – isto é, como o Senhor andou quando esteve aqui na Terra. Assim, a vida de Cristo é o padrão de vida do Cristão. Isso vai além da simples obediência para incluir a manifestação das características morais de Cristo em nossa vida – Sua mansidão, Sua humildade, Sua bondade, Sua compaixão, Sua empatia, Sua fidelidade, etc. Essas graciosas características serão manifestadas em verdadeiros crentes. Elas podem não ser tão distintas em nós como eram no Senhor, mesmo assim serão vistas em todo crente em alguma medida.
V. 7 – Tendo Cristo como exemplo de nossa caminhada, João diz para os santos: “não vos escrevo um mandamento novo”. O “mandamento antigo” – que é amar uns aos outros – foi perfeitamente expresso na vida do Senhor. João não teve acréscimos ou adendos para fazer porque você não pode melhorar a perfeição. Isso contrastava com o que os falsos mestres anticristãos estavam propondo. Eles eram conhecidos por dar uma nova reviravolta nas coisas – o que não era a verdade. Quão refrescante é ouvir João dizer que temos tudo o que precisamos em Cristo!
Pouco antes de o Senhor retornar para o Pai no céu, Ele deu este mandamento aos discípulos, chamando-o de “um novo mandamento” (Jo 13:34). Isso ocorre porque o tipo de amor com o qual eles estavam familiarizados sob o sistema Mosaico era amar seu próximo “como” a si mesmos (Lc 10:27). Mas agora, no Cristianismo, temos um novo e diferente ponto de referência; devemos amar uns aos outros “como” Cristo nos amou (Jo 15:10-12). Da perspectiva que João estava escrevendo – muito tempo depois de o Senhor caminhar neste mundo – ele se referiu a ele como “velho”.
V. 8 – Tendo dito isto, João diz: “Outra vez vos escrevo um mandamento novo, que é verdadeiro n’Ele e em vós; porque vão passando as trevas, e já a verdadeira luz alumia”. Isso soa como se João estivesse se contradizendo. Ele acabara de dizer que não tinha mandamento novo para entregar aos santos, mas agora ele diz que tem! O que ele quer dizer? É simplesmente que o antigo mandamento de amar uns aos outros deveria agora ser aplicado nas novas circunstâncias da nova dispensação que havia sido introduzida com a vinda do Espírito Santo. O novo mandamento não difere do antigo em substância. Como havia sido expresso em Cristo, agora encontrava sua expressão nos filhos de Deus. Consequentemente, João diz: “o qual é verdadeiro n’Ele e em vós” J. N. Darby observou: “Em outro sentido, era um mandamento novo, pois pelo poder do Espírito de Cristo, unindo-se a Ele e obtendo nossa vida d’Ele, o Espírito de Deus, manifestou o efeito desta vida “(Synopsis of the Books of the Bible, edição de Loizeaux, vol. 5, pág. 497). Assim, o antigo mandamento não perdeu seu frescor; foram as circunstâncias em que foi aplicado que o tornaram um novo mandamento.
Essa manifestação de amor nos filhos de Deus é a primícia de toda uma nova era de regeneração moral na Terra, que será estabelecida quando Cristo reinar em Seu reino – o Milênio (Mt 19:28). Antecipando esse dia, João diz: “vão passando as trevas, e já a verdadeira luz alumia”. A versão King James diz que as trevas “passaram”, mas, neste mundo, a ignorância quanto a Deus ainda não passou; devemos esperar pelo estabelecimento do Milênio para isso, quando a Terra estará cheia do conhecimento do Senhor (Is 11:9). Quando alguém olha em volta para as condições neste mundo hoje, ele pode estar inclinado a dizer que as trevas morais e espirituais estão aumentando, e não passando. Mas para aqueles que têm fé, eles veem as trevas em um processo de estarem passando porque “a verdadeira luz” começou a brilhar em Cristo e nos filhos de Deus, e isso é o precursor do que está por vir. Aquela luz que começou a brilhar agora nunca será extinta.
O TESTE DO AMOR DIVINO (Cap. 2:9-11)
João examina mais uma característica de estar na luz – um amor genuíno por nossos irmãos. Ele diz: **“**Aquele que diz estar na luz, e aborrece a seu irmão, até agora está nas trevas. Aquele que ama a seu irmão, permanece na luz, e não há nele motivo de tropeço; mas aquele que aborrece a seu irmão, anda nas trevas, e não sabe para onde vai, porque as trevas lhe cegaram os olhos”. Mantendo o estilo de João, ele fala abstratamente aqui. Ele não está levando em consideração que um verdadeiro Cristão pode permitir que a carne se levante em sua alma e tenha sentimentos amargos em relação a um de seus irmãos. Ele está supondo que esse é o hábito e o caráter da vida de uma pessoa, porque ele está nas trevas e não é salvo de forma alguma.
Se alguém está verdadeiramente na luz, ele andará na luz e não procurará uma ocasião para fazer seu irmão tropeçar. Ele provará assim seu amor por seu irmão e que ele verdadeiramente permanece na luz. Por outro lado, aquele que odeia seu irmão “anda em trevas” e foi cegado pelas trevas em que anda. Ele manifestará isso sendo enganado pelas doutrinas errôneas da Cristandade e, assim, se afastando da verdade; ele também procurará fazer os outros tropeçarem da mesma maneira. Com isso, ele prova que não tem amor verdadeiro por seu irmão e que ele mesmo não é um verdadeiro filho de Deus.
Um Resumo das Características dos Que Estão na Luz
- Eles andam na luz, em comunhão uns com os outros, com o conhecimento de que o sangue de Cristo os purificou de seus pecados (cap. 1:6-7). - Eles sabem o que são em si mesmos – ainda tendo uma natureza pecaminosa (cap. 1:8). - Se eles falham, eles confessam seus pecados porque eles têm um Advogado junto ao Pai (caps. 1:9-2:2). - Em obediência, eles guardam Seus mandamentos e Sua Palavra (cap. 2:3-5). - Eles exibem as características morais de Cristo em seu andar e maneiras (cap. 2:6-8). - Eles amam seus irmãos e provam isso tomando cuidado para não serem causa de tropeço para eles (cap. 2:9-11).
CRESCIMENTO NA FAMÍLIA DE DEUS
Um parêntese
Capítulo 2:12-28
Neste ponto da epístola, João abandona o exame das características da natureza de Deus sendo replicadas em Seus filhos para falar de vários estágios de crescimento na família de Deus. Ele parece antecipar alguém perguntando: “Por que alguns filhos carregam as características da natureza divina distintamente e outros não?” Em um longo parêntese (vs. 12-28), João mostra que todos os filhos estão em diferentes estágios de crescimento. Aqueles novos na fé (recentemente salvos) ainda terão algumas das marcas do mundo em seus caminhos e maneiras, e isso tende a obscurecer as características da natureza divina neles. Isso não significa que eles não sejam realmente crentes, mas que eles carecem de desenvolvimento moral devido à sua infância espiritual. Moisés é uma figura disso. Quando ele se levantou em fé e abandonou o Egito (um tipo do mundo), ele veio para o deserto, onde ele foi confundido ao se parecer com um egípcio (Êx 2:19; Hb 11:24-27). Ele era um verdadeiro filho de Deus, mas havia algo no modo como ele se vestia e agia que levava aqueles que o viam a pensar que ele era um egípcio.
Os versículos 12 e 28 funcionam como suportes para este parêntese. O versículo 12 aborda o fato de que aqueles a quem João está prestes a se dirigir são verdadeiramente filhos de Deus – provados pelo fato de que seus pecados são perdoados, uma bênção comum de todos na família. O versículo 28 confirma que eles são filhos e é uma exortação a permanecer n’Ele tendo em vista a Sua vinda. Em ambos os versículos, a palavra “filhinhos” (na KJV) não deveria estar no texto. João está se dirigindo à família toda de Deus, não apenas àqueles jovens na fé. João usa a palavra “filhos” (JND) nesses dois versículos como um termo de afeto, não para indicar a infância espiritual.
V. 12 – Ele diz: **“Eu vos escrevo, filhos, porque vossos pecados estão perdoados por causa do Seu nome” (**JND). O perdão dos pecados é uma bênção Cristã que temos em Cristo (At 5:31, 10:43, 13:38, 26:18; Ef 1:7, 4:32, etc.). Refere-se ao julgamento de nossos pecados sendo eternamente removidos por meio da fé na obra consumada de Cristo na cruz. Como resultado, temos um conhecimento consciente de que nossos pecados se foram diante dos olhos de Deus porque nossa consciência foi purificada de culpa (Hb 9:14, 10:2, 22). Os santos do Velho Testamento não tinham essa bênção. Por intermédio da paciência de Deus, seus pecados foram expiados pela obra de Cristo na cruz (Rm 3:25), mas eles não tinham conhecimento disso enquanto estavam vivos, porque Cristo ainda não tinha vindo para aniquilar o pecado pelo sacrifício de Si mesmo (Hb 9:26). Como resultado, eles viveram com um grau de incerteza quanto ao julgamento de seus pecados (Sl 25:7, etc.). O único tipo de perdão que eles conheciam era o perdão governamental (Lv 4, etc.).
Vários Estágios de Crescimento na Família
Em um parêntese, João aborda duas vezes os vários membros da família. A primeira vez é para identificar os vários níveis de realização espiritual que cada um alcançou. Na segunda vez, ele exorta cada um de acordo com os perigos específicos que eles provavelmente enfrentariam em seu nível alcançado. Ele usa “pais”, “jovens” e “filhinhos” [“filhos” – JND] como figuras para indicar vários estágios de crescimento na família. Ele não está falando deles literalmente; portanto, as irmãs seriam incluídas nessas categorias. É digno de nota que, embora João mencione homens jovens, ele não menciona homens idosos, o que implicaria declínio espiritual. A vida eterna desfrutada em comunhão com o Pai e o Filho não conhece declínio. Nas coisas divinas, uma pessoa pode ter uma idade bem avançada fisicamente, mas ainda estar cheia de vitalidade espiritual. Calebe é um tipo disso (Js 14:10-11).
PAIS (v. 13a)
João diz: “Pais, escrevo-vos, porque conhecestes aqu’Ele que é desde o princípio”. “Pais” representa os membros da família que são Cristãos adultos e amadurecidos. Essa palavra aos pais nos mostra que a mais alta realização que se pode alcançar na experiência Cristã é a familiaridade pessoal com Cristo – “Aqu’Ele que é desde o princípio”. Nota: ele diz: “conhecestes aqu’Ele”. Ele não diz: “Você está maduro porque tem muito conhecimento bíblico”. Não pretendemos minimizar o conhecimento bíblico, pois o entendimento das Escrituras é um componente importante do crescimento espiritual (1 Pe 2:2) – mas isso em si não produz a maturidade Cristã.
Conhecer aqu’Ele que é desde o princípio, associado com o conhecimento da verdade, é o que leva à maturidade Cristã. Os jovens e os filhinhos conhecem a Cristo também, é claro. Eles O conhecem como seu Salvador, e são gratos por isso, mas os pais O conhecem de maneira mais profunda, por terem passado tempo em comunhão com Ele. Eles alcançaram um estágio de crescimento espiritual em sua vida, onde Cristo é tudo para eles. Eles abandonaram as ambições e objetivos mundanos e estão focados em uma coisa – Cristo e Seus interesses. Paulo exemplifica isso, dizendo: “mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam e avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo [objetivo – JND], pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus”. (Fp 3:13-14). O objetivo de um Cristão adulto é triplo:
- “Conhecê-Lo” (Fp 3:10). - Ser “como Ele” (1 Jo 3:2). - Estar “com Ele” (1 Ts 5:10).
Assim, ao falar de pais, João não está se referindo a quanto tempo uma pessoa tem sido Cristã, mas ao seu nível de maturidade em coisas divinas. É bem possível que uma pessoa tenha sido Cristã por muitos anos e, no entanto, não ser um pai no sentido em que João fala aqui. Há muitos que foram salvos há já um longo tempo, mas ainda são bebês espirituais porque dedicaram pouco tempo e exercício nas coisas espirituais.
JOVENS (v. 13b)
Em seguida, João diz: “Jovens, escrevo-vos, porque vencestes o maligno”. Isso se refere a uma classe de crentes que não são bebês em Cristo, mas não tiveram a profundidade de experiência pessoal com Cristo que os pais têm. Eles são marcados pelo vigor espiritual e por vencerem Satanás, “o maligno”. Isso não significa que Satanás não seja mais uma força a ser considerada, mas que eles têm escapado das artimanhas do diabo. O versículo 14 nos diz como – pela “Palavra de Deus”. Assim, por sua obediência aos princípios da Palavra de Deus, eles derrotaram suas artimanhas, como fez o Senhor quando foi tentado pelo diabo no deserto (Mt 4:1-11). Isto requer familiaridade com as Escrituras que eles evidentemente têm.
FILHINHOS (v. 14 – ARA)
Por último, João diz: “Filhinhos, eu vos escrevi, porque conheceis o Pai”. A palavra grega traduzida “filhinhos” (“paidion”) aqui e no versículo 18 não é a mesma palavra traduzida “filhinhos” (“teknion”) nos versículos 12 e 28. Aqui, a palavra está no diminutivo e, portanto, “filhinhos” está de acordo com o texto. Está se referindo àqueles que são novos na fé – recém salvos. Mais uma vez, ele não está falando da idade física; uma pessoa poderia ser salva no final da vida e, nesse sentido, seria um bebê em Cristo, pois todos nós entramos na vida Cristã como filhinhos.
Os filhinhos são marcados por conhecerem Deus como seu pai. Aqueles nessa fase não têm um conhecimento prático da Palavra de Deus (as Escrituras) como os jovens têm, simplesmente porque não tiveram tempo para se estabelecer na Palavra, sendo novos na fé. Mas eles têm a coisa mais elementar do Cristianismo – eles conhecem a Deus como seu Pai. Por isso, conhecer o Pai (como fazem os filhinhos) marca o início da experiência Cristã, mas conhecer a Cristo (como os pais o fazem) é o ápice da experiência Cristã.
Na segunda vez que João se dirige a esses na família, ele os exorta a respeito dos perigos aos quais eles provavelmente seriam suscetíveis. Estas são as primeiras exortações da epístola.
PAIS (v. 14a)
João diz: “Eu vos escrevi, pais, porque já conhecestes aqu’Ele que é desde o princípio”. É interessante que sua palavra aos pais seja a mesma que lhes disse na primeira vez. Ele nada acrescenta porque nada pode ser acrescentado ao que é o auge da experiência Cristã. Quando Cristo se torna o único Objeto de nosso coração e somos preenchidos com a alegria da comunhão com Ele, não podemos obter nada mais elevado do que isso! Não há necessidade de que João lhes dê uma palavra de cautela quanto aos perigos do caminho, porque o inimigo não pode tocar aqueles que habitualmente permanecem em Cristo (Dt 33:12; 1 Sm 22:23). Isso mostra que estar cheio dessa bem-aventurança é a melhor salvaguarda contra as seduções do inimigo.
JOVENS (vs. 14b-17)
Passando para os jovens, ele diz: “Eu vos escrevi, jovens, porque sois fortes, e a Palavra de Deus está em vós, e já vencestes o maligno”. Eles são elogiados por duas coisas: “sois fortes” (espiritualmente) e “vencestes” os estratagemas7 do diabo (Ef 6:11 – tradução de W. Kelly). João falou dos jovens que venceram o iníquo no versículo 13, mas aqui ele nos dá o segredo de sua vitória – tendo a Palavra de Deus permanecendo “neles”. Isso vai além de simplesmente conhecer a Palavra, mas inclui digeri-la e, consequentemente, tê-la como parte integrante de nosso ser, para que a Palavra governe nossos movimentos neste mundo. Nesse caso, as tentativas do diabo, em fazer tropeçar o crente, são derrotadas. Quando a Palavra de Deus habita em um crente na maneira como João fala, ele não renunciará à verdade, mesmo que os outros à sua volta possam estar abandonando. Sua força em vencer o iníquo é derivada de sua adesão aos princípios da Palavra de Deus, e não de força moral e hábil raciocínio humanos.
Um Aviso Contra o Mundanismo
V. 15 – Conseguir a vitória sobre o iníquo não significa que os jovens estivessem fora de perigo. De fato, muitas vezes têm sido dito que o filho de Deus nunca está em uma posição mais perigosa espiritualmente do que depois que ele ganhou uma vitória sobre o inimigo. Isso ocorre porque tendemos a baixar a guarda nesses momentos e nos tornamos vulneráveis. Tendo vencido o iníquo, há outro inimigo do qual precisam ser cautelosos – o mundo. Por isso, João adverte: “Não ameis o mundo, nem o que no mundo há. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele”. O “mundo” é usado nas Escrituras de três maneiras:
- Como um lugar – o planeta Terra (Jo 1:10, 9:5, 13:1, 16:28, 18:37; At 17:24; Rm 1:20; 1 Tm 1:15; Hb 11:3; Ap 13:8). - Como uma sociedade onde Cristo é excluído (Jo 8:23, 15:19, 17:14b-16, 18; Rm 12:2; Gl 1:4, 6:14; 2 Tm 4:10; Tg 4:4; 1 Jo 2:15-17, 4:5a, 5:19). O mundo, nesse sentido, refere-se ao sistema de negócios e atividades na Terra que o homem, em sua alienação de Deus, organizou em uma tentativa de manter-se feliz sem ter que enfrentar a Deus sobre a questão de seus pecados. Tudo começou quando Caim saiu da presença do Senhor e sua descendência desenvolveu várias atividades nesta vida que absorvem os interesses dos homens até os dias de hoje (Gn 4). Agora é um vasto sistema com muitos departamentos – as artes, as ciências, a educação, a literatura, a religião, o comércio, a política, os esportes profissionais, etc. Tudo se baseia nos falsos princípios e valores baseados nos desejos da carne. - Como pessoas que são parte integrante da sociedade que o homem construiu para si mesmo em sua alienação de Deus (Sl 17:14; Jo 1:10b, 3:16, 4:42, 6:51, 15:18, 17:14a; 1 Jo 4:5b, 14).
O aspecto que João está advertindo aqui no versículo 15 é a sociedade onde Cristo é excluído. Mesmo se um crente fez considerável progresso espiritual, ele ainda precisa estar em guarda contra este inimigo. Os valores, princípios e metas do mundo estão todos centrados em torno de nós mesmos – fazendo o que queremos para agradar a nós mesmos. Somos levados a acreditar que perseguir essas coisas nos fará felizes e satisfeitos, mas os que acreditam nisso sempre se sentem vazios e insatisfeitos. Seguir esses objetivos e ambições mundanas com certeza desperdiçará nossa vida em coisas passageiras e, assim, seremos impedidos de fazer a vontade de Deus. Por isso, a advertência de João é: “Não ameis o mundo”. Ao dizer: “Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele”, ele deixa claro que não podemos desfrutar da comunhão com o Pai e com o mundo ao mesmo tempo; deve ser um ou outro. É verdade que temos que passar pelo mundo e, ao fazê-lo, vamos usar “deste mundo” em nossas responsabilidades cotidianas (1 Co 7:31, 33), mas não precisamos amar o mundo e marchar no ritmo de seu tambor. O Cristão de mente correta, portanto, deveria ver o sistema mundial como ele realmente é – um inimigo – e se separar dele. O Senhor orou por nós para que fôssemos preservados das influências do mundo (Jo 17:14-17).
Três Princípios Falsos Sobre os Quais o Mundo Opera
V. 16 – Para nos ajudar a ver o que o mundo realmente é em sua essência, João aponta três princípios falsos sobre os quais opera. Ele diz: “Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não é do Pai, mas do mundo”. Primeiro, há “a concupiscência da carne”. Isso se refere a cobiçar as coisas que satisfariam os apetites corporais ilícitos. Em segundo lugar, há “a concupiscência dos olhos”. Isso se refere aos maus desejos de cobiça, querendo possuir o que vemos. Em terceiro lugar, há a “soberba da vida”. Isso é querer ser reconhecido como alguém importante nesta vida. Tem sido frequentemente apontado que estas três coisas foram usadas com sucesso pelo diabo em Eva no jardim do Éden (Gn 3:6) e sem sucesso no Senhor nas tentações do deserto (Mt 4:1-11).
V. 17 – João conclui suas observações aos jovens dizendo: “E o mundo passa, e a sua concupiscência; mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre [para a eternidade – JND]” O mundanismo não poderia ser definido de maneira mais sucinta – é o amor por coisas passageiras. Aqueles que vivem por essas coisas perderão tudo quando passarem deste mundo. Ló é um exemplo aqui. Ele viveu para as coisas mundanas em Sodoma, e elas foram todas queimadas quando o julgamento de Deus caiu naquela cidade. Ele perdeu tudo aquilo pelo que tinha vivido! (Gn 19) Por outro lado, a pessoa que faz a vontade de Deus permanece na bem-aventurança dela para “a eternidade”. Os resultados de fazer a vontade de Deus serão levados conosco para a eternidade (Lc 10:42, 12:33, 16:9). Deveria ser óbvio a todos para o que deveríamos estar vivendo. Nenhuma pessoa sóbria investe em uma empresa que está prestes a falir! Nem um Cristão sóbrio vai viver para o mundo que está prestes a passar. Faria tanto sentido quanto arrumar as cadeiras no convés do Titanic naufragando!
Três Razões Pelas Quais Não Devemos Amar o Mundo
João nos deu três razões convincentes pelas quais os Cristãos não deveriam viver para o mundo:
- As coisas do mundo estragam nosso desfrutar do amor do Pai (v. 15). - As coisas deste mundo excitam os instintos mais básicos de nossa natureza decaída (a carne) que nos levam em um curso de pecado para longe de Deus (v. 16). - As coisas do mundo são transitórias; a pessoa que vive para elas é o perdedor, porque ele não pode levá-las para o mundo vindouro (v. 17).
FILHINHOS (v. 18-27)
João passa a exortar os novos convertidos. Ele diz: “Filhinhos, é já a última hora; e, como ouvistes que vem o anticristo, também agora muitos se têm feito anticristos; por onde conhecemos que é já a última hora. Saíram de nós, mas não eram de nós; porque, se fossem de nós, ficariam conosco; mas isto é para que se manifestasse que não são todos de nós”. Como no versículo 13, “filhinhos” deve estar no texto aqui porque está descrevendo aqueles que são novos na fé. João não fala da infância espiritual deles depreciativamente; não há nada de errado em uma pessoa ser um bebê espiritual em Cristo, se ele é novo na fé. O apóstolo Paulo, por outro lado, repreende os coríntios e os hebreus por serem “crianças [bebês – JND]” (1 Co 3:1-3 – ARA; Hb 5:12-13 – ARA). Eles estiveram no caminho Cristão por um bom tempo e deveriam ter progredido, mas falharam em fazê-lo por causa da carnalidade (no caso dos coríntios) e da interferência da religião terrena (no caso dos hebreus). Se alguém é um bebê por meio de sua falta de progresso ou porque ele é um novo crente, todos esses são vulneráveis aos enganos do inimigo (Ef 4:14) e precisam do aviso de advertência que João dá aqui.
Um Aviso Contra a Sedução Espiritual
Os alvos favoritos do inimigo são os novos na fé. É, portanto, imperativo que o novo convertido seja conscientizado do fato de que há uma batalha espiritual sendo travada sobre sua cabeça, e que o inimigo de sua alma tem planos de derrubá-lo por meio de suas seduções. Uma vez que os novos convertidos tendem a olhar para os mestres – muitas vezes ao ponto de vê-los acima do que são (Mc 8:24; 2 Co 12:6-7) – o inimigo habilmente emprega mestres que são heterodoxos8 na doutrina para fazer o jovem “se extraviar” (v. 26 – JND). Assim, João os informa que, embora o anticristo da profecia bíblica ainda não tenha aparecido – um homem corrupto que irá extraviar as massas por meio de sua blasfêmia (2 Ts 2:2-12; Ap 13:11-18) – O espírito do anticristo já havia começado a trabalhar no testemunho Cristão. O termo “anticristo” significa “contra Cristo”. Qualquer ensinamento que seja contra Cristo, seja no dia vindouro, seja no presente, tem o espírito do anticristo. Ele diz que havia muitos mestres anticristãos trabalhando naquele dia, e a presença deles era uma prova de que já era “a última hora”. Ainda mais em nossos dias!
João diz: “Saíram de nós”. O “nós” aqui está se referindo aos apóstolos. Esses charlatães não saíram do testemunho Cristão – eles ainda chamavam a si mesmos Cristãos. Do que eles “saíram” foi da “doutrina e comunhão dos apóstolos” (At 2:42). Ele diz que o fato de que eles não continuaram na verdade manifestou que eles “não eram de nós”. Eles não perderam a salvação se tornando defeituosos (como alguns ensinaram) – eles nunca foram verdadeiros desde o início! A versão King James (como nas ARC e ARF) diz no v. 19: “não são todos de nós”. Isso poderia ser enganador; Isso implica que alguns deles eram verdadeiros crentes. Mas deve ser traduzido: “ que todos estes não são de nós” – TB, significando que todos eles eram falsos.
A Unção do Espírito
Vs. 20-21 – Em vista desse ataque ao Cristianismo, João dirige esses pequeninos ao grande recurso que eles têm no Espírito Santo. Ele diz: “Mas vós tendes a unção do Santo, e conheceis toda a verdade” (tradução de W. Kelly). A “unção” do Espírito é um aspecto especial da habitação do Espírito Santo que dá ao crente discernimento em relação à verdade e ao erro. Isso mostra que o mais novo filho de Deus tem a presença interior do Espírito, que é recebido quando cremos no evangelho (Gl 3:2; Ef 1:13). No evangelho de João, o Espírito de Deus é dado aos crentes para aumentar seu entendimento e desfrute da verdade (caps. 14:26, 15:26, 16:13-15), enquanto na epístola de João, o Espírito é dado ao santos mais com o propósito de protegê-los de serem enganados pelo inimigo (caps. 2:18-27, 3:24, 4:1-6, 13, 5:6-7).
É digno de nota que João não direciona esses pequeninos para a Palavra de Deus, e lhes diz para usar as Escrituras para refutar o ensino do mal. Se eles tivessem estado no nível dos jovens que tinham a Palavra de Deus habitando neles, ele poderia ter dito isso. Mas esses filhinhos eram novos na fé e ainda não tinham um conhecimento prático da Palavra de Deus e, portanto, não tinham capacidade para tal tarefa. Sendo assim, João aponta para a “unção do Santo” que seria dada para conhecer “todas as coisas” (JND). Ele diz: “Não vos escrevi porque não soubésseis a verdade, mas porque a sabeis e porque nenhuma mentira vem da verdade” (v. 21). João não quer dizer que esses novos crentes conhecessem todos os vários princípios da revelação Cristã da verdade, mas tendo a unção do Espírito, eles tinham a capacidade de discernir a verdade quando fosse apresentada. Assim, eles saberiam quando a ouvissem. O Espírito lhes daria um senso na alma deles de que o que estava sendo apresentado era de fato a verdade. Por outro lado, se alguém apresentasse um erro, eles também seriam capazes de discernir que havia algo errado com isso. Eles talvez não pudessem explicar o que exatamente estava errado com a falsa doutrina, mas eles saberiam o suficiente para evitá-la e, assim, seriam preservados.
Vs. 22-23 – João faz uma pausa para mencionar as duas principais formas de erro com as quais os santos se encontrarão antes de continuar com suas observações sobre a unção do Espírito. Esses são:
- A negação de que “Jesus é o Cristo [Messias]”. Essa é a blasfêmia que é mantida entre os judeus descrentes. - A negação do relacionamento eterno do “Pai e o Filho”. Essa é a blasfêmia que é mantida entre muitos falsos mestres no testemunho Cristão.
Negar que Jesus é o Cristo é negar a mensagem essencial do Velho Testamento (At 17:2-3), e negar o Pai e o Filho é negar a mensagem essencial do Novo Testamento (Mt 3:16-17). Vemos disto que os ataques do inimigo são geralmente, se não sempre, dirigidos à Pessoa de Cristo. De fato, será encontrado que no fundo de todo sistema anticristão de ensino há algum tipo de blasfêmia em conexão com a Pessoa de Cristo. Esses sistemas religiosos podem usar a terminologia bíblica em seus ensinamentos, mas o teste real está no que eles têm em relação à “doutrina de Cristo” (2 Jo 9). H. Smith disse: “Quando o anticristo aparecer, ele unirá a mentira dos judeus com a mentira que surge na profissão Cristã, negando tanto que Jesus é o Messias e que Ele é uma Pessoa divina” (As Epístolas de João, pág. 17). O apóstolo João marca aquele que expõe essas falsas doutrinas como sendo um “mentiroso”.
Vs. 24-26 – João então acrescenta uma condição importante em conexão com a operação da unção do Espírito. Ele diz: “Portanto, o que desde o princípio ouvistes permaneça em vós. Se em vós permanecer o que desde o princípio ouvistes, também permanecereis no Filho e no Pai. E esta é a promessa que Ele nos fez: a eterna vida.” Isso mostra que o discernimento espiritual transmitido pelo Espírito Santo não é uma coisa automática. O uso que João faz da palavra “se” mostra que a obra do Espírito como a unção depende do fato de o crente permanecer na revelação Cristã do Pai e o Filho (recebida quando cremos no evangelho) e continuar em comunhão consciente com o Pai e o Filho, que é a essência da “vida eterna” (Jo 17:3). Mencionamos isto porque há muitos que são verdadeiramente salvos e habitados pelo Espírito Santo, mas que foram enganados por mestres errôneos, porque não permaneceram em comunhão com o Pai e o Filho. Isso mostra quão importante é manter a comunhão com Deus; é nossa “corda salva-vidas” espiritual. João explica que estava dando esse aviso por causa do perigo real daqueles que estavam tentando “extraviá-los” (v. 26 – JND).
V. 27 – João então reafirma o grande recurso que eles tinham no Espírito Santo: “E a unção que vós recebestes d’Ele fica em vós, e não tendes necessidade de que alguém vos ensine; mas, como a Sua unção vos ensina todas as coisas, e é verdadeira, e não é mentira, como ela vos ensinou, assim n’Ele permanecereis”. Alguns pensaram que o que João está dizendo aqui é que o caminho para resolver o problema de absorver o erro de falsos mestres é recusar todo o ensino dos homens. Eles acham que o que ele está dizendo é que não precisamos que os homens nos ensinem a verdade porque temos o Espírito Santo que nos ensina e que isso é tudo que precisamos. Consequentemente, eles rejeitam a leitura de todo ministério escrito (comentários). Mas não é isso que João está dizendo. Este versículo não significa que não precisamos de mestres Cristãos na Igreja. Se assim fosse, por que Deus levantou “mestres” e os enviou para ensinar a Igreja? (1 Co 12:28; Ef 4:11-14) Esse versículo simplesmente significa que quando algo nos é apresentado, não precisamos de alguém para nos dizer se é verdade ou erro. Se estamos em comunhão com o Senhor, a unção do Espírito nos dará a saber se é verdade ou erro. Consequentemente, rejeitaremos o erro e reteremos a verdade, e assim “n’Ele permanecereis” e seremos preservados.
V. 28 – F. B. Hole declara: “O versículo 28 do capítulo 2 permanece como um parágrafo curto por si mesmo, e o segundo capítulo terminaria mais apropriadamente com ele” (Epistles, vol. 3, pág. 158). O apóstolo aqui volta a se dirigir a toda família de Deus e, ao fazê-lo, encerra sua digressão sobre o crescimento na família. (Como mencionado anteriormente, a palavra aqui deveria ser “filhos” e não “filhinhos”).
É uma exortação simples para a família como um todo (todos os três níveis de crescimento) a permanecer n’Ele (“permanecei n’Ele”). É nossa grande salvaguarda contra todo o ensino anticristão. Isso mostra que não há substituto para a comunhão, sejam Cristãos maduros ou novos convertidos. João olhou para o dia da manifestação (a Aparição de Cristo) quando os resultados do nosso serviço serão exibidos. Seu trabalho como um apóstolo será manifestado e os trabalhos dos santos serão também. Ele mostra que é possível que pudéssemos ser envergonhados naquele momento porque não seguimos bem no caminho da fé. Seu desejo é que todos tenhamos “confiança” naquele dia e que ninguém seja “envergonhado diante d’Ele em Sua vinda” (JND).
VIDA
Capítulos 2:29-4:6
Cap. 2:29 – Esse versículo dá início a um novo parágrafo que se estende até o capítulo 3. Seria melhor se aqueles que definiram as divisões dos capítulos e versículos em nossas Bíblias o tivessem colocado no terceiro capítulo, pois pertence ao assunto desenvolvido ali.
Vários Atributos Morais da Natureza Divina
Neste ponto, João retoma suas provas e contraprovas sobre os que são e os que não são filhos de Deus. A próxima coisa que ele sustenta são as características morais da natureza divina. Portanto, ser “nascido de Deus”, que é o meio pelo qual recebemos a vida divina, é apropriadamente mencionado várias vezes na última parte da epístola (caps. 2:29, 3:9 [duas vezes], 5:1, 4, 18 [duas vezes]). Os traços característicos da natureza divina manifestaram-se perfeitamente em Cristo quando Ele estava aqui, e podem ser vistos nos filhos de Deus agora, embora às vezes obscurecidos em nós.
J. N. Darby declara que há três provas da posse da vida divina por uma pessoa nesta passagem (Synopsis of the Books of the Bible, edição de Loizeaux, págs. 508-515). São elas:
A PROVA DE PRATICAR A JUSTIÇA (Caps. 2:29-3:10)
A primeira prova da vida divina que João toca é a justiça. Ele diz: “Se sabeis que Ele é justo, sabeis que todo aquele que pratica a justiça é nascido d’Ele” A justiça é “fazer o que é correto”. A injustiça é “fazer o que não é correto”. É inquestionável que Deus é absolutamente justo. No entanto, João afirma esse fato óbvio e o usa como o teste da profissão de uma pessoa. Seu ponto aqui é que, já que Deus é justo, todos os que têm a Sua vida também serão justos, por terem “nascido d’Ele”. Assim, os filhos de Deus se manifestarão como tais pela prática da justiça, pois as características morais do Pai serão vistas neles. Isso, então, pode ser usado como referência para testar todas as pessoas que professam ser filhos de Deus. Simplificando, um filho de Deus praticará a justiça e aquele que não é um verdadeiro filho de Deus não o fará.
João usa a palavra “pratica” repetidamente nesses versículos em conexão com a justiça (fazendo o que é correto) e a ilegalidade (fazendo nossa própria vontade em independência de Deus). Ele está falando do teor geral da vida de uma pessoa – algo que é habitual e característico dela – e não o que ela possa fazer que seja contrário ao caráter. Assim, os filhos de Deus, embora imperfeitos em seus caminhos, praticam a justiça de maneira característica. É o mesmo com aqueles que são incrédulos; a vida deles é caracterizada pela prática da ilegalidade. Eles podem fazer algo, de vez em quando, que pareça ser justo, mas o que os caracteriza é a busca das coisas do mundo; esse é o hábito da vida deles.
Amado do Pai
Cap. 3:1 – João faz uma pequena digressão para explicar onde os filhos de Deus adquirem o poder moral para praticar a justiça – isso é produzido pela contemplação do amor do Pai. Por isso, ele diz: “Vede quão grande amor nos tem concedido o Pai: que fôssemos chamados filhos [as crianças – JND] de Deus” (ARF). (A KJV e as versões em português dizem “filhos”, mas deveria ser traduzido como “crianças”. A filiação, que é a linha distintiva de verdade apresentada por Paulo; não é o assunto aqui).
Em João 3:16, o apóstolo se concentra na medida do amor de Deus aos perdidos; aqui em 1 João 3:1, ele se concentra sobre a maneira do amor do Pai para com Seus filhos. Somos os objetos do Seu amor! Ele quer que não apenas conheçamos esse fato maravilhoso, mas que vivamos no gozo dele. Viver no sentido consciente de que somos amados perfeita e eternamente pelo Pai é uma forte motivação para praticarmos a justiça. De fato, Ele nos ama tanto quanto ama Seu próprio Filho! (Jo 17:23)
Tão querido, muito querido a Deus,
Eu não posso ser mais querido;
O amor com o qual Ele ama o Filho
Tal é o Seu amor para comigo!
Hinário The Little Flock nº 27 - Apêndice
Ter essa ligação com o Pai e o Filho por meio da posse da vida eterna nos desconecta moralmente do mundo – pois os dois são diametralmente opostos (cap. 2:15-16). O mundo não conheceu a Cristo quando esteve aqui (Jo 1:10); os homens eram tão cegos que achavam que Ele tinha um demônio! (Jo 8:48) E o mundo também não conhece os filhos de Deus. João enfatiza isso, afirmando: “Por isso, o mundo não nos conhece, porque não conhece a Ele”. Isso significa que não podemos esperar que as pessoas deste mundo entendam nossas fontes interiores e motivos para viver para Cristo e praticar a justiça. Ser guiado e controlado pelas realidades celestiais invisíveis que capturaram as afeições de nosso coração é um completo mistério para o homem do mundo. Todas essas realidades estão ocultas para ele, pois a fonte da nossa vida está “escondida com Cristo em Deus” (Cl 3:3).
V. 2 – João acrescenta: “Amados, agora somos filhos [crianças – JND] de Deus, e ainda não é manifesto o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando Ele Se manifestar, seremos semelhantes a Ele; porque assim como é O veremos”. Assim, nosso relacionamento com Deus como Seus “filhos” não é algo pelo qual estamos esperando – nós já o temos “agora”. Fisicamente, não parecemos nada diferentes das pessoas deste mundo porque ainda estamos em nosso corpo de “humilhação”, que mostra os sinais de envelhecimento, doença, dor, tristeza etc., como todos os da raça humana (Fp 3:21). Mas quando Cristo aparecer do céu para julgar este mundo em justiça (Sl 96:13; At 17:31), viremos com Ele (Zc 14:5; 1 Ts 3:13, 4:14; Jd 14; Ap. 19:14), e seremos “semelhantes a Ele” em glória (Fp 3:21; Cl 3:4; 2 Ts 1:10). O mundo saberá então que somos filhos de Deus e que somos amados pelo Pai! (Jo 17:23)
João diz que nossa certeza desta realidade está no fato de que nós “O veremos como Ele é” (TB). Isso ocorrerá no Arrebatamento, uns sete anos antes da Aparição de Cristo. Nota: ele não diz que vamos vê-Lo como Ele era, mas como Ele é. Assim, vamos ver a Ele como um Homem glorificado e, nesse momento, seremos transformados instantaneamente à Sua semelhança em glória! O apóstolo Paulo disse: “Assim como trouxemos a imagem do terreno, também traremos a imagem do celestial” (1 Co 15:49). Essa transformação maravilhosa acontecerá “num momento, num abrir e fechar [num piscar – JND] de olhos, ao som da última trombeta” (1 Co 15:52 – TB; 1 Ts 4:16). Que momento será esse!
V. 3 – João continua falando do efeito prático que essa esperança (de ver a Cristo como Ele é) tem sobre os filhos de Deus. Ele diz: “E qualquer que n’Ele tem esta esperança purifica-se a si mesmo, como também Ele é puro”. Assim, saber que em breve vamos ser feitos como Cristo (moral e fisicamente) produz um exercício em nós para ser moralmente como Ele agora, enquanto esperamos Sua vinda. Todo verdadeiro crente que tem essa esperança diante d’Ele “purifica-se a si mesmo”, removendo coisas de sua vida que são inconsistentes com a santidade de Deus (2 Co 7:1; 1 Pe 1:15-16). O padrão ao qual nos dirigimos nesta purificação prática de nossa vida é a própria pureza de Cristo – “como também Ele é puro”. Ele “não conheceu pecado” (2 Co 5:21), Ele “não cometeu pecado [não pecou – JND]” (1 Pe 2:22), e “n’Ele não há pecado” (1 Jo 3:5). Nota: João não diz que nos purificamos como Cristo Se purificou, porque Cristo nunca precisou de purificação – Ele é puro e não poderia ser mais puro! Portanto, essa esperança, se entendida corretamente, tem um efeito santificador no crente.
Justiça e Iniquidade
V. 4 – Enquanto o verdadeiro filho de Deus será conhecido por estar “aperfeiçoando a santificação” em sua vida enquanto espera o Senhor chegar, aquele que simplesmente professa ser um filho de Deus não terá nenhuma preocupação com tal coisa. Isso ficará evidente em sua vida. Este foi o caso dos mestres gnósticos. Eles ostentavam ter maior conhecimento espiritual, mas eram bem descuidados na santidade pessoal. João, portanto, prossegue para definir a verdadeira natureza do pecado e, ao fazê-lo, expõe esses charlatães. Ele diz: “Qualquer que comete pecado também comete iniquidade, porque o pecado é iniquidade”. Ao afirmar isso, João não está falando de um crente falho cometendo um pecado, mas de uma pessoa que “pratica” (ARA) o pecado como uma característica em sua vida. Seu caráter geral prova que ele não é um verdadeiro filho de Deus, embora possa professar ser um.
As versões King James e a Almeida Atualizada apresentam este versículo incorretamente: “o pecado é a transgressão da lei”. Se isso fosse verdade, então teríamos que dizer que não havia pecado no mundo até que Deus deu a Lei a Moisés! Isso não pode ser verdade; contradiz Romanos 5:12-14, que afirma que o pecado estava no mundo antes da lei. A nota de rodapé da Tradução de J. N. Darby diz: “Traduzir que o ‘pecado é a transgressão da Lei’, como na AV [Versão Autorizada – a KJV] é errado, e dá uma falsa definição de pecado, pois o pecado estava no mundo e a morte como consequência, antes de a Lei ter sido dada”. Deveria ser dito: “O pecado é ilegalidade (ou ausência de lei)” (JND). Ausência de lei é fazer nossa própria vontade em independência de Deus. É o exercício da vontade própria.
V. 5 – João acrescenta o feliz antídoto que, embora tenhamos pecado e ficado aquém da glória de Deus (Rm 3:23), Cristo “Se manifestou para tirar os nossos pecados” e nos levar a um relacionamento com Deus. Ele veio para resolver a questão do pecado para a glória de Deus e para a bênção da humanidade. Sua obra de expiação na cruz afastou o pecado de diante de Deus judicialmente (Hb 9:26) e, em um dia vindouro, Ele vai tirar todo o efeito do pecado deste mundo literalmente e trazer um estado eterno de impecabilidade. (Jo 1:29; Ap 21:1-8). Enquanto isso, Ele está tirando a culpa do pecado daqueles que creem, salvando a alma e purificando a consciência deles (Hb 9:14). Ao falar de Cristo como o grande Emissário do pecado, João tem o cuidado de distingui-Lo de todos os outros homens, afirmando: “E n’Ele não há pecado”. Isso significa que Ele não tinha uma natureza caída pecaminosa como os outros homens têm; Sua natureza era, e é, santa (Lc 1:35).
V. 6 – Depois de termos nossos pecados tirados quando recebemos a Cristo como nosso Salvador, João dá o caminho simples de Deus pelo qual somos impedidos de pecar depois disso. Ele diz: “Todo aquele que permanece n’Ele não peca”. Permanecer em Cristo é viver em constante comunhão com Ele (Jo 15:4). Não pecaremos quando estivermos na presença do Senhor em comunhão com Ele. De acordo com seu estilo, João fala de uma maneira absoluta – afirmando o estado normal dos filhos de Deus. (É triste dizer que é quando saímos da comunhão com Ele que pecamos.) Por outro lado, “qualquer que peca não O viu nem O conheceu”. João fala aqui de uma pessoa que vive em um estado contínuo de ilegalidade, que é o estado normal dos incrédulos. Ele diz que tal pessoa realmente não conhece o Senhor. Nota: João não diz: “Todo aquele que comete um pecado …” porque ele não está falando de atos individuais de pecado, mas do teor geral da vida de uma pessoa.
As Duas Naturezas Contrastadas
Vs. 7-10 – Por causa da presença do pecado e dos homens pecaminosos neste mundo, João continua exortando os filhos de Deus a ficarem em guarda contra os enganos dos falsos mestres que procuravam oportunidades para se infiltrar entre os santos e desviá-los. Para ajudá-los a identificar esses falsos obreiros, João faz uma breve dissertação sobre as características básicas das duas naturezas – a velha natureza herdada do nascimento natural por meio de nossos pais (Sl 51:5) e a nova natureza comunicada por Deus por meio do novo nascimento (Jo 3:3-8). Ele não vê essas duas naturezas em uma pessoa (ou seja, um crente), mas abstratamente – as quais caracterizam os crentes e os incrédulos.
Ele nos dá um teste simples pelo qual toda pretensão de se ter a natureza divina pode ser testada. Ele diz: “Quem pratica justiça é justo, assim como Ele é justo. Quem comete o pecado é do diabo, porque o diabo peca desde o princípio” (vs. 7-8). Assim, aqueles que são verdadeiros podem ser distinguidos daqueles que são falsos, olhando para a prática geral de sua vida, pois aquilo que um homem “pratica” indica seu caráter. O verdadeiro praticará a justiça e o falso mestre praticará o pecado (ilegalidade); por isso, seu verdadeiro caráter será manifestado. Isso mostra que a posse da nova natureza não é provada pela profissão que um homem faz, mas pela maneira como ele age no que diz respeito à prática. Portanto, não devemos ser ingênuos e ser enganados por um comentário casual que uma pessoa possa fazer que soe como se tivesse fé em Cristo. Sua verdadeira identidade será conhecida pelo caráter de sua vida.
Se uma pessoa caracteristicamente pratica o pecado, é claro que ele é “do diabo”. O diabo é caracterizado pela rebelião sem lei contra Deus e praticou o pecado “desde o princípio”. O princípio de que João está falando aqui não poderia ser o começo de Satanás como uma criatura. Se fosse assim, então Deus poderia ser acusado de criar uma criatura maligna, o que não é verdade. Deus não criou Satanás como o diabo; ele se tornou o diabo por meio de rebelião. João está se referindo ao começo (a origem) do pecado no universo moral, que começou com a revolta de Satanás contra Deus (Ez 28:11-19). Alguns pensam que o pecado teve seu início na queda de Adão (Gn 3), porque Romanos 5:12 diz: “por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte”. No entanto, esse versículo não está se referindo ao pecado e à morte que entram na criação primitiva, mas ao pecado e à morte que entram na raça humana (o mundo Adâmico). É um erro pensar que o pecado não existiu até a queda de Adão. Satanás e seus anjos caíram antes que Adão caísse e são claramente os primeiros pecadores. Que Satanás era um pecador antes de Adão pode ser visto no fato de que ele estava pecaminosamente trabalhando no jardim do Éden, mentindo e enganando a mulher antes que ela e seu marido pecassem. Em Romanos 5:12, Paulo traça a entrada do pecado na raça humana, enquanto João nos leva de volta à origem do pecado.
Ele acrescenta: “Para isto o Filho de Deus Se manifestou: para desfazer as obras do diabo” (v. 8b). O diabo tem trabalhado no coração dos homens por intermédio da velha natureza do pecado, enchendo os homens de incredulidade e rebeldia. O Senhor veio para “desfazer” aquelas más obras no coração dos homens, dando vida eterna àqueles que creem n’Ele (Jo 10:10). E aqueles que creem podem viver uma vida sem pecado, acima da influência maligna do diabo, porque “Qualquer que é nascido de Deus não comete [não pratica – JND] pecado; porque a Sua semente permanece nele; e não pode pecar, porque é nascido de Deus” (v. 9). Muitos crentes sinceros ficaram perturbados por este versículo. Não entendendo o estilo abstrato de escrita de João, concluíram que não eram nascidos de novo, como pensavam que eram, porque pecaram depois de receberem a Cristo. No entanto, este versículo não significa que um crente não pode pecar. A palavra de João no capítulo 2:1 seria inútil se fosse esse o caso. Ele indica que um crente pode pecar se não for cuidadoso. O ponto de João aqui é que a nova natureza em um crente, recebida em novo nascimento, não pode pecar. Isso significa que, se vivermos segundo os apetites e desejos de nossa nova natureza, não pecaremos. Assim, ele vê o crente como totalmente identificado com a nova natureza.
V. 10 – João então resume as características básicas das duas naturezas. Ele diz: “Nisto são manifestos os filhos de Deus e os filhos do diabo: qualquer que não pratica a justiça e não ama a seu irmão não é de Deus”. De uma perspectiva moral e espiritual, João traça duas sementes entre os homens: aqueles que são “filhos de Deus” (Jo 1:12-13) e os que são “filhos do diabo” (Mt 13:25; Jo 8:44; At 13:10). Estas são duas famílias distintas, cada uma com um caráter que tem uma semelhança moral com o pai. Uma é “de” Deus e a outra é “do” diabo. Tendo afirmado no versículo 7 que uma pessoa que habitualmente pratica a justiça mostra claramente que ela é justa, João conclui com o reverso aqui no versículo 10. Alguém que habitualmente “não pratica a justiça” manifesta que não é de Deus. Moralmente, ele tem a mesma natureza que o diabo e, nesse sentido, é um filho do diabo. Muitas desses podem não viver uma vida escandalosamente perversa, mas eles não “praticam a justiça”, nem há “amor” divino nelas.
A PROVA DO AMOR (Cap. 3:11-23)
Tendo mencionado “amor” no versículo 10, João expande essa característica essencial da natureza divina nesta próxima série de versículos. É a segunda grande prova de que uma pessoa possui a vida divina. Ele diz: “Pois esta é a mensagem que ouvistes desde o princípio: que nos amemos uns aos outros. Não como Caim, que era do maligno, e matou seu irmão. E por que causa o matou? Porque as suas próprias obras eram más e as do seu irmão justas”.
Amor pelos Irmãos
O antigo mandamento, que em certo sentido é novo (cap. 2:7-8), que é “que vos ameis uns aos outros” é revisitado como evidência da vida divina. Como foi no caso da justiça prática, o amor foi perfeitamente manifestado na vida do Senhor Jesus. Caim é apresentado como o contrário dessas duas coisas. Ele manifestou rebelião e ódio – as duas características opostas de justiça e amor. Ele matou seu irmão porque o sacrifício de seu irmão foi aceito por Deus e o dele não. A aprovação de Abel por Deus despertou ódio invejoso no coração de Caim, o que o levou a matar seu irmão. Isso mostra a que o ódio descontrolado pode levar.
V. 13 – João então nos lembra de que, ao manifestar essas duas características da natureza divina – o que faremos se verdadeiramente formos filhos de Deus – teremos o ódio do mundo derramado sobre nós. Ele diz: “Irmãos, não vos maravilheis se o mundo vos odeia”. Isso não deveria causar surpresa a qualquer filho de Deus; o Senhor avisou os discípulos disso (Jo 15:18-16:4). Os princípios do mal que foram manifestados pela primeira vez em Caim marcaram o curso do mundo desde então.
V. 14 – Na presença do ódio do mundo, sabemos que passamos “da morte para a vida” (Jo 5:24 – ARA) porque amamos os irmãos. A atividade do amor divino é a prova prática da vida divina. Por outro lado, se uma pessoa que professa ser um filho de Deus não ama seus irmãos, ele prova que não é filho de Deus – na verdade, ele “permanece na morte (moral)”.
Vs. 15-16 – João então contrasta o exemplo extremo de ódio com o maior exemplo de amor. Ele diz: “Todo o que odeia seu irmão é homicida; e vós sabeis que nenhum homicida tem a vida eterna permanecendo nele. Nisto conhecemos o amor: que Cristo deu a Sua vida por nós; e nós devemos dar a vida pelos irmãos” (AIBB). O ódio leva ao homicídio, mas o amor leva ao sacrifício de si mesmo pelo bem dos outros. O sacrifício de Cristo é o exemplo perfeito do último – Ele “deu a Sua vida por nós” (1 Jo 3:16; Jo 10:11). Ambos os atos de extremo ódio e extremo amor levaram à morte! Mas foi por razões completamente diferentes – uma foi por causa da violência e a outra foi pura submissão. João diz que essa mesma expressão de amor deve ser vista nos filhos de Deus porque eles têm a mesma vida divina. Se somos verdadeiros crentes, nosso amor se expressará em ação. Serviremos “uns aos outros pelo amor” (Gl 5:13) e colocaremos “nossa vida” a serviço de nossos irmãos. O amor prático é uma prova genuína de que somos verdadeiros.
V. 17 – Em contraste, ele diz: “Quem, pois, tiver bens do mundo, e, vendo o seu irmão necessitando, lhe fechar o seu coração, como permanece nele o amor de Deus?” (AIBB) Alguém que professa ter a vida divina, mas não manifesta amor e compaixão para com seu irmão – se essa for a prática habitual de sua vida – prova que ele não é um verdadeiro filho de Deus.
V. 18 – Conhecendo a falsidade do coração humano (Jr 17:9), João nos adverte sobre ter meras expressões superficiais de amor (Veja Tiago 2:15-16). Ele diz: “Filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas por obras e em verdade” (AIBB). Os apóstolos Paulo e Pedro exortam os santos para esse fim também (Rm 12:9; 1 Pe 1:22). Isso mostra que Deus quer a veracidade em Seu povo.
Confiança na Oração
Vs. 19-22 – João acrescenta: “E nisto conhecemos que somos da verdade e diante d’Ele asseguraremos nosso coração; sabendo que, se o nosso coração nos condena, maior é Deus do que o nosso coração e conhece todas as coisas. Amados, se o nosso coração nos não condena, temos confiança [ousadia – JND] para com Deus; e qualquer coisa que Lhe pedirmos, d’Ele a receberemos, porque guardamos os Seus mandamentos e fazemos o que é agradável à Sua vista”. Falando estritamente dos crentes aqui, ele mostra que por ter genuíno amor por nossos irmãos, temos uma confirmação pessoal em nossa alma de que somos “da verdade”. E, sendo assim, temos confiança na presença de Deus para fazer pedidos ousados em oração. A certeza de que João fala daqui não é a garantia da salvação eterna de nossa alma, mas a certeza de ter nossos pedidos de oração concedidos.
Ele acrescenta uma condição importante que não deve ser menosprezada – “se o nosso coração nos não condena”. Isso mostra que quando nos aproximamos de Deus em oração, precisamos ter uma boa consciência. Isto é alcançado por nos julgarmos e confessarmos os nossos pecados (1 Co 11:31; 1 Jo 1:9). Se tivermos alguma coisa em nossa consciência que não tenhamos confessado, nosso coração nos condenará e não teremos essa confiança. Assumindo que nos julgamos, que é o estado Cristão normal, temos a certeza de que qualquer coisa que pedimos “d’Ele a receberemos”. Este é o resultado de andar em comunhão com Ele como algo habitual. Os desejos de nosso coração são formados por Sua influência abençoada e pelo desfrute das coisas que Ele desfruta (Sl 36:8), e assim, nossos pedidos são apenas para aquelas coisas que contribuem para a realização daqueles desejos divinos. Vivendo em Sua presença, Ele coloca em nosso coração as coisas que Ele está prestes a fazer, e pedimos por essas coisas, e elas são concedidas. Recebemos “qualquer coisa que Lhe pedirmos” porque pedimos segundo a vontade de Deus (cap. 5:14-15). Nossa confiança em Sua presença é um resultado de nossa obediência – nós “guardamos os Seus mandamentos” e “fazemos o que é agradável à Sua vista”. Cristo, como um Homem dependente na Terra, é um exemplo vivo disso. Ele sempre fez aquelas coisas que agradaram a Seu Pai (Jo 8:29), e Ele sempre orou em harmonia com a vontade de Deus, e Ele foi “ouvido por causa de Sua piedade” (Hb 5:7 – ARA).
V. 23 – João falou dos mandamentos do Senhor (plural), agora ele fala do “mandamento” de Deus (singular). É “que creiamos no nome de Seu Filho Jesus Cristo e nos amemos uns aos outros, segundo o Seu mandamento”. Vemos aqui dois elementos essenciais da nova natureza – fé e amor. Essas coisas serão vistas em todo crente, embora às vezes apenas fracamente. Aquele que não é um verdadeiro filho de Deus não manifestará essas coisas.
A PROVA DE TER A HABITAÇÃO DO ESPÍRITO SANTO (Cap. 3:24-4:6)
Como uma terceira prova de alguém que possui a natureza divina, João continua falando da presença do Espírito Santo no crente, pela qual o próprio Deus habita em nós. Ele diz: “E aquele que guarda os Seus mandamentos n’Ele está**, e Ele nele. E nisto conhecemos que Ele está em nós: pelo Espírito que** nos tem dado**”**. Há duas coisas aqui:
- Nossa permanência n’Ele – Isto é uma coisa prática, tendo a ver com manter comunhão íntima com Ele. Como João indica aqui, esse é o resultado da obediência pessoal – o guardar os Seus mandamentos (Jo 14:21, 23, 15:4). - Sua permanência em nós – Esta é uma coisa permanente resultante de termos a natureza divina (Jo 14:20).
Ambos os aspectos da permanência são um resultado da presença do Espírito Santo em nós. Esta, então, é outra prova pela qual toda pretensão de ser filho de Deus pode ser testada. Uma pessoa que não é um verdadeiro filho de Deus não terá a presença interior do Espírito. Consequentemente, ele não permanecerá em comunhão com o Senhor, nem terá a presença permanente de Deus nele. Isso será evidente em suas ações.
Falsos Mestres
Cap. 4:1 – Tendo introduzido o assunto do Espírito Santo habitando nos filhos de Deus no capítulo 3:24, João se apressa em nos advertir neste capítulo sobre os muitos espíritos falsos que estão por todo o mundo tentando imitar o Espírito de Deus. Ele diz: “Amados, não creiais em todo espírito, mas provai se os espíritos são de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo”. Seu ponto aqui é que, já que é “a última hora” e muitos anticristos estão em atividade (cap. 2:18), precisamos ter cuidado quanto a quem escutamos. Não devemos crer “em todo espírito”. Isso significa que não devemos ser ingênuos e pensar que só porque um homem fala da Bíblia que está necessariamente falando a verdade. Uma coisa é falar das Escrituras e outra é falar de acordo com as Escrituras. Satanás nunca é mais satânico em sua atividade do que quando usa as Escrituras para enganar as pessoas. Ele é bem capaz de citar a Palavra de Deus e aplicá-la erroneamente para alcançar o seu fim de desviar as pessoas (Mt 4:6). O apóstolo Paulo advertiu: “E não é maravilha, porque o próprio Satanás se transfigura em anjo de luz. Não é muito, pois, que os seus ministros se transfigurem em ministros da justiça” (2 Co 11:13-15).
Com isso em mente, João nos exorta a submeter à prova “os espíritos”. Ele não usa a palavra “espíritos” para indicar a atitude ou conduta dos mestres (Dn 5:12, 6:3), mas sim para indicar que por trás de todo mestre há um espírito real – seja o Espírito de Deus (At 2:4) ou um espírito maligno (2 Cr 18:21). Paulo predisse que nos “últimos tempos” haveria “espíritos sedutores” (KJV) na casa de Deus que introduziriam o erro doutrinário, e que os falsos mestres absorveriam e propagariam essas doutrinas errôneas, e desencaminhariam muitos (1 Tm 4:1). Esses mestres geralmente têm uma aparência agradável com o qual as pessoas ficam encantadas e são enganadas (Rm 16:18). Eles podem se parecer com ovelhas, mas são realmente “lobos vestidos como ovelhas”. O Senhor nos avisou sobre esses obreiros malignos (Mt 7:15). Assim, não é apenas a maneira de eles serem que devemos testar (o que João fez em suas provas e contraprovas anteriores), mas também a mensagem deles. Isto é especialmente verdade quando se trata da “doutrina de Cristo” (2 Jo 9), pois é onde os espíritos malignos que inspiram esses falsos profetas se expõem. No momento em que abrem sua boca e ensinam sobre o tema da Pessoa de Cristo, revelam seu verdadeiro caráter.
Três Testes para Detectar Falsos Mestres
João passa a dar três testes pelos quais cada mestre pode ser verificado. Esses testes manifestarão aqueles que são verdadeiros e exporão aqueles que são falsos, pois a doutrina de um homem revelará qual espírito o está energizando. Nota: isso não é feito por investigar as falsas doutrinas que estão em andamento na Cristandade. Tal ocupação somente nos corromperá, e poderemos tropeçar no processo (Compare com Deuteronômio 12:29-32). Da mesma forma, não descobrimos se uma dúzia de garrafas contêm veneno tomando um gole de cada uma delas!
Vs. 2-3 – O primeiro e maior teste tem a ver com o que o mestre considera sobre a Pessoa de Cristo. Como mencionado, é aqui que esses espíritos sedutores são expostos, pois não conseguem falar bem de Cristo e exaltá-Lo (1 Co 12:3). João diz: “Nisto conhecereis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus”. Assim, a marca distinta do ministério que emana do Espírito Santo é que Cristo será exaltado.
Confessar “que Jesus Cristo veio em carne” é mais do que uma mera confissão de palavras de nossos lábios; os demônios podem confessar Cristo como o Filho de Deus só de lábios (Mt 8:29). A confissão de que João fala indica que a pessoa é sã em sua doutrina sobre a Divindade de Cristo e Sua Humanidade perfeita. **“**Veio em carne” significa que Ele existia antes de Sua encarnação e, portanto, é uma Pessoa eterna. A palavra “veio” dá a entender que Ele estava em outro lugar antes de estar aqui neste mundo como Homem (1 Tm 1:15, etc.). A Escritura ensina que Ele estava com o Pai no céu antes de Sua encarnação (Jo 8:42, 13:3, 16:28). De fato, o evangelho de João O retrata como O “Enviado” de Deus (Jo 3:17, 4:34, 5:23, etc.). “Veio em carne” é algo que não pode ser dito de nós, pois não existíamos antes da nossa concepção e nascimento. No entanto, na encarnação de Cristo, Ele tomou a humanidade em união com a Sua Pessoa e Se tornou um Homem (Jo 1:14). Havia uma união das naturezas divina e humana que é inescrutável para a mente humana (Mt 11:27). Vir “em carne” indica que quando o Senhor Jesus Se tornou Homem, Ele não tinha a natureza caída pecaminosa. “Carne”, sem o artigo definido “a” se refere à humanidade, sem as implicações da natureza pecaminosa. O artigo “a” antes de “carne” na versão King James não está no texto da tradução de J. N. Darby (nem nas ARC e ARF). Isso ajuda a evitar qualquer conclusão de que o Senhor tenha participado da natureza caída pecaminosa quando Se tornou um Homem. Ele tinha uma natureza humana santa, não uma natureza humana caída (Lc 1:35).
João então apresenta o lado oposto: “e todo espírito que não confessa que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus; mas este é o espírito [poder – JND] do anticristo, do qual já ouvistes que há de vir, e eis que está já no mundo”. Se um homem professar ser um Cristão, mas não acredita na divindade e/ou na plena humanidade de Cristo, ele está dando uma indicação clara de que não é um verdadeiro crente. Ele prega “outro Jesus” (2 Co 11:4). Isto é, o Jesus que ele apresenta não é o mesmo Jesus que a Bíblia apresenta. Portanto, a pergunta a ser feita, que revelará quem realmente a pessoa é: “O que ele considera a respeito da Pessoa de Cristo?” Todos esses ensinamentos falsos serão imediatamente expostos como sendo o “espírito [poder – JND] do anticristo” por este simples teste.
Vs. 4-5 – O segundo teste pelo qual todos os profetas e mestres podem ser verificados tem a ver com como as pessoas perdidas e sem vida do mundo tratam a mensagem deles. João diz: “Filhinhos, sois de Deus e já os tendes vencido, porque maior é o que está em vós do que o que está no mundo. Do mundo são; por isso, falam do mundo, e o mundo os ouve”. Os filhos de Deus “vencem” esses mestres e suas falsas doutrinas por meio da habitação do Espírito Santo. “Ele” (o Espírito) que, “em” nós está é “maior” do que “ele (Satanás) que está no mundo”. João já falou de como isso é feito no capítulo 2:20-27. A unção do Espírito nos dá discernimento para saber que o que esses falsos mestres estão apresentando é falso e, consequentemente, nós o rejeitamos, e assim somos preservados. Dessa forma, somos vitoriosos sobre as artimanhas do inimigo.
Por outro lado, se os ensinamentos desses homens são recebidos por pessoas religiosas deste mundo que não são nascidos de Deus, é claro que sua mensagem é falsa. As coisas que eles ensinam sob a bandeira do Cristianismo concordam com a perspectiva do homem natural do mundo, porque elas são fundadas em princípios mundanos que as pessoas mundanas entendem. Portanto, eles os recebem. Assim, algumas perguntas simples revelarão tudo o que precisamos saber sobre esses falsos mestres – “Eles são populares para o mundo? E os homens naturais do mundo recebem seu ensino?” Se eles o fazem, então o que está sendo ensinado não pode ser a verdade de Deus, porque “o homem natural não compreende [não recebe – JND] as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente” (1 Co 2:14).
V. 6 – O terceiro teste pelo qual todos os mestres podem ser verificados tem a ver com a posição que eles assumem em relação aos ensinamentos dos apóstolos. João diz: “Nós somos de Deus; aquele que conhece a Deus ouve-nos; aquele que não é de Deus não nos ouve. Nisto conhecemos nós o espírito da verdade e o espírito do erro”. O “nós” e o “nos” neste versículo se referem aos apóstolos. João se inclui na voz coletiva deles. Eles são “de Deus” e todo verdadeiro filho de Deus receberá seus ensinamentos como sendo aquilo que vem de Deus. Essa, então, é uma referência pela qual todos os que professam ensinar a verdade podem ser testados. A grande questão aqui é: “O ensino deles coincide com o ensino dos apóstolos?”
Tendo em nossas mãos as epístolas divinamente inspiradas do Novo Testamento, nas quais a doutrina dos apóstolos é cuidadosamente revelada, podemos “julgar” a fonte de todo ministério se é de Deus ou não (1 Co 10:15, 14:29). Temos que ter cuidado aqui porque o inimigo (Satanás) é muito sutil. Seus falsos ministros usarão as Escrituras para propagar seus erros, e poderemos ser enganados por suas inteligentes interpretações equivocadas. É, portanto, importante ter “boa doutrina”, sobre a qual temos “seguido plenamente” num estudo minucioso de todos os assuntos bíblicos (1 Tm 4:6 – JND; 2 Tm 2:15).
Em conclusão, se o Espírito de Deus verdadeiramente habita em uma pessoa, ela será saudável em sua doutrina quanto à Pessoa de Cristo (vs. 2-3). Além disso, ela não será enganada pelos ensinos anticristãos em virtude da unção do Espírito (vs. 4-5). E ela ouvirá e receberá a doutrina dos apóstolos (v. 6).
Resumo das Provas de Ter a Nova Vida e Natureza
- Praticamos a justiça (caps. 2:29-3:10). - Amamos os irmãos (cap. 3:11-23). - Temos a habitação do Espírito de Deus em nós (cap. 3:24-4:6).
AMOR
Capítulos 4:7-5:12
João continua com suas provas e contraprovas em conexão com outro atributo da natureza e do Ser de Deus – o amor. Ele já tocou no tema do amor na epístola, contrastando-o com o ódio (cap. 2:5-11, 3:11-23), mas agora ele o revisita para tratar dele em maior profundidade. Com o amor sendo mencionado cerca de 35 vezes nesta curta seção da epístola, não há dúvida que o assunto diante de nós é o amor de Deus.
Amor Genuíno Um ao Outro
Vs. 7-8 – João inicia esta última seção da epístola com uma simples exortação para os filhos de Deus se amar uns aos outros. Ele sustenta isso como uma prova de que uma pessoa tem a natureza divina. Ele diz: “Amados, amemo-nos uns aos outros, porque o amor é de Deus; e qualquer que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Aquele que não ama não conhece a Deus; porque Deus é amor” (AIBB). Como frequentemente acontece com o estilo abstrato de João, seu ponto aqui é profundamente simples; Aqueles que amam seus irmãos com amor genuíno provam que são crentes de verdade e, aqueles que não amam, não são verdadeiros. “Amemo-nos” significa que devemos permitir que a nova vida em nós se expresse naturalmente, o que será manifestado ao “amar uns aos outros”. Isso mostra que é possível atrapalharmos a nova vida agir em nós, e assim, impedir a manifestação dessa vida. O principal culpado é a carne, mas se andarmos no Espírito, ela não levantará sua repulsiva cabeça em nossa vida (Gl 5:16). João conclui sua curta exortação para amar uns aos outros, afirmando a razão: “Porque Deus é amor”. É bem verdade que Deus é amor, mas isso não significa que o inverso seja verdadeiro. Deus é amor, mas amor não é Deus. Esse tipo de raciocínio é perigoso; pode se tornar uma coisa mística em que uma pessoa procure uma experiência subjetiva dentro de si. Tais esforços têm afastado os homens da verdade.
O Amor do Mundo Não é Amor Divino
O problema que os santos estavam enfrentando naqueles dias era que muitas pessoas falsas tinham entrado nas fileiras Cristãs que professavam amar os irmãos – mas elas não eram verdadeiras. Essas pessoas estavam fazendo uma bela exibição de amor, e os santos corriam o risco de ser enganados e pensar que eram verdadeiros filhos de Deus – mas o amor deles não era o amor divino que emanava da natureza divina. O Senhor disse aos discípulos que o mundo tem seu próprio amor, mas em grande parte ama por razões egoístas. Ele ama o que recebe em troca (Lc 6:32; Jo 15:19). Ele vê algo em seu objeto que é digno de seu amor e piedade, e ama nessa base (Rm 5:7). Portanto, não devemos pensar que todo ato de bondade e amor entre os homens é necessariamente uma prova de que eles nasceram de Deus e possuem a natureza divina. (Há também amor natural que todos os homens têm, mais ou menos – por exemplo, o amor que os pais têm por seus filhos. Também isso, embora amável, não é amor divino).
O amor divino (“ágape” em grego) ama mesmo quando não há nada em seu objeto que seja digno de seu amor. O amor de Deus emana de uma disposição estabelecida de Seu coração para conosco; Ele estabelece Seu amor sobre o homem, buscando sua bênção como uma questão de escolha (Dt 7:7-8). Deus nos amou quando éramos ímpios pecadores! Nós já fomos “aborrecedores de Deus” e “inimigos”, mas Ele prova o Seu amor por nós e no devido tempo “Cristo morreu pelos ímpios” (Rm 1:29-31, 3:10-18, 5:6, 8).
As Qualidades e Características do Amor Divino
Tendo dito que “Deus é amor” (v. 8), a questão é: Como podemos distinguir o amor divino do amor do mundo? João, portanto, é levado a falar das qualidades e características do amor divino, pelas quais nos é dado um ponto de referência para testar toda a pretensão de uma pessoa ser nascida de Deus e ter a natureza divina. Ele fala do amor de Deus de três maneiras:
- Seu amor “para nós” (JND) em relação ao nosso passado (v. 9). - Seu amor “em nós” em relação ao presente (v. 12). - Seu amor “para conosco” em relação ao futuro (v. 17).
O Amor de Deus para nós
Vs. 9-10 – A primeira e mais importante marca do amor divino é que ele se sacrifica pelo bem e pela bênção dos outros. Isso é visto no amor de Deus para nós no envio de Seu Filho para morrer por nós. João diz: “Nisto se manifestou o amor de Deus para conosco [para nós – JND]: em que Deus enviou Seu Filho unigênito ao mundo, para que por meio d’Ele vivamos. Nisto está o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que Ele nos amou a nós, e enviou Seu Filho como propiciação pelos nossos pecados” (AIBB). Essa foi a maior demonstração de amor que já houve! Deus deu o Seu Filho como sacrifício pelo pecado para trazer os crentes para a bênção da salvação. Não houve maior dom de amor do que esse! (Jo 3:16) O preço que o Senhor Jesus pagou para nos redimir (Seus sofrimentos expiatórios) apenas magnifica a grandeza de Seu amor. Refletindo sobre este sublime dom, o apóstolo Paulo disse: o “Filho de Deus, O qual me amou, e Se entregou a Si mesmo por mim” (Gl 2:20). Todo crente pode ecoar o mesmo sentimento de gratidão (2 Co 9:15).
Nestes versículos, João aborda duas coisas para as quais Deus enviou Seu Filho ao mundo – para que “por meio d’Ele vivamos” (v. 9) e para que Ele pudesse ser a “propiciação pelos nossos pecados” (v. 10). O primeiro envolve a encarnação de Cristo e o segundo envolve a Sua morte. Para que os homens tenham a vida eterna, Cristo teve que vir e revelar o Pai (Jo 1:18, 14:9), pois conhecer a Deus como nosso Pai é a essência dessa vida (Jo 17:3). Mas o amor divino não parou na vinda de Cristo. Ele O levou até a cruz onde Ele demonstrou a grandeza desse amor no supremo ato de sacrifício de Si mesmo (Hb 9:26). Cristo voluntariamente Se tornou o Emissário do pecado; Seus sofrimentos expiatórios renderam uma satisfação plena às reivindicações da justiça divina em relação ao pecado (o significado de “propiciação”). O argumento de João aqui é que nada deteria o amor divino para salvar os pecadores. Encontrou uma maneira de superar a grande barreira do pecado que estava no caminho da bênção do homem, mesmo que isso tenha custado a Deus dar o mais precioso Objeto de Seu coração! Esse amor não se originou conosco; Sua fonte é o Próprio Deus, pois Ele é amor. Por isso, João diz: “não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que Ele nos amou a nós” (AIBB).
O Amor de Deus em nós
Vs. 11-16 – João prossegue com uma segunda característica do amor divino – manifesta Deus e, quando desfrutado na alma, leva o crente a testificar da graça de Deus para os outros. Isso tem a ver com o amor de Deus estar em nós. Ele diz: “Amados, se Deus assim nos amou, nós também devemos amar-nos uns aos outros. Ninguém jamais viu a Deus; se nos amamos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o Seu amor é em nós aperfeiçoado Nisto conhecemos que permanecemos n’Ele, e Ele em nós: por Ele nos ter dado do Seu Espírito. E nós temos visto, e testificamos que o Pai enviou Seu Filho como Salvador do mundo” (AIBB). Saber que somos objetos do amor de Deus deve criar uma reação em nós para “amar uns aos outros” e, ao fazê-lo, manifestamos o Deus invisível, porque “Deus é amor” (v. 16 – AIBB).
Quando Cristo esteve aqui, o Deus invisível foi manifestado n’Ele (Jo 1:18, 14:9). Mas agora, desde que Cristo voltou ao céu, João nos diz que devemos manifestar Deus aqui neste mundo. Isso, diz ele, é feito amando uns aos outros. Quando nos amamos, “o Seu amor é em nós aperfeiçoado” (v. 12), e assim nos é dada uma profunda percepção em nossa alma de que “permanecemos n’Ele” e “Ele em nós” (v. 13a). Poderia haver algo mais abençoado do que habitar em Deus por meio da comunhão e ter Deus habitando em nós por meio da possessão de Sua vida e natureza? João diz que isso é possível “pois Ele nos deu do Seu Espírito” (v. 13b). O amor de Deus em nós naturalmente flui e transborda em graça e benevolência para com os outros, e assim “testificamos” para todos ao redor que “o Pai enviou o Filho como Salvador do mundo” (v. 14 – AIBB).
Como resultado, as pessoas são levadas a “confessar que Jesus é o Filho de Deus”, e aquele que faz isso prova que “Deus permanece nele” (TB) e ele “em Deus” (v. 15). E eles sabem por experiência própria que “Deus é amor” e permanecem em Seu amor (v. 16).
Vemos dessa segunda grande característica do amor divino que ele se reproduz naqueles que o recebem. Nós não somos os terminais do amor de Deus; somos os canais dele. Que privilégio é poder recomendar o amor de Deus a este pobre mundo!
O Amor de Deus Conosco
Vs. 17-21 – A terceira característica do amor divino em que João se concentra é o seu poder de dar ao crente paz e confiança em relação ao julgamento de seus pecados. Isso tem a ver com o amor de Deus conosco. Ele diz: “Nisto é aperfeiçoado em nós o amor, para que no dia do juízo tenhamos confiança; porque, qual Ele é, somos também nós neste mundo” (v. 17 – AIBB). Quando olhamos adiante para o tribunal de Cristo (o “dia do juízo”), temos perfeita paz e ousadia em relação a nossos pecados. Como vimos nos versículos 9-10, o amor divino se comprometeu a resolver essa questão em justiça de uma vez por todas na morte expiatória de Cristo. O Espírito, recebido ao crer no evangelho de nossa salvação (Ef 1:13), nos tornou conscientes de nossa segurança eterna n’Ele (Jo 10:27-28). Assim, não temos que esperar por aquele dia para conhecer esta verdade abençoada “porque, qual Ele é, somos nós também neste mundo”. Isto é, como Cristo Se assenta aceito no céu com todo o favor de Deus repousando sobre Ele, “somos nós também” aceitos da mesma forma, embora ainda estejamos aqui “neste mundo”. Isto porque Sua aceitação é a medida da nossa aceitação e somos “agradáveis [aceitos – JND] a Si no Amado”! (Ef 1:6) A versão King James diz “nosso” amor se aperfeiçoa nisso, mas essa palavra não deveria estar no texto. João não está falando do nosso amor, mas do amor de Deus sendo aperfeiçoado em nós. Desfrutando do Seu amor, podemos olhar para o futuro com a máxima confiança, sabendo que, como Ele está além do juízo, nós também estamos!
V. 18 – João explica como é isso, dizendo: “No amor não há medo antes o perfeito amor lança fora o medo; porque o medo envolve castigo; e quem tem medo não está aperfeiçoado no amor” (AIBB). Vivendo no desfrute do amor de Deus, o crente não pode ter medo, pois o amor que enche seu coração desloca todo o medo e a dúvida; o amor e o medo não podem existir ao mesmo tempo.
V. 19 – Tendo apresentado algumas das grandes qualidades e características do amor divino, João nos traz de volta ao seu começo. Ele diz: “Nós amamos porque Ele nos amou primeiro” (v. 19). Deus é a fonte do amor; é a atividade da Sua natureza. Seu amor gerou amor em nós, pois, como vimos, o amor divino se deleita em se reproduzir em seus objetos. Como resultado, amamos os outros com esse mesmo amor. (A KJV e a ARC traduzem: “Nós O amamos…”. Mas deveria simplesmente ler: “Nós amamos …” [ARA]. É verdade que O amamos, mas a manifestação do amor divino em nós é mais ampla do que isso; também emana de nós para os outros). Assim, o amor divino se expressará em amor genuíno para com os outros. Eu não amo meu irmão por causa do que ele é, mas por causa do que eu sou. Ele pode ter alguns traços carnais que não são dignos de amor, naturalmente falando, mas porque eu tenho a natureza divina que ama com o amor ágape, eu o amo imerecida e incondicionalmente.
AMOR DIVINO PROVADO POR NOSSO AMOR DE UNS AOS OUTROS (Cap. 4:20-21)
Visto que o amor divino se expressa nos filhos de Deus por seu amor a Deus e seu amor por Seus filhos (seus irmãos), isso pode ser usado como um teste para todos os que professam ser filhos de Deus. João diz: “Se alguém diz: Eu amo a Deus, e odeia a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu, não pode amar a Deus, a Quem não viu” (v. 20 – AIBB). O teste é simples; se alguém não pode amar seu irmão dessa forma divina, há boas razões para questionar se ele é um verdadeiro filho de Deus. Mas quando uma pessoa ama até mesmo um irmão carnal, é uma prova de que ela tem a natureza divina, pois somente aqueles que têm essa natureza podem amar com amor ágape. Ao fazer isso, ele prova que ele é um verdadeiro filho de Deus.
No versículo 21, João introduz uma razão adicional pela qual devemos amar nosso irmão. Ele diz: “E d’Ele temos este mandamento: que quem ama a Deus, ame também a seu irmão”. Amamos nosso irmão não apenas porque o amor ágape habita em nós, mas também porque temos um “mandamento” de Deus para fazê-lo. Em outras palavras, amamos nosso irmão, em primeiro lugar porque temos uma natureza em nós que assim deseja fazer e, em segundo lugar, porque temos um mandamento de Deus para fazê-lo.
AMOR DIVINO PROVADO POR NOSSA OBEDIÊNCIA (Cap. 5:1-3)
Isso conduz naturalmente à próxima prova de João – o teste da obediência. Ele diz: “Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo é nascido de Deus; e todo aquele que ama ao que o gerou também ama ao que d’Ele é nascido. Nisto conhecemos que amamos os filhos de Deus: quando amamos a Deus e guardamos os Seus mandamentos. Porque este é o amor de Deus: que guardemos os Seus mandamentos; ora, os Seus mandamentos não são penosos” (ARA). Se alguém é verdadeiramente nascido de Deus, ele crerá em Cristo e amará a Deus; ele provará sua realidade amando todos os que são gerados por Deus – isto é, seus irmãos (v. 1). Nota: João não diz que alguém se torna nascido de Deus por crer que Jesus é o Cristo. Isso seria “colocar o carro na frente dos bois”. Seria fazer um novo nascimento um resultado de alguém receber a Cristo. A verdade é que uma pessoa não crê no Senhor Jesus para nascer de novo; ela crê n’Ele porque nasceu de novo (Jo 1:12-13). Quanto à ordem dessas coisas, Deus começa a obra na alma de uma pessoa ao transmitir soberanamente a vida por meio de um novo nascimento, e então a pessoa recebe fé para crer no evangelho e ser salva (Ef 2:8). Sem essa obra inicial de Deus nas almas em novo nascimento, ninguém viria a Cristo para ser salvo (Jo 6:44).
Provamos que amamos a Deus e a Seus filhos por nossa obediência aos mandamentos de Deus (v. 2). Amor que compromete princípios não é amor divino. O amor divino nunca suplantará a obediência. Se realmente tivermos o amor de Deus em nós, obedeceremos aos princípios de Sua Palavra, mesmo que isso signifique repreender ou separar-se de um crente que anda em vontade própria. Para a pessoa que ama a Deus e possui Sua natureza, Seus mandamentos não serão “penosos” porque ele tem uma nova natureza que quer fazer a vontade de Deus (v. 3). Quando Sua vontade nos é revelada por meio de Seus mandamentos, a nova vida em nós se deleita em fazê-la. Ser solicitado a fazer algo que queremos fazer não é inconveniente.
Assim, temos três coisas aqui que marcam todo verdadeiro filho de Deus:
- Fé em Cristo (v. 1a). - Amor por Deus (v. 1b). - Amor para com os nascidos de Deus (v. 2).
AMOR DIVINO PROVADO POR VENCER O MUNDO (Cap. 5:4-5)
João passa a falar de uma última coisa que é uma prova de que o amor de Deus habita no crente e que este é um verdadeiro filho de Deus – quando esse amor, desfrutado na alma, livra o crente do mundo e de suas atrações. João diz: “Porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé. Quem é que vence o mundo, senão aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus?” (A palavra “Porque” aqui conecta esses dois versículos com a passagem anterior concernente ao amor de Deus).
Aprendemos com essa passagem que a “vitória” sobre o mundo e seu poder de nos desviar de fazer a vontade de Deus é efetuada por duas coisas: em primeiro lugar, há o que Deus faz ao nos comunicar a vida divina por meio do novo nascimento. Essa nova vida tem a capacidade de desfrutar de coisas divinas que são infinitamente melhores que as coisas deste mundo. Em segundo lugar, há o que nós devemos fazer, que é ter os olhos da nossa fé fixados em Cristo, o Filho de Deus, o centro do mundo acima. Isso mostra que nossa vitória sobre o mundo não é toda uma obra que Deus faz; nós também temos uma parte de responsabilidade nela. Devemos participar com Ele nesta vitória.
Percebemos disto que possuir a vida divina não é suficiente em si mesma para libertar uma pessoa do mundo; essa vida precisa de um Objeto – “Jesus … o Filho de Deus”. Quando a fé do crente se apodera da cena acima, que o Senhor chamou: “o mundo vindouro e a ressurreição” (Lc 20:35), este mundo presente perde o seu charme. Tendo um Objeto mais brilhante diante de nossa alma, as atrações desse pobre mundo perdem sua atração por nós porque provamos algo incomparavelmente melhor.
Ó pompa e glória mundana, seus encantos são difundidos em vão!
Eu ouvi uma história mais doce! Eu encontrei algo muito mais vero!
Onde Cristo um lugar prepara, lá é que está minha amada mansão;
Ali fitarei meu amado Jesus: e habitarei com o Deus verdadeiro.
Hinário The Little Flock nº 16 - Apêndice
A “fé” de que João fala aqui no versículo 4 não é fé para ser salvo da pena de nossos pecados, mas fé para viver a vida Cristã (2 Co 5:7; Gl 2:20), que tem como seu objetivo Cristo em glória (Fp 3:14). Também aprendemos com isso que a vitória sobre o mundo não é conseguida por nos retirarmos da sociedade – ou seja, nos isolando em um mosteiro. Isolamento não é a resposta. Também não é garantida por imposições de leis e regras de conduta sobre nós mesmos, que são meras ferramentas externas. Como João mostra aqui, é uma questão de o coração estar comprometido com Cristo e com o amor de Deus. Quando a fé opera em nossa vida e nós, por meio da comunhão com as Pessoas divinas, desfrutamos das coisas celestiais, a influência do mundo perde seu poder sobre nós, e ganhamos a vitória sobre ele, afastando-nos dele.
O caminho de vitória de Deus sobre o mundo pode ser visto na vida de Moisés. “Pela fé deixou o Egito, não temendo a ira do rei; porque ele perseverou, como vendo aqu’Ele que é invisível” (Hb 11:27 – JND). Sua fé apoderou-se daqu’Ele que é invisível, considerado Seu vitupério como sendo “maiores riquezas … do que os tesouros do Egito” (Hb 11:26), e assim, ele foi levado a se afastar do Egito (um tipo deste mundo). Tendo algo diante dele que era maior do que qualquer coisa que o faraó tinha a oferecer, a escolha de desistir do Egito e separar-se dele era simples.
Este princípio divino pode ser usado para testar a profissão de um homem. Se o amor divino desfrutado na alma liberta o crente do mundo, o inverso também será verdadeiro. Se uma pessoa professa ser um filho de Deus, mas vive habitualmente na busca de coisas mundanas e vive em princípios mundanos, é um forte indicador de que ele pode não ser verdadeiro, mas um professante vazio.
Um Resumo do que o Amor de Deus Faz
- Traz a vida eterna para nós (cap. 4:9). - Efetua propiciação pelos nossos pecados (cap. 4:10). - Reproduz a si mesmo em seus objetos, fazendo com que manifestem a Deus e testifiquem de Sua graça (cap. 4:11-16). - Dá ousadia e confiança a nós em relação ao julgamento, lançando o temor fora de nosso coração (cap. 4:17-18). - Tem prazer em amar os irmãos (cap. 4:19-21). - Tem prazer em obedecer (cap. 5:1-3). - Vence o mundo (cap. 5:4-5).
O EPÍLOGO
Cap. 5:6-21
Confirmação da Obra de Deus nos Crentes Sobre a Qual Sabem que Têm Vida Eterna
Os santos nos dias de João estavam sendo bombardeados por mestres anticristãos que procuravam abalar sua confiança na verdade que haviam recebido dos apóstolos e no relacionamento que mantinham com o Pai e o Filho por meio da vida eterna. João é, portanto, levado a encerrar a epístola com um número de testemunhas e provas que confirmam a realidade dessas coisas em que foram trazidas. J. N. Darby disse: “Vendo que havia sedutores que se esforçavam para desviá-los como deficientes em algo importante, e se apresentavam como possuidores de alguma luz superior – João aponta para eles as marcas da vida eterna, a fim de reafirmá-los; desenvolvendo a excelência dessa vida e de sua posição de desfrutá-la; e para que eles pudessem entender que Deus havia dado a eles, para que eles a mente deles não fosse de forma alguma abalados em seus pensamentos” (Synopsis of the Books of the Bible, edição de Loizeaux, vol. 5, pág. 536).
No corpo da epístola, João deu uma série de provas e contraprovas para ajudar os santos a identificar aqueles que eram verdadeiros e os que não eram. Agora, antes de encerrar a epístola, ele emprega mais um tempo para lhes dar um número de testemunhos que confirmam a realidade da obra de Deus na alma deles próprios, e assim lhes dão segurança quanto à possessão da vida eterna por eles.
O Tríplice Testemunho da Água, do Sangue e do Espírito
Cap. 5:6-8 – João começa apontando para o triplo testemunho da obra de Deus na alma de todo Cristão, dizendo: “Este é aqu’Ele que veio por água e sangue**, isto é, Jesus Cristo; não só pela água, mas pela água e pelo sangue. E o** Espírito **é o que dá testemunho, porque o Espírito é a verdade. Porque três são os que dão testemunho: o Espírito, e a água, e o sangue; e estes três concordam** [**e estes três** **concordam num** – ARC]**”** (vs. 6-8 – AIBB). (O versículo 7, que aparece na KJV e nas ARC, ARF e ARA, tem muito pouco apoio como manuscrito grego e não deve estar no texto. Fala de um testemunho no céu, mas os que estão no céu não precisam de testemunho).
Vindo pela “água” e pelo “sangue” significa que o Senhor Jesus veio efetuar uma limpeza moral e judicial para os homens – que é o que a água e o sangue significam. Essas duas coisas fluíram do lado do Cristo morto, mostrando que a purificação para a humanidade só poderia ser assegurada por meio do que Ele realizou em Sua morte. O relato histórico em João 19:34 menciona o sangue em primeiro lugar, porque ele está vendo as coisas da perspectiva do que era necessário para afastar o pecado perante Deus. Apenas o sangue (é esse o significado) pode fazer isso e, necessariamente, deve vir primeiro, pois sem ele a água não poderia ser aplicada.
Nesta passagem, João menciona a água primeiro porque ele está falando da ordem em que entramos na bem-aventurança dessas coisas. Na obra de Deus para com os homens, a limpeza pela água ocorre primeiro. Isso é efetuado por um novo nascimento, em que uma pessoa é lavada de seu estado impuro “e no mais todo está limpo” (Jo 3:5, 13:10, 15:3; 1 Co 6:11). Limpeza pelo sangue é algo mais; é consequência de uma pessoa, que nasceu de Deus, repousar em fé na obra consumada de Cristo na cruz. O crente é assim lavado judicialmente de seus pecados (1 Jo 1:7; Ap. 1:5) e tem sua consciência purificada de sua culpa (Hb 9:14). O “Espírito”, que “é a verdade”, dá testemunho dessas coisas no crente ao vir habitar n’Ele, e assim ele é “selado” para o dia da redenção final quando o Senhor vier (Ef 1:13, 4:30; 2 Co 1:21-22). Portanto, a água tem a ver com purificação e o sangue tem a ver com expiação. A consagração dos sacerdotes no Velho Testamento ilustra essa mesma ordem por meio de figura. Eles foram primeiramente banhados em “água” (Êx 29:4), depois foram aspergidos com “sangue” (Êx 29:20) e, por último, foram ungidos com “óleo” – uma figura do Espírito Santo (Êx 29:21).
João então repete essas três coisas no versículo 8, mas a ordem é diferente; o Espírito é colocado diante da água e do sangue. Isso ocorre porque quando se trata de conhecer e desfrutar dessas bênçãos, é o Espírito de Deus (nosso Guia e Mestre) que nos conduz ao bem delas, tornando-as uma realidade viva em nossa alma (Jo 16:13). Assim, com o Espírito de Deus habitando em nosso coração, sabemos que nascemos de Deus porque temos interesse em coisas divinas que nunca tivemos nos dias anteriores à nossa conversão. Tal capacidade só pode resultar de ter uma nova vida e natureza que é transmitida por meio de um novo nascimento. Sabemos também que Deus tirou nossos pecados. Isso é provado pelo fato de termos paz em nossa alma em relação à questão de nossos pecados; isso é algo que costumava nos incomodar antes de sermos salvos. Além dessas duas coisas, agora vivemos no gozo dessas maravilhosas verdades diariamente em comunhão com o Pai e o Filho. Isso só poderia ser possível por meio da obra do Espírito de Deus que habita em nós (Jo 4:14). João diz: “Estes três concordam num”.
Diga a um filho de Deus, que tem esses três testemunhos, que aquilo que ele creu não é verdade, e ele irá descartar a ideia imediatamente. Ele sabe que nasceu de novo e sabe que seus pecados foram tirados. Além disso, ele é genuinamente feliz em seu relacionamento com o Senhor, desfrutando de suas bênçãos. Essas coisas provam que ele foi convertido e ninguém pode convencê-lo do contrário.
O Testemunho dos Homens e o Testemunho de Deus
Cap. 5:9-12 – João traz algo mais dizendo: “Se recebemos o testemunho dos homens**, o** testemunho de Deus **é maior; porque o testemunho de Deus é este, que de Seu Filho testificou. Quem crê no Filho de Deus em si mesmo tem o testemunho; quem em Deus não crê, mentiroso O fez; porquanto não creu no testemunho que Deus de Seu Filho deu”**. João aponta para mais duas testemunhas: **“o testemunho dos homens”** e **“o testemunho de Deus”**. O testemunho dos homens é o testemunho _objetivo_ que veio a nós por meio do evangelho a respeito de Jesus, o Filho de Deus (Lc 24:48; At 1:8, 3:15, 5:32, 10:39). Os homens anunciaram as boas novas para nós e nos disseram que, ao receber a Cristo como nosso Salvador, teríamos a salvação eterna. Tendo recebido seu testemunho e crido em Cristo, provamos isso como verdade, porque foi confirmado em nossa alma por um testemunho ainda maior – o testemunho de Deus. Deus deu testemunho de Sua graça salvadora em Seu Filho, dando ao crente um profundo e inegável sentido em sua alma de que ele passou da morte para a vida (Jo 5:24; 1 Jo 3:14). Isto é o que João quer dizer, ao falar que os crentes têm esse testemunho **“em si mesmos”**. É um testemunho _subjetivo_ confirmado em nossa alma pelo gozo da vida eterna – que é ter comunhão consciente com o Pai e o Filho (Jo 17:3). Por isso, João diz: **“E o testemunho é este: que Deus nos deu a vida eterna; e esta vida está em Seu Filho”**. Assim, a vida eterna desfrutada na alma é uma prova prática da salvação de nossa alma.
Novamente, diga ao crente, que vive em feliz comunhão com o Pai e o Filho, que aquilo que ele está experimentando não é verdadeiro, e a sugestão do opositor será rejeitada imediatamente. Todo crente que anda no Espírito em comunhão com Deus sabe, por experiência prática, que a sugestão é falsa; ele tem a prova viva em si mesmo.
Por outro lado, a pessoa que simplesmente professa ser um filho de Deus não terá este testemunho nele, porque ele não creu verdadeiramente no “testemunho” que Deus deu de Seu Filho (v. 10). De acordo com o estilo abstrato de João, ele dá a conclusão simples: “Quem tem o Filho tem a vida; quem não tem o Filho de Deus não tem a vida” (v. 12)
Três Verdades Fundamentais Relativas à Vida Eterna
- É um dom; não é algo merecido (v. 11a). - Só é encontrada no Filho (v. 11b). - É a possessão presente do crente (v. 12).
O Testemunho da Epístola Divinamente Inspirada de João
Cap. 5:13 – João apresenta outro testemunho da realidade da obra de Deus em nossa alma, pelo qual sabemos que temos a vida eterna – que ele havia escrito sob inspiração divina. Ele diz: “Estas coisas vos tenho escrito, para que saibais que vós, os que credes no nome do Filho de Deus, tendes a vida eterna” (tradução de W. Kelly). Nos mais claros termos, ele afirma porque escreveu a epístola; foi para que os santos tivessem um documento escrito, inspirado por Deus, ao qual eles poderiam recorrer e ter a certeza de possuir a vida eterna. Este é um testemunho ainda maior do que aquele que Deus opera em nosso coração subjetivamente, pois a Palavra de Deus, divinamente inspirada, é maior do que os sentimentos e experiências pessoais, mesmo que esses sentimentos e experiências tenham sido produzidos pelo próprio Deus.
A Palavra de Deus dá ao crente um sólido fundamento sobre o qual pode repousar em fé. O que Deus escreveu pelo Espírito em Sua Palavra pode ser confiado incontestavelmente porque é impossível que Deus minta (Tt 1:2; Hb 6:18). O escritor da epístola aos Hebreus chama isso de o “testemunho para nós” do Espírito (Hb 10:15-17 – KJV). Ele cita Jeremias 31:33-34 para mostrar que quando Deus leva as pessoas à bênção, Ele põe de lado os pecados e as iniquidades deles, e disso não irá mais Se lembrar. O que o Espírito escreveu sobre os pecados do crente pode ser consultado onde quer que uma Bíblia seja encontrada. Quando aberta, e passagens sobre a salvação e a segurança do crente são lidas, recebemos o testemunho do Espírito para nós a respeito de nosso relacionamento eterno em Cristo. Tudo o que temos a fazer é crer no testemunho! Isso o verdadeiro filho de Deus fará, pois ele não apenas crê em Deus, mas crê em Sua Palavra. Isso é ilustrado em Abraão; ele “creu em Deus” e isso lhe foi considerado como justiça (Rm 4:3). Assim, temos na Palavra infalível de Deus a maior prova de todas, pois no Salmo 138:2 se lê: “porque tens magnificado a Tua Palavra acima de todo o Teu Nome**”** (KJV).
Neste ponto, João usa uma palavra diferente para “conhecer” daquela que ele usou no capítulo 4. Ele estava usando “ginosko” (caps. 4:2, 6 [duas vezes], 7, 8, 13, 16, 5:2), que é conhecimento objetivo derivado de fatos sobre alguém ou algo. Mas agora ele muda para “oida” (cap. 5:13, 15 [duas vezes], 18, 19, 20a). Esta palavra (também traduzida como “saber”) refere-se a um conhecimento consciente interno de algo ou alguém que é adquirido por meio de um relacionamento íntimo e pessoal e de uma comunhão. Usar “oida” como João faz aqui indica que ele queria que eles conhecessem a verdade dessas coisas não apenas pelo que ele havia escrito, mas por experiência pessoal com o Senhor.
Novamente, se um crente fosse desafiado a respeito de como ele sabe que ele tem vida eterna, ele poderia apontar várias passagens da Escritura que declaram enfaticamente que ele realmente tem vida de Deus e salvação em Cristo (Jo 3:14-16, 36, etc.).
Ousadia na Oração
Cap. 5:14-17 – João introduz outra prova da bem-aventurança da vida eterna. Ter comunhão íntima com o Pai e o Filho, por meio dessa vida, resulta em conhecer a mente e a vontade de Deus. Isso produz confiança nossa em Deus que se traduz em uma ousada vida de oração que recebe as coisas pelas quais pede. João diz: “Esta é a confiança [ousadia – JND] que temos para com Ele, que se Lhe pedirmos alguma coisa conforme a Sua vontade, Ele nos ouve. Se sabemos que Ele nos ouve em tudo quanto pedirmos, sabemos que temos as coisas que a Ele temos pedido” (TB). O apóstolo Paulo nos diz que essa ousadia de acesso à presença de Deus é o resultado de ter recebido “o Espírito de adoção”. Isso nos dá liberdade para clamar: “Abba, Pai” (Rm 8:15), que indica intimidade e comunhão inteligente com Deus. Ele também diz que ao entrar na presença de Deus com essa santa ousadia, o Espírito de Deus “testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus” (Rm 8:16). É uma prova viva de que somos Seus filhos porque somente aqueles que são Seus filhos podem se aproximar d’Ele com tal liberdade e receber as petições para as quais rogam.
João não está dizendo que todo pedido de oração que fizermos será concedido. É bem possível que um crente venha pedir algo que apenas ministre à sua carne e, claro, tal pedido não será concedido (Tg 4:3). João, portanto, qualifica sua observação dizendo que nossos pedidos de oração devem ser “conforme a Sua vontade”. Ele nos dá o que pedimos somente quando “o Pai” é “glorificado no Filho” naquilo que Ele concede (Jo 14:13-14). João, de acordo com seu estilo abstrato daquilo que é absoluto, não leva em consideração um crente pedindo algo diferente do que seria a vontade de Deus, pois ele vê o crente como vivendo em um estado ideal de alma. Por isso, ele diz: “em tudo quanto pedirmos, sabemos (oida) que temos as coisas que a Ele temos pedido”.
Cap. 5:16 – No tópico da oração, João acrescenta que precisamos ter discernimento quando intercedemos pelos outros. Ele diz: “Se alguém vir pecar seu irmão pecado que não é para morte, orará, e Deus dará a vida àqueles que não pecarem para morte. Há pecado para morte, e por esse não digo que ore”. A circunstância que João tem em mente é quando um dos filhos de Deus pecou, e como consequência, Deus o afligiu com doenças, em Seus caminhos disciplinares. Em circunstâncias normais, João diz que devemos orar por sua restauração espiritual e cura física. O amor divino fará isso. No entanto, se a natureza da falha é um curso de coisas que publicamente desonra o nome do Senhor de uma forma marcante, seu pecado pode ser o que João chama de um “pecado para a morte”. Isto é, pode ser que o Senhor vá tirar a pessoa da Terra por meio da morte (Jo 15:2; 1 Co 5:2, 11:30; Tg 5:20; Ec 7:17). Em tais casos, devemos ter discernimento para não orar por sua cura, mas para deixá-la nas mãos do Senhor. Ananias e Safira são um exemplo de crentes que pecaram para morte, exceto que no caso deles não envolvia doenças (At 5:1-11).
Ser tirado da Terra de tal maneira não significa que o crente tenha perdido a sua salvação, mas sim que está sendo chamado para o céu e tirado do seu lugar de testemunho na Terra. O privilégio de representar a Cristo na Terra está sendo tomado dele, porque se comportou muito mal ao levar o nome de Cristo perante o mundo. Como Cristãos, estamos aqui na Terra como “embaixadores de Cristo” (2 Co 5:20). Nossa vida deve recomendá-Lo ao mundo, mas se nos comportarmos de tal maneira que comprometa seriamente o testemunho do Senhor, poderemos ser chamados para o céu pela morte.
Para ilustrar o ponto aqui, suponha que os filhos de uma família saiam para brincar no jardim depois do jantar, e um deles entra em uma briga com os outros, e uma grande confusão se desenvolve. A mãe chama a criança faltosa e avisa que se ela não se comportar adequadamente, ela terá que entrar. A criança aceita o aviso e volta para brincar com os outros. Não muito tempo depois, uma confusão irrompe novamente, e a mãe chama a mesma criança até a porta e lhe dá outro aviso. Mas depois que volta a brincar novamente, ela está no meio de outra confusão. A mãe o chama de novo, e desta vez ela diz para a criança entrar e vestir o pijama, porque a brincadeira já se encerrou para ela nessa noite.
Tendo falado dos caminhos governamentais de Deus em julgamento com Seus filhos (1 Pe 1:16-17), não devemos pensar que toda enfermidade que os filhos de Deus incorrem é um golpe de julgamento governamental de Deus por causa de pecado na vida deles. Lázaro é um exemplo; sua enfermidade era para a glória de Deus, não porque ele estivesse vivendo negligentemente de maneira pecaminosa (Jo 11:4). João também admite a possibilidade da mão de Deus em disciplina não chegar até a morte, afirmando: “Toda iniquidade é pecado, e há pecado que não é para morte” (v. 17). Ou seja, toda injustiça é pecado e carrega suas consequências governamentais, mas essas consequências podem nem sempre ser até a morte.
Resumo dos Testemunhos da Vida Eterna
- O testemunho da “água” – O efeito purificador da água resultante do novo nascimento produziu em nós uma capacidade para as coisas divinas por meio de uma nova vida. Estar genuinamente interessado nas coisas de Deus testemunha o fato de que temos uma nova vida e natureza. - O testemunho do “sangue” – O efeito purificador do sangue (um sinal da obra consumada de Cristo) é testemunhado no fato de que temos paz com Deus e paz em nossa alma em relação a nossos pecados – e assim, declara que possuímos a vida eterna. - O testemunho da habitação do “Espírito” – O fato de que vivemos no gozo feliz de nossas bênçãos em Cristo é uma prova do testemunho do Espírito de que temos vida eterna. - O testemunho dos “homens” – Os servos de Deus que saíram anunciando o evangelho nos disseram que, ao crer, temos vida eterna, e temos provado que seu testemunho é verdadeiro. - O testemunho de “Deus” – o próprio Deus confirma o testemunho dos homens, dando aos crentes o gozo da vida eterna – que é ter comunhão consciente com o Pai e o Filho. - O testemunho da Palavra de Deus “para” nós – As Escrituras testificam do fato de que os crentes têm a vida eterna. - O Espírito de adoção testemunha “com” nosso espírito que somos filhos de Deus. Nossa liberdade em Sua presença e poder em oração testemunham o fato de que temos vida eterna.
Comentários Finais
Cap. 5:18-21 – João conclui, reiterando algumas das grandes verdades que ele tocou na epístola. Resumindo as coisas, ele menciona três itens em particular – cada um começando com a palavra “sabemos” (“oida”):
Em primeiro lugar, **“**Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não peca; mas o que de Deus é gerado conserva-se a si mesmo, e o maligno não lhe toca” (v. 18). Aprendemos com isso que, embora haja muitos mestres anticristãos trabalhando, semeando suas sementes malignas nos homens, eles não podem frustrar a obra de Deus nas almas. Aqueles em quem Deus operou nasceram de Deus e, assim, eles têm uma nova vida e natureza que não pode pecar (cap. 3:9). Vivendo no bem daquela vida, em comunhão com o Pai e o Filho (a essência da vida eterna – Jo 17:3), não é possível que o maligno influencie o crente, porque a nova vida não responderá às suas investidas malignas. Assim, independentemente de quão tenebrosos esses últimos dias possam ficar e quão espiritualmente perigosos possam ser os tempos, os Cristãos ainda são capazes de viver uma vida piedosa para a glória de Deus. Portanto, não temos desculpa para não prosseguirmos bem para com o Senhor.
Em segundo lugar, João diz: **“**Sabemos que somos de Deus, e que o mundo inteiro jaz no maligno” (v. 19). Usando as provas e contraprovas que João deu na epístola, somos capazes de identificar aqueles que são verdadeiros crentes e aqueles que são falsos. Não apenas “sabemos que somos de Deus”, mas também conhecemos aqueles que são do mundo e estão sob o poder do “maligno”. Isso nos proporciona um claro entendimento de com quem devemos caminhar (2 Tm 2:22) e quem devemos evitar (2 Tm 3:1-5).
Em terceiro lugar, para ter certeza de não deixá-los hesitantes sobre a verdade da Pessoa de Cristo (que estava sob ataque dos falsos mestres – caps. 2:22-23, 4:1-3), João declara: **“**Sabemos que o Filho de Deus é vindo e nos deu um entendimento, para que possamos conhecer aqu’Ele que é verdadeiro, e nós estamos n’Ele que é verdadeiro, mesmo em Seu Filho Jesus Cristo. Ele é o verdadeiro Deus e a vida eterna” (v. 20 – Tradução de W. Kelly). Ao dizer isso, João nos trouxe de volta ao ponto em que ele começou a epístola – a encarnação de Cristo. Com a vinda de Cristo, houve uma revelação completa do Pai e o Filho. João chama isto de um “entendimento”. Como resultado, por fé somos capazes de ter um relacionamento vivo com “Aqu’Ele que é verdadeiro” (AIBB). João então afirma enfaticamente que o Filho de Deus, “Jesus Cristo” é “o verdadeiro Deus e a vida eterna”. Isto confirma Sua divindade e o fato de que Ele é a personificação da Vida Eterna.
Vs. 21 — João termina a epístola de uma maneira bastante incomum. Ele não faz saudações finais, nem há qualquer menção à graça de Deus sendo desejada aos santos, como Paulo e Pedro fazem em suas epístolas. (“Amém” não deveria estar no final do texto.) Em vez disso, ele faz uma exortação de advertência: “Crianças, guardai-vos dos ídolos” (JND). João não está se referindo a objetos literais de veneração que os pagãos fazem de madeira e pedra, etc., mas ao princípio da idolatria. Um ídolo, em princípio, é qualquer coisa que capture as afeições de nosso coração e desloque Cristo de Seu lugar de direito ali. Pode ser um hobby, uma recreação, um esporte, uma busca nos negócios, etc. Seja qual for o interesse, se consumir nossa atenção, nosso tempo e nossa energia – é um ídolo. Um traço característico da idolatria é que aquele que está comprometido torna-se cego a ela (Sl 115:4-8). Ela rouba nosso coração, e não percebemos isso! Vamos, portanto, prestar atenção ao aviso de João.
A Segunda Epístola de
JOÃO
A Recusa de Falsos Mestres
Bruce Anstey
A SEGUNDA EPÍSTOLA DE
JOÃO
INTRODUÇÃO
As segunda e terceira epístolas de João são geralmente vistas como apêndices da primeira epístola. Elas trazem as marcas da primeira carta em estilo, fraseado e terminologia. Embora seu nome não seja mencionado, não há dúvidas que o apóstolo João é o autor de ambas. Sendo epístolas pastorais (cartas escritas a indivíduos e não a uma assembleia, ou a um grupo de pessoas), essas epístolas aconselham aqueles que saem pregando e ensinando. De muitas maneiras, elas se complementam:
- A segunda epístola nos ordena a recusar mestres que não são firmes na sã doutrina sobre a Pessoa de Cristo. - A terceira epístola nos encoraja a receber aqueles que fielmente ensinam a verdade e a ajudá-los no seu trabalho.
Como é o caso de todas as “segunda” epístolas – que veem o testemunho Cristão em estado de ruína e desordem e, consequentemente, apregoam uma separação do que não está de acordo com a verdade – esta segunda epístola segue esse padrão. Pode muito bem ter sido a resposta do apóstolo a uma indagação que a “senhora eleita” lhe tenha feito a respeito daqueles que viajam pregando e ensinando. Ou, ele pode ter ouvido de alguém (talvez sua irmã – v. 13) que ela estava em perigo de ser vítima de certos mestres anticristãos, e que extraiu essa resposta de João. Independentemente do que deu origem à escrita da carta, a verdade prática contida nela era pertinente para aquele dia, e é ainda mais para os nossos dias porque há mais falsos mestres na profissão Cristã do que jamais houve antes. Como a epístola é escrita para um indivíduo, suas instruções devem ser aplicadas individualmente. Por isso, tanto os irmãos como as irmãs têm a responsabilidade pessoal de colocar essas coisas em prática em sua vida.
A Senhora Eleita e seus Filhos
Há apenas uma epístola escrita para uma mulher, e nenhuma escrita por uma mulher. De fato, nenhum livro da Bíblia é escrito por uma mulher – embora dois livros da Bíblia tenham nomes de mulheres – Rute e Ester. Uma mulher não ser chamada para escrever uma epístola está de acordo com as instruções do apóstolo Paulo quanto ao papel das mulheres Cristãs na Igreja. Em sua epístola a Timóteo, ele mostra que as mulheres Cristãs não têm um lugar público como assumir a liderança na casa de Deus, no ensino (1 Tm 2:9-15) ou na administração (1 Tm 3:2; At 15:6).
Vs. 1-2 – João abre com uma saudação: “O ancião à senhora eleita e a seus filhos, aos quais amo na verdade e não somente eu, mas também todos os que têm conhecido a verdade, por amor da verdade que está em nós e para sempre [para a eternidade – JND] estará conosco”. O nome da mulher eleita a quem João escreve não está indicado. Tudo o que sabemos sobre ela é que ela era uma mulher Cristã respeitável, tendo filhos que andavam na verdade. O marido dela não é mencionado.
É instrutivo em como João fala com ela. É um modelo de como um irmão deve tratar uma irmã no Senhor. Ele se abstém da familiaridade, não usando termos de afeto. Ele não a chama de “amada”, como ele faz quando se dirige aos filhos de Deus em geral (1 Jo 2:7 – AIBB, 3:2, 21, 4:1, 7, 11), ou quando ele se dirige a Gaio, um irmão no Senhor (3 Jo 1-2, 5, 11). Isso não foi porque ela não era amada, mas que todas essas expressões são inapropriadas para os irmãos usarem ao interagir com as irmãs em um nível pessoal. Ele diz: “Aos quais amo”, mas rapidamente qualifica esse amor acrescentando “na verdade”, e isso foi no contexto de “todos os que têm conhecido a verdade, por amor da verdade”. Isso nos mostra que é impróprio para um irmão destacar uma irmã no Senhor e falar de seu amor por ela; poderia ser tomado erroneamente. Isso mostra quão cuidadosos temos que ser em nossos relacionamentos naturais para evitar a aparência do mal. Da mesma forma, o apóstolo Paulo disse a Timóteo que ele deveria tratar as irmãs mais novas “com toda a pureza” (1 Tm 5:2).
V. 3 – João deseja a ela “graça” e “misericórdia” e “paz” da parte do Pai e do Filho. Com base nisso, ela seria bem capaz de agir de acordo com as instruções práticas que ele estava prestes a lhe dar.
V. 4 – João se alegrou muito ao saber que os filhos da senhora eleita estavam seguindo o caminho Cristão e andando na verdade. Ele diz: “Muito me alegro por achar que alguns de teus filhos andam na verdade, assim como temos recebido o mandamento do Pai”. Nota: ele não disse “conhecendo a verdade”, mas **“**andando na verdade”. Isso mostra que a verdade não é apenas algo que cremos em nossa mente, mas algo que deve ser praticado e vivido na vida cotidiana. Ao dizer que ele encontrou “alguns” dos seus filhos andando na verdade, indica que nem todos os filhos da senhora eleita estavam seguindo nesse caminho. João não foca nisso, mas se alegra com os filhos que estavam seguindo fielmente. Isso também é um exemplo para nós. Num dia de ruína, quando muitas coisas estão fora de ordem, a tendência é ocupar-se com os fracassos dos santos e todas as coisas que vemos que estão erradas. Mas esta não é uma ocupação saudável. Lembremo-nos do velho ditado: “Aqueles que estão ocupados com o fracasso tornam-se um fracasso!” A ocupação normal do Cristão é Cristo (Fp 3:13-14; Hb 12:2).
Vs. 5-6 – João pede-lhe que continue no grande mandamento que a companhia Cristã recebeu do Pai. Ele diz: “E agora, senhora, rogo-te, não como escrevendo-te um novo mandamento, mas aquele mesmo que desde o princípio tivemos: que nos amemos uns aos outros. E o amor é este: que andemos segundo os Seus mandamentos. Este é o mandamento, como já desde o princípio ouvistes, que andeis nele”. Ela deveria continuar no velho, porém novo, mandamento que, como João diz, é amar “uns aos outros”. É o “velho” porque foi manifestado pela primeira vez na vida do Senhor quando Ele estava aqui na Terra (1 Jo 2:7). Também é “novo” porque pode ser visto nos filhos de Deus, desde que o Espírito Santo foi dado (1 Jo 2:8). Sendo que o amor se manifesta praticamente em obediência (Jo 14:15; 1 Jo 5:3), essa instrução seria algo feliz para ela. Essencialmente, o que ele estava dizendo é que ela precisava, antes de tudo, cuidar do estado de sua própria alma, e assim ser encontrada andando no Espírito com o Senhor.
A Presença e Atividade dos Mestres Anticristãos
V. 7 – João então dá a razão pela qual andar em verdade e amor é tão importante – havia muitos falsos mestres em atividade que estavam levando os crentes não firmes a se desviarem. Ele diz: “Porque já muitos enganadores entraram no mundo, os quais não confessam que Jesus Cristo veio em carne. Este tal é o enganador e o anticristo”. Assim, João informa à senhora eleita a presença e a atividade desses mestres anticristãos. Ele sabia que a única maneira pela qual ela seria capaz de resistir aos esforços do inimigo de fazê-la desviar seguindo a falsidade, seria estar fundamentada na verdade e andando em amor e obediência.
Esses homens “entraram no mundo [têm saído pelo mundo fora – ARA]” posando como missionários Cristãos, mas, infelizmente, eles estavam espalhando falsa doutrina. Estando sob a influência dos poderes das trevas, eles foram realmente anunciadores da doutrina do mal que minou os fundamentos da fé Cristã – especialmente em conexão com a Pessoa de Cristo. Eles alegavam ter uma nova e maior luz do que a que os apóstolos tinham entregado aos santos, mas na verdade eles negavam a luz. João disse que eles não confessam “que Jesus Cristo veio em carne”. Como vimos em 1 João 4:2-3, negar que Jesus Cristo tenha vindo “em carne” mostra que eles negavam Sua Deidade e Sua Humanidade. O fato de que Ele veio “em carne” mostra que verdadeiramente Ele era um Homem real, e o fato de que Ele “veio”, mostra que Ele já existia antes de ser manifestado em Sua Humanidade; assim, Ele é uma Pessoa divina e eterna.
V. 8 – Desde que havia este perigo muito presente à espreita, João diz: “Olhai por vós mesmos, para que não percamos o que temos ganhado; antes, recebamos o inteiro galardão”. Ele queria a senhora eleita e seus filhos permanecendo em pé e firmes na verdade para que ela – e João e aqueles que trabalharam com Ele – não perdessem sua recompensa. Desviar-se seguindo após essas blasfêmias significaria a perda de nossa coroa no dia vindouro (Ap 3:11). Esta é uma boa atitude para todos os que se ocupam em palavra e doutrina. Se os santos a quem ministramos a Palavra não prosseguirem na verdade, não podemos esperar receber um “inteiro” galardão naquele dia.
V. 9 – No estilo abstrato típico de João, ele afirma com naturalidade: “Todo aquele que prevarica [ultrapassa – ARA] e não persevera [permanece – ARA] na doutrina de Cristo não tem a Deus”. Se uma pessoa não retém a verdade concernente à Pessoa de Cristo, ele se expõe como não tendo nenhum relacionamento com Deus. Um falso mestre pode professar conhecer a Deus, mas João diz que, se ele tem uma doutrina heterodoxa quanto à Pessoa de Cristo, ele “não tem a Deus”. Em outras palavras, ele não é sequer crente. (João não está levando em consideração o fato de que pode haver um verdadeiro crente em algum lugar que seja ignorante em algum ponto da doutrina e que precise de correção).
Ultrapassar da maneira como João fala aqui é ir além dos limites da revelação Cristã introduzindo noções inéditas e místicas que negam a verdade. Isto é o que marca os cultos na Cristandade. Eles podem alegar ter uma luz nova e mais clara, além daquilo que o Cristianismo ortodoxo nos trouxe, mas o que realmente temos é o erro disfarçado para se mostrar como verdade. Adequadamente, João os chama de “enganadores” (v. 7). Transgredir dessa maneira é uma das duas armadilhas nas quais crentes meramente professos caem, porque não têm vida divina. Essas são:
- Voltar atrás em apostasia da fé que uma vez foi dada aos santos (Hb 10:39; Jd 3). - Ir além dos limites da revelação Cristã para o misticismo que muitas vezes resulta em desonra à Pessoa de Cristo (2 Jo 9).
Esses dois perigos são como valas de ambos os lados da estrada onde apenas crentes professos, cedo ou tarde, caem. No sentido em que João vê essas coisas, os verdadeiros crentes não farão nenhuma dessas coisas. Mas eles podem ser levados “juntamente” com a corrente da apostasia e começar a desistir de certos princípios e práticas que eles já mantiveram (2 Pe 3:17). Eles também podem permitir que a mente deles corra sem restrições em uma linha mística de pensamento, e especular sobre assuntos divinos, mas nunca irão tão longe a ponto de negar a doutrina de Cristo.
Por outro lado, João diz: “quem persevera na doutrina de Cristo, esse tem tanto ao Pai como ao Filho”. Assim, se um homem é firme na sã doutrina a respeito da Pessoa de Cristo, é um sinal de que ele é verdadeiro.
A Recusa de Mestres Anticristãos
Vs. 10-11 – João antecipou que esta querida irmã seria testada nessas coisas e, adequadamente, deu a ela seu conselho apostólico: “Se alguém vem ter convosco e não traz esta doutrina, não o recebais em casa, nem tampouco o saudeis”. Não podia ficar mais claro o que ela deveria fazer se um desses charlatães fosse à sua porta; ela deveria recusar a entrada em sua casa e não ter comunhão com ele.
Nota: João não disse a ela para se familiarizar com todas as falsas ideias que estavam sendo propagadas naquele dia, mas simplesmente para continuar no que ela tinha ouvido “desde o princípio”. Ela precisava estar familiarizada com a verdade que foi dada à Igreja por meio dos apóstolos e permanecer em Cristo, pela qual a unção do Espírito a guiaria quando testada pela vinda de falsos mestres à sua porta. João não diz a ela para julgar a sinceridade deles. Sendo iludidos, eles poderiam muito bem acreditar que o que eles estavam ensinando era a verdade. Seus motivos podem ter sido bons e bem intencionados (aos olhos deles), mas esse não era o critério que ela usaria para julgá-los – era a doutrina deles a respeito da Pessoa de Cristo. Assim, os falsos mestres podem ser sinceros, mas estão sinceramente errados se tiverem erros quanto à Pessoa de Cristo.
Note também: João não diz a ela para endireitar o homem quanto à sua doutrina. Isso seria uma tarefa perigosa; ela poderia se envolver naqueles mesmos erros! Ela estaria fora de seu lugar tentando fazê-lo (1 Tm 2:12). João deixa perfeitamente claro o que ela deveria fazer; ela não deveria se envolver com ele em qualquer nível – nem mesmo para lhe dar uma saudação comum! Ela não deveria ter nada a ver com ele.
João adverte: “Porque quem o saúda tem parte nas suas más obras”. Se ela recebesse tal pessoa em sua casa, era sinal de ter comunhão com ela. Isso faria dela uma participante de suas más doutrinas – mesmo que ela pessoalmente não tivesse esses erros doutrinais! Assim, receber tal pessoa é colocar uma sanção sobre ela e sobre o que ela ensina, e isso seria deslealdade a Cristo. Isso mostra que as doutrinas que falsificam Cristo não podem de forma alguma ser toleradas. O problema com esses erros graves é que eles corroem como “gangrena” (2 Tm 2:16-17) e se espalham como “fermento” (Gl 5:9); se tolerado, outros serão corrompidos. Todas essas pessoas não devem ser recebidas em nossa casa ou na assembleia.
Saudações de Encerramento
Vs. 12-13 – João termina a carta dizendo à senhora eleita que desejava vir e falar com ela “face a face” (TB) e aumentar o “gozo” dela no Senhor. Ele também encaminhou as saudações de sua “irmã eleita” que estava evidentemente na mesma área que João (provavelmente em Éfeso). Assim como a senhora eleita, o nome de sua irmã eleita não é dado.
A Terceira Epístola de
JOÃO
A Recepção dos Verdadeiros Servos de Deus
Bruce Anstey
A TERCEIRA EPÍSTOLA DE
JOÃO
INTRODUÇÃO
De muitas maneiras, a terceira epístola complementa a segunda. Na segunda epístola, somos informados sobre aqueles a quem não devemos receber ou ter comunhão e, na terceira epístola, somos informados sobre quem devemos receber e ter comunhão. Assim, uma porta fechada caracteriza a epístola anterior porque tem a ver com como devemos tratar os falsos mestres; enquanto uma porta aberta caracteriza esta terceira epístola porque tem a ver com como devemos tratar verdadeiros servos do Senhor que trazem a verdade. Colocado de uma maneira simples, todos os que detêm erro quanto à Pessoa de Cristo devem ser recusados, e todos os que ensinam a verdade quanto à Sua Pessoa e obra devem ser recebidos e ajudados de qualquer maneira que possamos auxiliá-los. Adequadamente, W. Kelly disse: “A palavra-chave da terceira epístola é ‘receber’, e a palavra-chave da segunda é ‘não receber’” (Exposition of the Epistles of John, pág. 408). Assim, as duas epístolas se contrabalançam.
Esta é a única “terceira” epístola da Bíblia. Se as “segundas” epístolas assumem o colapso e a ruína no testemunho Cristão, a existência de uma terceira epístola sugere que as condições arruinadas descritas nas segundas epístolas progrediram. Nesta terceira epístola, temos uma situação em uma assembleia que perdeu seu poder para lidar com o mal em seu meio. Um homem havia se levantado e assumido o controle da assembleia e estava usando-a para promover seus próprios interesses egoístas, e a assembleia não tinha poder administrativo para lidar com ele. Em condições normais, se um homem assim surgisse de tal maneira, a assembleia o controlaria e continuaria controlando-o depois disso. Mas neste caso, as coisas estavam em um estado tão debilitado que não havia poder moral ou espiritual na assembleia para restringir o homem. O apóstolo João escreve a Gaio para aconselhá-lo sobre essa situação conturbada.
Três homens são mencionados na epístola – Gaio, Diótrefes e Demétrio. Cada um serve para nos ensinar uma lição de como devemos andar em nossa assembleia local nos últimos dias do testemunho Cristão.
Gaio
V. 1 – João abre com a saudação: “O ancião ao amado Gaio, a quem eu amo em verdade” (AIBB). Como a segunda epístola, João não se identifica, mas o estilo de escrever é inequivocamente seu. Ao contrário da segunda epístola, a pessoa a quem João escreve é nomeada; é dirigido “ao amado Gaio”. Seu nome aparece cinco vezes na Escritura (At 19:29, 20:4; Rm 16:23; 1 Co 1:14; 3 Jo 1), mas não se sabe se todos as menções que levam seu nome referem-se à mesma pessoa.
Vemos em Gaio um santo de mente espiritual cujos interesses estavam centrados no Senhor e em Seu povo. Quão louvável! Não é de se admirar porque João disse que o amava “em verdade”. A verdade é uma característica proeminente da epístola. Há:
- Amar em verdade (v. 1). - Manter a verdade (v. 3a – JND). - Andar na verdade (v. 3b). - Ajudar a verdade (v. 8). - Ter um bom testemunho da verdade (v. 12).
V. 2 – Antes de recomendá-lo por seus esforços em ajudar os servos do Senhor, João menciona sua preocupação pela saúde de Gaio. Ele diz: “Amado, desejo que te vá bem em todas as coisas e que tenhas saúde, assim como bem vai a tua alma”. Vemos aqui a terna preocupação do apóstolo pelo bem-estar pessoal de Gaio. Ensina-nos que devemos ter um cuidado genuíno um pelo outro em um nível natural, bem como em um nível espiritual. Enquanto a saúde física de Gaio estava minguando, sua saúde espiritual era boa. Nestes últimos dias, muitas vezes é o contrário! O desejo de João era que a saúde física de Gaio fosse igual à sua saúde espiritual, porque ele precisava de boa saúde para poder continuar seu ministério de ajudar os servos do Senhor.
Vs. 3-4 – João recomenda então Gaio por andar na verdade. Ele diz: “Porque muito me alegrei quando os irmãos vieram e testificaram da verdade que há em ti, como tu andas na verdade. Não tenho gozo maior do que ouvir que meus filhos andam na verdade” (KJV). Os servos do Senhor que circulavam entre os santos relataram a benevolência de Gaio a João, e ele menciona como sendo uma prova viva da verdade estar “nele”. Ele não só tinha aprendido a verdade, mas ela se tornou parte integrante dele, e assim governava sua vida. Por isso, João fala dele como retendo “a verdade” e andando “na verdade”.
Incluindo Gaio entre aqueles que João classifica como “meus filhos” sugere que Gaio pode ter sido um dos convertidos de João. Paulo fala de Timóteo, Tito e Onésimo da mesma forma (1 Tm 1:2; 2 Tm 1:2; Tt 1:4; Fm 9); Pedro também fala de João Marcos dessa maneira (1 Pe 5:13).
Vs. 5-8 – Gaio não apenas amou a verdade, mas também amou os irmãos. Isso foi expresso em sua hospitalidade. João o recomenda por sua virtude, declarando: “Amado, procedes fielmente em tudo o que fazes para com os irmãos e para com os estranhos, que em presença da igreja testificaram do teu amor; aos quais, se conduzires como é digno para com Deus, bem farás; porque pelo Seu Nome saíram, nada tomando dos gentios”. Gaio amava os santos e queria vê-los edificados na verdade, e assim, usou seus recursos materiais para ajudar aqueles que estavam ensinando a verdade. Não há indicação de que ele próprio tivesse um dom para o ministério público da Palavra, mas ele procurou ajudar aqueles que o faziam. Isso é louvável.
O versículo 5 na versão King James (e na ARC e ARF) parece indicar que havia duas classes de santos para os quais Gaio ministrava – irmãos e estrangeiros. Mas melhores versões traduzem o versículo como: “os irmãos, e isto fazes mesmo quando são estrangeiros” (ARA) indicando uma classe apenas. Eram irmãos que eram estrangeiros naquela área. Esses estrangeiros eram servos do Senhor, que saíram afora pregando o evangelho e ensinando a verdade, e Gaio exerceu hospitalidade para com eles. Ele seguiu a exortação dada em Hebreus 13:2: “Não vos esqueçais da hospitalidade aos estranhos [estrangeiros]” (TB). Esses ministros itinerantes da Palavra prestaram testemunho do amor de Gaio “em presença da igreja”, e João o encorajou a continuar nesse bom trabalho de ministrar às suas necessidades temporais “como é digno para com Deus”.
Estes irmãos saíram com fé, confiando no Senhor para sustentá-los. Eles entenderam que não deveriam tomar “nada” dos gentios incrédulos, entre os quais pregavam, para não falsificar a graça de Deus aos olhos do mundo. Tal prática poderia ter dado aos perdidos uma base falsa sobre a qual repousar, pensando que eles poderiam ganhar salvação e favor de Deus por meio de boas obras (Rm 4:4-5; Ef 2:8-9; Tt 3:5). A prática destes servos de sair “nada tomando dos gentios” é ilustrada na figura de Eliseu, recusando os presentes de Naamã (2 Rs 5:5, 15-16). A Escritura indica que esses servos do Senhor devem ser apoiados pelos santos (1 Co 9:1-18; Gl 6:6; Fp 4:11-12; Hb 13:16). Isso é o que Gaio estava fazendo. As campanhas de arrecadação de dinheiro na Cristandade evangélica hoje desconsideram esse princípio; muitos regularmente imploram apoio financeiro de públicos mistos de pessoas salvas e perdidas. Toda essa atividade é repreendida pelo Senhor lidando com Geazi, que correu atrás de Naamã e recebeu um presente dele; ao fazê-lo, tornou-se leproso (2 Rs 5:20-27).
João acrescenta: “Portanto, aos tais [nós] devemos receber, para que sejamos cooperadores da verdade” (v. 8). Ao dizer “nós”, João estava indicando que todos os santos devem participar desse ministério como forem capazes de fazê-lo, e não o deixar a alguns poucos, como geralmente é a tendência. Disso vemos que a verdade e o amor marcaram a vida de Gaio e todos os santos se beneficiaram com isso.
Diótrefes
Vs. 9-10 – Em nítido contraste com a conduta de Gaio, João menciona Diótrefes. Ele diz: “Tenho escrito à igreja [assembleia – JND]; mas Diótrefes, que procura ter entre eles o primado [gosta da primazia entre eles – TB], não nos recebe. Pelo que, se eu for, trarei à memória as obras que ele faz, proferindo contra nós palavras maliciosas; e, não contente com isto, não recebe os irmãos, e impede os que querem recebê-los, e os lança fora da igreja [assembleia – JND]”. H. Smith disse: “Se em Gaio temos um belo exemplo de um santo governado pela verdade, em Diótrefes temos uma solene advertência de como toda a vida Cristã pode ser prejudicada por vaidade não julgada da carne” (The Epistles of John, pág. 43).
Diótrefes não respeitava o apóstolo João, e em vez de receber os servos itinerantes do Senhor, ele os rejeitava, e proibia aqueles que, como Gaio, o faziam – até mesmo ao ponto de expulsá-los da assembleia! É claro que ele era um homem ciumento. Ele via João e os irmãos que cuidavam da Palavra como rivais que precisavam ser eliminados. Ele se ressentia de qualquer ministério de fora, trazido por aqueles que viajavam, vendo-o como uma interferência. F. B. Hole sugere que sua razão para rejeitar esses irmãos pode ter sido que ele os tenha visto como “homens não autorizados, e que ele estava preservando o que era ordeiro e oficial” – mas era realmente apenas um caso de ciúmes (Epistles, vol. 3, pág. 194).
Diótrefes era um ancião que tinha saído do controle. O homem era “um pequeno papa” que procurava controlar tudo e todos na assembleia. Estava fazendo o que o apóstolo Pedro advertiu os anciãos a não fazer – ele estava dominando o rebanho (1 Pe 5:3). Inflado com orgulho e importância própria, imaginava que o rebanho de Deus era o seu rebanho! Gaio era caracterizado pelo amor, mas esse homem era marcado por um tipo completamente diferente de amor – era o amor próprio. João diz: Ele “gosta da primazia”. Ao longo dos anos, muitos têm seguido o exemplo de egocentrismo de Diótrefes, e as assembleias têm sido, consequentemente, dilaceradas. Que nos seja um aviso.
Os Males que Marcaram Diótrefes
- Importância própria; ele amou ter a preeminência. - Ele desprezou a autoridade apostólica ao suprimir uma carta do apóstolo João aos irmãos. - Ele injustamente acusou João e aqueles que trabalharam com ele com palavras maliciosas. - Ele se opôs ao testemunho ativo no evangelho recusando-se a ajudar aqueles que haviam saído para trabalhar em palavra e doutrina. - Ele impediu aqueles que procuravam receber os obreiros itinerantes. - Ele sozinho excomungou irmãos que se interpuseram em seu caminho.
Podemos nos perguntar por que João não disse a Gaio para reunir os irmãos e enfrentar o homem e colocá-lo sob disciplina. Nos dias anteriores, quando as coisas na casa de Deus estavam mais em ordem, isso teria sido feito, mas as condições eram tais naquela assembleia que não havia poder moral para fazê-lo. Todos os que se levantaram contra Diótrefes viram-se excomungados da assembleia – e estando fora dela, eles não podiam mais ser uma ajuda na assembleia. Assim, ter um confronto não é a resposta; tais conflitos resultam apenas em mais vítimas. Portanto, João não diz a Gaio para lutar contra Diótrefes. Lutar contra um homem carnal pode resultar em elevar nossa carne, e não podemos lidar com a carne por meio da carne. Isso seria como tentar apagar um incêndio com um balde de gasolina! Nem João diz a Gaio para sair e encontrar outra assembleia em outra localidade. Tal ação não manifesta um genuíno amor e cuidado pelo rebanho. O Senhor disse que um “mercenário” deixará o rebanho quando os tempos ficarem difíceis, porque ele “não se importa com as ovelhas” (Zc 11:17; Jo 10:12-13 – AIBB). Deixar a congregação não é a resposta.
João prometeu vir “em breve” (v. 14 – ARA) para lidar com Diótrefes com um julgamento apostólico, pois ele, como Paulo (1 Co 4:21; 2 Co 1:23), tinha autoridade apostólica do Senhor e podia exercitar o julgamento em uma assembleia – se a necessidade o exigisse. Se João realmente chegou lá ou não, não sabemos; ele era um homem muito idoso na época, mas com essa promessa em mãos, Gaio e os irmãos esperariam a vinda de João. A lição que devemos tirar disso é que, quando as condições existem onde não há poder moral deixado na assembleia para lidar com pessoas como Diótrefes, devemos nos entregar ao Senhor e esperar que Ele intervenha. Não podemos, é claro, esperar que um apóstolo venha e resolva as coisas para nós, porque não há apóstolos na Terra hoje. Mas o Senhor pode vir providencialmente e lidar com a situação (1 Co 11:30; 2 Tm 4:14; 1 Jo 5:16) – quando nos humilharmos quanto ao nosso fraco estado que permitiu que, em primeiro lugar, tais coisas se desenvolvessem. Vemos isso nos discursos do Senhor para as sete igrejas. Quando o anjo da igreja (os líderes responsáveis) em Tiatira não tratou ou não podia tratar com Jezabel, o Senhor (sendo Filho sobre a casa de Deus – Hb 3:6) prometeu intervir e julgá-la e aos seus filhos (Ap 2:22-23).
V. 11 – Assim, Gaio e os irmãos não deveriam cair em desânimo diante das más ações de Diótrefes, mas esperar que o Senhor interviesse, seja pela vinda de João ou pelo tratamento direto do Senhor com ele. Enquanto isso, eles deveriam vencer “o mal com o bem” (Rm 12:21). João diz: “Amado, não sigas [imites – JND] o mal, mas o bem”. No contexto da situação enfrentada por Gaio e os irmãos, encontrar Diótrefes nos mesmos princípios sobre os quais ele agia seria seguir o mal. Toda essa ação não teria a bênção do Senhor. João desejou que os santos continuassem com suas boas obras, mesmo que isso fosse muito para o desgosto de Diótrefes.
No típico estilo abstrato de João, ele resume as coisas em absolutos – isto é, o que caracteriza aqueles que são verdadeiros e aqueles que são falsos. Ele diz: “Quem faz bem é de Deus; mas quem faz mal não tem visto a Deus”.
Demétrio
V. 12 – João então aponta para Demétrio como o exemplo que devemos seguir. Ele diz: “De Demétrio todos, e a própria verdade, dão testemunho; nós também damos testemunho, e sabes que o nosso testemunho é verdadeiro” (TB). Ter um bom testemunho de “todos” os homens é muito admirável. Isso, necessariamente, incluiria Diótrefes, não incluiria? Não é que Diótrefes teria aprovado Demétrio – a única pessoa que ele aprovou foi a si próprio! É que Demétrio se comportou de tal maneira que Diótrefes não conseguiu encontrar nada contra ele. O fato de que Demétrio não só teve um bom testemunho entre todos os homens, mas também da “própria verdade”, significa que ele não comprometeu qualquer parte da verdade em viver diante do tirano. Ele se recusou a ser bajulado ou amedrontado de fazer o que ele acreditava que o Senhor queria que fizesse. Ele não iria embora e nem lutaria. Ele continuou calmamente com o Senhor, e isso recebeu a aprovação do apóstolo. Ele é nosso modelo nessas situações. A lição aqui é que devemos enfrentar uma pessoa como Diótrefes com o espírito de Demétrio, enquanto esperamos que o Senhor intervenha.
Saudações de Encerramento
Vs. 13-14 – João tinha mais a dizer, mas achou que seria melhor deixar para uma visita pessoal que ele planejava fazer “em breve”. Suas saudações finais indicam que ele ansiava por comunhão Cristã – não somente com Gaio, mas com todos “os amigos” que estavam lá. Ele encerra com: “Saúda os amigos pelos seus nomes”. Isso não incluiria Diótrefes; ele era um crente, mas não amigo de João, nem da verdade. O Senhor definiu o que era um verdadeiro amigo – alguém que fazia tudo o que Ele ordenava (Jo 15:14).
A Epístola de
JUDAS
A Apostasia da Cristandade e o Caminho para os Fiéis em Meio a Essas Condições
Bruce Anstey
A EPÍSTOLA DE
JUDAS
INTRODUÇÃO
O encargo de Judas é expor a apostasia na profissão Cristã (vs. 4-13) e pronunciar seu fim sob o julgamento de Deus (vs. 14-16), e também encorajar os santos a continuar no caminho da fé com os recursos que Deus deu para tais tempos de abandono (vs. 17-25). Assim, seu propósito é duplo: primeiro, expor o caráter dos homens e o mal que eles trariam à profissão Cristã, e segundo, prover direção e encorajamento para os santos em meio à crescente massa de apóstatas. Visto que Deus não quer que sejamos ocupados com o mal, é uma epístola curta e concisa.
Existem muitas semelhanças entre 2 Pedro e Judas, mas elas não são redundantes. Ambas se referem ao trabalho de homens perversos que vieram entre os Cristãos. Ambas descrevem as terríveis condições da Cristandade nos últimos dias e dão orientação ao crente que vive nesses tempos difíceis. E ambas citam exemplos de falhas no Velho Testamento – dos anjos que pecaram, de Sodoma e Gomorra, de Balaão etc. J. N. Darby ressaltou que a principal diferença é que 2 Pedro fala de pecado, enquanto Judas fala de apostasia. Além disso, 2 Pedro tem a ver com a introdução de doutrinas errôneas, enquanto Judas tem a ver com a renúncia da sã doutrina (Synopsis of the Books of the Bible, edição de Loizeaux, vol. 5, pág. 547).
O que é Apostasia?
Existem duas maneiras de se afastar para longe de Deus; ambas são ruins, mas uma é infinitamente pior. Estas são: queda e apostasia.
Um verdadeiro crente pode se desviar (se afastar do caminho com o Senhor) se não tiver o cuidado de manter a comunhão com Ele. Pedro é um exemplo. Ele tropeçou no caminho da fé por meio do pecado e acabou negando o Senhor, mas ele foi restaurado mais tarde por meio do trabalho do Senhor como Advogado.
A apostasia é diferente; é uma renúncia voluntária da fé Cristã na qual uma vez professou acreditar. É algo que somente um crente meramente professo, que nunca nasceu de novo, faria. Um verdadeiro crente pode se afastar da comunhão com Deus e se distanciar do Senhor, mas ele não abandonará a fé. Apostasia não é uma questão de negar o Senhor sob a pressão da perseguição; é uma decidida renúncia da fé.
A apostasia é uma coisa muito solene, pois uma vez que uma pessoa apostata, não há esperança de retorno em arrependimento. A Escritura diz que é “impossível” que sejam “outra vez renovados para arrependimento” (Hb 6:4-6). Assim, todos esses são condenados, mesmo que ainda estejam vivos neste mundo! Judas Iscariotes é um exemplo; ele era um discípulo do Senhor, mas nunca nasceu de Deus (Jo 6:70). Pedro retornou ao Senhor, mas Judas nunca voltou. As seguintes passagens referem-se aos apóstatas: Mt 7:21-23, 12:43-45, 13:5-7, 20-22; Mc 3:28-30; Jo 15:2, 6; At 1:25; Rm 11:22; 1 Co 9:27, 10:12; Hb 2:1-4, 3:7-15, 6:4-6, 10:26-31, 12:12-29; 2 Pe 2:1, 20-21; Jd 4-16; Ap 8:8-12.
Muitos Cristãos não sabem a diferença entre queda e apostasia, e confundindo essas duas coisas, foram levados a conclusões erradas – uma delas é que os crentes podem perder a salvação eterna de sua alma, o que não é verdade. Por isso, é importante entender a diferença.
Judas mostra que as sementes da apostasia foram semeadas muito cedo na história da Igreja (v. 4). Ela culminará com a massa na profissão Cristã, abandonando o Cristianismo e seguindo o homem do pecado na adoração da imagem da besta (2 Ts 2:3-4; Ap 13:11-18). Não há tempo na história do testemunho Cristão quando as palavras de Judas têm sido mais aplicáveis do que nos dias de hoje em que vivemos.
A Saudação
Vs. 1-2 – Judas se apresenta como “Judas, servo [escravo – JND] de Jesus Cristo e irmão de Tiago”. Nem ele nem seu irmão faziam parte do grupo apostólico que seguia o Senhor nos dias de Seu ministério terrestre. Eles eram meios-irmãos do Senhor (Mt 13:55), mas eram incrédulos naqueles dias (Mc 3:21; Jo 7:5). Tiago foi convertido no tempo em que o Senhor ressuscitou dos mortos (1 Co 15:7) e Judas provavelmente foi convertido em torno desse tempo também. Quando o Senhor terminou Suas aparições depois de ressuscitado, todos os Seus irmãos eram crentes e estavam entre os santos no cenáculo em Jerusalém esperando pela vinda do Espírito Santo (At 1:14).
“Tiago”, a quem Judas se refere aqui, não é Tiago, filho de Zebedeu (Mt 4:21); ele foi morto por Herodes bem cedo na história da Igreja (At 12:1-2). Nem ele é o filho de Alfeu (Mt 10:3), que também é chamado de Tiago o menor (Mc 15:40). Esse Tiago tornou-se líder na assembleia em Jerusalém (At 12:17, 15:13, 21:18; Gl 1:19). “Judas” não é o Judas que supostamente foi enviado pelo Senhor com Judas Iscariotes (Lc 6:16). Nem Judas, nem Tiago eram apóstolos. (Veja W. Kelly, Lectures on the Epistle of Jude, págs. 10-11.) Podemos nos perguntar por que Judas não teria se apresentado como sendo o irmão do Senhor. Ele absteve-se de fazer isso porque estava agindo de acordo com o princípio Cristão: “Assim que, daqui por diante, a ninguém conhecemos segundo a carne; e, ainda que também tenhamos conhecido Cristo segundo a carne, contudo, agora, já O não conhecemos desse modo” (2 Co 5:16). Além disso, apresentar-se como o irmão do Senhor poderia ter parecido orgulhoso e estar buscando honra para si mesmo.
Aqueles a quem Judas escreve são os “chamados” – os que foram chamados e salvos pelo evangelho. Eles são um remanescente de verdadeiros crentes em meio à massa de pessoas meramente professas. Ele os vê de um modo duplo: “amados em Deus Pai” (ARA) e “guardados em Jesus Cristo” (ARA). (A palavra “queridos” na ARC deve ser “amados”). Sabendo que esta é uma verdade reconfortante para dar descanso em tempos de abandono. Os verdadeiros santos de Deus são os objetos especiais do Seu amor, e apesar do movimento de apostasia ganhar força na Cristandade, todos eles serão preservados até o fim. Estamos eternamente seguros e, portanto, preservados por aqu’Ele que nos chamou e salvou. Judas termina sua epístola com esse mesmo pensamento oportuno no versículo 24. Isso não significa que os verdadeiros crentes não possam ser afetados pela apostasia. Enquanto um verdadeiro crente não se apostata da fé, ele pode ser influenciado pela corrente da apostasia e começar a desistir de certos princípios e práticas que uma vez sustentou. O único remédio para isso é se manter perto do Senhor (Dt 33:12).
V. 2 – Judas acrescenta: “Misericórdia, paz e amor, vos sejam multiplicados” (AIBB). Esse é o suprimento de graça de Deus para nos ajudar a prosseguir no caminho Cristão. Portanto, uma provisão abundante foi feita para os santos nestes últimos tempos.
A Necessidade de Batalhar pela Fé
V. 3 – Estava no coração de Judas escrever sobre o assunto da salvação que é a possessão comum de todos os Cristãos, mas o Espírito Santo o obrigou a exortar os santos a batalhar pela verdade que estava sendo minada por homens perversos. Ele diz: “Amados, procurando eu escrever-vos com toda a diligência acerca da comum salvação, tive por necessidade escrever-vos e exortar-vos a batalhar pela fé que uma vez [que de uma vez para sempre – AIBB] foi dada aos santos”. “A fé” à qual Judas se refere aqui é a revelação da verdade Cristã. Normalmente, quando a palavra “fé” é usada na Escritura sem o artigo definido “a” precedendo-a, está falando da energia interior da alma em confiança em Deus (Ef 2:8, etc.). Mas quando “fé” é usada com o artigo, como aqui em nosso texto (“batalhar pela fé”), está se referindo ao precioso depósito da verdade que Deus nos deu – o corpo do conhecimento Cristão.
A exortação simples, mas importante, de Judas é que precisamos nos manter firmes pela verdade, sem comprometê-la. Como Sama, defendendo o campo das lentilhas contra os filisteus (2 Sm 23:11-12), não devemos desistir de um pingo sequer da verdade para o inimigo. Não devemos renunciá-la ou vendê-la (Pv 23:23), mas guardá-la, como Paulo exortou a Timóteo: “Guarda o bom depósito pelo Espírito Santo que habita em nós” (2 Tm 1:14).
Devemos batalhar “diligentemente” (ARA) pela fé, primeiro conhecendo a verdade e depois caminhando nela. Não podemos defender a verdade se não dedicarmos nosso tempo para aprendê-la. Alguns têm grande devoção de coração a Cristo, e isso é louvável, mas, infelizmente, carecem de instrução na verdade. Consequentemente, ao desejarem ser fiéis, eles às vezes se apegam ao erro ignorantemente e o defendem com valentia, achando que é a verdade. Mas esse tipo de energia mal dirigida só aumenta a confusão no testemunho Cristão (Veja João 16:2). Portanto, devemos dar a devida diligência para aprender a verdade (1 Tm 4:6; 2 Tm 2:15) e buscar a graça de Deus para andar nela (3 Jo 3).
Batalhar diligentemente pela fé não é ficar discutindo pela causa da verdade. Existe algo como fazer a coisa certa da maneira errada. Estar certo em algum ponto da verdade não torna o litígio e a contenda aceitáveis. Paulo avisou Timóteo sobre isso, afirmando que não deveria haver “contendas de palavras, que para nada aproveitam” (2 Tm 2:14). Como já mencionamos, devemos guardar o bom depósito da verdade “pelo Espírito Santo” (2 Tm 1:14). Isto é, devemos agir no Espírito, não na carne, ao manter a verdade. Uma coisa é batalhar e outra bem diferente é ser contencioso. “E ao servo do Senhor não convém contender, mas, sim, ser manso para com todos” (2 Tm 2:24). Assim, não é suficiente sustentar a verdade; nosso comportamento deve complementar a verdade que professamos (Fp 1:27).
Judas diz que a fé foi “uma vez” entregue aos santos. Isso significa que a verdade foi dada de uma vez para sempre; a entrega está completa. Portanto, não há mais verdade a ser revelada ou acrescentada. Os falsos mestres gostam de dizer que há mais verdade a ser revelada, e que é isso o que eles têm – mas essa noção errônea apenas abre a porta para doutrinas falsas. Com base no que Judas diz aqui, se alguém vier até nós com algo novo, devemos saber imediatamente que sua nova ideia não pode ser a verdade, porque toda a verdade já foi dada.9
Nota: a verdade foi “dada”, não foi descoberta por buscar nas Escrituras do Velho Testamento. Isso ocorre porque a revelação Cristã da verdade não está no Velho Testamento. Foi revelada aos apóstolos e profetas pelo Espírito Santo (1 Co 2:10; Ef 3:5) e comunicada por eles aos santos no poder do Espírito (1 Co 2:10-13).
Além disso, o corpo do conhecimento Cristão foi entregue “aos santos”. Ele não foi dado aos apóstolos, mas pelos apóstolos aos santos. Assim, os apóstolos eram apenas os canais; os santos são os terminais da verdade. O termo “santos” refere-se a toda a companhia Cristã; inclui os irmãos e as irmãs. Isso mostra que todos somos os guardiões da verdade. É responsabilidade de todo santo conhecer a verdade e andar nela, e lutar também por ela. Alguns têm a ideia de que batalhar pela fé é um trabalho que pertence àqueles que são mestres, mas na verdade é um privilégio e responsabilidade de todos os santos. Uma irmã pode dizer: “Deixo tudo isso para meu marido e os irmãos na reunião”. Mas essa ideia não tem o apoio da Escritura, pois, como Judas mostra aqui em seu uso da palavra “santos”, as irmãs devem estar envolvidas em manter a verdade também. O que é tão louvável sobre os de Bereia é que havia entre eles muitas mulheres honradas que examinavam as Escrituras; não era algo que apenas os homens faziam (At 17:11-12). De fato, deixar a defesa da fé para algumas pessoas “qualificadas”, ou mestres dotados, contribuiu para a perda da verdade como é evidente na história da Igreja. O catolicismo romano levou essa ideia ao extremo; ensina que as Escrituras devem ser deixadas nas mãos do clero e guardadas em mosteiros. Assim, ao fazê-lo, eles realmente tiraram as Escrituras (a verdade) das mãos dos santos!
Um Mal Duplo
V. 4 – Judas prossegue explicando por que batalhar pela fé é tão importante – muitos enganadores haviam furtivamente se introduzido na profissão Cristã e estavam corrompendo as pessoas com suas más doutrinas e práticas. Ele diz: “Porque se introduziram furtivamente certos homens, que já desde há muito estavam destinados para este juízo [sentença – TB], homens ímpios, que convertem em dissolução a graça de nosso Deus, e negam o nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo” (AIBB). Esses homens ímpios tinham um conhecimento mental da verdade, mas seus caminhos não estavam de acordo com ela. Eles haviam se introduzido “furtivamente” entre os santos, fazendo uma profissão exterior de fé, mas eram charlatães. Simão o mágico foi o primeiro falso mestre a se infiltrar, mas ele foi exposto por Pedro e João e rejeitado (At 8). Estes a quem Judas fala entraram se arrastando sem serem detectados, e permaneceram entre os santos, fazendo o seu trabalho maligno.
A versão King James diz que eles foram “destinados para esta condenação”, mas o texto deve ser lido “marcados de antemão para esta sentença” (JND). Deus não predestina as pessoas para condenação; ninguém é predestinado para o inferno. O que Judas está dizendo aqui é que Deus sabia de antemão quem eram essas pessoas e fez com que os apóstolos e profetas prevenissem os santos de que eles surgiriam, e para nos dizer que o fim deles seria a condenação. Portanto, estando prevenidos da presença deles, não devemos nos surpreender ao vê-los trabalhando na Cristandade. Suas sementes de impiedade têm um duplo caráter:
- O abuso da graça. - A negação dos direitos de Cristo, o Mestre deles.
“Converter em dissolução [libertinagem – ARA] a graça de nosso Deus” é mudar a verdade da liberdade Cristã em liberdade para a carne (Gl 5:13). Esses homens pervertem a verdade da libertação do pecado (Rm 6:18) em liberdade para pecar! H. Smith disse: “O grande princípio pelo qual Deus está salvando os homens do pecado e ensinando-os a viver sobriamente, é usado por esses homens ímpios para satisfazer a carne e seus desejos, ao mesmo tempo mantendo uma profissão aceitável e movendo-se no círculo Cristão” (The Epistle of Jude, pág. 5).
“Negam o nosso único Mestre e Senhor Jesus Cristo” (TB) não é necessariamente que negam o Seu nome exteriormente, mas recusam-se a se submeter à Sua autoridade sobre eles na prática – enquanto ao mesmo tempo afirmam que a praticam! Ele é “Mestre” deles em virtude de Sua aquisição na cruz (Mt 13:44; Hb 2:9; 2 Pe 2:1), mas Ele não é Senhor e Salvador deles. Eles negam o Seu direito de governar sobre eles, rebaixando-O, na doutrina que sustentam, ao nível de si mesmos. Assim, a doutrina deles despoja o Senhor de Sua divindade, Sua humanidade sem pecado e Seus atributos divinos, fazendo-O como qualquer outro homem (Sl 50:21). O resultado prático de suas noções errôneas é não se submeterem à Sua autoridade.
Seis Exemplos do Velho Testamento que Retratam o Mal que Caracterizaria a Apostasia na Cristandade
Vs. 5-16 – Esses homens ímpios que se introduziram na profissão Cristã são identificados nesta próxima série de versículos por vários pronomes de terceira pessoa: “aqueles”, “estes”, “deles”, “os quais”, “suas”, “os tais” (ARA). Eles se colocam em contraste com os verdadeiros crentes que Judas abordará nos versículos 17-25. Para designar aqueles santos, ele usa os pronomes de primeira e segunda pessoa: “vos”, “vós” “vossa” e “nosso”. Eles constituem um remanescente de verdadeiros crentes em meio à massa de ímpios, crentes meramente professos.
Nesta passagem, Judas descreve o estado decaído do testemunho Cristão usando seis exemplos do Velho Testamento. Assim, ele começa com: “Mas quero lembrar-vos, como a quem já uma vez soube isto” (v. 5). Isso mostra que ele assumia que eles estavam familiarizados com as Escrituras do Velho Testamento.
1) OS FILHOS DE ISRAEL – Incredulidade (v. 5).
Toda apostasia começa com incredulidade – não ter fé pessoal no Senhor Jesus Cristo. Como um exemplo disso, Judas aponta para os incrédulos entre os filhos de Israel. Ele diz: “havendo o Senhor salvo um povo, tirando-o da terra do Egito, destruiu, depois, os que não creram” (Nm 14:28-35; Dt 2:14; 1 Co 10:5-10). Os filhos de Israel tinham sido fisicamente “salvos” pelo Senhor em uma libertação exterior do exército de Faraó no Mar Vermelho (Êx 14:30-31), mas ter essa salvação temporal não significava que eles eram nascidos de Deus. Muitos não eram, e eles manifestaram sua incredulidade quando testados no deserto e, consequentemente, Deus os “destruiu”. Essas pessoas haviam sido batizadas em Moisés no mar (1 Co 10:1-2) e estavam em um relacionamento de aliança com o Senhor (Hb 9:19-21), e assim estavam em uma favorável posição de privilégio. Mas estas eram coisas exteriores; eles precisavam de um trabalho interior de fé em sua alma para apresentarem aqueles sinais exteriores de favor – mas era exatamente isso que lhes faltava.
Esta é a coisa mais importante que caracteriza a Cristandade. Ser batizado e/ou ter feito algum tipo de profissão de fé, coloca a massa de Cristãos professos em uma posição de proximidade exterior a Deus. No entanto, eles carecem de fé pessoal e salvadora da alma no Senhor Jesus Cristo (At 16:31, 20:21; Ef 2:8). Assim como os filhos de Israel que caíram sob o julgamento de Deus no deserto, eles também terão seu fim sob o julgamento de Deus.
2) OS ANJOS CAÍDOS – Rebelião (v. 6).
A incredulidade leva à rebelião; é disso que Judas trata a seguir. Para ilustrar isso, ele aponta para os anjos que pecaram na época do dilúvio. Ele diz: “e aos anjos que não guardaram o seu principado [seu estado original – ARA], mas deixaram a sua própria habitação, reservou na escuridão e em prisões eternas até ao juízo daquele grande dia”. Aqueles que ensinam sobre a Bíblia em geral acreditam que quando Satanás foi expulso do céu (Ez 28), houve outras criaturas angélicas que caíram com ele, porque depois disso lemos sobre “o diabo e seus anjos” (Mt 25:41). Este versículo em Judas não está se referindo a esse evento, mas ao que aconteceu na época do dilúvio. Alguns desses anjos caídos manifestaram descontentamento quanto ao seu estado como anjos e coabitaram com as filhas dos homens, na tentativa de criar uma espécie de raça superior de homens e anjos (Gn 6:1-4). O “estado original” (ARA) em que Deus os criou era assexuado; eles não procriavam (Lc 20:35-36). Mas sendo rebeldes e descontentes com seu estado como tal, eles “deixaram sua própria habitação” nos céus e desceram entre os homens para realizar seu plano maligno. Mas no dilúvio, Deus exterminou os gigantes e homens poderosos que tinham saído dessas uniões impuras, e tomou aqueles anjos maus e os colocou em “cadeias da escuridão”. Pedro chama esse lugar especial de confinamento no abismo “o poço mais profundo da escuridão” (2 Pe 2:4 – JND).
Alguns têm questionado se o versículo 6 está falando de uma segunda queda de anjos. J. N. Darby foi perguntado sobre isso da seguinte maneira: “Houve duas quedas de seres angélicos em dois momentos diferentes?” Ele respondeu: “Sua pergunta supõe duas quedas de anjos das quais as Escrituras não falam, embora seja muito possível” (Letters of J. N. Darby, vol. 2, pág. 447). Assim, tendo cuidado para não ir além do que é revelado na Escritura, geralmente se considera que esta passagem se refere a uma rebelião entre alguns dos anjos caídos. Deus os tirou da Terra e os confinou no abismo porque eram tão diabolicamente corruptos. Eles serão lançados no lago de fogo (Inferno) no grande dia do julgamento (Mt 25:41; Ap 20:10). O resto dos anjos caídos sob Satanás ainda estão soltos e praticam o mal hoje. Eles serão levados e confinados ao poço do abismo no começo do Milênio (Ap 20:1-3). Depois do Milênio, no grande dia do julgamento, o diabo e seus anjos serão lançados no lago de fogo.
Judas menciona esta rebelião entre os anjos caídos para nos mostrar o espírito das pessoas ímpias que será encontrado no testemunho Cristão em seus últimos dias. Elas ficarão descontentes com a ordem natural de Deus na criação e se rebelarão contra ela. Este espírito se manifesta de várias maneiras hoje, variando de: mulheres ensinando publicamente na casa de Deus (1 Tm 2:12), deixando de cobrir a cabeça (uso do véu), o significado dos papéis próprios dos homens e das mulheres (1 Co 11:2-16), a submissão de esposas aos seus maridos no lar (Ef 5:22-23), etc. Tal é o espírito que permeia a Cristandade hoje.
3) SODOMA E GOMORRA – Imoralidade (vs. 7-10).
O descontentamento e a rebelião contra a ordem natural de Deus na criação terminarão em imoralidade. Sodoma e Gomorra são citadas para ilustrar esse mal (Gn 19). Judas diz: “assim como Sodoma, e Gomorra, e as cidades circunvizinhas, que, havendo-se corrompido como aqueles e ido após outra carne, foram postas por exemplo, sofrendo a pena do fogo eterno”. Judas se refere à homossexualidade deles por terem “ido após outra carne [carne estranha – KJV]”. A versão King James chama de “carne estranha” porque essa união profana é completamente estranha à ordem moral de Deus na criação. Seu ponto é que a Cristandade será marcada por ter aqueles que terão se entregado a esse tipo de pecado, mas, ao mesmo tempo, professarão ser Cristãos! Quão inconcebivelmente incongruente é associar tal pecado ao santo nome de Cristo! Isso não significa que toda pessoa estará envolvida em imoralidade, mas será tão predominante nas fileiras Cristãs nos últimos dias que as pessoas a tolerarão e até a defenderão. Hoje, muitos pastores da Igreja, embora não estejam pessoalmente envolvidos em imoralidade, permitem isso em suas igrejas, e até desculparão aqueles que estão assim engajados – até mesmo o pecado da homossexualidade!
Vs. 8-10 – Esses “sonhando, contaminam a sua carne” com suas práticas imorais. Esse pecado é descrito pelo apóstolo Paulo em Romanos 1. A diferença entre as duas passagens é que Paulo está falando dos pagãos fora da comunidade Cristã, enquanto Judas está falando daqueles que professam ser Cristãos. Essas pessoas dizem ser Cristãs!
Eles também “rejeitam a dominação [autoridade – AIBB]”. Sendo rebeldes contra Deus, eles naturalmente se rebelam contra as instituições governamentais que são estabelecidas por Deus (Rm 13:1). Eles manifestam quando “vituperam as dignidades [difamam autoridades superiores – ARA]”. Judas nos diz que isso é algo que o arcanjo Miguel não ousaria fazer – mesmo que fosse em relação ao nosso inimigo, o diabo! Isso mostra que o diabo, embora já caído, havia outrora sido de alta dignidade entre os anjos e, até que ele seja finalmente julgado por Deus, sua dignidade deve ser respeitada. Mesmo uma dignidade angélica tão alta como a do arcanjo Miguel, respeitava isso. Por isso, ele não se encarregou de repreender o diabo, mas deixou que o Senhor o fizesse, dizendo: “O Senhor te repreenda” (v. 9). Embora caído, Satanás ainda tem imenso poder. Devemos respeitar seu poder, mas não precisamos temê-lo. De fato, nos é dito: “resisti ao diabo, e ele fugirá de vós” (Tg 4:7). Mas em nenhum momento devemos trazer “juízo de maldição contra ele”.
O motivo de discórdia naquela ocasião foi o local de enterro de Moisés. O propósito de Satanás era provavelmente erigir um santuário em memória de Moisés e assim enlaçar o povo de Israel na idolatria (compare 2 Rs 18:4). Deus, portanto, conduziu um enterro secreto de seu corpo no “vale de Moabe” (Dt 34:5-6). (Nota: “arcanjo” está no singular; há apenas uma dessas criaturas. Da mesma forma, “diabo” na Escritura está sempre no singular. A versão King James (e a ARC em Dt 32:17), no entanto, ocasionalmente dirá “diabos”, mas deve ser traduzido como “demônios”. Há um diabo, mas muitos demônios).
Judas acrescenta: “Estes, porém, dizem mal do que não sabem; e, naquilo que naturalmente [por mera natureza – JND] conhecem, como animais irracionais, se corrompem” (v. 10). A palavra “por mera natureza” refere-se aos instintos animais. Isso mostra que essas pessoas moralmente corruptas deveriam conhecer melhor ao observar o reino animal (Jó 12:7), pois os animais não se rebaixam dessa maneira. Mas eles desconsideram o testemunho da natureza e se corrompem. Em resumo, seu mal é duplo:
- Em coisas espirituais, eles trazem “juízo de maldição” contra a verdade (v. 9). - Em coisas naturais eles “se corrompem” com práticas imorais (v. 10).
4) CAIM – Religião das obras sem sangue (v. 11a).
Caim é então apresentado para indicar outra característica da Cristandade apóstata – a religião sem derramamento de sangue. Judas diz: “Ai deles! Porque entraram pelo caminho de Caim”. O caminho de Caim é se aproximar de Deus com base em boas obras, em vez de com base em um sacrifício (Gn 4:3). Ele buscou aceitação com Deus no que ele havia realizado por meio do trabalho de suas mãos e, nesse terreno, sua oferta foi rejeitada. Isso mostra o quanto a Cristandade se degenerou, no que diz respeito ao conceito básico de como uma pessoa é considerada justa diante de Deus. Muitas denominações Cristãs questionam, e até rejeitam, a expiação vicária de Cristo. Sua obra consumada na cruz como sendo o único caminho de salvação pela fé (Jo 19:30) é substituída pela realização de boas obras para aceitação diante de Deus. A morte de Cristo é reduzida a ser um modelo de humildade, nada mais. Como resultado, as pessoas são intimadas a amar o próximo e fazer boas obras para a aceitação divina. Tal é um evangelho sem derramamento de sangue, que é realmente “outro evangelho” que não é de Deus (2 Co 11:4). É o caminho de Caim.
5) BALAÃO – A Comercialização do Cristianismo (v. 11b).
Judas diz que esses ímpios “se precipitaram no erro de Balaão” (ARA), que busca honra e glória na esfera das coisas divinas (Nm 22-24). O apóstolo Pedro fala do **“**caminho de Balaão”, que era o amor de Balaão pelo “prêmio [recompensa – JND] da injustiça” (2 Pe 2:15). Assim, ele não era apenas um homem egoísta, mas também um homem cobiçoso que estava disposto a prostituir seu dom profético para obter riqueza, embora ele fizesse todos os esforços para que a coisa parecesse de outra maneira (Nm 22:18). Esses homens também ensinariam “a doutrina de Balaão”, que viria encorajar o mundanismo entre o povo de Deus (Ap 2:14).
Colocando essas três coisas juntas, temos uma imagem composta da Cristandade do seu lado que é movido pelo dinheiro e que busca glória. Os gananciosos procuraram transformar o Cristianismo em um negócio lucrativo, e tiveram sucesso nisso de muitas maneiras. Eles não veem nada de errado em servir no púlpito por salário, tirar dinheiro dos perdidos, etc. Muitos pregadores se tornaram surpreendentemente ricos. O apóstolo Paulo denunciou isso, afirmando: “Pois não estamos, como muitos, mercadejando com a Palavra de Deus” (2 Co 2:17 – TB). W. T. P. Wolston salientou que, se dinheiro e entretenimento fossem retirados dos sistemas eclesiásticos da Cristandade, muitos deles entrariam em colapso. Ele disse que se o entretenimento fosse retirado, eles perderiam seu grande público, e se o dinheiro fosse retirado, eles perderiam muitos dos homens e mulheres no púlpito.
6) CORÉ – Erro Eclesiástico (v. 11c)
Judas traz mais um exemplo do Velho Testamento para ilustrar outra coisa que marca a Cristandade – o erro eclesiástico. Isso é, um erro nas coisas referentes à doutrina e prática da Igreja. Judas expõe isso ao mencionar “a contradição (contestação) de Coré”. Coré e seu grupo de homens (Nm 16) queriam uma posição acima do povo que pertencia apenas a Moisés e Arão, que são um tipo duplo de Cristo, o Apóstolo e Sumo Sacerdote da nossa confissão (Hb 3:1). Não estando contentes com o lugar que Deus lhes havia dado como levitas, eles queriam um ofício de sua própria autoria, e sua insurreição contra a ordem de Deus naquela economia mosaica foi recebida com Seu desagrado e julgamento.
Os homens na Cristandade levantaram-se de maneira semelhante e introduziram o ofício do clérigo. Esta é uma posição na Igreja que é puramente uma invenção humana, pois a Palavra de Deus não fala sobre isso. Dá ao possuidor daquele ofício (seja homem ou mulher) um lugar distinto entre Deus e Seu povo. No entanto, Deus nunca pretendeu que deveria haver tal classe de pessoas presidindo uma congregação no Cristianismo. De fato, tal coisa é condenada em Sua Palavra (1 Pe 5:3). Esses homens são presunçosos nisso, frequentemente chamando o rebanho de Deus como sendo o rebanho deles próprios. Inflados por um senso de importância, eles negligenciaram a ordem de Deus para adoração e ministério Cristão nas epístolas e introduziram sua ordem feita pelo homem. Como resultado, o sistema do clero/leigos pode ser encontrado em graus variados na maioria das denominações da Cristandade, se não for em todas elas. Uma diferença entre Coré e seus homens e suas contrapartes na Cristandade é que os homens de Coré não chegaram a tomar posse, enquanto os clérigos na Cristandade têm funcionado nesse lugar criado pelo homem por mais de mil anos.
O Caráter do Ministério dos Ministros Apóstatas
Vs. 12-13 – Não estamos dizendo que todo homem ou mulher que faz parte do clero é apóstata, pois a maioria é de verdadeiros crentes. No entanto, muitos estão sem vida. Judas aponta cinco semelhanças na natureza para descrever o caráter desses falsos ministros e seu ministério:
Em primeiro lugar, ele diz: “Estes são manchas [rochas submersas – ARA] em vossas festas de caridade, banqueteando-se convosco e apascentando-se a si mesmos sem temor”. Uma “mancha” é uma rocha submersa ou um banco de areia logo abaixo da superfície da água, que, se um veleiro bater nela, pode naufragar. Rochas que são cartografadas não são difíceis de evitar, mas bancos de areia escondidos podem ser desastrosos para os marinheiros. Essa primeira metáfora mostra que esses falsamente chamados ministros – embora ordenados por algum corpo religioso e tendo algum título de formação em divindade – fizeram com que muitos entrassem em “naufrágio” espiritual (1 Tm 1:19-20). O fato de Judas dizer: “banqueteando-se convosco, e apascentando-se a si mesmos sem temor”, mostra que eles ganharam a confiança da massa e são bem-vindos em muitos círculos.
Em segundo lugar, eles são como “nuvens sem água, levadas pelos ventos”. Isto é, prometem chuvas de bênçãos, mas não têm nada para refrescar a alma. Eles são levados “pelos ventos”, significando que seu ministério tem sido contaminado pelas falsas doutrinas que estão soprando na Cristandade (Ef 4:14).
Em terceiro lugar, eles “são como árvores murchas, infrutíferas, duas vezes mortas, desarraigadas”. Normalmente, o outono é a época em que a fruta é encontrada nas árvores, mas estas não têm nenhuma. Judas explica por que essas pessoas não dão frutos; são “duas vezes mortas”. Isso se refere a estar morto em ofensas e pecados (Ef 2:1, 5) e estar morto por apostasia (Ap 8:9-11). Todas essas árvores serão “desarraigadas” e lançadas no fogo do juízo de Deus (Mt 15:13).
Em quarto lugar, são “ondas impetuosas do mar”. Isso fala de sua insubmissão. Estando em um estado sem lei de alma, eles se recusam a ser controlados pela autoridade da Palavra de Deus. Pelo seu ensino eles, de fato, estão “espumando as suas próprias torpezas” (AIBB). É uma blasfêmia direta, e envolve dar desculpas pelo pecado, ao invés de ensinar a justiça. Não é que eles sintam sua vergonha, mas, mesmo assim, essas coisas são uma vergonha para eles (Fp 3:19).
Em quinto lugar, eles são “estrelas errantes, para os quais está eternamente reservada a negrura das trevas”. As estrelas têm sido procuradas por marinheiros para fins de navegação por milhares de anos. Elas falam dos líderes do povo de Deus que são responsáveis por fornecer luz espiritual e direção aos santos (Ap 1:20). Judas chama esses falsos ministros de estrelas “errantes”, porque uma estrela que sai de seu lugar apenas engana aqueles que a buscam para se orientarem. Esses são falsos guias. Sua falsa luz será em breve extinta na “negrura das trevas” eternamente.
Fim da Cristandade Sob o Julgamento de Deus
Vs. 14-16 – Judas então traz a profecia de Enoque para mostrar que o Senhor não permitirá que essa corrupção associada ao Seu nome (quanto ao testemunho) continue indefinidamente. Cristo intervirá em julgamento da maneira mais decidida. Assim, o testemunho Cristão não verá restauração, porém o seu fim será o julgamento. Ele diz: “E destes profetizou também Enoque, o sétimo depois de Adão, dizendo: Eis que é vindo o Senhor com milhares de Seus santos, para fazer juízo contra todos e condenar dentre eles todos os ímpios, por todas as suas obras de impiedade que impiamente cometeram e por todas as duras palavras que ímpios pecadores disseram contra Ele. Estes são murmuradores, queixosos da sua sorte, andando segundo as suas concupiscências, e cuja boca diz coisas mui arrogantes, admirando as pessoas por causa do interesse”. Se tivéssemos apenas o Velho Testamento, nunca teríamos conhecido essa primeira de todas as profecias, pois não há menção dela ali (Gn 5:21-23). Tudo o que saberíamos sobre Enoque é que era um homem que andava com Deus e que isso agradava a Deus, e que ele foi levado para o céu sem ver a morte (Hb 11:5). Mas desta epístola, aprendemos que ele também era um profeta. Judas identifica-o como “o sétimo (sétima geração) depois de Adão” para distingui-lo do ímpio Enoque na família de Caim (Gn 4:17-18).
Enoque proferiu essa profecia cerca de 4.500 anos atrás! O ponto central disso é a vinda do Senhor – Sua Aparição. Muitos outros profetas falaram deste evento também (Is 30:27-28; Zc 14:5; Mt 16:27, 24:27-30; 1 Ts 3:13, 4:14, 5:2; 2 Ts 1:7-9, 2:8; 2 Tm 4:1; Ap 1:7, 19:11-21). O que é tão solene em conexão com a vinda de Cristo para julgar a massa de apóstatas na Cristandade é que uma vez que a profissão Cristã tem sido privilegiada por ter a mais alta verdade confiada a ela (a verdade do Mistério), aqueles que apostatarem dela terão o maior julgamento! (Lc 12:46-48)
O Senhor ensinou que os falsos mestres que estiverem vivos na Terra quando Ele aparecer, serão levados pelos anjos e lançados vivos no lago de fogo! (Mt 13:37-42, 22:13, 24:37-41) Eles não serão mortos e, portanto, não comparecerão diante do grande trono branco, que é um julgamento dos mortos iníquos (Ap 20:11-15). Estes ficarão face a face com o Próprio Juiz quando Ele aparecer, e não necessitarão de mais exame ou prova de sua maldade. Seu olho, que tudo vê, viu todas as suas “obras” ímpias e Seus ouvidos ouviram suas “duras palavras”. Assim, não somente a verdadeira Igreja na Terra será tirada daqui no Arrebatamento sem ver a morte, mas a falsa igreja (aqueles que estiverem vivos em Sua Aparição) também serão tirados da Terra sem ver a morte física. Mas quão grande será a diferença – entre o céu e o inferno!
Judas usa a palavra “condenar [convencer – TB]” aqui em conexão com o julgamento dessas pessoas ímpias. J. N. Darby diz que é uma palavra difícil (“elenko”) para traduzir (Jo 3:20 – nota de rodapé10). Tem o pensamento de reprovação por mostrar ou expor publicamente a falha de uma pessoa. W. E. Vine sugere que isso tem a ver com envergonhar a pessoa condenada. Tal será o caso neste julgamento. Esses apóstatas (os líderes religiosos em particular) têm falado coisas duras e injuriosas sobre Cristo e quanto à Sua Pessoa e Sua obra em seus ensinamentos teológicos, mas naquele dia, serão publicamente envergonhados e julgados da maneira mais humilhante – eles serão tomados pelos anjos como impostores e lançados vivos no inferno.
V. 16 – Esses homens (particularmente os líderes) são expostos como sendo dirigidos por motivações carnais e egoísmo. Eles falam “coisas mui arrogantes” de lisonja para afagar o ego de pessoas de riqueza e de alta posição na sociedade, com motivos de “interesse” pessoal (obter vantagens). Tal é o caminho do homem do mundo, mas tudo vai parar subitamente quando o Senhor intervier em julgamento.
Cristandade Julgada em Três Etapas
De fato, o julgamento da Cristandade será executado em três etapas:
A primeira, no Arrebatamento, o Senhor “vomitará” de Sua boca a massa meramente professante dos então chamados Cristãos, deixando-os para trás, na Terra, e assim Se desassociará formalmente deles (Ap 3:16).
A segunda, no meio da 70ª semana de Daniel, que será cerca de três anos e meio depois do Arrebatamento, no início da grande tribulação (Dn 9:27, 12:11; Mt 24:15-22), a besta, o líder da confederação ocidental das nações destruirá a grande prostituta (a Cristandade sob o controle do catolicismo) e, assim, porá um fim nas suas práticas idólatras. Isso será feito para abrir caminho para a adoração da besta e sua imagem por todos no Ocidente (Ap 17:16-17). A massa meramente professa abandonará sua profissão Cristã vazia e adorará a besta, que o homem do pecado (o anticristo) promoverá (2 Ts 2:3-4).
A terceira, após a grande tribulação, o Senhor aparecerá do céu para julgar os apóstatas que abandonaram a profissão do Cristianismo, tomando-os e lançando-os no lago de fogo (Ap 3:3). Esta última fase é sobre o que Enoque profetizou.
Conselho para o
Remanescente dos Verdadeiros Crentes
Vs. 17-25 – Sendo informado de todo esse mal no testemunho Cristão, podemos nos perguntar o que devemos fazer. Judas antecipa que esta questão estaria em nossa mente, e assim, nesta última série de versículos, ele nos dá seu piedoso conselho. Ele mostra que a resposta é não desistir em desespero, nem é sair em reclusão para tentar nos proteger das más influências da apostasia. Note também que Judas não nos diz que devemos tentar endireitar a Cristandade desordenada. O Senhor não colocou essa “carga” sobre o Seu povo (Mt 13:27-30; Ap 2:24). Em vez disso, ele mostra que devemos continuar na graça que Deus provê, com os recursos que Ele nos deu, e esperar que o Senhor venha e nos leve para a casa do Pai acima.
Nesta última seção da epístola, Judas se dirige aos verdadeiros crentes em meio à massa professante sem vida, dizendo: “Mas vós, amados …” Ele os identifica com os pronomes de primeira e segunda pessoa: “vós”, “vos”, “vossa” e “nosso”. Suas palavras de graça e conforto são um verdadeiro encorajamento para nós. Elas são:
LEMBRAI-VOS DAS PALAVRAS DOS APÓSTOLOS (vs. 17-19)
Em primeiro lugar, Judas quer que lembremos do que os apóstolos disseram a respeito da ruína do testemunho Cristão. Ele diz: “Mas vós, amados, lembrai-vos das palavras que vos foram preditas pelos apóstolos de nosso Senhor Jesus Cristo, os quais vos diziam que, no último tempo, haveria escarnecedores que andariam segundo as suas ímpias concupiscências”. Deus previu a ruína e fez com que os apóstolos prevenissem os santos da vinda disso (At 20:29-31; 1 Tim 4:1; 2 Tm 3:1-9, 4:3-4; 2 Pe 2:1-2; 1 Jo 2:18-19, etc.). Não deveria, portanto, ser uma surpresa para nós. Fomos informados de tudo de antemão, de modo que, apesar de sofrermos com isso, não seríamos vencidos pelo desespero. O Senhor sabe que não poderíamos realizar as seguintes exortações que Judas dá com qualquer tipo de convicção se estivéssemos em um estado de espírito perturbado. A alma deve primeiro estar em repouso e sem perturbação – e é isso que o Senhor fez ao nos contar isso de antemão. Há algo reconfortante em saber que Ele sabe tudo sobre isso.
Por isso, ele nos diz que haverá “escarnecedores” que zombarão da verdade, e assim devemos nos preparar (2 Pe 3:3-4). J. N. Darby comentou sobre esse tipo de oposição ousada à verdade, afirmando: “A ignorância é geralmente confiante porque é ignorante” (Synopsis of the Books of the Bible, edição de Loizeaux, vol. 1, pág. 11). Assim, podemos esperar oposição, mas não devemos ficar desanimados com isso. Eles podem zombar da verdade, atacá-la e tentar prejudicá-la, mas isso não muda a verdade.
V. 19 – Judas diz que esses escarnecedores são os culpados de muitas das seitas e divisões que se desenvolveram na Cristandade. Ele diz: “Estes são os que fazem separações, homens naturais [anímicos11], não tendo o Espírito” (Trad. de W. Kelly). W. Kelly observou: “Eles se libertam da comunhão e formam algo novo que não tem a sanção da Palavra de Deus. Isso é o que, na Escritura, é chamado de heresia” (Lectures on the Epistle of Jude, pág. 142). Compare 2 Pedro 2:1. “Não tendo o Espírito” deixa claro que eles nunca foram salvos (Gl 3:2; Ef 1:13).
EDIFICANDO-VOS SOBRE A VOSSA SANTÍSSIMA FÉ (v. 20a)
Em seguida, Judas fala da necessidade de se edificar sobre o fundamento sólido da verdade. Ele diz: “Mas vós, amados, edificando-vos a vós mesmos sobre a vossa santíssima fé”. A “santíssima fé” é a revelação Cristã da verdade. Ela foi entregue aos santos pelos apóstolos (v. 3) e pode ser encontrada nas 21 epístolas do Novo Testamento. No entanto, ter a verdade entregue em nossas mãos é uma coisa e ser edificado sobre ela é outra. Podemos perguntar: “Como exatamente nos edificamos na santíssima fé?” O apóstolo Paulo responde isso, declarando: A “Palavra da Sua graça (as Escrituras), que tem poder para vos edificar e dar herança entre todos os que são santificados” (ARA). Assim, é por meio de uma profunda familiaridade com a Palavra de Deus (particularmente as epístolas). Vamos, portanto, nos envolver com a devida diligência nisso (1 Tm 4:6, 16; 2 Tm 2:15); isso nos impedirá de sermos “levados em roda por todo vento de doutrina” que vem junto (Ef 4:14). Que contraste isso é para o que vimos na primeira parte da epístola. Enquanto falsos mestres são vistos destruindo os fundamentos da fé no coração daqueles que os ouvem, os verdadeiros crentes devem estar se edificando na santíssima fé.
Nota: Judas não diz: “Edifique a fé”. Isso implicaria que o depósito da verdade não é uma coisa completa e, portanto, há suplementos a serem adicionados – mas essa é uma noção falsa. O apóstolo Paulo disse que, com a revelação do Mistério, o depósito da verdade estava “completo” (Cl 1:25-27 – JND). Houve epístolas escritas por outros depois que Paulo disse isso, mas elas não acrescentam à verdade do Mistério.
ORANDO NO ESPÍRITO SANTO (v. 20b)
Conjuntamente ao estudo da Palavra de Deus, deve haver oração inteligente. Por isso, Judas acrescenta: “Orando no Espírito Santo”. Essas duas coisas andam juntas “como uma mão em uma luva” (Lc 10:39-11:13, etc.). Precisamos de um equilíbrio de ambos. Isso é importante porque estudar a Palavra de Deus sem oração pode levar ao legalismo, e a oração sem o estudo da Palavra pode levar ao fanatismo. Orar “no” Espírito é estar orando de acordo com a mente do Espírito. Isso vem do conhecimento da verdade e da comunhão pessoal com o Senhor.
Nota: Judas diz, orando no Espírito, não orando para o Espírito vir. Não haverá outro Pentecostes nem outro batismo do Espírito Santo. Portanto, não devemos procurar uma recuperação do testemunho público da Igreja. O Espírito de Deus veio e, como Ele habita agora na Igreja aqui na Terra, devemos andar no Espírito (Gl 5:16) e orar no Espírito (Ef 6:18).
CONSERVAI-VOS A VÓS MESMOS NO AMOR DE DEUS (v. 21a)
Judas passa para outra coisa que deveríamos estar fazendo em vista da apostasia – devemos ser encontrados vivendo no gozo do amor de Deus. Ele não diz: “Continue a amar a Deus”. Ele também não diz: “Conservai Deus amando você”. Mas sim, “Conservai-vos no amor de Deus”. Ele não está falando de nosso amor por Deus, mas de Seu amor por nós! É como o Sol brilhando na rua; um lado dela pode estar na sombra e o outro lado na luz do Sol. De que lado andamos? Deus ama todos os Seus filhos igualmente, mas eles não desfrutam do Seu amor no mesmo grau. Nós nos mantemos no desfrute da luz do Sol do Seu amor, julgando a nós mesmos e mantendo nossa comunhão com Ele.
ESPERANDO A MISERICÓRDIA DE NOSSO SENHOR JESUS (v. 21b)
Em seguida, Judas aborda nossa expectativa, que deve ser para cima, para a vinda do Senhor (o Arrebatamento). Ele diz: “esperando a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo, para a vida eterna”. A tendência nestes últimos dias é ocupar-se com as corrupções na Cristandade e no mundo, mas isso não é nosso foco. Lembremo-nos de que aqueles que estão ocupados com o fracasso se tornam um fracasso! A arca de Noé tinha uma janela “em cima”, da qual ele e sua família poderiam olhar. Isso fala de ter uma perspectiva celestial. A janela não estava no lado da arca. Se estivesse lá, eles poderiam estar ocupados com a cena da morte ao redor deles, e isso seria desalentador.
Este é o único lugar na Escritura onde a vinda do Senhor é mencionada como sendo uma “misericórdia”. Querer ser tirado deste mundo corrupto não é a principal razão para querer que o Senhor venha, mas que misericórdia será! A “vida eterna4**”** é vista aqui como estando no final de nosso caminho quando estivermos glorificados e em nossa esfera apropriada, onde a comunhão com o Pai e o Filho será nosso prazer sem distração.
ENVOLVIDOS EM SERVIÇO (vs. 22-23)
Por último, devemos nos envolver em serviço ativo para o Senhor, alcançando aqueles que estão confusos e enredados nos erros da Cristandade. Judas diz: “E a alguns convença quando contendendo. A outros salve, tirando-os para fora do fogo. E de outros se compadeça com temor, odiando até a vestimenta manchada com a carne” (tradução de W. Kelly). O Sr. Kelly comentou: “Nossa versão – a chamada Autorizada [KJV12] – analisa apenas dois casos. ‘E de alguns tenhas compaixão, fazendo uma diferença’ – isso é uma classe; ‘e outros salvai com temor, puxando-os para fora do fogo; odiando até a vestimenta manchada pela carne’ – esta é a segunda classe. Ora creio que existem três classes, e não apenas duas” (Lectures on the Epistles of Jude, pág. 152).
As palavras de Judas aqui mostram que estender a mão para ajudar as pessoas requer discernimento, pois nem todos os casos são iguais. Em tempos de abandono da verdade, devemos distinguir entre os líderes e os liderados. Alguns são mestres obstinados e cabeças-duras; outros são meros seguidores que foram induzidos, pelos mestres errôneos, a tropeçar (Rm 16:17-18). Note também que há uma ordem moral nesta passagem. Só depois de Judas ter falado de ser edificado sobre a santíssima fé, orando no Espírito Santo, desfrutando do amor de Deus por meio da comunhão, e tendo a iminência da vinda do Senhor diante de nossa alma, que ele nos encoraja a estender a mão para ajudar os outros. Nossa eficácia em servir ao Senhor será grandemente prejudicada se essas outras coisas não estiverem no lugar apropriado em nossa vida.
A primeira classe de pessoas são os líderes entrincheirados em suas doutrinas malignas. Não devemos tentar salvá-los, pois eles são apóstatas que não podem ser levados ao arrependimento e recuperados (Hb 6:4-6). Pelo contrário, devemos ‘convencê-los’ com a verdade. (Esta é a mesma palavra usada no versículo 15, tendo a ver com uma pessoa condenada sendo envergonhada, para que sua culpa seja evidente para todos). O Sr. Kelly apontou que a frase “fazendo uma diferença” (KJV) no versículo 22, deve ser traduzida “quando contendendo”. É claro que esses homens não querem a verdade; eles querem contender. A palavra usada no versículo 9, em conexão com o diabo, contendendo com Miguel o arcanjo, é a mesma palavra usada aqui. Portanto, esses adversários da verdade estão fazendo o trabalho de seu mestre!
A segunda classe de pessoas pode ser salva “tirando-as para fora do fogo”. Essas não são os enganadores, mas sim enganadas pelos enganadores. Elas foram enlaçadas inconscientemente nas más doutrinas e precisam ser libertadas dessas falsas noções. Sendo edificados sobre a santíssima fé e instruídos na verdade, como Judas impõe, devemos ser capazes de guiar essas pessoas para fora dessas doutrinas errôneas, se suas vontades não estiverem em ação. Nota: é “tirá-los”, não “empurrá-los” para fora da confusão espiritual e desordem que eles se meteram. Empurrando implica entrar na vala com eles, mas fazendo isso, podemos nos enredar no mal. Não, antes, devemos ficar separados da corrupção, permanecendo em terra firme e retirá-los. A salvação da qual Judas fala aqui não é a salvação eterna da alma; isso é algo que somente o Senhor pode fazer por meio de fé em Sua obra na cruz. Esta é uma salvação prática dos erros doutrinários na Cristandade (1 Tm 4:16).
A terceira classe são aquelas pessoas de quem Judas diz: “E de outros se compadeça” (tenha “compaixão”). Essas são pessoas que se tornaram tão corrompidas moral e espiritualmente que, ao alcançá-las, precisamos ser mais cuidadosos para não nos deixarmos contaminar pelas circunstâncias em que as encontramos. Por isso, Judas acrescenta: “Odiando até a vestimenta manchada com a carne” (JND). Uma “vestimenta” é algo que envolve uma pessoa quando está vestida dela e é usada figurativamente na Escritura para indicar as circunstâncias em que ela vive (Lv 13:47-59; Mc 10:50, etc.). Devemos odiar suas vestes porque suas circunstâncias são contaminantes. Assim, devemos amar a pessoa, mas odiar seus pecados – e esse ódio deve ser mantido em todos os momentos. Estando conscientes das situações contaminantes em que essas pessoas estão, devemos trabalhar com “temor” de nos tornarmos impuros por tal contato e, portanto, devemos proceder com cautela. Não é uma questão de tolerar o mal em que eles estão, mas estar ciente disso, e permanecer moralmente separado dele, enquanto procuramos libertá-los.
Uma Doxologia do Louvor
Vs. 24-25 – Para encerrar, Judas encomenda os santos ao Senhor, que é capaz de nos guardar de tropeçar nas armadilhas do caminho e conclui com uma breve irrupção de louvor. Ele diz: “Ora, àqu’Ele que é poderoso para vos guardar de tropeçar e apresentar-vos irrepreensíveis, com alegria, perante a Sua glória, ao único Deus, Salvador nosso, por Jesus Cristo, nosso Senhor, seja glória e majestade, domínio e poder, antes de todos os séculos, agora e para todo o sempre. Amém!” Tendo “aqu’Ele que é poderoso” para nos impedir de “tropeçar”, não há razão para que não possamos viver nossa vida Cristã sem falhar – mesmo nestes tempos espiritualmente perigosos! (2 Tm 3:1) Independentemente de quão tenebroso e difícil é o dia, a graça do Senhor é suficiente para isso (Tg 4:6). Se rogarmos a Ele por ajuda, Ele nos livrará, por meio de Seu trabalho sacerdotal, de todo perigo no caminho (Hb 7:25). Embora vivamos em dias de fracasso geral, Ele pode nos apresentar “com exultação, imaculados diante da Sua glória” (ARA). Esta é, de fato, uma palavra encorajadora!
Já que Ele é capaz de nos manter, se tropeçarmos no caminho e falharmos, só temos a nós mesmos para culpar. A versão King James diz: “vos guardar de que caia”, mas isso deve ser traduzido como “tropeçar”. “Cair” é um termo geralmente usado para apostasia (Lc 8:13; 2 Ts 2:3; Hb 6:6; Ap 8:10). Um crente pode tropeçar (Rm 14:21; 2 Co 11:29; 2 Pe 1:10; 1 Jo 2:10), ou cair de sua firmeza (2 Pe 3:17), mas ele não pode “se perder”.
Que contraste entre os corruptos apóstatas e os verdadeiros santos de Deus! Os apóstatas encontrarão o seu fim no julgamento, ao passo que os verdadeiros crentes têm o seu fim ao serem apresentados diante da presença da Sua glória com grande exultação! Não é de admirar que Judas termine com uma doxologia de louvor àqu’Ele que é digno.
APÊNDICE
Todas as versões da Bíblia em português não fazem qualquer distinção entre o caráter presente e o futuro da vida eterna como o fazem as versões de J. N. Darby e William Kelly.
Na tradução de J. N. Darby os versículos que se referem ao caráter presente (que traduzem como eterna vida) são: Mt 19:16, 29, 25:46; Mc 10:30; Lc 10:25, 18:30; Jo 3:15, 16, 36, 4:36, 5:24, 39, 6:27, 40, 47, 54, 68, 10:28; 12:25, 50, 17:2; Rm 2:7; 1 Tm 1:16; 1 Jo 2:20.
A tradução de William Kelly ainda acrescenta à lista acima quatro versículos (1 Jo 3:15, 5:11, 13, 20) que se referem ao caráter presente da vida eterna.
Os versículos seguintes se referem ao caráter futuro (que traduzem como vida eterna): Mc 10:17; Lc 18:18; Jo 4:14, 17:3; At 13:46, 48; Rm 5:21, 6:22, 23, Gl 6:8; 1 Tm 6:12; Tt 1:2, 3:7; 1 Jo 1:2; Jd 21.
Notas
[←1]
N. do T.: Cerintiano: que pertence a uma seita de hereges, a mais antiga das seitas gnósticas, palavra derivada de Cerinto, o fundador desta seita no primeiro século d.C. A tradição Cristã antiga descreve Cerinto como um contemporâneo e oponente do apóstolo João, o Evangelista, que escreveu a Primeira Epístola de João e a Segunda Epístola de João para avisar aos menos amadurecidos na fé e doutrina sobre as mudanças que ele estava fazendo nos evangelhos originais.
[←2]
N. do T.: Doutrina gnóstica do século II, segundo a qual o corpo de Cristo não era real, porém só aparente, ou que negava que Ele tivesse realmente nascido de Maria. O docetismo acreditava que Jesus Cristo era algo ilusório, logo, este apesar de ter uma aparência humana, não possuía carne e nem sangue.
[←3]
N. do T.: Nota de Rodapé “a” em 1 Coríntios 8:1 da tradução de JND: “Duas palavras gregas são usadas para ‘conhecer’ no Novo Testamento – ‘ginosko’ e ‘oida’. Ginosko significa conhecimento objetivo, aquilo que um homem aprendeu ou adquiriu. A expressão ‘estar familiarizado com’ talvez transmita o significado. Oida transmite o pensamento daquilo que é interior, a consciência interior da mente, conhecimento intuitivo não diretamente derivado do que é externo.
A diferença entre as duas palavras é ilustrada em João 8:55: “E vós não O conheceis (ginosko), mas Eu conheço-O (oida)”; em João 13:7: “O que Eu faço não o sabes (oida) tu agora, mas tu o saberás (ginosko) depois”; e em Hebreus 8:11: “E não ensinará … dizendo: conhece (ginosko) o Senhor; porque todos Me conhecerão (oida)”.
A palavra oida é usada em relação a Cristo como conhecendo o Pai e como conhecendo a hipocrisia dos escribas e fariseus, e em relação ao conhecimento de Paulo de “um homem em Cristo” e ao conhecimento do Cristão de que tem a vida eterna+. “porque eu sei em Quem tenho crido” 2 Tm 1:12 – Eu tenho o conhecimento consciente interno de Quem a Pessoa é: veja também 1 Coríntios. 16:15; 2 Tim. 3:14 e 15 – todas elas se referem ao conhecimento consciente interno.
A diferença entre o significado das duas palavras é muitas vezes tênue e um conhecimento objetivo pode se tornar um conhecimento consciente, mas não o contrário.
A palavra grega para consciência é derivada de oida: ver 1 Co 4:4 – ARA: “Porque de nada me argui [culpa] a consciência”, isto é, não consciente de qualquer falha. Na passagem atual, “sabemos que o ídolo nada é” é um conhecimento consciente: “sabemos que todos temos ciência [conhecimento]” e “a ciência [o conhecimento] incha” é conhecimento objetivo. “se alguém cuida saber (conhecimento consciente) alguma coisa, ainda não sabe (objetivamente) como convém saber (objetivamente)”. “Esse é conhecido (objetivamente) d’Ele”, e assim “conhecimento” em 1 Co 8:10”.
[←4]
N. do T.: As traduções de J. N. Darby e W. Kelly diferenciam os dois significados da expressão traduzida para o português como “vida eterna”, utilizando as expressões “life eternal” e “eternal life”. Como traduzir isso para o português não destacaria a diferença existente, usaremos a expressão “vida eterna” para indicar o aspecto presente da possessão da vida eterna (que Darby e Kelly traduzem como “life eternal”) e “vida eterna_4”_ para indicar o aspecto futuro dessa possessão (que Darby e Kelly traduzem como “eternal life”). O _Concise Bible Dictionary_ diz: “Aquele que tem o Filho de Deus, portanto, tem vida _agora_ (a possessão _presente_) e sabe disso pelo Espírito Santo, o Espírito da vida. O apóstolo João fala da vida como um estado subjetivo nos crentes, embora inseparável do conhecimento de Deus plenamente revelado como o Pai no Filho, e de fato caracterizado por isso. O Senhor disse a Seu Pai: **“a vida eterna é esta: que Te conheçam,** **a Ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a Quem enviaste”** (Jo 17:3). O apóstolo Paulo apresenta a vida eterna mais como uma _esperança_ diante do Cristão (a possessão _futura_), que, no entanto, tem um efeito moral presente (Tt 1:2, 3:7). Disso obtemos que a vida eterna para o Cristão se dirige à sua plenitude para a glória de Deus, quando o corpo atual como parte da velha criação será transformado, e haverá total conformidade a Cristo, de acordo com o propósito de Deus. Nesse meio tempo, a mente de Deus é que o Cristão, habitado pelo Espírito Santo, saiba (tenha o conhecimento consciente) que ele tem a vida eterna (1 Jo 5:13). Veja no Apêndice, na última página deste livro, como Darby e Kelly identificam o caráter presente e futuro da vida eterna em suas traduções.
[←5]
N. do T.: A palavra grega “teknion”(diminutivo de “teknon”), traduzida na KJV com “filhinhos” e na JND como “filhos”, é empregada nos caps. 2:1, 12, 28, 3:7, 18, 4:4, 5:21; Jo 13:33; Gl 4:19 e, conforme nota de rodapé da versão JND em 1 Jo 2:1, “é um termo de afeto paterno que se aplica aos Cristãos, independentemente do crescimento”; a palavra grega “paidion”, traduzida na KJV e JND como “filhinhos”, é empregada nos cap. 2:13 e 18 e significa os que são imaturos na fé, como em 1 Coríntios 14:20. Em todas as versões em português aparece apenas “filhinhos”.
[←6]
N. do T.: Em todas as versões em português aparece a palavra “pelos”, referindo-se ‘aos pecados do mundo’, a mesma incorreção que a versão King James apresenta.
[←7]
N. do T.: “Stratagema” em grego, significa manobra, tática ou ardil utilizados numa guerra com o intuito de enganar, sabotar ou confundir, e assim subjugar o oponente ou inimigo.
[←8]
N. do T.: Heterodoxo provém da palavra grega “hetero” que significa “diferente” e “doxa” que significa “fé”. É o que se opõe aos padrões, normas, regras ou à uma doutrina pré-estabelecida. É o que está em desconformidade com a doutrina tida como verdadeira.
[←9]
N. do T.: Tem sido dito entre os irmãos: “Se é algo novo, não é verdade; se é verdade, não é algo novo”.
[←10]
N. do T.: A nota de rodapé “d” da tradução J. N. Darby em João 3:20, diz: “Elenko” para mostrar o verdadeiro caráter de algo, assim como convencer, e consequentemente, reprovar por mostrar a falha do homem. É usada em João 8:46 como “convence”; em João 16:8 como “trazer demonstração”; em Efésios 5:11, 13 como ‘reprovar e expor’.
[←11]
N. do T.: Anímico provém da palavra latina “anima” que significa aquilo que é relativo ou pertencente à alma. É traduzida como “natural” em 1 Co 2:14, como “animal” em 1 Co 15:44, 46; Tg 3:15 e “sensual” em Jd 19.
[←12]
N. do T.: As versões em português também consideram apenas duas classes.