Bruce Anstey

A Segunda Epístola de Paulo a TIMÓTEO

Encorajamento no Serviço
em um Tempo de Falha Coletiva

Bruce Anstey

A SEGUNDA EPÍSTOLA DE PAULO A TIMÓTEOEncorajamento no Serviço em um Tempo de Falha Coletiva

Bruce Anstey

Originalmente publicado por:

CHRISTIAN TRUTH PUBLISHING

12048 – 59th Ave.

Surrey, BC V3X 3L3

CANADÁ

Título do original em inglês: THE SECOND EPISTLE OF PAUL TO TIMOTHYEncouragement in Service in a Time of Collective Failure

Primeira edição – january 2008

Traduzido por Paulo Albuquerque

Revisado, publicado e distribuído no Brasil com autorização do autor por:

ASSOCIAÇÃO VERDADES VIVAS, uma associação sem fins lucrativos, cujo objetivo é divulgar o evangelho e a sã doutrina de nosso Senhor Jesus Cristo.

atendimento@verdadesvivas.com.br

Primeira edição em português – Janeiro 2019

E-book v.1.3

Abreviaturas utilizadas:

ARC – João Ferreira de Almeida – Revista e Corrigida – SBB 1969

ARA – João Ferreira de Almeida – Revista e Atualizada – SBB 1993

TB – Tradução Brasileira – 1917

ACF – João Ferreira de Almeida – Corrigida Fiel – SBTB 1994

AIBB – João Ferreira de Almeida – Imprensa Bíblica Brasileira – 1967

JND – Tradução inglesa de John Nelson Darby

KJV – Tradução inglesa King James

Todas as citações das Escrituras são da versão ARC, a não ser que outra esteja indicada.

A Segunda Epístola de Paulo a

TIMÓTEO

O CENÁRIO – Um Dia de Ruína e Fracasso

Na primeira epístola a Timóteo, Paulo instruiu os crentes quanto à conduta correta e adequada à ordem na casa de Deus. Nessa segunda epístola, ele nos instrui sobre como devemos nos portar quando as coisas na casa de Deus tiverem caído em desordem. O que se destaca na segunda epístola é que haveria um declínio espiritual generalizado no testemunho Cristão nos últimos dias, e haveria necessidade de sabedoria para como se conduzir em tais tempos.

Essa epístola foi escrita para encorajar Timóteo a servir em um tempo difícil quando as massas na profissão Cristã estavam abandonando Paulo e sua doutrina (2 Tm 1:15). Alerta os crentes quanto ao caráter progressivo da corrupção na Cristandade, que culminaria nos últimos dias quando haveria um abandono generalizado da verdade de Deus. Ela antevê um tempo de ruína e fracasso completos no testemunho Cristão (2 Tm 3:1-8, 4:3-4). Ao mesmo tempo, traça cuidadosamente o caminho em que os fieis devem andar em tempos assim.

Na primeira epístola, a massa de Cristãos é vista como desejando corresponder à suas responsabilidades em manter a ordem na casa de Deus, embora alguns indivíduos tenham provado ser falhos (1 Tm 1:20, 4:1 – “alguns”). Na segunda epístola, é o oposto. Ela vê a massa de Cristãos como tendo falhado (2 Tm 1:15), e apenas alguns indivíduos permanecem fiéis à sua profissão (2 Tm 1:16-18, 4:11).

O que aconteceu na história da Igreja é previsto nessa epístola. Paulo compara a ruína do testemunho Cristão a uma “grande casa” que está cheia de desordem e contaminação (2 Tm 2:20). Na verdade, o início desse abandono já era perceptível quando Paulo escreveu a Timóteo. O Próprio Senhor predisse esse tempo de fracasso e decadência públicos nas parábolas de Mateus 13. Ele disse que quando as coisas fossem entregues nas mãos dos homens no tempo de Sua ausência, o “inimigo” (Satanás) introduziria “joio” (pessoas más), “aves” (espíritos malignos), e “fermento” (más doutrinas). Ao olharmos para a história da profissão Cristã, vemos que isso de fato aconteceu. Os emissários de Satanás agiram por meio de agentes humanos para subverter a verdade de Deus nos corações dos homens. Muita corrupção e desordem foram introduzidas naquilo que leva o nome de Cristo.

É significativo que não há qualquer promessa nesta epístola (ou em qualquer outra parte da Escritura) de uma recuperação do testemunho Cristão após ele ter caído nesse estado corrompido. Pelo contrário, o apóstolo disse a Timóteo que as coisas iriam de mal a pior (2 Tm 3:13). Ele não podia esperar para ver uma restauração à glória anterior da Igreja como encontrada nos primeiros capítulos de Atos, quando todos estavam cheios do Espírito, e todos viviam juntos em feliz unidade, e havia sinais do poder do Espírito. Apocalipse 2-3 revela que a história da Igreja na Terra terminará com uma triste nota de brutal indiferença às reivindicações de Cristo. Não apenas o apóstolo seria rejeitado, como mencionado nesta epístola (2 Tm 1:15), mas o Próprio Senhor seria deixado de fora! (Ap 3:20) Em geral é isso o que acontece atualmente.

Essa condição de brutal abandono da verdade continuará até o Senhor voltar e levar cada um dos crentes verdadeiros do meio da massa de crentes professos (1 Ts 4:15-18). Com esse panorama sombrio diante do apóstolo, ele procura encorajar Timóteo a continuar no serviço ao Senhor. O tema da epístola, portanto, é a responsabilidade individual no serviço em um tempo de fracasso coletivo.

“O Homem de Deus”

A expressão, “o homem de Deus” (1 Sm 2:27, 9:10 etc.), ocorre na Escritura quando a massa do povo professo de Deus falha em sua responsabilidade coletiva. Significa um homem que se posiciona para com Deus e age por Ele quando aqueles que professam conhecer a Deus se provam ser infiéis. Esse termo sempre é usado na forma singular; a Escritura nunca fala de “homens de Deus”. Isso mostra que fidelidade é algo individual quando há uma decadência pública no testemunho do Senhor. A expressão “o homem de Deus”, não é usada nas Escrituras quando as condições são boas entre o povo de Deus, mas quando são ruins. As segundas epístolas no Novo Testamento são particularmente aplicáveis a tais épocas; elas antecipam o fracasso público do povo de Deus e enfatizam a necessidade de fidelidade individual. Portanto, é impressionante ver que Timóteo é chamado de um “homem de Deus” (1 Tm 6:22, 2 Tm 3:17).

Visto que Timóteo era um jovem (1 Tm 4:12), alguns chegaram a conclusão de que essa epístola foi escrita para pessoas jovens que estão lutando com questões da juventude – ou seja, as tentações do mundo, a carne, o diabo, etc. No entanto, ela claramente não foi escrita com essa finalidade. Sugerir que Timóteo estava lutando com o mundo etc. é diminuir o seu caráter exemplar e sua admirável devoção ao Senhor. Ele era um Cristão maduro e piedoso, embora relativamente jovem, que estava totalmente empenhado em fazer a vontade de Deus e servir Seu povo. Portanto, Timóteo não era um Cristão jovem descuidado e indiferente.

Paulo podia dizer a respeito dele, “Porque a ninguém tenho de igual sentimento, que sinceramente cuide do vosso estado; porque todos buscam o que é seu e não o que é de Cristo Jesus. Mas bem sabeis qual a sua experiência, e que serviu comigo no evangelho, como filho ao pai” (Fp 2:20-22). Ler essa epístola com a ideia equivocada de que ela está se dirigindo a jovens mundanos é tirá-la de seu contexto.

Não estamos dizendo que não podemos aplicar o que diz a epístola aos jovens e descuidados, mas o contexto e a interpretação primária é a de um obreiro mais velho (que está prestes a sair de cena) aconselhando e encorajando um obreiro mais jovem. O objetivo da epístola, portanto, é encorajar Timóteo a carregar fielmente a tocha que estava sendo passada para ele. Por ser uma epístola pastoral – uma epístola que não foi escrita para uma assembleia ou um grupo de assembleias, mas a um indivíduo – ela está cheia de piedoso aconselhamento do apóstolo a Timóteo no tocante a sua vida e serviço ao Senhor. Paulo transmite a ele muitas instruções úteis que têm sido preservadas graciosamente para nós na Palavra de Deus, para que qualquer um que queira servir ao Senhor tenha esses princípios orientadores para o seu serviço. Essa é uma palavra muito necessária atualmente.

- O primeiro capítulo delineia as qualidades morais e espirituais necessárias ao “homem de Deus” em um dia de ruína. - O segundo capítulo apresenta alguns princípios muito importantes necessários para o serviço em um período assim. - O terceiro capítulo relata os recursos disponíveis para o servo de Deus a fim de que ele fosse preservado e pudesse ser útil em um tempo assim. - O quarto capítulo encerra a epístola com alguns incentivos divinos para o serviço que são preparados para estimular o servo do Senhor em Sua obra.

AS QUALIDADES MORAIS E ESPIRITUAIS NECESSÁRIAS NO HOMEM DE DEUS EM UM TEMPO DE RUÍNA

Capítulo 1

Nas saudações e encorajamentos de Paulo a Timóteo, ele descreve cuidadosamente as qualidades morais e espirituais que são necessárias no servo do Senhor em um tempo de ruína pública no testemunho Cristão. Isso nos apresenta uma imagem vívida daquilo que cada servo deveria ser em tempos difíceis tais como esses dias finais da história da Igreja.

Os versos 1-2 contêm o discurso e a saudação do apóstolo. Após demonstrar seu apostolado ele fala da “promessa da vida que está em Cristo Jesus”. Isso, cremos, foi mencionado para encorajar a Timóteo. Diante de todo o declínio e abandono, Timóteo podia se encorajar de que haveria coisas que não podiam ser afetadas pelo fracasso do homem. Isso era algo em que podia descansar confiantemente sua alma. Enquanto que tudo o que diz respeito ao testemunho da Igreja foi corrompido pela ruína e fracasso, nenhuma dessas coisas pode ser afetada pela infidelidade do homem pois tudo o que temos “em Cristo Jesus” conserva-se para a eternidade.

A promessa de vida é a primeira de uma série de coisas mencionadas por Paulo na epístola que sobreviverão a todas as falhas e deserções de crentes. São elas:

- “Vida” em Cristo Jesus (cap. 1:1). - Uma “santa vocação” em Cristo Jesus (cap. 1:9). - “Sãs palavras” (a verdade) em Cristo Jesus (cap. 1:13). - “Graça” em Cristo Jesus (cap. 2:1). - “Salvação” em Cristo Jesus (cap. 2:10). - “Viver piamente” em Cristo Jesus (cap. 3:12 – TB). - “Fé” em Cristo Jesus (cap. 3:15).

Paulo lembra Timóteo de que haveria uma renovada provisão de “graça, misericórdia, e paz” de Deus o Pai e do Senhor Jesus Cristo para o caminho no qual ele foi chamado a andar. Semelhantemente, também precisamos de “graça” para seguir em frente em um tempo de ruína e fracasso, e podemos contar com Deus para suprir isso (Tg 4:6).

“misericórdia” para nós também, se falharmos no caminho. Tem sido notado frequentemente que quando o apóstolo se dirige às assembleias, ele diz que há “graça e paz” da parte de Deus para eles, mas ao se dirigir a indivíduos ele acrescenta uma terceira coisa – “misericórdia”. Como indivíduos, há misericórdia disponível para restauração, para Cristãos que falharam. Enquanto que no que diz respeito às assembleias, que são testemunhas corporativas responsáveis nesse mundo, se elas falham e não se arrependem corporativamente (como tem sido o caso no testemunho Cristão), não há misericórdia no sentido de restauração (Rm 11:13-27; Ap 3:15). Em vez disso, o castiçal é removido do lugar em que ele se ergueu localmente, como um julgamento governamental (Ap 2:5). Isso também é verdade em relação ao testemunho Cristão como um todo. Tendo fracassado em seu testemunho por todo o mundo, a Igreja não será restaurada à sua glória anterior vista no livro de Atos. Isso é algo solene; não haverá restauração no testemunho Cristão – apenas julgamento. Indivíduos podem ser restaurados mediante misericórdia, mas o testemunho público da assembleia como casa de Deus e corpo de Cristo não será.

Deus também dá “paz”. Há algumas coisas muito frustrantes que o servo do Senhor irá encontrar em sua obra. O Senhor dá paz em tais circunstâncias para que não sejamos irritados ou prostrados por toda a confusão.

Uma Consciência Pura

V. 3 – Conforme mencionado, ao enviar palavras de encorajamento a Timóteo, o Espírito de Deus, que inspirou a escrita desta carta, leva Paulo a enfatizar determinadas qualidades que serão necessárias no servo do Senhor em um tempo de ruína. A primeira coisa que ele menciona é uma “consciência pura”. É absolutamente necessário que mantenhamos uma boa consciência diante de Deus o tempo todo; nunca seremos capazes de seguir em frente sem isso.

Ter uma “consciência pura” não significa que uma pessoa nunca falha, mas que ela julga a si mesma quando falha, para que mantenha comunhão com o Senhor. É significativo que Paulo associe uma consciência pura com a oração, afirmando, “de que sem cessar faço memória de ti nas minhas orações noite e dia”. Veja também Hebreus 13:18.

Uma boa consciência é muito importante na vida do servo do Senhor. Talvez seja por isso que o apóstolo mencione isso primeiro. Se permitimos que qualquer coisa em nossa consciência permaneça sem ser julgada, isso terá um efeito direto em nossa vida de oração. Não teremos ousadia para entrar na presença de Deus e, como consequência, nossas orações irão diminuir. Nem teremos ousadia para confessar a Cristo diante dos homens. Se o servo do Senhor pretende lutar por Ele contra a onda de mal que entrou na profissão Cristã, ele precisa ser cuidadoso para ter ele mesmo uma “consciência pura”. Portanto, se tivermos feito algo que seja inconsistente com o nome do Senhor, devemos julgar isso imediatamente. Por outro lado, uma “consciência pura” não significa que entendemos e andamos em toda a verdade, mas que buscamos viver de acordo com a luz que temos em relação à verdade. Assim, podemos com boa consciência estar diante de Deus e dos homens. Paulo cita como exemplo o seu próprio caso. Mesmo quando ele ignorava muitas coisas a respeito da revelação celestial da verdade no evangelho, ele agiu de acordo com a luz que tinha. Mesmo quando fazia parte da religião judaica, procurou manter uma boa consciência ao não permitir a si mesmo violar qualquer lei conhecida (At 23:1, 24:16; Fp 3:6). No entanto, a consciência de Paulo não estava à luz da revelação celestial do Cristianismo e ele inclusive aprovou a maldosa perseguição à Igreja. Ele não justifica seus erros aqui, mas menciona-os para mostrar que agiu com boa consciência naquilo que fez e, portanto, não era culpado de desonestidade deliberada. O propósito dele é que o servo do Senhor ande na luz que tem com toda boa consciência. Isso também mostra que a consciência não é um guia suficiente para a alma; também devemos ter a luz da verdade de Deus.

Afeto Genuíno pelos Santos de Deus

V. 4 – O apóstolo continua dizendo, “desejando muito ver-te, lembrando-me das tuas lágrimas”. Aqui ele aborda outra qualidade muito necessária no servo do Senhor – os ternos sentimentos de Cristo. As lágrimas de Timóteo eram a evidência de um coração cheio das compaixões de Cristo. Ele amou genuinamente Paulo e o povo do Senhor. Timóteo derramou lágrimas pelo povo de Deus e desejou o seu bem e a sua bênção. Paulo disse aos Filipenses “ninguém tenho de igual sentimento, que sinceramente cuide do vosso estado” (Fp 2:20). Isso é extremamente necessário no serviço ao Senhor.

Todo servo deve ter um cuidado genuíno pelos santos de Deus, caso contrário seu ministério não será muito eficiente. Nosso serviço ao Senhor logo perderá seu ímpeto se não for feito com amor genuíno por Ele e por Seu povo. Se for por qualquer outro motivo – seja popularidade, dinheiro, ou outras coisas – é um motivo totalmente errado. É significativo que no ministério terreno do Senhor Ele não chamou “os empregados”, antes, chamou aqueles que trabalhariam por amor ao seu Mestre e por amor pelo povo de Deus (Mc 1:20).

As “lágrimas” de Timóteo fluíram de um afeto genuíno pelo povo de Deus. Tendo tal cuidado com o povo do Senhor como ele tinha, deve ter ficado pesaroso com a triste condição do testemunho Cristão. Muitos se afastaram do apóstolo Paulo e de seus ensinos, e pessoas más estavam conquistando-os com sua má doutrina, a fim de que a casa de Deus fosse corrompida (2 Tm 1:15, 2:16-20, 4:3-4, 10, 14). Essa sensibilidade é boa e necessária no servo do Senhor em um dia de ruína. Se tivermos alguma sensibilidade quanto àquilo que é certo, devemos perceber o estado arruinado das coisas atualmente e lamentar isso (Mt 5:6). O que afeta o povo do Senhor afeta o Próprio Senhor, e o servo que está em comunhão com o Senhor certamente sentirá isso também. Além disso, precisamos admitir nossa participação na ruína e no fracasso. É a partir dessa postura de humilhação verdadeira em relação ao estado das coisas que podemos ser usados pelo Senhor nesse dia.

Fé não Fingida

V. 5 – O apóstolo passa a expressar sua confiança na fé de Timóteo. Ele diz, “trazendo à memória a fé não fingida que em ti há, a qual habitou primeiro em tua avó Lóide e em tua mãe Eunice, e estou certo de que também habita em ti”. A menção a Lóide e a Eunice não significa que Timóteo recebeu uma educação Cristã. Sua avó e sua mãe tinham fé, como judias piedosas, na religião judaica, mas elas não conheciam o evangelho até Paulo visitar aquela região (At 14:6-7). Atos 16:1 diz que sua mãe Eunice era “crente” no evangelho, mas não diz nada sobre Lóide, o que nos leva a pensar que talvez ela tivesse morrido àquela época. Embora Timóteo não tenha recebido uma educação Cristã, ele certamente recebeu uma educação piedosa e lhe ensinaram os princípios da fé. A menção a essas duas mulheres mostra que, embora fé e salvação não possam ser herdadas dos pais, Deus ama salvar e abençoar famílias inteiras (At 16:31).

Paulo fala da fé delas aqui para mostrar que é algo essencial em um dia de ruína. Ele não estava se referindo apenas à fé que crê no evangelho, mas à fé que é necessária para cada passo no caminho. Em outra passagem somos lembrados de que o justo viverá pela fé (Hb 10:38). Não há um momento em que precisemos mais disso do que em dias de fraqueza e fracasso. O inimigo de nossa alma está buscando incansavelmente abalar nossa fé e nos fazer desistir. Seu plano é “destruir os santos do Altíssimo” em dias de testemunho remanescente (Dn 7:25). Ele quer nos fazer desistir e pensar que não vale a pena continuar. Mas a fé habilita o crente a elevar-se acima das condições do dia e perseverar apesar de todas as coisas desanimadoras que ele poderá encontrar no testemunho Cristão. Paulo estava convencido de que Timóteo tinha essa fé para servir num dia assim.

Paulo se refere à fé de Timóteo como “não fingida”. Isso significa que ela não era simulada; não era algo apenas exterior. Isso nos mostra que Timóteo era sincero. Nesses dias de hipocrisia e pretensão, Deus quer realidade em Seu povo – especialmente naqueles que irão adiante para servir a Ele. “Eis que desejas que a verdade esteja no íntimo” (Sl 51:6 – AIBB). Além disso, fé é necessária para confiar no Senhor no campo de trabalho. O servo deve ter fé para transmitir a Palavra e confiar no Espírito para trabalhar nas almas. Se nos falta fé em Seu serviço, podemos acabar recorrendo a artifícios carnais para obter resultados. Acessórios mundanos, sensacionalismo e coisas do tipo são frequentemente usados quando a fé simples não está em exercício, mas “fé não fingida” se apoia exclusivamente na Palavra de Deus em ministério. Assim, o servo do Senhor precisa de fé para seguir o caminho de separação e fé para confiar no Senhor por resultados no serviço.

A manutenção de uma consciência pura (v. 3) amor genuíno e cuidado pelo povo de Deus (v. 4), e fé não fingida (v. 5) são três coisas essenciais para servir o Senhor no caminho de separação em um dia de ruína.

Energia Espiritual para Usar Nossos Dons

V. 6 – Tendo expressado seu amor e confiança em Timóteo, Paulo em seguida dá a ele algumas exortações e encorajamentos diretos no tocante a servir ao Senhor. Ele diz, “te lembro que despertes o dom de Deus, que existe em ti”. Na presença de infidelidade geral corre-se o risco de alguém pensar que é inútil usar seu dom. Timóteo pode ter tido esse tipo de pensamento e estava deixando de usar seu dom. Portanto, Paulo dá a ele essa palavra necessária.

Ao relacionar esse verso com 1 Timóteo 1:18 e 4:14, aprendemos que inúmeras “profecias” haviam surgido entre os santos declarando que Timóteo seria levantado e usado pelo Senhor em Seu serviço.

Por meio de um ato formal do apóstolo, o Senhor concedeu-lhe um dom especial. O “presbitério [corpo de anciãos] reconheceu o dom de Timóteo e expressou sua comunhão com isso e o encorajou a exercitá-lo. Aqui Paulo o exorta com essa finalidade, dizendo a ele que “despertes” o dom que ele possui e use-o para a bênção do povo de Deus. Talvez ele tivesse o dom de ensino e de exortação (1 Tm 4:13). Quão imensa é a necessidade desses dons na Igreja!

Todos os dons espirituais vêm de Cristo no alto, a Cabeça da Igreja, pelo Espírito Santo quando somos salvos. No caso de Timóteo, Paulo foi o canal pelo qual o Espírito de Deus comunicou o dom. Dons espirituais não são dados dessa maneira atualmente, pelo simples fato de que não há apóstolos vivos. Não obstante, cada membro do corpo de Cristo recebeu um dom espiritual para ser usado no local onde Deus o colocou no corpo. Ele vem diretamente de Cristo no céu pelo Espírito de Deus e não por meio de qualquer intermediário humano na Terra. O caso de Timóteo foi uma exceção.

Em 1 Timóteo 4:14 e nesse verso em 2 Timóteo, vemos duas tendências negativas entre o povo do Senhor no tocante ao exercício dos dons. Primeiro, quando as coisas na assembleia estão em boa ordem, como visto na primeira epístola a Timóteo, a tendência é **“negligenciar” (**ARA) nossos dons. Talvez isso aconteça por vermos outros exercitando seus dons de forma proveitosa, e pensamos que não somos necessários. E então, quando as coisas na assembleia estão fora de ordem, como visto em 2 Timóteo, e que há muita indiferença e mundanismo, a tendência é descartar qualquer ideia de usar nosso dom por pensarmos que ele não será aceito. No entanto, ambas as ideias estão erradas. Não devemos “negligenciar” nossos dons quando as circunstâncias na vida da assembleia estão indo relativamente em boa ordem, e precisamos “despertar” nossos dons quando as coisas na assembleia estão em um mau estado. Isso é necessário, pois muito poucos estão exercitados para ajudar os santos nas coisas de Deus. O uso dos dons espirituais é muito mais necessário conforme os dias vão sendo tomados pelas trevas. A necessidade nunca foi tão grande quanto agora.

Não cremos que Timóteo estava sozinho em sua tendência de deixar de usar seu dom. Atualmente, muitos estão ocupados com outras coisas e não estão preocupados em usar seus dons para ajudar o povo do Senhor. Muitas vezes, nas assembleias locais, o ministério da Palavra é deixado a cargo de um ou dois. Certamente não é a hora de escondermos nossos talentos na terra (Mt 25:18), ou debaixo de um alqueire1, ou debaixo de nossa cama (Mc 4:21). Talvez a dificuldade de Timóteo fosse sua timidez natural; a nossa é provavelmente a falta de devoção. J. N. Darby disse que se houvesse mais devoção haveria mais dons em evidência entre nós. Com isso ele não quis dizer que um dom espiritual surge pela devoção de alguém, mas que o dom desse alguém, que está escondido nele, se tornaria manifesto a todos. Quanto mais exercitamos nossos dons, mais eles se desenvolverão, e mais efetivos seremos no serviço ao Senhor. Sob condições normais, a produtividade do servo deve aumentar à medida que ele amadurece nas coisas divinas. Quando começamos a servi-Lo podemos produzir “a trinta”, conforme prosseguimos e continuamos a usar nossos dons em dependência do Senhor, nossos dons se tornarão mais eficientes, e produziremos “a sessenta” e “a cem” (Mc 4:20).

Usar nosso dom em um dia de ruína requererá energia espiritual. Paulo não estava mais com Timóteo para despertá-lo. Portanto, ele tinha que despertar a si mesmo. Semelhantemente, conforme os dias vão se enfraquecendo, não podemos esperar que alguém venha e nos desperte; poderemos ficar esperando por um longo tempo!

Energia carnal não é do que se precisa no serviço ao Senhor. Há muitos que são zelosos e têm muita energia, mas ignoram muito quanto à verdade. A simples possessão de um dom para ministrar a Palavra de Deus não é suficiente para um serviço eficiente. É preciso haver exercício, e também um entendimento da verdade, que leva tempo para se adquirir. Também é preciso haver o chamado do Senhor, e quando Ele nos chama para uma obra, também é preciso depender d’Ele ao usarmos nossos dons. Timóteo estava bem preparado em todas essas coisas, e ele tinha um cuidado genuíno pelos santos (Fp 2:20-21). Ele também tinha um entendimento da verdade da doutrina de Paulo (2 Tm 3:10). Paulo estava lembrando-o de que ele realmente tinha sido chamado para a obra (1 Tm 4:14), e que ele deveria usar seu dom em dependência do Senhor.

Coragem

V. 7 – Timóteo aparentemente era um homem tímido e um pouco reservado (1 Co 16:10-11). Paulo agora se refere a essa fraqueza e procura ajudá-lo a superá-la. Ele diz “Porque Deus não nos deu o espírito de temor [covardia – AIBB], mas de fortaleza, e de amor, e de moderação”. Devemos ser tão destemidos quanto um leão na defesa da verdade. No entanto, se o servo estiver cheio de medo e timidez, podemos estar certos de que esse não é o espírito que Deus dá, pois Ele não dá “o espírito de temor [covardia – AIBB].

Paulo lembra Timóteo que quando Deus dá a alguém um dom para ministrar Sua Palavra, Ele também dá três outras coisas que lhe permitirão superar qualquer fraqueza que ele possa ter, como o medo, por exemplo. Junto com o dom Ele dá o espírito de “poder” para exercitá-lo. Poder não é exatamente um dom, mas aquilo que o Espírito de Deus produz no indivíduo e que lhe capacita a usar seus dons com eficiência. Evidentemente, é preciso estar em uma condição de alma correta para perceber esse poder. Ele não estará presente em um indivíduo a menos que ele esteja caminhando em dependência de Deus. Aqui reside um problema comum em muitas assembleias atualmente. O dom está presente, mas muitos que possam possuir um dom para ministrar a Palavra, não têm o exercício espiritual para usá-lo, então ele permanece adormecido. A consequência disso é que a assembleia como um todo acaba sofrendo.

Outra coisa que Deus dá juntamente com um dom espiritual é “amor”. Os dons devem ser exercitados em amor (1 Co 13:1-3). A negligência para com nossos dons pode ser atribuída à uma falta de amor pelas almas. Mas se o amor genuíno pelas almas predominar em nós, buscaremos seu bem e bênção e seremos compelidos a exercitar nossos dons da maneira que pudermos para ajudá-los. Precisamos tirar nossos olhos das nossas fraquezas e olhar com compaixão para as almas que precisam desesperadamente de ajuda. Amor por elas nos ajudará a superar nossas inibições pessoais e alcançar as almas.

Então, Deus também dá “sábio discernimento” (JND). Isso é sabedoria em como exercitar nossos dons. O servo pode ter falta de sabedoria em seu ministério e estragar o bem que ele poderia ter realizado. Precisamos saber quando falar e o que dizer para que possamos edificar os santos na santíssima fé e não para os demolir. Felizmente, Deus fornece essa sabedoria – se estivermos andando em comunhão com Ele. Essas três coisas: poder, amor e sábio discernimento são dados por Deus para nos ajudar a superar o medo e a timidez na esfera do serviço. O inimigo de nossa alma utilizará o medo para nos impedir de exercitar nossos dons, mas se houver um exercício profundo e fé para confiar no Senhor, poderemos superar essa fraqueza. Paulo podia dizer “nós cremos também; por isso, também falamos” (2 Co 4:13). Paulo estava se referindo à necessidade de termos ousadia para expor a verdade na presença de inimigos. Porém, muitas vezes ficamos com medo de expor a verdade quando estamos na presença de nossos próprios irmãos que nos amam! Alguns têm uma grande dificuldade em contribuir com algum comentário útil durante uma reunião de leitura Bíblica, e isso não é bom. Ter um irmão, que poderia ser uma ajuda, calado durante as reuniões da assembleia é a última coisa que precisamos atualmente. A assembleia estará sendo privada de ajuda e alimento se “o espírito de temor [covardia] prevalecer entre nós.

Disposição para Sofrer pelo Evangelho

Vs. 8-12a – Se Timóteo tivesse a coragem que o Espírito dá e exercitasse seu dom fielmente, ele poderia esperar sofrimento. Por isso, Paulo o exorta a não se envergonhar do “testemunho de nosso Senhor”. O testemunho do Senhor era muito difamado (At 28:22), e estar vinculado a ele era definitivamente uma reprovação. Não podemos escapar do sofrimento pela causa de Cristo enquanto estivermos nesse mundo; isso vem no pacote, por assim dizer. Timóteo não devia evitar o vitupério, mas se unir ao apóstolo em suportá-lo.

Em um dia de ruína e fracasso a tendência é ficar “envergonhado” do testemunho Cristão por que ele tem falhado em representar o Senhor e a revelação celestial da verdade. Quando pensamos na desonra que Cristãos introduziram no testemunho por conta de seu mau comportamento (e todos temos tido nossa parte nisso), podemos entender bem porque uma pessoa se sentiria envergonhada. Não havia perigo de alguém sentir vergonha do testemunho do Senhor nos primeiros capítulos de Atos. Naqueles primeiros dias o poder de Deus era evidente por meio de sinais e maravilhas, e havia muita bênção no evangelho. Mas nos últimos dias, quando há muita desonra pública do nome de Cristo, precisamos dessa exortação. Vivemos em um dia de testemunho remanescente. É um tempo de fraqueza e “coisas pequenas”, mas não devemos desprezá-lo (Zc 4:10).

Timóteo devia estar disposto a “participar das aflições do evangelho”. Para alguém que era naturalmente receoso e tímido essa não seria uma expectativa bem vinda. Obviamente somos felizes em ser participantes das bênçãos do evangelho, e muitos estão dispostos a serem participantes na obra do evangelho, mas relativamente poucos estão dispostos a serem participantes das aflições do evangelho. Isso é perfeitamente compreensível, mas todas essas coisas andam juntas. Timóteo não devia estar receoso pela mensagem do evangelho, nem por seu mensageiro principal, Paulo. Isso é mencionado, pois havia uma reprovação certa ligada ao apóstolo. Muitos tinham vergonha de serem associados com ele e não queriam mais ser identificados com ele (v. 15). Timóteo devia suportar essas aflições, mas isso só seria possível “segundo o poder de Deus”. Somente Deus nos fortalece pelo Seu poder para que possamos sofrer pelo nome do Senhor (Cl 1:11).

Nos versos 9-11 Paulo trata da grandeza do evangelho que “nos salvou” e “nos chamou com uma santa vocação”. A ideia aqui é que se o servo percebe a grandeza da mensagem que ele tem tido o privilégio de levar, estaria mais disposto a sofrer por ela. Paulo menciona os dois principais temas do evangelho. O primeiro é que Deus “nos salvou”; o segundo é que Ele “nos chamou com uma santa vocação”. Salvação e vocação são duas coisas distintas, no entanto, estão inseparavelmente interligadas no evangelho.

“Nos salvou” aponta para a verdade simples de que fomos libertados da pena de nossos pecados. Isso ressalta o lado da questão que tem a ver com aquilo do que fomos salvos. “Nos chamou com uma santa vocação” é mais o lado positivo do evangelho. Isso enfatiza para que fomos salvos. Isso foca no propósito de Deus em glorificar a Cristo e nas bênçãos espirituais que são nossas n’Ele acima em glória (Ef 1:3).

Temos:

- Uma vocação santa (2 Tm 1:9). - Uma vocação celestial (Hb 3:1). - Uma vocação soberana (Fp 3:14).

É triste dizer mas muitos Cristãos estão satisfeitos em conhecer a primeira parte, mas não investem tempo para entender o que sua vocação em Cristo significa. Muita coisa é perdida quando esse lado do evangelho não é entendido porque toda doutrina afeta nosso caminhar de alguma maneira. Foi a segunda parte do evangelho que fez com que Paulo fosse preso. Ensinar que pecadores dentre os gentios que cressem em seu evangelho seriam abençoados no céu, mais do que Abraão, Isaque, e Jacó enfureceu os judeus. Eles não podiam tolerar isso e incitaram as autoridades romanas contra Paulo, que o aprisionaram e finalmente o executaram.

Salvação e vocação não são “segundo as nossas obras”, mas somente pela graça soberana. O plano de Deus para nos salvar e nos abençoar supremamente foi “segundo o Seu próprio propósito”, e foi “antes dos tempos dos séculos” que Ele nos escolheu em Cristo. Muito antes de termos pecado ou incorrido em uma única deficiência, Deus tinha estabelecido um propósito para nossa bênção eterna. Nenhum mal ou fracasso ou decadência no testemunho Cristão pode alterar isso.

V. 10 – Se o sofrimento levar à morte, haverá ressurreição. Isso mostra que sofrer pelo Senhor nunca é algo menosprezado na Escritura. Pregar o evangelho poderia levar à morte de martírio. E se esse fosse o caso, Paulo salienta o fato de que o Senhor triunfou sobre a morte para que o crente não tenha nada com que se preocupar. Ele “aboliu a morte”. A leitura correta é “anulou” (JND) e não “aboliu”, pois, a morte ainda está presente na criação. Pessoas estão morrendo todos os dias. Mas a morte foi anulada para o crente no sentido em que todo o seu poder terrível foi interrompido. Antes da morte e ressurreição de Cristo, a morte dominou os homens como um inimigo temido. O medo da morte sujeitou os homens à escravidão (Hb 2:15). Mas quando Cristo ressurgiu dos mortos, Ele quebrou os “tormentos” da morte (At 2:24 – Tradução de W. Kelly). Para o crente, o temor foi retirado. A morte foi roubada de seu “aguilhão” (1 Co 15:55).

O evangelho “trouxe à luz a vida e a incorruptibilidade” (JND). A vida é para a alma e a incorruptibilidade é para o corpo. Os fatos concernentes à morte e àquilo que está além dela nos foram dados para que possamos saber com certeza o que aguarda o crente que morre. Temos “vida” eterna agora por crermos no evangelho (Jo 3:15-16, 36, 5:24, 6:47, 20:31). Mas também, aguardando qualquer crente que morre pela fé do evangelho, ou de qualquer outra forma, está a promessa de “incorruptibilidade” para o corpo. Todos aqueles que morrem no Senhor têm a garantia de alcançar o estado de incorruptibilidade. Isso acontecerá na “primeira ressurreição” (Ap 20:4-5) – também chamada de “ressurreição dos justos” (Lc 14:14; At 24:15) – que se dará na vinda do Senhor (o Arrebatamento). Eles serão glorificados naquele momento. Crentes que estiverem vivendo na Terra no momento da vinda do Senhor também serão glorificados nesse momento. Eles serão revestidos de “imortalidade” (1 Co 15:53-54), mas isso não é mencionado aqui porque Paulo está falando de morrer pela fé do evangelho.

No tempo do Velho Testamento, os homens sabiam muito pouco a respeito da morte e do que havia além dela. O evangelho trouxe muita luz sobre esse assunto. Portanto, temos muito mais conhecimento a respeito da condição do espírito fora do corpo dos justos, e, consequentemente, podemos falar com muito mais certeza sobre eles. Eles estão no paraíso com Cristo, o que é muito melhor (Lc 23:43; Fp 1:23). Conhecer essas coisas deveria encorajar o servo do Senhor a seguir adiante com o evangelho sem medo. Essa era uma exortação necessária para Timóteo e para muitos de nós que possam ter dificuldades nesse sentido.

V. 11-12a – Era a missão de Paulo desvendar essas coisas entre os gentios. Ele não deixaria nada interferir no cumprimento desse serviço ao Senhor para com as nações não-judaicas (At 22:21; Gl 2:7-9). Ele fala disso como um trabalho triplo: um “pregador”, um “apóstolo”, e um “mestre” (ARA). Mas tudo isso resultou em sofrimento. Ele disse “por cuja causa padeço também isto”. Timóteo não estaria sozinho ao sofrer por causa da verdade.

Em todo o sofrimento pelo qual o apóstolo passou, não vemos o menor sinal de indignação. Ele não estava abatido, nem estava “envergonhado”. Havia uma completa submissão a tudo isso, sabendo que isso fazia parte do serviço de levar a verdade.

Visão Espiritual para Viver por “Aquele Dia”

V. 12b – Então ele diz “eu sei em Quem tenho crido e estou certo de que é poderoso para guardar o meu depósito até àquele dia”. Ele não diz “eu sei em que tenho crido”, mas em “Quem” tenho crido. Isso mostra que o Cristianismo não é uma religião – um conjunto de credos e crenças – mas é um relacionamento com uma Pessoa divina, o Filho de Deus. Se mantivermos isso diante de nossa alma, veremos que o sofrimento vale a pena. É algo que podemos fazer para Ele (Fp 1:29). O servo precisa enxergar isso como um privilégio.

Outra coisa que permitiu Paulo suportar as adversidades da rejeição e do sofrimento foi concentrar-se “naquele dia” que estava diante dele. Estando na prisão e à espera de sua execução, “o que via à sua frente” nunca pareceu mais obscuro, mas percebendo que estava prestes a ser levado para estar com o Senhor, “o que via acima” nunca pareceu mais brilhante! Ao longo de todo o seu serviço, Paulo só teve dois dias diante dele; “o dia de hoje” de serviço atual (At 20:26), e “aquele dia” da futura recompensa e coroa no reino (2 Tm 1:12, 18, 4:8). Ele menciona isso como um exemplo para Timóteo seguir. O servo deve manter seus olhos fixos “naquele dia” e servir em vista disso. Isso o ajudará a suportar as adversidades do “dia de hoje”.

Paulo tinha “empenhado” sua vida e seu serviço como um “depósito” no banco do céu em vista do dia vindouro. Ele estava confiante em deixar tudo isso com o Senhor como algo que ele tinha confiado a Ele, sabendo que Ele iria fazer uma avaliação correta de tudo e recompensá-lo de acordo. O inimigo não podia fazer nada com um homem cujas esperanças e alegrias estavam fora do cenário em que ele se encontrava. Mesmo se o calassem na prisão e ameaçassem tirar sua vida, nada o intimidaria a tirar o foco “daquele dia”. Isso era algo que Timóteo também precisava ter diante de sua alma.

Cuidado pela Doutrina de Paulo

Vs. 13-14 – Outra coisa essencial que o servo do Senhor deve ter é cuidado pela doutrina de Paulo. Ele diz a Timóteo “conserva o modelo das sãs palavras que de mim tens ouvido”. Isso é especialmente necessário em um dia de ruína quando muitos na profissão Cristã estão desistindo dela.

A doutrina de Paulo dá à presente dispensação o seu caráter distinto. A vocação e a ordem da Igreja como corpo de Cristo só são encontradas nas revelações que foram dadas a Paulo. Se quisermos saber a natureza e a vocação da Igreja e como ela deve se reunir para adoração e ministério, devemos recorrer às epístolas de Paulo para isso. Portanto, era necessário que Timóteo tivesse um esboço da doutrina de Paulo.

Muitos imaginam que nessa exortação a Timóteo, Paulo estava lhe dizendo para aprender sua doutrina, mas na verdade não é realmente essa a ideia aqui. No terceiro capítulo, ele elogia Timóteo por já ter feito isso, dizendo “tu, porém, tens seguido a minha doutrina” (2 Tm 3:10). Aqui ele está exortando Timóteo a ir mais além e colocar sua doutrina em um “esboço”. A nota de rodapé da tradução de J. N. Darby diz que o significado dessa palavra no original em grego é “uma exposição sistemática, de forma resumida, de qualquer sistema de doutrina… um esboço”. Isso significa que Paulo queria que Timóteo não apenas conhecesse a verdade, mas também que a mantivesse em sua alma de maneira ordenada a fim de que ele tivesse conhecimento prático dela.

Podemos nos perguntar, “Porque isso seria necessário?” Cremos que seja por pelo menos dois motivos. Primeiro, para que Timóteo fosse capaz de “guardar” o “bom depósito” de verdade, como o próximo verso 14 indica. Essa é nossa primeira responsabilidade quanto à verdade – guardá-la e não deixar nenhuma parte escapar. É triste dizer mas foi exatamente isso que aconteceu nos primeiros séculos da história da Igreja. Os santos em sua maioria não tinham um “modelo das sãs palavras”, e assim ela não foi guardada. Na história da Igreja, não demorou muito até que a doutrina de Paulo fosse perdida quanto ao seu entendimento e à sua prática. Houve uma recuperação da doutrina de Paulo nos últimos 150 anos, mas, sinto muito dizer, corre-se o risco de ela ser perdida novamente! E pelo mesmo motivo – não temos tido um esboço dela. Se o tivermos de maneira sistemática, estaremos melhor capacitados para “guardá-la”. Observe que ele diz “Guardapelo Espírito Santo”. Não é para ser guardada pela energia da carne. Não devemos tentar defender a verdade argumentando, mas andando nela pelo poder do Espírito.

Um segundo motivo pelo qual Paulo queria que Timóteo tivesse um “modelo” é que ele fosse capaz de transmiti-lo a outros com mais eficiência. No capítulo 2:2, Paulo prosseguiu dizendo “e o que de mim, entre muitas testemunhas, ouviste, confia-o a homens fiéis, que sejam idôneos para também ensinarem os outros”. Essa era outra responsabilidade de Timóteo. Há uma ordem moral nessas coisas: primeiro aprender a verdade ao “crescer no conhecimento” dela por meio de um estudo diligente (1 Tm 4:6; 2 Tm 3:10), depois colocá-la em “um modelo” (2 Tm 1:13) para que possamos “guardá-la” (2 Tm 1:14), e sermos capazes de “confiá-la” a homens fiéis que também irão ensinar a outros (2 Tm 2:2). Há alguns que conhecem a doutrina de Paulo razoavelmente bem, e somos gratos por isso. Mas eles têm dificuldades em explicá-la a outros, e isso provavelmente porque eles não têm um esboço dela. Se quisermos ser servos eficientes do Senhor em manusear a doutrina de Paulo, precisamos ter um esboço dela.

Tendo afirmado a necessidade de valorizar a doutrina de Paulo, poderíamos muito bem nos perguntar no que consiste exatamente a sua doutrina. Dito de forma simples, são as coisas que ele ensinou nas quatorze epístolas inspiradas que escreveu. Mais precisamente, é a essência das quatro revelações que ele recebeu do Senhor. (Não estamos dizendo que ele tinha apenas quatro revelações do Senhor, mas que o somatório de sua doutrina é apresentado nas quatro que ele menciona em suas epístolas). Elas são as seguintes:

  1. Gálatas 1:11-12, “Mas faço-vos saber, irmãos, que o evangelho que por mim foi anunciado não é segundo os homens, porque não o recebi, nem aprendi de homem algum, mas pela revelação de Jesus Cristo” (Veja também 1 Co 15:1), Isso tem a ver com a posição do crente “em Cristo” e todas as bênçãos relacionadas em conexão com estar nessa posição de aceitação. Parece que ele chama isso de “meu evangelho” (Rm 2:16 etc.).

  2. Efésios 3:2-7, “se é que tendes ouvido a dispensação da graça de Deus, que para convosco me foi dada; como me foi este mistério manifestado pela revelação como acima, em pouco, vos escrevi, pelo que, quando ledes, podeis perceber a minha compreensão do mistério de Cristo, o qual, noutros séculos, não foi manifestado aos filhos dos homens, como, agora, tem sido revelado pelo Espírito aos Seus santos apóstolos e profetas, a saber, que os gentios são co-herdeiros, e de um mesmo corpo, e participantes da promessa em Cristo pelo evangelho” (Veja também Cl 1:24-27). Essa revelação tem a ver com a verdade de Cristo e a Igreja. Ele diz que “grande é este Mistério” (Ef 5:32). Isso revela a natureza da união que existe entre Cristo, a Cabeça do corpo, e os muitos membros na Terra habitados pelo Espírito Santo. Isso também incluiria a organização prática para a ordem e o testemunho da assembleia.

  3. 1 Co 11:23-26 (TB) “Pois eu recebi do Senhor, o que também vos entreguei, que o Senhor Jesus na noite em que foi traído, tomou pão, havendo dado graças, o partiu e disse: Este é o Meu corpo que é por vós; fazei isto em memória de Mim. Do mesmo modo tomou o cálice, depois de haver ceado, dizendo: Este cálice é a nova aliança no Meu sangue; fazei isto todas as vezes que o beberdes em memória de Mim. Pois todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes do cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha”. E depois, no capítulo 10:16-17, “Porventura, o cálice de bênção que abençoamos não é a comunhão do sangue de Cristo? O pão que partimos não é, porventura, a comunhão do corpo de Cristo? Porque nós, sendo muitos, somos um só pão e um só corpo; porque todos participamos do mesmo pão”. Essa foi uma revelação que Paulo recebeu sobre o significado doutrinário da ceia do Senhor – o pão expressando a unidade do corpo (místico) de Cristo, e a participação dele sendo a confissão de que somos membros desse corpo.

  4. 1 Tessalonicenses 4:15-17, “Dizemo-vos, pois, isto pela palavra do Senhor: que nós, os que ficarmos vivos para a vinda do Senhor, não precederemos os que dormem. Porque o mesmo Senhor descerá do céu com alarido, e com voz de arcanjo, e com a trombeta de Deus; e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro; depois, nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor” (Veja também 1 Co 15:51-57). Essa revelação especial tem a ver com o complemento dos detalhes concernentes à vinda do Senhor (o Arrebatamento) e a ressurreição dos santos.

É interessante notar que o Próprio Senhor divulgou inicialmente a verdade em cada uma dessas revelações de forma embrionária em Seu ministério. Ele deu a semente delas, mas deixou-as para Paulo (quando o Espírito de Deus viria e nos ensinaria “todas as coisas” – Jo 14:26) transmitir o significado doutrinário completo delas. Antes de o Espírito vir morar nos santos, eles não poderiam receber isso (Jo 16:12-13).

Em João 8:32, o Senhor disse “e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. E também em João 14:20, Ele disse “naquele dia, conhecereis que estou em Meu Pai, e vós, em Mim, e Eu, em vós”. Essa é a linha de verdade de Romanos onde a libertação (“liberdade” Rm 6:18 – JND) completa do crente é anunciada no evangelho de Deus, onde também a aceitação do crente “em Cristo” é ensinada com suas bênçãos relacionadas (Rm 8:1, 10). E então em Mateus 16:18, o Senhor foi o Primeiro a anunciar a formação da Igreja, ao dizer “sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”. Então em Mateus 26:26-30 o Senhor foi Aquele que instituiu a Ceia. E em João 14:3, Ele foi também o primeiro a falar de Sua vinda (o Arrebatamento), ao dizer “E, se Eu for e vos preparar lugar, virei outra vez e vos levarei para Mim mesmo, para que, onde Eu estiver, estejais vós também”. Ele também foi o primeiro a falar da ressurreição dentre os mortos, ao dizer “que a ninguém contassem o que tinham visto, até que o Filho do homem ressuscitasse dentre os mortos. E eles retiveram o caso entre si, perguntando uns aos outros que seria aquilo, ressuscitar dentre os mortos” (Mc 9:9-10 – ACF). Os judeus conheciam a ressurreição como algo geral (Hb 6:2; Jo 11:24), mas até então eles não tinham ouvido falar da ressurreição “de entre” os mortos.

Um Entendimento dos Tempos

V. 15 – Paulo volta a falar do caráter do dia em que Timóteo havia sido chamado para servir. Ele precisaria ser “entendido na ciência dos tempos” se seu serviço para o Senhor tivesse de ser eficiente (1 Cr 12:32 – TB). Paulo o lembra em termos inequívocos do abandono que estava em andamento no testemunho Cristão. Ele diz “bem sabes isto: que os que estão na Ásia todos se apartaram de mim; entre os quais foram Figelo e Hermógenes”. Ásia era a região onde acontecia a maior parte do labor de Paulo. Na realidade, à assembleia em Éfeso, que era a capital da Ásia, havia sido dada a verdade mais elevada. O apóstolo tinha revelado a eles os detalhes do grande Mistério de Cristo e a Igreja. Porém, agora eles estavam se afastando ele! Isso deve ter sido algo doloroso para Paulo.

O problema é que os santos estavam ficando com vergonha dele e da verdade que ele ensinava. Eles não estavam preparados para sofrer a reprovação que vem em decorrência de se identificar com o servo rejeitado do Senhor. Se afastar de Paulo não significa que eles tinham renunciado a Cristo e se tornado apóstatas. Eles ainda confessavam ser Cristãos, mas procuravam se distanciar dos extremos aos quais eles pensavam que Paulo tinha ido em seus ensinamentos. Talvez eles justificassem suas ações ao crerem que seu entendimento sobre o que era o Cristianismo fosse mais equilibrado.

“Figelo e Hermógenes” são mencionados em particular porque provavelmente eles eram os líderes desse movimento na Ásia. Paulo havia alertado os anciãos de Éfeso sobre isso, dizendo “e que, dentre vós mesmos, se levantarão homens que falarão coisas perversas [pervertidas – JND], para atraírem os discípulos após si” (At 20:30). Timóteo precisava saber exatamente quem eram os agitadores e promotores desse movimento, então Paulo diz a ele quem eles eram ao mencionar seus nomes. Se os nomes na Escritura denotam o caráter da pessoa, “Figelo” significa “um pequeno fugitivo” e talvez indique que ele estava tentando fugir da marca impopular de ser identificado com Paulo. “Hermógenes” significa “nascido com sorte” e talvez indique que ele não tinha qualquer senso verdadeiro de direção divina em sua alma.

Semelhantemente, precisamos ter um entendimento dos tempos. Precisamos conhecer a “conjuntura” atual do panorama Cristão – saber quais aspectos da verdade estão sendo minados e atacados, e nos prepararmos adequadamente. Precisamos saber onde estamos na história da Igreja; não estamos nos dias de Pentecostes quando a verdade era bem recebida pelos Cristãos. Estamos nos últimos dias da história da Igreja quando ela “se apartou” grandemente de Paulo. É verdade que a maior parte dos grupos Cristãos estuda suas epístolas regularmente nos serviços de suas igrejas e estudos bíblicos. Mas muito daquilo que Paulo ensina sobre doutrina e prática da Igreja é ignorado e não é praticado. Coisas relacionadas ao amor e ao casamento, à moralidade Cristã etc. são aceitas de bom grado, mas coisas que tratam das questões relacionadas à separação são frequentemente desconsideradas.

A maior parte dos Cristãos interpreta os escritos de Paulo por meio de seu viés clerical e denominacional, imaginando de que ele aprovava os princípios clericais da ordem da igreja que predominam atualmente. Sendo influenciados por suas afiliações eclesiásticas, eles inadvertidamente acabam perdendo muito daquilo que ele ensinou – ainda que leiam suas epístolas regularmente! Parte do que ele escreveu é inteiramente rejeitado – como coberturas para a cabeça (1 Co 11), a proibição das irmãs ministrarem a Palavra na assembleia (1 Co 14:34-35), a distinção entre Israel e a Igreja e seus respectivos chamados e destinos (Rm 9-11), o Arrebatamento da Igreja a qualquer momento (1 Ts 4:15-18) etc. Atualmente, no Cristianismo moderno, ensinar e praticar essas coisas é considerado extremismo, mas na realidade isso não passa de um afastamento da doutrina de Paulo.

A triste consequência disso é que muito daquilo que Paulo ensinou foi perdido e é atualmente algo desconhecido no Cristianismo tradicional. Diversos pontos doutrinais em suas epístolas referentes à soteriologia (verdade da salvação), à eclesiologia (doutrina e prática Cristã), e à escatologia (eventos futuros) – são tantos que não dá para lista-los aqui – são em grande parte desconhecidos pelos Cristãos. É triste dizer, mas a Igreja em sua maioria se desviou daquilo que Paulo realmente ensinou sobre muitos desses assuntos.

Convicção para ser Identificado com Paulo

Vs. 16-18 – Por fim, Paulo fala do tipo de convicção necessária nos últimos dias. Ele faz isso se referindo ao exemplo de “Onesíforo” que “não se envergonhou” das cadeias do apóstolo. Ele o procurou diligentemente e aceitou de bom grado a recriminação pelo fato de estar identificado com Paulo. Onesíforo contrasta com aqueles que estavam se afastando dele.

Roma era uma grande cidade com muitas prisões. Andar por essa cidade enorme à procura de Paulo exigia energia e convicção da parte de Onesíforo. Paulo apreciou muito essa energia que persistiu até que ele o encontrasse. Não é dito que esse homem tenha feito alguma grande obra no evangelho. Levando em conta apenas o registro divino, não nos é dito que alguém tenha sido salvo por meio dele, mas esse ato de bondade para com Paulo permanece registrado eternamente na Palavra de Deus. Isso mostra que Deus valoriza coisas pequenas que são aparentemente insignificantes aos nossos olhos.

Paulo deseja que o Senhor recompense Onesíforo por sua fidelidade e tenha misericórdia dele. Podemos ser gratos pelo fato de o Senhor não esquecer o menor gesto de fidelidade nesses últimos dias. Tudo aquilo que fazemos pelo Seu nome está sendo acumulado para “aquele dia” de recompensa e manifestação públicas no mundo vindouro (o Milênio).

Em relação a Paulo e sua doutrina, tudo no testemunho Cristão está se movendo em uma ou outra dessas duas direções. Ou estamos nos afastando dele (v. 15) ou estamos buscando-o diligentemente (v. 17). O abandono da maioria fez com que o afeto de alguns, como Onesíforo, fosse ainda mais precioso para o apóstolo. Será necessário ter o mesmo tipo de convicção para manter e disseminar a doutrina de Paulo atualmente.

Um Sumário das Qualidades Morais e Espirituais Necessárias no Homem de Deus

- Uma consciência pura (v. 3). - Um cuidado genuíno pelos santos de Deus (v. 4). - Fé não fingida (v. 5). - Energia espiritual para exercitar nossos dons (v. 6). - Coragem (v. 7). - Disposição para sofrer pelo evangelho (vs. 8-12a). - Visão espiritual para viver para “aquele dia” (v. 12b). - Amor pela doutrina de Paulo (vs. 13-14). - Entendimento dos tempos (v. 15). - Convicção para ser identificado com Paulo (vs. 16-18).

OS GRANDES PRINCÍPIOS NOS QUAIS O HOMEM DE DEUS DEVE SERVIR EM UM DIA DE RUÍNA

Capítulo 2

No primeiro capítulo, Paulo expôs diante de Timóteo as qualidades morais e espirituais necessárias no homem de Deus em um tempo de ruína. Agora, no segundo capítulo, Paulo dá a Timóteo alguns princípios importantes nos quais ele deve servir ao Senhor. Tendo falado do estado de coisas no testemunho Cristão e da necessidade de se empenhar no serviço ao Senhor, agora ele transmite a Timóteo pelo menos doze orientações úteis para o seu ministério. Esses são princípios importantes para todos aqueles que servem ao Senhor.

Ser Forte em Graça

V. 1 – “Fortifica-te na graça que há em Cristo Jesus”. Em primeiro lugar, o servo do Senhor precisa ter uma apreciação profunda pela graça de Deus. Independentemente do grau de fidelidade que ele tenha em sua vida, ele precisa entender que tudo é consequência da obra da graça de Deus em seu coração; ele não pode levar qualquer crédito por isso.

Timóteo, ao olhar para o testemunho Cristão desordenado de sua época, pode ter sido tentado a menosprezar seus irmãos que “se apartaram” de Paulo e não estavam mais andando em toda a verdade que foi dada pelo apóstolo (2 Tm 1:15). No entanto, ele precisava se prevenir contra ter uma atitude de superioridade, pois isso só serviria para prejudicar seu ministério. Ele nunca alcançaria as pessoas com esse espírito. Para que seu ministério fosse eficiente, ele deveria trabalhar com um senso profundo de favor imerecido de Deus que tinha trabalhado em sua vida e lhe dado o desejo de andar na verdade.

Timóteo, portanto, devia servir com essa percepção. Se a graça não tivesse trabalhado em seu coração, não haveria diferença entre ele e aqueles que se afastaram de Paulo.

Semelhantemente, se tivermos o desejo de agradar ao Senhor, devemos evitar ter esse mesmo espírito. Por estarmos em um dia de ruína como esse, estamos cercados de Cristãos que andam em muito pouco da verdade que Paulo trouxe para a Igreja. Se temos sido fiéis o mínimo que seja, a tendência natural de nossos corações é pensar que somos melhores do que outros Cristãos que não demonstram o mesmo interesse. Sem saber disso, podemos demonstrar uma atitude que prejudica nosso ministério. Nossos ouvintes irão perceber um falso senso de superioridade, e iremos perder sua atenção.

Portanto, é da maior importância que tenhamos um forte senso da “graça” de Deus em nossa alma à medida que avançamos no serviço ao Senhor. Na realidade, tudo o que temos e tudo o que somos é somente por causa de Sua graça. Não temos nada para nos gloriar e nada para levar o crédito; é tudo por pura graça soberana. Entender isso produzirá um senso de nossa própria insignificância e encherá nosso coração de gratidão. A partir daí é que iremos tratar com as almas em graça e nosso ministério terá poder.

Trabalhar Prioritariamente com Aqueles que Querem a Verdade

V. 2 – “E o que de mim, entre muitas testemunhas, ouviste, confia-o a homens fiéis, que sejam idôneos para também ensinarem os outros”. Ao servir ao Senhor, Timóteo devia usar seu tempo com sabedoria. Ele devia trabalhar onde o Senhor estava trabalhando. Se o Senhor tivesse despertado determinados indivíduos ao trabalhar no coração deles para criar um interesse pela verdade, ele devia trabalhar com esses. Timóteo devia “confiar” aos tais a verdade que Paulo havia ensinado a ele. Não que tivesse que negligenciar os descuidados; no capítulo 4, Paulo diz a ele para “repreendê-los “e “reprová-los”, mas a maior parte de seus esforços deveria ser com aqueles que queriam a verdade.

Como naquele dia havia poucos que estavam mantendo a doutrina de Paulo, era realmente necessário ter no campo de serviço obreiros que entregassem a verdade fielmente a outros. Timóteo, portanto, devia se desdobrar a fim de que houvesse mais pessoas disseminando a verdade. Ele devia procurar por “homens fiéis” e confiar a verdade a eles. Ele devia equipar com a doutrina de Paulo aqueles que tinham um interesse genuíno pela verdade, a fim de que pudessem passá-la adiante para a bênção de outros. Esse era um trabalho muito necessário naquele tempo, e atualmente é ainda mais.

Nesse verso temos a maneira designada por Deus para a transmissão da verdade. Há quatro gerações aqui: Paulo a deu a Timóteo, e Timóteo deveria dá-la a homens fiéis, e eles, por sua vez, deviam ensinar também a outros. Não há nada nessa passagem, ou em qualquer outra parte do Novo Testamento, que nos dê o aval para abrirmos uma escola bíblica ou um seminário com a finalidade de ensinar a verdade e passá-la adiante. Essas coisas devem ser transmitidas nas reuniões de assembleia e em quaisquer outras situações que apareçam.

Nota: não eram necessariamente homens dotados, ou homens intelectuais, ou homens carismáticos a quem Timóteo devia procurar; mas homens fiéis. Esses iriam dar valor à verdade e andar nela.

Além disso, os homens fiéis que iriam “ensinar” a outros não eram necessariamente os que possuíam o dom espiritual de ensino, mas, assim como os supervisores, eram aqueles que eram “aptos para ensinar” (1 Tm 3:2). Eles podiam não ser capazes de se levantar e dar uma explicação clara sobre algum aspecto da verdade, mas eles iriam defender e transmitir fielmente a verdade que Paulo ensinou.

Observe também: ao confiar a “outros” a verdade que Paulo havia dado a ele, Timóteo devia ter o cuidado de transmiti-la da “mesma” maneira em que ele a havia recebido. Ele não devia alterá-la de nenhuma maneira, mas transmiti-la com a mesma pureza com a qual ele a recebeu. Isso é importante, porque se a alteramos – o mínimo que seja – e os outros a quem nós a transmitirmos fizerem o mesmo, após ter passado de mão em mão, ela estará deturpada, e com o passar do tempo, pode ser perdida totalmente.

Estar Preparado para Sofrer pela Verdade

V. 3 – Paulo já havia indicado no primeiro capítulo que a verdade que ele ensinava não era popular entre as massas da profissão Cristã. Timóteo precisava estar preparado para experimentar a rejeição da verdade – a rejeição vem, por assim dizer, junto com a compra da verdade. Paulo não escondeu esse fato de Timóteo, mas disse claramente a ele que haveria um custo por defender e disseminar sua doutrina.

Ele disse, “sofre, pois, comigo, as aflições, como bom soldado de Jesus Cristo”. Quando pensamos em um soldado, imaginamos uma pessoa durona e disciplinada que é capaz de “suportar a dureza” (KJV). Quando um soldado vai para a guerra, ele não espera fazer um piquenique. Isso era o que se esperava de Timóteo (e de nós) como obreiros Cristãos.

Como haveria adversidades, Timóteo devia estar preparado para sofrer pela verdade que ele ensinava. Ele não devia reclamar quando rejeição e perseguição surgissem em decorrência de ensinar a verdade. Não há nada de atraente em disseminar a doutrina de Paulo.

Manter-se Livre de Envolvimentos Terrenos

V. 4 – “Ninguém que milita se embaraça com negócios desta vida, a fim de agradar àquele que o alistou para a guerra”. Além disso, como um bom soldado de Jesus Cristo, Timóteo devia se manter livre de envolvimentos terrenos. Se ele fosse servir ao Senhor e responder ao Seu chamado, ele não deveria se envolver com inúmeras atividades e empreitadas terrenas. Ele devia manter sua vida simples. Um soldado em serviço deve manter-se pronto para ação. Sua responsabilidade é estar pronto a qualquer momento, para “agradar àquele que o alistou”. Envolvimentos terrenos só serviriam para impedir que Timóteo respondesse o chamado do Senhor.

Semelhantemente, se formos sérios quanto a servir ao Senhor, devemos nos manter livres de todos os envolvimentos terrenos. O servo do Senhor não pode ter muitos “projetos em andamento”, por assim dizer, e ainda esperar ser eficiente. Por exemplo, se somos membros de um clube local de tiro, estamos em um time de atletismo, e também estamos envolvidos em algum tipo de serviço comunitário, essas coisas tomarão nosso tempo e energia e irão interferir em nosso chamado para servir ao Senhor. Além de serem jugos desiguais (2 Co 6:14), há compromissos relacionados a essas coisas que irão nos prender e ocupar nosso tempo, e dessa forma irão nos atrapalhar no serviço ao Senhor.

Envolvimentos terrenos podem estar na forma de projetos pessoais que estabelecemos para nós mesmos e que acabam consumindo nosso tempo e nossa energia. A consequência disso será a mesma – não estaremos livres para servir ao Senhor como poderíamos. Podemos acabar entrando em algo onde não podemos apenas estalar os dedos e sair. Suponha que você vai construir uma nova cascata no jardim e um sistema de irrigação no seu quintal. Então, após você começar o projeto, você percebe que isso tomará muito do seu tempo, e você gostaria de abandoná-lo. Mas depois de ter revirado todo o seu quintal, você não pode deixá-lo nessas condições, então você é obrigado a prosseguir e terminar o que começou. Esses projetos não são pecaminosos, mas eles podem exigir muito do seu tempo e no fim acabarão interferindo no seu serviço ao Senhor.

Servir de Acordo com Princípios Escriturais

V. 5 – “E, se alguém também milita [disputa nos jogos – JND], não é coroado se não militar [disputar – JND] legitimamente”. Paulo usa uma ilustração dos Jogos Olímpicos daqueles dias para dar a Timóteo um outro princípio importante. O atleta que fica em primeiro lugar não recebe uma coroa a menos que tenha competido de acordo com as regras. Se os competidores começam a correr uma corrida ao redor de uma pista oval e algum deles atravessa no meio do circuito e cruza a linha de chegada antes dos outros, ele não ganhará uma medalha pela vitória pois ele trapaceou. Ele não correu de acordo com as regras. Semelhantemente, o servo na vinha do Senhor deve servir de acordo com os princípios contidos na Palavra de Deus. Ele não deve usar métodos carnais e artifícios humanos (2 Co 10:4), nem comprometer sua santidade pessoal para cumprir a obra do Senhor (2 Co 7:2).

Se ele não servir de acordo com os princípios de serviço estabelecidos por Deus, ele não poderá esperar receber uma coroa (uma recompensa) no tribunal de Cristo.

A grande ênfase no serviço Cristão hoje está na obtenção de resultados. O ministério de uma pessoa é avaliado principalmente pelos resultados que ela consegue nesse mundo. Se ela pode mostrar alguns resultados visíveis seu ministério é tido como sendo bem-sucedido. Essa é uma ideia equivocada. Isso estimula o servo a comprometer princípios para obter resultados imediatos. Paulo lembra Timóteo que ele não devia concordar com isso se quisesse a aprovação do Senhor. Ele não devia empregar táticas carnais e mundanas para obter resultados em seu ministério. Também não devemos fazer isso, ou não seremos recompensados no dia vindouro. Devemos servir de acordo com a Palavra de Deus para conseguirmos a aprovação de Deus.

Muitos obreiros Cristãos atualmente ministram em ignorância a respeito dos princípios de Deus e não têm nenhum remorso em empregar meios carnais para atrair sua audiência. Alguns recorrem a bandas de rock e atletas famosos para atrair pessoas para seus eventos evangelísticos. Podemos atrair um grande número de pessoas com iniciativas assim, mas isso, na verdade, não passa de usar a carne para atrair a carne. Não é um princípio escritural. O Senhor disse, “a carne para nada aproveita” (Jo 6:63). Isso é verdade em cada aspecto da vida, seja na vida Cristã prática ou no serviço Cristão. Na cruz, Deus “condenou o pecado na carne”, e não procura nada de bom nela (Rm 8:3). Usar a carne no ministério Cristão é acreditar que ainda há algo de bom nela. Paulo disse, “porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum” (Rm 7:18). Infelizmente, muitos Cristãos não aprenderam isso.

Entretenimentos carnais atrairão as pessoas – elas podem ser estimuladas a fazer uma confissão de fé, mas isso pode não ser uma obra genuína de Deus em sua alma.

Um servo pode ensinar coisas erradas para atrair seguidores. Ele pode dizer à sua audiência que se eles vierem e doarem seu dinheiro para a causa Deus, Ele os fará ricos e saudáveis. Eles podem aplicar determinadas passagens do Velho Testamento de maneira errada para dar apoio às suas ideias. Isso incita a natureza cobiçosa do filho de Deus. Muitos têm doado generosamente para causas assim, apenas para mais tarde ficarem decepcionados quando as coisas prometidas não acontecem.

Estamos conscientes de que devemos deixar cada servo trabalhar diante do Senhor da maneira que ele sente que o Senhor o tem guiado. Não desejamos “subverter o homem no seu pleito” (Lm 3:36). Nenhum obreiro deve satisfação a nós quanto ao seu serviço, mas ao Senhor. A Escritura diz, “para seu próprio senhor ele está em pé ou cai” (Rm 14:4). No entanto, tudo aquilo que fizermos no serviço será revisado para ser recompensado no dia vindouro – tanto nossas obras (1 Co 3:12-15) quanto nossos motivos por trás dessas obras (1 Co 4:1-5). Portanto, sejamos cuidadosos em servir de acordo com os princípios escriturais.

Trabalhar Duro e Esperar por Resultados no Dia Vindouro

Vs. 6-7 – O lavrador que trabalha deve ser o primeiro a gozar dos frutos”. Ao invés de fazer concessões para obter resultados, Timóteo devia trabalhar fervorosamente e honestamente diante do Senhor, e esperar pela manifestação dos resultados no dia vindouro. Se avaliarmos as coisas por aquilo que vemos aqui nesse mundo, não teremos uma imagem real. O dia de hoje é o tempo para trabalhar; o dia vindouro de glória é o tempo para usufruir dos frutos de nosso trabalho.

Ocupar-se em procurar resultados aqui nesse mundo é um erro e levará ao desencorajamento. O servo do Senhor deve estar contente em servir agora, e esperar pela manifestação dos frutos de sua obra no dia vindouro. Para isso é necessário ter fé.

Não há frutos sem trabalho, isso significa que o servo deve ser diligente. Não são resultados que deveríamos estar procurando, mas sim, a aprovação do Senhor. Devemos servir a fim de receber Sua aprovação (Mt 25:21-22). O tribunal de Cristo irá manifestá-la, e será vista publicamente no mundo vindouro (o Milênio).

De certa forma, não estamos nesse mundo para produzir resultados no campo de trabalho; o Espírito de Deus é o Único que pode fazer isso. Nossa responsabilidade é manifestar a Cristo perante o mundo e apresentar a verdade da maneira mais simples e amorosa possível, e deixar os resultados com Ele. Se virmos alguns frutos de nosso trabalho nesse mundo, isso deve servir de estímulo para continuarmos trabalhando, mas a imagem real só será vista no dia vindouro (1 Co 4:5). O tempo da colheita está chegando. É preciso fé para esperar por esse dia. Podemos ter certeza de que nada que mereça ser recompensado será esquecido. Deus não é injusto para esquecer a “obra da vossa fé, do trabalho do amor” (Hb 6:10; 1 Ts 1:3).

V. 7 – Timóteo devia “considerar” aquilo que Paulo estava dizendo, e o Senhor abriria seu “entendimento em tudo”. O apóstolo pode nos apresentar algumas verdades, mas ele não pode nos dar o entendimento delas; isso é algo que somente o Senhor faz por meio do Espírito. Ele abre nosso entendimento à medida que meditamos nelas. Há grandes benefícios ao ponderarmos nos princípios de Deus.

Dois Exemplos

Para ilustrar o ponto que vem apresentando, Paulo deu a Timóteo dois exemplos. O primeiro é o ministério do Senhor (v. 8), e o outro é o próprio serviço de Paulo (vs. 9-10). Em ambos os casos, parece que tiveram pouco ou nenhum resultado, se julgarmos apenas por aquilo que foi conseguido aqui nesse mundo.

V. 8 – Ele diz, “Lembra-te de Jesus Cristo, ressuscitado de entre os mortos, Descendente de Davi, segundo o meu evangelho” (ARA). O ministério do Senhor Jesus foi o exemplo máximo para Timóteo. Não é que ele tinha que se lembrar de certas coisas sobre o Senhor Jesus, mas lembrar d’Ele como Ele é agora “ressuscitado de entre os mortos”. É em ressurreição que Ele tem os resultados do Seu trabalho, ainda que em Sua vida muito poucos resultados aparentes haviam sido notados.

Na Terra, o ministério do Senhor parecia um fracasso. No que diz respeito às coisas na Terra, Ele disse, “debalde tenho trabalhado, inútil e vãmente gastei as Minhas forças” (Is 49:4). Por ser da “descendência de Davi”, Ele tinha direito ao trono em Israel como seu Messias. Mas Seu povo O rejeitou. “Veio para o que era Seu, e os Seus não O receberam” (Jo 1:11). Ele foi cortado pela morte e “não tinha nada” no que diz respeito a Sua messianidade (Dn 9:26 – TB). Apenas um punhado de seguidores estava com Ele, e no final eles O abandonaram e fugiram (Mt 26:56)! A despeito disso, quando Ele foi rejeitado, Ele não Se desencorajou (Is 42:4), Ele entregou Seu serviço nas mãos de Seu Pai, dizendo, “sim, ó Pai, porque assim Te aprouve” (Mt 11:26).

A resposta de Deus ao serviço fiel do Senhor foi vista na ressurreição. É lá que vemos o fruto de Seu trabalho. A Igreja foi formada, e muitos milhares, até mesmo milhões, foram salvos e abençoados.

V. 9 – Paulo então se volta ao seu próprio ministério, que não era diferente, no que diz respeito aos resultados. Ele diz, “sofro trabalhos e até prisões, como um malfeitor”. Seu ministério foi rejeitado pela massa de Cristãos professos. Todos na Ásia (onde ele realizou a maior parte de seu trabalho) o abandonaram (2 Tm 1:15). Havia apenas alguns que andavam fielmente na verdade que Paulo havia sido comissionado para trazer à Igreja. Se ele procurasse por resultados apenas aqui neste mundo, ele poderia ter desistido. Em vez disso, ele procurou pelo fruto de seu trabalho na glória. Ele disse, “porque qual é a nossa esperança, ou gozo, ou coroa de glória? Porventura, não o sois vós também diante de nosso Senhor Jesus Cristo em Sua vinda?” (1 Ts 2:19) Essa era a mesma esperança que Timóteo precisava ter, ou ele não seria capaz de continuar servindo em um tempo tão difícil.

Paulo sofreu terrivelmente no caminho do serviço, mas ele encontrou consolação em três coisas:

A) A soberania de Deus (v. 9). Seus adversários o prenderam e o lançaram na prisão, mas ele foi consolado pelo fato de que eles não podiam prender a Palavra de Deus. “A Palavra de Deus não está presa”. A obra soberana do Espírito de Deus usando a Palavra de Deus ainda estava trazendo bênção aos homens (Is 55:10-11). O evangelho ainda estava sendo divulgado, e almas ainda estavam sendo salvas.

B) Seus sofrimentos não foram em vão (v. 10). Ele estava sofrendo muitas coisas, mas era por uma boa causa – “por amor dos eleitos”. Bênção viria disso. Ele veria os resultados de seu sofrimento por causa dos eleitos na “glória eterna” vindoura quando todos eles se reuniriam juntos ao redor do trono.

C) Haveria uma compensação (vs. 11-13). Se ele tivesse servido fielmente, ele poderia estar certo de que haveria uma recompensa adequada e justa. Ele fala do funcionamento inabalável do governo de Deus. Isso funciona nos dois sentidos. Todos “morremos juntamente com Ele”, e todos “vivemos juntamente com Ele”. No entanto, nos procedimentos de Deus no governo, se “sofrermos” por causa do evangelho, teremos um lugar especial de honra quando “reinarmos” com Ele. Mas se “O negarmos” Ele irá “nos negar” uma recompensa naquele dia. Saber disso deu encorajamento a Paulo para continuar no serviço ao Senhor.

Nota: tudo isso seria resolvido no dia vindouro, não aqui neste mundo. Timóteo, portanto, não devia medir seu sucesso no serviço pelos resultados alcançados aqui – e também não devemos fazer isso. Temos que trabalhar diligentemente e deixar os resultados com o Senhor naquele dia vindouro de glória.

Evitar o Intelectualismo ao Apresentar a Verdade

Vs. 14-15 – Paulo então passa a tratar da maneira de Timóteo apresentar a verdade. Havia uma série de coisas que ele precisava evitar em seu ministério. Ele disse, “Traze estas coisas à memória, ordenando-lhes diante do Senhor que não tenham contendas de palavras, que para nada aproveitam e são para perversão dos ouvintes. Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem [cortando numa linha reta – JND] a palavra da verdade”.

Paulo antecipou plenamente que Timóteo encontraria aqueles que iriam se opor à verdade. Aparentemente, havia alguns que estavam levantando grandes questões em relação ao significado técnico de determinadas palavras. Eles eram “guerreiros filosóficos da palavra” (W. Kelly). Timóteo devia evitar tais métodos ao apresentar a verdade. Tais “contendas de palavraspara nada aproveitam”. Ele não devia subverter seus ouvintes ao tentar fazê-los conhecer a verdade por meio de engenhosos argumentos filosóficos. Tais métodos não têm a aprovação do Senhor, nem o Espírito Santo Se identifica com isso em poder no ministério. Essa não é a maneira de Deus de apresentar e defender a verdade. Isso nos mostra que é possível defender o que é certo, mas da maneira errada.

Em vez de usar argumentos intelectuais, Timóteo deveria mostrar a seus ouvintes a verdade da Palavra de Deus. Era para ele se “esforçar para se apresentar” (TB) como um “obreiro” que fez sua “lição de casa” ao aprender a verdade. Ser capaz de indicar o sentido correto de uma passagem é algo que só pode ser feito “dividindo corretamente a Palavra” (KJV). O comentário de Paulo aqui mostra que a Palavra de Deus tem divisões. O obreiro que é de “Deus aprovado” irá observar essas divisões e fará essas distinções em seu ministério. Um estudo das Escrituras que ignora as divisões na Palavra de Deus pode trazer algum conforto prático ao leitor, mas doutrinariamente será de pouco proveito.

Um exemplo de dividir corretamente a Palavra da verdade é notar que ela indica que há uma diferença entre os judeus, os gentios e a Igreja de Deus (1 Co 10:32). O estudante da Escritura deve dividir aquilo que corretamente pertence a Israel, à Igreja e aos gentios, e não confundir seus respectivos chamados, esperanças e destinos. As responsabilidades que caracterizam a dispensação da lei e a dispensação da graça – aquilo que é judaico e aquilo que é Cristão – são completamente diferentes. Um é terrenal e o outro é celestial. Não dividir corretamente essas coisas gera confusão e uma miscelânea de erros.

O grande problema com os Cristãos é que eles frequentemente usam partes da Palavra de Deus fora de seu contexto. Muitos aplicam a Palavra incorretamente, não sabendo que nela existem essas divisões. Timóteo, portanto, precisava “esforçar-se diligentemente” (JND) em seu estudo da Palavra para que pudesse apresentar a verdade com precisão em seu contexto apropriado a fim de que seus ouvintes fossem edificados na santíssima fé (Judas 20), e evitassem entrar em guerras filosóficas de palavras.

Evitar Má Doutrina

Vs. 16-17 – “Mas evita os falatórios [inúteis e – ARA] profanos, porque produzirão maior impiedade”. Timóteo não devia evitar apenas o intelectualismo; ele devia evitar doutrina errada. Essas duas coisas frequentemente andam juntas. Pensamento indisciplinado nas coisas de Deus leva, invariavelmente, à má doutrina. O que mais deveríamos temer é que a mente humana fique solta ao manejar a revelação de Deus – Sua Palavra escrita.

Timóteo devia ser cuidadoso para não ser contaminado com tais “falatórios inúteis e profanos”. Eles são chamados “profanos” porque emanam da mente corrompida do homem, e eles são “inúteis” porque os pensamentos e ensinamentos dos homens sempre colocam o homem sob uma luz favorável em que ele possa se gloriar. Em sua primeira epístola, Paulo exortou Timóteo a ser “criado [nutrido – JND] com as palavras da fé e da boa doutrina que tens seguido”. Levaria tempo para ficar “profundamente familiarizado” com vários assuntos da Escritura (1 Tm 4:6 – JND). É extremamente importante que todos os que servem ao Senhor tenham abraçado bem a verdade, e que a verdade tenha abraçado bem a esses moralmente e na prática. Como podemos esperar ajudar a outros na verdade se não a conhecemos para nós mesmos?

Havia dois motivos pelos quais Timóteo devia evitar má doutrina. Primeiro, esses falatórios profanos iriam “produzir maior impiedade”. Isso mostra que aquilo que sustentamos como doutrina afeta nossas vidas de maneira prática. Nesse caso afetaria negativamente. Má doutrina leva às más práticas. O argumento de Paulo aqui é bastante claro; se nossa doutrina não estiver correta, nosso andar não será correto.

Por isso, temos que pensar corretamente para andar corretamente. Em segundo lugar, má doutrina se espalha como “gangrena”. Outros serão afetados por ela, e muitos se contaminarão. Paulo queria que Timóteo fosse um canal de bênção para seus ouvintes, e não uma fonte de contaminação. Isso frustraria o propósito de seu ministério. Paulo passou a dar a Timóteo um exemplo de disseminação de má doutrina. Dois homens (“Himeneu e Fileto”) não tinham dividido a Palavra da verdade corretamente e haviam produzido mau ensino. Eles tinham “errado” (KJV) quanto à verdade da “ressurreição”.

Nota: eles não negaram a ressurreição como alguns dos coríntios (1 Co 15:12), mas a colocaram em uma ordem escatológica (de eventos futuros) incorreta. Eles disseram que ela “já se realizou” (ARA), quando na realidade ela se cumpriria no futuro. As consequências desse erro foram devastadoras. Isso perverteu a fé de “alguns”. Isso mostra a gravidade da má doutrina. O que começou com dois homens tendo ideias erradas, se espalhou para outros, e nesse processo a fé deles foi pervertida. “Himeneu” significa “música de casamento” e “Fileto” significa “amado”. Se o significado do nome de uma pessoa na Escritura tem a intenção de indicar seu caráter, isso dá a entender que esses homens tinham uma aparência encantadora. Talvez eles tivessem uma personalidade carismática.

Os simples e inocentes provavelmente os viam bem e corretos (Rm 16:18), mas na realidade eles estavam carregando má doutrina que iria perverter a fé das pessoas! O velho ditado, “Cuidado com homens amáveis; ame homens fiéis”, é uma boa recomendação para esses dias.

Frequentemente, má doutrina é difícil de ser detectada. Aqueles que a apresentam muitas vezes irão usar uma fraseologia obscura para apresentar seus erros. Eles tentarão parecer ortodoxos2 ao embrulhar sua falsa doutrina em palavras encontradas nas Escrituras nas quais o erro será oculto. Se uma expressão ou frase incorreta é questionada, eles trarão uma declaração verdadeira a partir de seus ensinos para justificar a declaração falsa. Mas esse é um mau princípio, já que nenhuma quantidade de verdade acrescentada àquilo que é falso pode neutralizar ou justificar o mal.

Podemos nos perguntar como é que “Himeneu” podia levar as pessoas a ouvi-lo uma vez que ele havia sido excomungado por Paulo e “entregue a Satanás” alguns anos antes. Ele foi posto de fora por um julgamento apostólico para que “aprendesse a não blasfemar” (1 Tm 1:20). Em todos esses casos, os santos devem evitar alguém que esteja sob um julgamento assim e não ter qualquer tipo de comunhão com ele (1 Co 5:4-5, 11-13; 2 Jo 9-11). Que algumas pessoas dariam ouvidos a ele evidencia o triste fato de que eles não se submeteram ao julgamento apostólico de Paulo! Essa é uma prova de que muitos naquela época tinham “se apartado” de Paulo (2 Tm 1:15). Esse é o caráter das coisas quando o testemunho Cristão está em ruína; uma pessoa será colocada fora da mesa do Senhor, e alguns irão ousadamente ignorar a repreensão imposta sobre o indivíduo, e irão continuar a ter comunhão com o iníquo! Isso é realmente triste, mas esses cuja fé foi pervertida por “Himeneu e Fileto” estavam na verdade sofrendo o juízo governamental de Deus. Deus permitiu que Himeneu e Fileto os confundisse e os fizesse tropeçar como uma retribuição por não acatarem o julgamento apostólico imposto sobre Himeneu. Esse é um exemplo daquilo que Paulo disse aos coríntios – “as más conversações corrompem os bons costumes” (1 Co 15:33).

Evitar Associações (Eclesiásticas) Contaminantes

Vs. 19-21 – O testemunho Cristão estava em tal desordem que mestres perversos como Himeneu e Fileto estavam se tornando predominantes. Visto que a associação com tais pessoas estava contaminando e poderia levar alguém a se desviar completamente do caminho, Timóteo devia ser cuidadoso com suas associações. O problema é que era difícil saber quem era verdadeiro e quem não era – quem trazia má doutrina, e quem não trazia. Como Timóteo poderia saber com quem ele deveria se associar?

Paulo responde a essa pergunta primeiro nos assegurando que embora as coisas possam estar em uma desordem terrível, podemos ter confiança de que Deus ainda está no controle. Ele disse, “o fundamento de Deus fica firme”. Aquilo que Deus estabeleceu nas almas por meio de Suas operações divinas iria resistir a despeito de toda a decadência na igreja professa. Nenhum fracasso do homem pode anular o fundamento que Deus colocou nas almas, nem O impedir de completar aquilo que Ele começou (Fp 1:6). Há certo conforto em perceber que o Senhor está sobre todas as coisas e que Ele conhece aqueles que são realmente Seus.

Visto que era difícil de dizer quem eram Cristãos verdadeiros e quem eram apenas Cristãos professos, e quem iria ser contaminado e quem não iria, Paulo dá a Timóteo um princípio simples por meio do qual ele poderia conhecer aqueles com quem ele deveria andar. O que Paulo estava prestes a dizer nos próximos versos tem sido chamado de “A Carta para o Crente num Dia de Ruína e Fracasso no Testemunho Cristão”. Ele disse que o fundamento de Deus tem um “selo” duplo. Há o lado da soberania de Deus assim como há o lado da responsabilidade humana. Do lado da soberania, ele disse, “o Senhor conhece os que são Seus”, mas do lado da responsabilidade humana, ele disse, “qualquer que profere o nome de Cristo [do Senhor – JND] aparte-se da iniquidade”. Isso significa que enquanto Deus está definitivamente no controle, os Cristãos são responsáveis por se comportarem de um modo que esteja de acordo com Sua santidade. Santidade convém à casa de Deus (Sl 93:5), e todos aqueles que estão nela devem ser santos como Ele é santo (1 Pe 1:15). Portanto, somos responsáveis por nos “apartar da iniquidade (injustiça).

Por isso mesmo, Timóteo devia colocar a profissão de um homem à prova. Fazendo o seguinte teste: Ele se submete à autoridade do Senhor em sua vida afastando-se do mal? Se alguém professa conhecer “o Senhor” e consequentemente se aparta da injustiça, ele está provando ser um Cristão verdadeiro. Mas se uma pessoa não se afastasse de suas associações com a injustiça, Timóteo não tinha autoridade para dizer se essa pessoa era verdadeira ou não, e esta não era uma pessoa com quem ele deveria se associar. Ele devia deixar essa pessoa com o Senhor que sabe quem é verdadeiro e quem não é. Timóteo devia usar esse princípio simples para identificar aqueles com quem ele devia andar. A injustiça da qual Timóteo devia se afastar não tinha relação apenas com o mal moral, mas com erros doutrinários também – como os mencionados nos versos 17-18.

Paulo ilustra seu argumento, dizendo, “ora, numa grande casa não somente há vasos de ouro e de prata, mas também de pau e de barro; uns para honra, outros, porém, para desonra. De sorte que, se alguém se purificar destas coisas**,** [**se alguém tiver se purificado a si mesmo desses** (**vasos**)**,** em se separando a si mesmo deles – JND] **será vaso para honra, santificado e idôneo para uso do Senhor, e preparado para toda a boa obra”**. Ele compara a condição arruinada na profissão Cristã com **“uma grande casa”** que está em desordem. A casa contém uma mistura de vasos honrosos e desonrosos. Os vasos **“de ouro e de prata”** são comparados a crentes verdadeiros, e os vasos **“de pau e de barro”** são comparados a falsos professos que são apenas pessoas **“naturais”** (1 Co 2:14). Visto que associações com o mal contaminam (1 Co 15:33; 1 Tm 5:22; Ag 2:10-14; Dt 7:1-4; Js 23:11-13; 1 Rs 11:1-8 etc.), os vasos de ouro e de prata são vistos como contaminados por sua associação com coisas desonrosas na casa. A contaminação pode advir de associações tanto com pessoas ou com seus princípios e práticas errôneas, que podem ser doutrinais, morais ou eclesiásticas.

O grande exercício para Timóteo era ser não apenas um vaso “para honra, mas ser um “santificado” vaso “para honra”. Isso envolveria purificar a si mesmo da mistura pela separação. Esses versos ensinam claramente que é impossível ser um vaso santificado se alguém permanece em comunhão com a corrupção na casa. Simples associações com a má doutrina e prática seriam suficientes para contaminar Timóteo, ainda que ele pessoalmente não sustentasse ou praticasse o mal. Portanto, seu exercício, se ele desejasse ser fiel e útil, era “apartar-se” da injustiça na casa separando-se dela. Só então ele poderia ser um vaso santificado para honra.

Essa é a separação que deve ser praticada na casa de Deus – dentro da esfera de quem professa o nome de Cristo. Timóteo não foi chamado para deixar a casa – pois isso significaria abandonar totalmente a profissão Cristã. Ele devia se separar da desordem encontrada nela. Ele também não foi chamado para “purificar” a casa de tudo aquilo que desonra o Senhor (compare Mt 13:28-29). Pelo contrário, ele devia “purificar” a si mesmo da mistura contida na casa, separando-se dela.

Provérbios 25:24 apresenta o princípio. É dito, “melhor é morar num canto de umas águas-furtadas do que com a mulher rixosa numa casa ampla”. Atualmente, cada Cristão desejoso de ser fiel ao Senhor deve passar por esse exercício. É uma via de mão dupla: primeiro se dissociar, e depois se associar. Isso é indicado nas palavras, “destes” (v. 21 – TB), e “com aqueles” (v. 22 – TB). O crente deve se separar dos vasos que estão misturados entre si na casa, e depois seguir “com aqueles que invocam o Senhor com um coração puro”. Os estudiosos nos dizem que o termo “desses” está no tempo verbal genitivo plural no grego, o que significa que ele tem uma aplicação ampla e que pode incluir pessoas, princípios, e coisas – isso é, todo o estado misturado de coisas na casa. Isso significa que o crente fiel deve dissociar-se de tudo aquilo que é contrário à verdade de Deus; quanto à Pessoa e obra de Cristo, quanto ao verdadeiro lugar da Igreja sob Cristo a Cabeça, e quanto ao verdadeiro lugar do Espírito Santo como Guia na assembleia. Ao fazer isso, ele se torna um vaso “para honra” “santificado”.

Essa passagem ensina que não devemos ficar satisfeitos apenas em andar em retidão diante de Deus em santidade pessoal, mas também devemos nos preocupar com nossas associações. Devemos nos separar de qualquer associação com o estado misturado de coisas (pessoas, doutrinas e práticas corruptas) na casa. Isso significa que teremos que nos separar de alguns verdadeiros crentes que não estão preocupados quanto às suas associações com o erro e a confusão.

Essa, então, é a salvo-conduto do crente para se separar dos grandes sistemas denominacionais dos homens na Cristandade os quais, na prática, ignoram Cristo como a Cabeça de Seu corpo e substituem a direção do Espírito Santo (que deve ser o Presidente na assembleia em todos os seus procedimentos de adoração e ministério) por uma ordem clerical feita pelo homem.

Somos chamados a nos separar da desordem na casa; se crentes verdadeiros estão satisfeitos em continuar em comunhão com a confusão, não temos escolha a não ser nos separar deles também. Isso é uma coisa dolorosa, e um teste verdadeiro de nossa disposição em agir de acordo com os princípios da Escritura. Como se trata de uma separação de crentes verdadeiros, devemos sentir isso profundamente porque somos irmãos, e deve haver um vínculo de amor entre todos os membros no corpo. Todavia, o chamado do Senhor deve ter prioridade sobre o amor pelos irmãos. Na verdade, nosso amor por nossos irmãos pode ser comprovado por meio de nossa obediência a Deus. “Nisto conhecemos que amamos os filhos de Deus, quando amamos a Deus e guardamos os Seus mandamentos” (1 Jo 5:2). Independentemente disso, devemos nos manter vigilantes contra uma atitude de pensar que somos melhores ou mais espirituais do que aqueles de quem nos separamos. O espírito correto ao nos purificarmos da mistura de vasos na casa envolve julgamento próprio, e não justificação própria.

Tendo nos desvinculado da confusão eclesiástica da casa, somos então “idôneos para uso do Senhor” e “preparados para toda a boa obra”. Isso não significa que aqueles que permanecem na confusão não podem ser usados pelo Senhor no serviço. A questão aqui é que o servo agora pode ser usado “para toda a boa obra”. Um vaso sujo pode ser usado para alguns serviços, mas um vaso limpo pode ser usado para “toda” obra que precisar ser feita na casa.

Fugir do Mal Moral

V. 22a – Nesse caminho de fidelidade, princípios morais devem ser guardados. Ao procurar fugir do mal doutrinário e das associações eclesiásticas contaminantes, alguém pode se tornar descuidado quanto aos seus princípios morais. “Foge também das paixões da mocidade”. Essa não é uma exortação apenas para os jovens, pois homens mais velhos também podem ter essas paixões. Portanto, o julgamento próprio não devia ser negligenciado nesse caminho.

Procurar Boa Comunhão Cristã e Andar com Eles

V. 22b – Passando às coisas que têm uma natureza mais positiva, Paulo apressa-se em dizer que ao se separar da contaminação na casa, Timóteo não devia buscar o isolamento. Não era essa a solução para a ruína. Deus proverá alguns com quem podemos andar e nos reunir para adoração e ministério – mesmo que sejam apenas alguns poucos nesses últimos dias. Paulo diz, “segue a justiça, a fé, o amor, a paz com aqueles que invocam o Senhor com um coração puro”. Isso indica que, tendo se separado da contaminação na casa, o Senhor guiaria Timóteo à comunhão com aqueles com quem ele podia andar. Assim, Paulo mostrou que ainda há um caminho em que o fiel pode andar em um tempo de ruína. Essa é uma boa notícia para nós, visto que as condições no testemunho Cristão atualmente estão ainda piores.

Nota: associarmos “com aqueles” com quem devemos nos associar é mencionado depois de termos passado pelo exercício de nos purificar de tudo aquilo que é inconsistente com a Palavra de Deus na casa. Isso indica que Deus nos guiará quando tivermos dado o primeiro passo. É só então que o Senhor dá uma luz adicional naquele caminho da verdadeira comunhão Cristã. Essa é uma sequência encontrada em toda a Escritura. Devemos “cessar de fazer o mal” antes de podermos “aprender a fazer o bem” (Is 1:16-17; Rm 12:9, 13:12; Sl 34:14; 3 Jo 11).

Alguns Cristãos, frustrados, desistem de tudo quando veem a desesperadora ruína da Igreja e conformam-se em seguir adiante individualmente. Mas separação não deve levar ao isolamento. Devemos sempre nos lembrar da exortação, “não deixando a nossa congregação, como é costume de alguns” (Hb 10:25). Repare também que não é dito, “sigam eles”, pois isso seria apenas seguir a homens. É dito, “segue … com aqueles”, o que implicaria que eles mesmos estão seguindo, e que cabe a nós nos juntar a eles para juntos seguir ao Senhor e aos princípios de Sua Palavra. Se uma pessoa for realmente exercitada, o Senhor a guiará no caminho.

Ele proverá alguns com quem poderemos andar e praticar a verdade. Em um dia de ruína não será com todos os membros do corpo de Cristo, pois muitos não estão preocupados quanto à contaminação na casa. Mas haverá um remanescente do povo de Deus que desejará andar nesse caminho, e é com eles que devemos andar.

Após se separar da mistura de vasos, Timóteo devia “seguir a justiça” que é procurar fazer o que é certo em todos os relacionamentos na vida. Isso é importante, porque se ele se tornasse descuidado com suas relações pessoais (quer seja nos negócios ou na vida em geral), ele poderia facilmente dar uma falsa impressão da posição que havia tomado ao se separar da iniquidade na casa.

Então ele devia seguir a “fé” que é a energia interna da confiança da alma em Deus. Isso é fundamental nesses dias difíceis quando se pode ficar desencorajado facilmente pelo fato de haver tão poucos que querem praticar a verdade em separação da confusão na casa.

Se sua fé desmoronasse e ele fosse tomado pelo desânimo, ele poderia ser tentado a abandonar o caminho que ele havia tomado.

Então ele também devia seguir o “amor”. Esse seria o amor “para com todos os santos” (Ef 1:15; Cl 1:4). Se ele tivesse que se separar de alguns de seus irmãos que não estavam preocupados com suas associações com a contaminação na casa, ele ainda devia amá-los. Há o perigo de nosso amor se estreitar, concentrando-se apenas naqueles com quem andamos em separação. Nosso amor pode esfriar até mesmo para com aqueles com quem andamos. Em um dia tão sombrio é fácil ficar frio e acabar se afastando da comunhão dos irmãos.

Portanto, é importante nos manter no amor de Deus (Jd 21), e no calor da comunhão com nossos irmãos.

Por último, Timóteo devia seguir a “paz” procurando manter o passo com aqueles com quem ele andava (1 Cr 12:33 – “ordenados”), para que pudesse haver uma feliz unidade entre todos aqueles que andam nesse caminho.

Ajudar as Pessoas a se Libertar da Confusão na Casa de Deus sem Contenda

Vs. 23-26 – Nessa posição de comunhão com “os que, com um coração puro, invocam o Senhor”, havia muito serviço para Timóteo se ocupar. Além de procurar ser uma bênção para aqueles com quem ele andava, ele devia, andando no caminho estreito de separação, alcançar a todos os seus irmãos. Isso envolveria “instruir” aqueles que ainda estavam presos na mistura na casa, e que se opunham à verdade que Paulo ensinou. Timóteo devia tentar libertar seus irmãos da confusão na casa para que eles também andassem nesse caminho separado de bênção e utilidade. Este trabalho está particularmente diante do apóstolo nos versos finais do capítulo.

Ao buscar desvencilhar os irmãos da confusão, o servo do Senhor deve lutar pela verdade, mas ele não deve ser contencioso. Timóteo deveria vigiar seu espírito e ser cuidadoso para não se envolver em discussões. Ele não devia ser argumentativo. “O que ganha almas sábio é” (Pv 11:30). Ele deveria fazer sua obra “com mansidão” (sem ofender) porque ninguém gosta que lhe digam que está errado. Se ele fosse “manso” e tivesse “paciência” e não “contendesse” com eles, o apóstolo diz, “Deus lhes dará arrependimento para conhecerem a verdade”.

“Arrependimento” nesse caso é ter uma mente modificada quanto àquilo que se creu no passado e que não está de acordo com a verdade.

As pessoas precisam ter uma mudança de mente em relação às falsas doutrinas e suas associações eclesiásticas. É preciso haver um julgamento sobre tudo aquilo que for errado. É isso que Deus está procurando nas almas quando elas saem da confusão. Visto que as pessoas são naturalmente parciais quanto às suas próprias ideias e à posição eclesiástica que eles adotaram, é muito difícil fazê-las abrir mão de suas ideias. É preciso ter muita brandura e paciência.

Paulo diz, “e tornarem a despertar, desprendendo-se dos laços do diabo, em cuja vontade estão presos” (v. 26). As versões King James e as de Almeida, traduzem esse verso como se Satanás tivesse tal poder que pudesse indiscriminadamente aprisionar qualquer Cristão que ele quisesse. A nota de rodapé da tradução de J. N. Darby indica que Satanás não tem tanto poder assim. “Cuja vontade” nesse verso não é a vontade de Satanás, mas a de Deus. A melhor tradução para o português é “se livrem do laço do diabo (tendo sido feitos cativos por ele), para cumprirem a vontade de Deus” – TB. A ideia é que Satanás aprisiona pessoas que estão enlaçadas em suas ideias erradas. E ao fazer isso, elas não têm liberdade para fazer a vontade de Deus em praticar toda a verdade dada por meio do apóstolo Paulo.

Sete Figuras do Obreiro na Casa de Deus

- Um filho [criança] (v. 1). - Um soldado (vs. 3-4). - Um atleta (v. 5). - Um agricultor (v. 6). - Um operário (v. 15). - Um vaso (vs. 20-21). - Um servo (v. 24).

Um Resumo dos Grandes Princípios com os Quais o Homem de Deus Deve Servir

- Ser forte em graça (v. 1). - Trabalhar prioritariamente com aqueles que querem a verdade (v. 2). - Estar preparado para sofrer pela verdade (v. 3). - Manter-se livre de envolvimentos terrenos (v. 4). - Servir de acordo com princípios escriturais (v. 5). - Trabalhar duro e esperar pelos resultados no dia vindouro (vs. 6-7). - Evitar o intelectualismo ao apresentar a verdade (vs. 14-15). - Evitar a má doutrina (vs. 16-18). - Evitar a contaminação, associações eclesiásticas (vs. 19-21). - Evitar o mal moral (v. 22). - Buscar boa comunhão Cristã e andar com eles (v. 22). - Procurar libertar as pessoas da confusão na casa de Deus sem contenda (vs. 23-26).

AS GARANTIAS **E RECURSOS DO HOMEM DE DEUS EM UM DIA DE RUÍNA

Capítulo 3**

No capítulo 3, o apóstolo apresenta a Timóteo as garantias e recursos que o homem de Deus precisará para servir “nos últimos dias”. No entanto, não é provável que uma pessoa tire proveito desses recursos e garantias se não perceber quão grande é o perigo que a cerca. Portanto, antes de falar deles, Paulo apresenta a Timóteo uma imagem vívida do testemunho Cristão nos últimos dias. Isso foi dado a Timóteo para que ele pudesse entender claramente as condições em que foi chamado para servir. Não é uma imagem bonita.

Uma Descrição da Profissão Cristã nos Últimos Dias (Vs. 1-9)

V. 1 – Paulo diz, “sabe, porém, isto: que nos últimos dias sobrevirão tempos trabalhosos [difíceis – JND]. Costuma-se pensar que “os últimos dias” são os séculos XX e XXI. No entanto, esses dias podem ter começado mais cedo do que essa época atual em que vivemos. De acordo com os estudiosos, na língua original, “sobrevirão” tem uma forma diferente daquela que é comumente utilizada, o que indica que “os últimos dias” estavam prestes a começar naquela época, ou pouco depois daquela época. Portanto, Paulo estava indicando a Timóteo que “os últimos dias” estava prestes a começar naquele tempo, e que continuou até os nossos dias. Se isso é verdade, Paulo estava usando esse termo para definir um caráter de coisas ao invés de um período de tempo específico na história da Igreja.

Isso significa que a ruína chegou rapidamente ao testemunho Cristão. Pouco tempo depois da época dos apóstolos a luz celestial da verdade Cristã foi resistida, atacada, e extinguida pelo inimigo. Uma olhada rápida na história da Igreja confirma isso. Deve-se notar também que Paulo não dá qualquer indicação aqui – ou em qualquer outra parte das epístolas – de que haveria uma restauração do testemunho público da Igreja. Timóteo só poderia esperar encontrar um aumento do mal e uma completa levedação da massa Cristã.

Paulo alerta-o de que os últimos dias seriam “tempos trabalhosos”. Ao dizer isso, ele não estava se referindo às coisas temporais – de que seria difícil obter um emprego e prover sustento para própria família etc. Paulo estava falando em um sentido espiritual. Ele quis dizer que seria um tempo muito perigoso para se viver espiritualmente.

Haveria muita corrupção e sedução entre aqueles que professam o nome de Cristo. Isso poderia fazer tropeçar até mesmo a pessoa mais astuta que não estivesse se apoiando no Senhor e recorrendo a essas garantias que Paulo estava prestes a dar a Timóteo.

O apóstolo prossegue para dar uma descrição quíntupla da confusão horrível em que o testemunho Cristão acabaria se degenerando, e assim, desonrando o Senhor.

1) Mundanismo

Vs. 2-4 – A primeira coisa que seria notada é o mundanismo. Cerca de dezoito males são mencionados para dar a Timóteo uma imagem vívida da depravação moral na qual o testemunho Cristão mergulharia. O apóstolo não está descrevendo a condição do mundo – pois no verso 5 ele diz que esses tinham uma “aparência de piedade” e o mundo não tem qualquer aparência de piedade – mas o testemunho Cristão tem.

Essa lista de pecados pode ser comparada com a que ele dá na parte final de Romanos 1 em relação aos ímpios pagãos. A comparação mostra que as condições morais que existem entre os pagãos em sua condição não civilizada caracterizam em grande parte a Cristandade professa dos últimos dias!

Será notado que o primeiro e terrível mal nessa lista horrível é o egoísmo incontrolável dos homens. O amor a si mesmo e a satisfação do ego dá origem a cada um dos outros males na lista. É isso que leva os homens a serem desobedientes, ingratos, ímpios etc. Isso significa que nos últimos dias, os assim chamados Cristãos, não andarão, em sua maioria, em julgamento próprio, mas irão permitir que a carne reine livremente sobre suas vidas.

2) Uma Negação Prática da Presença e do Poder do Espírito de Deus

V. 5 – A segunda coisa que marcaria o testemunho Cristão nos últimos dias é uma negação prática da presença e do poder do Espírito de Deus. A grande massa professa será caracterizada como “tendo a aparência de piedade, porém negando o poder dela” (TB). Exteriormente, as pessoas parecerão religiosas. Professarão conhecer o Senhor, mas serão Cristãos apenas na aparência. Não haverá nenhuma “verdade no íntimo” (Sl 51:6). Ao viver por interesses egoístas, o Espírito de Deus (que é “o poder” para uma vida Cristã santa – Rm 8:2) será, na prática, negado na vida dos homens. Assim, eles terão uma aparência, mas não terão poder na sua fachada Cristã. Não será nada além de hipocrisia vazia, que é algo detestável para Deus.

Não só haveria uma negação do poder do Espírito na vida prática, também haveria uma negação do poder do Espírito na ordem na assembleia. O poder no Cristianismo para a verdadeira adoração e ministério no Cristianismo vem também por meio do Espírito Santo (Fp 3:3; 1 Co 12:11). Todavia, a ordem clerical – que não passa de uma invenção humana – entrou na Igreja e, na prática, substituiu o Espírito Santo. A ordem da igreja convencional estabelece líderes humanos (os assim chamados “pastores” ou “ministros”) para conduzir a adoração e dirigir o ministério, apesar de não encontrarmos nada disso na Bíblia. É algo que já existe há séculos. No entanto, a partir do momento em que o Espírito de Deus foi enviado a esse mundo no dia de Pentecostes, procuramos em vão encontrar no Novo Testamento por algum dirigente de Igreja, exceto a soberana direção do Espírito Santo. Com Alguém tão grande e qualificado quanto essa Pessoa divina presente no meio dos santos congregados, porque seria necessário nomear um homem para fazer Seu trabalho, independente de quão capacitado possa ser? A obra do Espírito em liderar e guiar a assembleia na adoração e no ministério foi impedida por conta desse arranjo humano.

A ordem humana é tão difundida na Cristandade que pode ser vista desde a basílica de São Pedro em Roma até a menor capela evangélica. Ao invés dos crentes se reunirem para adoração e ministério somente ao nome do Senhor, aguardando a direção do Espírito para guiá-los, é difícil encontrar sequer uma reunião de oração sem alguém nomeado para liderá-la. Nesse tipo de arranjo o Espírito Santo é negado. Estabelecer um homem, por mais capacitado que possa ser, para liderar e conduzir as reuniões da assembleia, é uma negação prática da presença e do poder do Espírito Santo. Na verdade, isso é incredulidade na capacidade do Espírito Santo de dirigir as reuniões. Essa interferência humana pôs de lado a simplicidade da ordem de Deus e contribuiu para a confusão na casa de Deus.

3) Grandes Esforços Sendo Feitos para Subverter as Almas não Firmadas

V. 6 – A terceira coisa que caracterizaria o testemunho Cristão é que haveria militantes indo atrás de pessoas para suas assim chamadas causas Cristãs. Paulo diz, “porque deste número são os que se introduzem [penetram sorrateiramente – ARA] pelas casas e levam cativas mulheres néscias carregadas de pecados, levadas de várias concupiscências”. Meios desonestos seriam usados para subverter almas não firmadas para conseguir apoio nas diversas causas que surgiriam em nome de Cristo. Ele diz que eles iriam “penetrar sorrateiramente pelas casas”. Penetrar sorrateiramente nos lembra da serpente astuta, o próprio diabo (Ap 12:9). Assim, seus meios e métodos terão o caráter da sutileza e do engano satânico.

Os que se tornam suas vítimas são caracterizados como “mulheres néscias”. Isso não se refere apenas às mulheres, mas à determinadas pessoas (sejam homens ou mulheres) que são movidas por suas emoções ao invés de serem governadas pela Palavra de Deus. Assim, o método desses assim chamados obreiros Cristãos será o de brincar com as emoções das pessoas. A palavra “néscias” foi traduzida como “crédulas” por alguns tradutores. Assim como Satanás se aproximou de Eva no jardim do Éden e a enganou, fazendo-a acreditar em suas mentiras, esses militantes se aproximam de pessoas crédulas e não firmadas na verdade, e as enganam com seus ensinos falsos.

Repare, esses assim chamados obreiros Cristãos não irão enganar a qualquer um ou a todos. Mas a certos tipos de pessoas que são “carregadas de pecados” e “levadas de várias concupiscências”. Isso se refere a pessoas que estão sobrecarregadas com um senso de pecado e luxúria e sentem algum tipo de necessidade em suas vidas. Talvez possamos dizer que elas estão procurando algo, mas não com honestidade. À medida que procuram alívio de suas lutas internas, elas ficam vulneráveis e estão prontas para esse tipo de engano. Elas estão abertas para qualquer coisa que aparecer, e é exatamente nesse momento crucial de suas vidas que esses falsos mestres surgem para enganá-las. O triste disso é que elas se tornam “cativas” a esse sistema de falsa doutrina, e depois se tornam promotoras ativas dele. O plano é transformar essas pessoas cativas em militantes que mais tarde irão fazer avançar a causa dessa organização em particular.

A Cristandade atualmente é caracterizada por seitas falsas que trabalham ativamente para reunir pessoas nelas. O “joio” (falsos professos) está sendo juntado em “molhos” – seitas Cristãs (Mt 13:30). Nem é preciso citar as Testemunhas de Jeová, os Mórmons etc., como exemplos dessa atividade. Muitos tropeçaram por esse tipo de ação.

4) Uma Grande Presunção Exterior de Possuir a Verdade

V. 7 – A quarta coisa que iria caracterizar a profissão Cristã nos últimos dias é uma grande presunção externa de possuir a verdade, mas sem realmente tê-la.

Paulo diz, “aprendem sempre e nunca podem chegar ao conhecimento da verdade”. “Aprendem sempre” não significa que os assim chamados grupos Cristãos serão conhecidos por amar ao Senhor Jesus e querer saber mais sobre Ele. Eles farão uma profissão de serem aqueles entre o mar de vozes no mundo Cristão que realmente têm a verdade. E, portanto, convencerão as pessoas a se unirem a eles em sua causa. Muitos foram enganados por esse tipo de pretensão.

Paulo acrescenta que “nunca podem chegar ao conhecimento da verdade”. Isso significa que Deus permite que eles sejam enganados por suas próprias maquinações. O mesmo erro que eles ensinam os mantém nas trevas. Deus não será escarnecido; Ele não permitirá que aqueles cuja vontade está contra Ele e Sua Palavra aprendam a verdade. Somente os mansos aprendem a verdade (Sl 25:9). Primeiro deve haver uma correta condição de alma em uma pessoa antes de o Espírito de Deus poder ensiná-la. Se os motivos são corretos e nossa vontade não está agindo, “o Espírito da verdade” tomará as coisas de Cristo e as mostrará para nós (Jo 16:13-14). Paulo diz que pessoas desse tipo estão “enganando e sendo enganadas” (v. 13), portanto, caem por meio de seus próprios artifícios. Esse é um julgamento governamental de Deus.

5) Imitando o Poder de Deus por Meio de Engano

Vs. 8-9 – A última coisa que Paulo menciona que irá caracterizar a profissão Cristã nos últimos dias é uma imitação do poder de Deus. Para dar a Timóteo uma ideia clara do tipo de engano que estará em ação, Paulo menciona dois magos do Velho Testamento no tempo de Moisés. Ele diz, “e, como Janes e Jambres resistiram a Moisés, assim também estes resistem à verdade, sendo homens corruptos de entendimento e réprobos quanto à fé”. Esses homens se especializaram em realizar milagres de imitação com o objetivo de se opor a Moisés (Êx 7:10-13). Vemos isso ao nosso redor atualmente no mundo Cristão. Há muitos grupos Cristãos alegando ter poderes pentecostais. Eles atraem um grande número de seguidores alegando realizar milagres e curas etc. Os curandeiros da TV da atualidade, que alegam fazer milagres, são uma tremenda desonra ao nome de Cristo. As pessoas naturalmente querem ver uma demonstração de poder e são atraídas por isso.

O efeito imediato das imitações dos magos era o de endurecer o coração do faraó. As imitações encontradas no testemunho Cristão têm tido o mesmo efeito sobre as pessoas. O coração daqueles que estão sob essas ilusões se torna endurecido quanto à verdade. Eles “resistem à verdade” e “não suportarão a sã doutrina” (2 Tm 4:3 – ARA). Se você traz para eles a verdade da doutrina de Paulo, eles não a querem. Eles prefeririam ver uma demonstração de poder. Invariavelmente eles estão desviados da verdade que Paulo deu à Igreja.

Paulo diz que pessoas desse tipo serão “réprobos [sem valor – JND] quanto à fé”. Muitos não são crentes verdadeiros. E esses que são crentes verdadeiros, quando testados quanto ao seu entendimento da fé Cristã, demonstram estar intencionalmente desprovidos dela. Além disso, ele diz que “a todos será manifesto o seu desvario, como também o foi o daqueles”. Isso novamente se refere a um tratamento governamental de Deus. Assim como Deus expôs Janes e Jambres quando julgou o Egito, Ele irá expor o desvario desses a todos que sinceramente querem a verdade, para que estes não tropecem naqueles. Aqueles revelam suas intenções ao implorarem continuamente por dinheiro. Isso deveria nos colocar em alerta. Nenhum Cristão sensato pode considerar por um momento sequer a veracidade das alegações absurdas que esses enganadores fazem quanto aos seus milagres fraudulentos.

É difícil de acreditar que aquilo que uma vez foi confiado como a mais elevada verdade e os mais excelentes privilégios já dados à humanidade poderia descer a um estado tão desprezível. Mas ao nosso redor vemos o triste cumprimento disso. Que tremenda desonra o testemunho Cristão tem sido para o Senhor. Prestamos ao mundo um tão pobre testemunho de Cristo que temos que inclinar nossas cabeças em vergonha e humilhação, e no espírito da oração de Daniel, dizer, “nós pecamos” (Dn 9:5).

Uma lição importante a se aprender aqui é que em um dia de ruína não devemos julgar o que é Cristianismo pelo que os assim chamados Cristãos estão fazendo, mas pela Palavra de Deus. Se a prática dos Cristãos fosse nosso guia, iríamos irremediavelmente falhar em discernir o Cristianismo verdadeiro.

Há milhares de vozes na Cristandade, todas proclamando possuir a verdade, e muitas delas se contradizem entre si. O crente estaria irremediavelmente perdido tentando encontrar uma direção em meio a essa confusão. O crente precisa retornar à Palavra de Deus para saber qual é a mente de Deus. “Este é o mandamento, como já desde o princípio ouvistes, que andeis n’Ele” (2 Jo 6). Esse é o nosso grande princípio orientador em um tempo de pecado e fracasso no testemunho Cristão. Devemos retornar àquilo que era “desde o princípio” – aos primeiros princípios do Cristianismo, que são encontrados apenas na Palavra de Deus. Precisamos perguntar, “O que a Palavra de Deus diz sobre essa doutrina ou prática?” e procurar n’Ele graça para fazer o que ela diz.

As Garantias Divinas e os Recursos do Fiel (Vs. 10-17)

Na parte final do capítulo, Paulo volta a falar das garantias divinas e recursos que iriam guardar Timóteo de cair na corrupção e nos erros da Cristandade. Essas coisas dariam a ele um padrão de medida pronto para uso para medir tudo o que encontrasse no caminho do serviço. Com ele poderia detectar tudo o que não fosse de Deus, e “se apartar” disso.

Essas garantias e recursos não eram apenas para Timóteo, mas para nós também. Sendo chamados para viver em tempos difíceis e de tantas trevas, precisamos dessas coisas talvez mais do que em qualquer outro momento da história da Igreja.

O que se segue são quatro coisas essenciais que são tanto garantias como recursos para o crente. Ambos nos guardarão das armadilhas no caminho e também nos fornecerão um meio pelo qual toda reivindicação de verdade poderá ser detectada e exposta.

1) O Conhecimento da Doutrina de Paulo

V. 10a – A primeira coisa que Paulo defende diante de Timóteo, como meio de protegê-lo da corrupção no testemunho Cristão, é a sua doutrina. Ele disse, “Tu, porém, tens seguido [estado profundamente familiarizado com – JND] a minha doutrina”. Timóteo tinha sido diligente em aprender a doutrina de Paulo (1 Tm 4:6); agora ele devia mantê-la ao andar no que aprendeu, o que o guardaria da corrupção da Cristandade. Havia uma salvação prática para ele ao dar atenção à doutrina de Paulo (1 Tm 4:16). Por esse mesmo motivo, devemos estar bem familiarizados com a doutrina de Paulo. Essa será uma maneira de nos preservar.

Estando “profundamente familiarizado” com o que Paulo ensinou, Timóteo teria um padrão divino da verdade pelo qual poderia testar tudo aquilo que encontrasse no caminho do serviço. Se aquilo não estivesse de acordo com o que foi ensinado por Paulo, estava de algum modo defeituoso. Não era necessário Timóteo estar profundamente familiarizado com todas as más doutrinas que estavam surgindo. Aqueles que mergulham em todas as más doutrinas que estão emergindo no testemunho Cristão correm o risco de caírem nelas também (compare Dt 12:29-31). Paulo não aconselha Timóteo a fazer isso. Em outra parte, ele diz, “quero que sejais sábios no bem, mas símplices no mal” (Rm 16:19). Da mesma forma, não é necessário que conheçamos todas as más doutrinas prevalecentes na Cristandade para escapar delas, mas somente conhecer a verdade e andar nela. Esse será nosso padrão de medida disponível.

2) Uma Vida Coerente com a Verdade

V. 10b – A segunda coisa que seria um elemento preservador para Timóteo era o “modo de viver” de Paulo. Não era o suficiente que Timóteo conhecesse a doutrina de Paulo; ele devia imitar o modo de viver de Paulo. Isso seria uma segurança preservadora para ele. O modo de viver de Paulo estava em contraste direto com o estilo de vida corrompido que estava surgindo no testemunho Cristão. Andar como Paulo andava significava andar em separação disso. Do mesmo modo, se tivermos estabelecido hábitos corretos de piedade em nossas vidas, com certeza eles serão um meio de nos preservar no caminho.

Paulo mencionou algumas coisas específicas que faziam parte do seu modo de viver. Eram elas “intenção, fé, longanimidade, amor, perseverança” (TB). Essas eram coisas que caracterizavam sua vida e serviço. Uma vida de piedade não apenas preservaria Timóteo, mas também lhe ajudaria a dar um testemunho claro e evidente em contraste com a ordem de coisas ao seu redor, e daria peso ao seu ministério.

A vida de Paulo era totalmente coerente com a doutrina que ele ensinava. De fato, seu modo de viver era baseado em sua doutrina. Paulo havia ensinado a Timóteo que más doutrinas levam a más práticas (2 Tm 2:16) e também, que boa doutrina produz uma coerente vida piedosa (1 Tm 6:3). Nossa doutrina forma nosso andar – tanto para o bem quanto para o mal. Talvez esse seja o motivo porque Paulo falou de sua doutrina antes de falar de seu modo de viver.

O “modo de viver” de Paulo era um padrão pelo qual Timóteo poderia testar a profissão que ele encontraria. Será que aqueles que fazem uma profissão de possuir a verdade tinham uma vida de piedade consistente como a de Paulo? Timóteo poderia simplesmente perguntar, “fazer isso ou aquilo está de acordo com o modo de viver de Paulo?” Historicamente, aqueles que têm sido heterodoxos3 quanto à doutrina são frequentemente caracterizados por um estilo de vida questionável (e às vezes por pecados escandalosos), que acompanha suas doutrinas terríveis.

Uma advertência aqui; embora esse seja um bom teste, há alguns que imitarão a vida de Paulo, mas sem possuir sua doutrina. O Senhor chama a esses de “lobos” “vestidos como ovelhas” (Mt 7:15). Muitos tropeçaram por causa da piedade aparente encontrada em determinadas seitas Cristãs. Devemos nos manter vigilantes contra isso também.

3) O Fiel Apoio do Senhor em Tempos de Perseguição

Vs. 11-14 – Uma terceira coisa que acompanharia quem sustentasse a verdade em um dia de ruína é o apoio do Senhor em tempos de rejeição e perseguição. Como exemplo, Paulo falou de perseguições específicas que ele enfrentou em três lugares durante sua primeira viagem missionária (At 13-14). Ele falou de “perseguições” e “aflições” que aconteceram “em Antioquia, em Icônio” e “em Listra”. A perseguição nessas três ocasiões foi causada por judeus incitando gentios a rejeitarem Paulo. Embora atualmente seja improvável que a perseguição venha diretamente dos judeus, a Escritura adverte que ataques virão daqueles que assumem o terreno judaico na profissão Cristã. No livro de Apocalipse eles são mencionados como aqueles “que dizem ser judeus, e não o são” (Ap 3:8-9). Eles são aqueles que tentam se aproximar de Deus por meio de formas e cerimônias Cristianizadas, como no judaísmo do Velho Testamento. Essa ordem de coisas é encontrada no denominacionalismo moderno. Aqueles que adoram a Deus nesse terreno podem ser a fonte de perseguição contra aqueles que desejam andar em tudo aquilo que Paulo deu à Igreja.

Timóteo poderia esperar que a perseguição viesse desse lado. Não haveria como escapar disso se ele defendesse a verdade. Caso ele se desesperasse diante dessa perspectiva, Paulo havia acrescentado: “o Senhor de todas me livrou”. Timóteo podia contar com o fiel apoio do Senhor para ajudá-lo. Que recurso maravilhoso! Se vivermos uma vida em conformidade com a verdade, podemos esperar ter o apoio do Senhor de uma maneira muito real. Outros podem nos abandonar, mas o Senhor não fará isso (Hb 13:5). Não dizemos que haverá libertação em todos os casos. Milhares de Cristãos fiéis morreram na estaca por sua fé simples nas Escrituras, mas Timóteo podia contar com a ajuda do Senhor em meio à perseguição de uma maneira notável.

Não há como fugir da perseguição se alguém viver piedosamente. Paulo disse, “e também todos os que piamente querem viver em Cristo Jesus padecerão perseguições” (v. 12). Defender a verdade por meio de uma vida piedosa trará sofrimento. Mas isso também seria uma forma de Timóteo testar e detectar os falsos mestres e suas doutrinas. Será que eles estão sofrendo reprovação pelo que ensinam? Ou estão sendo recebidos pelas massas? Esse era um sinal indicador para se saber a verdade. Em 2 Coríntios 11:21-33, Paulo falou de um sinal distinto que o diferenciava daqueles que se apresentavam como obreiros Cristãos – mas que eram “falsos apóstolos” e “obreiros fraudulentos” – que é o de ter sofrido pela verdade que ensinava. De um modo geral, em um tempo de ruína e falha, aqueles que ensinam o erro ou deturpam a verdade não sofrem perseguição. Ao contrário, costumam ser bem aceitos.

Paulo avisou a Timóteo que as coisas no testemunho Cristão só iriam piorar. Ele disse, “mas os homens maus e enganadores irão de mal para pior, enganando e sendo enganados” (v. 13). Já que era verdade, Timóteo precisava estar preparado para o ataque dos “impostores malabaristas” (JND) que iriam enganar as massas. A melhor maneira dele ser preservado de seus enganos era atendendo à exortação de Paulo, “tu, porém, permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado [completamente persuadido – JND], sabendo de quem o tens aprendido” (v. 14). Semelhantemente, o servo de Boaz aconselhou Rute, dizendo, “não vás colher a outro campo” (Rt 2:8). Ela devia continuar a colher no campo onde Boaz estava. Lá haveria proteção e bastante comida para ela. Vaguear para outro campo para colher poderia ter sido desastroso; alguém poderia ter se aproveitado dela.

Não bastava a Timóteo conhecer a doutrina de Paulo (v. 10); ele precisava continuar nela, e também estar “completamente persuadido” de seu conteúdo (v. 14 – JND). Isso significa que ele precisava estar convencido pessoalmente da verdade em sua própria alma. Isso era importante; se outros desistissem da verdade e abandonassem a fé (que era o desvio da época – cap. 1:15), ele não seria influenciado por seus enganos, porque ele realmente comprou a verdade e se apropriou dela (Pv 23:23).

Paulo acrescentou, “sabendo de quem o tens aprendido”. Esse é outro princípio importante para um dia em que muitas vozes estão proclamando possuir a verdade. É simplesmente isso: conheça a fonte do ministério que você ouve e lê. Isso significa que devemos ser cuidadosos com o tipo de literatura Cristã que lemos, com o ensino Cristão que ouvimos nas rádios, com os vídeos Cristãos que assistimos, e com os sites Cristãos que visitamos, porque poderíamos assimilar involuntariamente erro e sermos levados a nos desviar (2 Pe 3:17). Em um dia de ruína e falha no testemunho Cristão, quando falsos mestres proliferam, precisamos agir com cautela.

Portanto, devemos nos certificar de que a fonte de tal ministério é conhecida por ser doutrinariamente sã.

4) As Santas Escrituras

Vs. 15-17 – Uma garantia ainda maior contra os males da Cristandade é encontrada nas “sagradas letras”. Isso é de vital importância num dia em que as falsas doutrinas se proliferam por todos os lados. Se Timóteo conhecesse e obedecesse às Escrituras, não seria levado por esses enganos sutis. Que garantia tremenda é essa!

Paulo lembrou Timóteo de que ele tinha tido um início muito bom. “desde a tua meninice” tu “sabes as sagradas letras”. As Escrituras que Paulo estava se referindo aqui é o Velho Testamento, já que o Novo Testamento ainda não havia sido escrito quando Timóteo era criança. Mesmo antes de Timóteo ter ouvido o evangelho e sido salvo, ele tinha um entendimento da natureza e dos modos de Deus pela instrução de sua mãe e avó (2 Tm 1:5). Essa instrução seriam as inúmeras lições morais e práticas que uma pessoa adquire ao ler as Escrituras. Essas coisas estabeleceram um alicerce de piedade na vida de Timóteo, e também conferiram a ele sabedoria que poderia salvá-lo dos perigos e enganos espirituais que ele encontraria no caminho do serviço.

O Velho Testamento está repleto de princípios pelos quais alguém adquire sabedoria para o caminho. Eles realmente podem nos fazer “sábios para a salvação” quando aplicados ao caminho Cristão. O aspecto da salvação que Paulo está falando aqui é o da salvação prática, visto que Timóteo já era salvo no que dizia respeito à eternidade. O que ele precisava era de libertação prática diária de todos os males os quais ele teve que enfrentar ao servir ao Senhor. Aplicar os princípios das Escrituras do Velho Testamento à sua vida seria sua garantia.

A sabedoria que Timóteo tinha aprendido das Escrituras do Velho Testamento não era a doutrina de Paulo. A verdade do Mistério, que é o ponto principal de sua doutrina, não é encontrada nas Escrituras do Velho Testamento. Era uma revelação especial de Deus a Paulo para a dispensação atual.

No verso 16 Paulo acrescenta, “toda [cada – JND] Escritura é inspirada por Deus” (ARA). Ao dizer isso, ele inclui as Escrituras do Novo Testamento. Partes do Novo Testamento já existiam naquela época. Em 1 Timóteo 5:18, Paulo cita o evangelho de Lucas (Lc 10:7). E Pedro fala das epístolas de Paulo como Escrituras (2 Pe 3:16). O Novo Testamento foi “divinamente inspirado” tanto quanto o Velho Testamento. Inspiração não significa, como creem alguns, que Deus deu algumas ideias a indivíduos e permitiu que eles as expressassem com suas próprias palavras. As próprias “palavras” da Escritura nas línguas originais foram inspiradas por Deus (1 Co 2:13). É por isso que os tradutores devem se esforçar para traduzir as próprias palavras da Escritura nas línguas originais para nossa língua. Uma tradução palavra por palavra é o que um estudante da Palavra de Deus precisa, não apenas uma equivalência de ideia por ideia, que é o que, infelizmente, muitas traduções modernas tendem a ser.

Não apenas as “sagradas letras” seriam uma garantia para Timóteo, elas também seriam uma ótima fonte para ele usar ao testar a realidade de tudo aquilo que ele encontrasse. A Palavra de Deus detecta e expõe tudo aquilo que é falso. A importante pergunta a ser feita é, “essa doutrina ou prática está consistente com a Escritura”? Outro teste é simplesmente saber se exalta a Cristo, pois a Escritura não faz nada além de exaltar a Cristo. Muitas das doutrinas desonrosas que surgiram na Cristandade exaltam o homem e rebaixam a Cristo e a Sua obra consumada.

Paulo disse, “Toda [cada – JND] Escritura é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça” (AIBB).

“Ensino [doutrina – KJV] expõe para nós a verdade sobre um assunto específico. Com isso somos instruídos sobre a mente e os caminhos de Deus. É triste dizer, mas muitos Cristãos atualmente não estão preocupados o suficiente com as instruções dadas a nós na Palavra. Há muitos que têm a ideia de que nosso modo de vida é mais importante do que nossa doutrina. Eles parecem pensar que não importa aquilo em que acreditamos desde que nos amemos uns aos outros e nos demos bem. Essa é uma maneira simplista de ver as coisas e revela ignorância. Se não estivermos alicerçados na “fé que de uma vez para sempre foi entregue aos santos” (AIBB), estaremos suscetíveis a sermos “levados em roda por todo vento de doutrina” (Jd 3; Ef 4:13-14). Deus Se importa com aquilo em que cremos porque isso irá formar nosso andar. Ele quer que sejamos inteligentes em Sua mente e caminhos. J. N. Darby disse que nenhum Cristão conhece seu lugar apropriado sem doutrina; e nenhum Cristão pode andar corretamente sem ela. Devemos ter um bom entendimento do “Mistério” (o chamado da Igreja, e sua natureza e unidade), para que possamos conhecer o que Deus está fazendo nesse mundo nesse tempo presente. É só então que poderemos estar em conformidade com o programa de Deus. Timóteo devia dar atenção à doutrina, e devemos fazer o mesmo.

“Repreensão [convicção – JND]**” (**ARA) é outra coisa proveitosa que as Escrituras produzem na alma. O Espírito de Deus usa a Palavra de Deus para detectar males escondidos em nosso coração. Frequentemente somos cegos quanto a nossos próprios erros, mas as Escrituras têm uma maneira de expô-los (Hb 4:12).

Podemos ter falsos motivos dos quais não estamos conscientes, mas a Palavra de Deus irá expô-los. Davi disse, “Os juízos do SENHOR são verdadeiros e justos juntamente. Mais desejáveis são do que o ouro, sim, do que muito ouro fino; e mais doces do que o mel e o licor dos favos. Também por eles é admoestado o Teu servo; e em os guardar há grande recompensa. Quem pode entender os próprios erros? Expurga-me Tu dos que me são ocultos. Também da soberba guarda o Teu servo” (Sl 19:9-13). Ele falou sobre a doçura da Palavra de Deus, mas depois acrescentou que ao lê-la, seu coração foi inspecionado na presença de Deus. Isso o levou a lançar-se ao Senhor para que ele pudesse ser salvo de “pecados de presunção” (TB).

“Corrigir” estabeleceria o caminho correto quer na doutrina quer na prática. Depois de nos ter convencido daquilo que não é correto em nossas vidas, a Palavra de Deus também nos instrui do caminho que é correto. Ela dá a direção positiva para a nova natureza que quer fazer a vontade de Deus. Esse é um especial aspecto da Palavra de Deus que refutaria o erro em questões doutrinárias ou práticas e o corrigiria. Conforme os erros se multiplicam no testemunho Cristão, a correção é importante. As epístolas aos Coríntios e aos Gálatas são particularmente corretivas em caráter e são muito proveitosas. Coríntios corrige carnalidade e Gálatas corrige legalidade.

“Instruir em justiça” também é encontrado na Palavra. Isso se refere às porções práticas da Palavra de Deus. As Escrituras estão repletas de instruções sobre questões práticas para nossos lares e nosso andar pessoal com o Senhor. É o que nos ajuda a nos manter no caminho estreito da verdade.

- “Ensino [doutrina – KJV] – nos diz o que é correto. - “Repreensão [convicção – JND] – nos diz o que não é correto. - “Correção” – nos diz como tornar correto. - “Instrução” – nos mantém caminhando correto.

Além disso, as Escrituras Sagradas tornam o povo do Senhor capaz de ministrar a verdade de Deus. Usadas corretamente, elas tornam o homem de Deus “perfeito [completo – JND] e “perfeitamente instruído [totalmente adaptado – JND] para toda boa obra”. Assim, ele está totalmente equipado para a obra de servir ao Senhor em qualquer posição que ele possa ser chamado. Qualquer que seja a necessidade no momento, o servo terá uma resposta pronta para a situação. Que recurso excelente em um tempo de ruína! Ela não apenas nos preserva do perigo e nos instrui naquilo que é certo, mas também é um instrumento poderoso para ajudar os santos a se motivarem “para toda boa obra”.

Essas garantias e recursos que Paulo mostrou a Timóteo são para todos os santos de Deus. Usados corretamente, eles serão os meios pelos quais seremos mantidos em dias difíceis e de trevas. Somos gratos a Deus por não nos ter deixado tateando somente com nossas próprias forças para encontrar o caminho em meio à confusão, mas Ele forneceu tudo aquilo que é necessário para o caminho.

INCENTIVOS DIVINOS PARA O SERVIÇO EM UM DIA DE RUÍNA

Capítulo 4

Antes de concluir a epístola, Paulo procurou despertar Timóteo para o serviço imediato. Mais do que apenas encorajá-lo, ele o deixou com uma “tarefa” solene diante de “Deus e do Senhor Jesus Cristo” que ele deveria cumprir. Timóteo precisava levar essa tarefa a sério. Ele tinha a responsabilidade de usar plenamente seu ministério, pois o Senhor havia dito, “a qualquer que muito for dado, muito se lhe pedirá” (Lc 12:48). A tarefa estar “diante” de Deus e do Senhor Jesus Cristo significa que ele devia servir tendo em conta o fato de que ele estava sob o olhar atento de Pessoas divinas. Todo o serviço deve ser realizado tendo a consciência de estar sendo observado pelo olho de Deus que tudo vê.

Devido às trevas que inevitavelmente estava entrando no testemunho Cristão, Paulo dá quatro grandes incentivos para Timóteo se levantar imediatamente e colocar suas mãos à obra. Esses são indicados no texto pelo uso da palavra “porque” (vs. 1, 3, 6, 10).

1) O Julgamento está Prestes a Cair Sobre a Profissão Cristã

Vs. 1-2 – Cristo, que é o Juiz dos “vivos e dos mortos”, estava vindo para julgar a grande massa de Cristãos professos sem vida na profissão Cristã. Muitos na Cristandade não são salvos e se perderão para sempre quando acontecer o julgamento. Os “vivos” serão julgados na Sua “Aparição”, que ocorrerá antes de Seu reinado de 1.000 anos – o Milênio (2 Ts 1:7-10), e os “mortos” serão julgados ao final de Seu “reino” (Ap 20:11-15). É um aviso solene de que haverá um dia de prestação de contas para todos os homens.

Em vista do julgamento vindouro, Timóteo deveria se levantar e servir imediatamente. O amor pelas almas devia motivá-lo. Paulo disse, “Eu te conjuro (para que)prega a palavra, insta a tempo e fora de tempo, convence, repreende, exorta com toda a paciência e ensino” (TB). Note: Timóteo devia apresentar a Palavra de Deus aos seus ouvintes – não suas próprias ideias. Histórias e ilustrações podem ser interessantes e até mesmo úteis, mas elas não substituem a Palavra. O servo deve se lembrar de que é o poder da Palavra de Deus, aplicada pelo Espírito, que produz resultados – não artifícios humanos. Portanto, Timóteo não devia tentar fantasiar sua pregação. Em nosso dia, acessórios e truques para atraírem a atenção estão cada vez mais tomando o lugar da simples pregação da Palavra. Podemos ser tentados a usar essas coisas, mas é melhor ficarmos com a simples Palavra de Deus. Ela é “viva, e eficaz, e mais penetrante do que qualquer espada de dois gumes” (Hb 4:12), e é o que Deus usa para converter almas (Sl 19:7).

Timóteo devia agir rapidamente quanto a isso – ele devia agir “a tempo” e “fora de tempo”. Isso significa que ele devia divulgar a Palavra em circunstâncias nas quais as pessoas estivessem abertas a ela e também quando elas não estivessem. Se uma pessoa estivesse interessada, com certeza seria uma oportunidade “a tempo” – por exemplo, o carcereiro romano (At 16:30). Mas quando há momentos em que isso pode ser considerado inadequado – “fora de tempo” – ele devia encontrar uma maneira de apresentar a Palavra de Deus, mesmo nesses casos. O Senhor na casa do fariseu é um exemplo (Lc 11:37-54). Timóteo devia apresentar a Palavra para pressionar as consciências de seus ouvintes sem ser pessoalmente ofensivo. Paulo diz, “convence, repreende, exorta com toda a paciência e ensino” (TB).

2) Está Chegando o Momento em que Aqueles que Estão na Profissão Cristã Não Irão Receber a Verdade

Vs. 3-5 – Paulo continuou falando de outro motivo pelo qual Timóteo precisava se levantar imediatamente e se lançar à obra. Ele disse, “porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina”. Mesmo antes de chegar o dia do julgamento haveria uma grande apostasia na profissão Cristã e homens afastariam seus ouvidos da verdade. Isso culminaria com a ascensão do homem do pecado (o anticristo) após a Igreja ter sido chamada para o céu (2 Ts 2:2-4). Timóteo precisava perceber que a apostasia já havia começado na profissão Cristã (2 Tm 4:1), e a dureza dos corações estava chegando rapidamente a um ponto onde eles não iriam “suportar a sã doutrina”. A doutrina de Paulo não seria tolerada pelas massas. Devido a esse fato inevitável, Timóteo devia se levantar imediatamente e se envolver na obra. O argumento do apóstolo era bastante claro: o momento certo para Timóteo servir era o quanto antes (imediatamente) porque estava chegando um momento em que seu trabalho teria pouco ou nenhum efeito.

Ele também sabia que as pessoas “tendo comichão nos ouvidos, amontoarão para si doutores”. Isso indica que ao invés de os mestres serem enviados por Deus para pregar e ensinar Seu povo, os mestres ficariam sob o controle de sua audiência que ditaria a eles o que gostariam de ouvir. As pessoas irão em bando atrás de mestres que têm coisas interessantes para dizer. Atualmente, os assuntos mais populares no ministério Cristão são amor e casamento, e interpretações sensacionalistas da profecia. Se um pregador quiser ter uma audiência de bom tamanho e manter seu emprego como pregador, ele terá que falar sobre esses assuntos que as pessoas querem ouvir. Com isso diante dele ele poderia ser influenciado pelo que as pessoas querem ouvir ao invés daquilo que Deus deu a ele para falar. No entanto, a triste consequência das pessoas procurando por coisas que agradem a seus ouvidos é que elas “desviarão os ouvidos da verdade” e se voltarão para as “fábulas”.

Nem é preciso dizer que vivemos nesse tempo. A Igreja hoje está em um estado de Laodiceia (Ap 3:14-22). Cristãos selecionam e escolhem aquilo que querem aceitar dos ensinos do apóstolo. Muito daquilo que Paulo ensinou – mesmo sendo afirmado em suas epístolas – é mal-entendido, mal interpretado, ou simplesmente ignorado. E algumas das coisas que ele ensinou são completamente repugnantes para a mente Cristã moderna e por isso são descartadas. Portanto, o momento de anunciar a verdade é quando ainda há esperança de ela ser recebida.

Em vista disso, Timóteo devia ser “sóbrio” e não permitir que influências prejudiciais à sua volta o distraíssem do objetivo simples de ministrar a verdade. Além disso, Timóteo devia estar preparado para sofrer pela verdade. Ele devia “suportar as aflições” (ARA), pois haveria ataques à verdade e àqueles que a defendiam.

Além do mais, ao usar plenamente seu “ministério” que parecia ser principalmente ensinar e exortar (1 Ts 3:2; 1 Tm 4:13-16, 6:2b; 2 Tm 2:2), Timóteo não devia esquecer de “fazer a obra de um evangelista”. Parece que Timóteo tinha um ministério de caráter genérico. Ele não devia apenas ensinar a verdade, mas também fazer a obra de um evangelista. Um ministro versátil – “um pau-para-toda-obra” – é extremamente necessário em um dia de ruína quando há tão poucos empenhados no serviço ao Senhor. J. N. Darby comentou, “eu não sou um evangelista, mas sempre que posso, eu faço a obra de um evangelista o melhor que posso”. Fazer a obra evangelística ajudaria a encontrar aqueles que abraçariam a doutrina de Paulo. Novos convertidos geralmente irão receber a verdade mais facilmente do que aqueles na profissão Cristã que foram contaminados pelos ensinos errados que estão em circulação.

Esses têm muito a desaprender, e, muitas vezes, isso não é fácil. Novos convertidos, por outro lado, não têm ideias preconcebidas sobre a doutrina e a prática Cristãs, e é fácil para eles aceitarem a verdade. Por isso, essa era uma obra importante para Timóteo e não deveria ser negligenciada.

3) Há Recompensas Guardadas para o Serviço Fiel.

Vs. 6-8 – Paulo deu a Timóteo outro incentivo para ele estar engajado no serviço ao Senhor – havia uma recompensa a espera de todos os que trabalhavam fielmente em vista da Aparição de Cristo. Havia julgamento vindo para o ímpio, mas havia recompensas vindas para aqueles que eram fiéis.

Paulo se refere à sua própria vida e ministério e à recompensa que o estava aguardando. Ele disse, **“**Porque eu já estou sendo oferecido por aspersão de sacrifício, e o tempo da minha partida está próximo. Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia”. Ele não estava se gloriando; ele menciona isso como um incentivo para Timóteo. Ele estava como que dizendo, “em breve eu estarei com o Senhor e receberei minha recompensa, e haverá uma para você também, se você continuar no serviço fiel”.

A vida de serviço de Paulo foi um contraste marcante à de muitos outros que foram vencidos pela decadência do tempo.

- Alguns sofreram “naufrágio” quanto à fé (1 Tm 1:19-20). - Alguns se “apostataram” da fé (1 Tm 4:1). - Alguns “negaram” a fé (1 Tm 5:8). - Alguns se “desviaram” da fé (1 Tm 6:10). - Alguns “perderam” a fé (1 Tm 6:21 – JND). - Alguns “perverteram [derrubaram – JND] a fé de outros (2 Tm 2:18). - Alguns foram “réprobos [sem valor – JND] quanto à fé (2 Tm 3:8).

Diante de todo esse abandono, o apóstolo disse, “guardei a fé”. Que contraste! Isso não era vanglória, mas um incentivo para Timóteo prosseguir no serviço fiel. Ele menciona isso para mostrar que em um dia de ruína é possível andar em toda a verdade de Deus. Alguns dizem que não é mais possível praticar toda a verdade que uma vez foi dada aos santos (Jd 3). Mas Paulo não abriu mão de nenhuma parte dela. Ele guardou a fé, ainda que houvesse um conflito feroz por causa disso. Portanto, não temos desculpas para abrir mão de qualquer parte dela.

Paulo se refere à sua recompensa como “a coroa da justiça”. Essa particular recompensa é dada àqueles que prosseguem em justiça em meio a toda injustiça na profissão Cristã. Era uma realidade para todos os que servissem ao Senhor fielmente. Ele disse, “e não somente a mim, mas também a todos os que amarem a Sua Aparição” (v. 8 – JND). Essas recompensas pela fidelidade serão recebidas no tribunal de Cristo (após o Arrebatamento), mas elas não serão vistas pelo mundo até a Aparição de Cristo, que ocorrerá após a grande tribulação. Quando Cristo vier conosco do céu (em Sua Aparição) para estabelecer Seu reinado na Terra, as recompensas dos fiéis serão manifestadas a todos.

Todo Cristão verdadeiro deve “amar Sua Aparição”. Amar Sua Aparição significa que amamos aqu’Ele que irá aparecer. Além disso, vivemos em um tempo em que o nome de Cristo está sendo maculado. Ele é desonrado por todos os lados. E isso aflige os santos cujas afeições estão corretas. Mas quando o Senhor aparecer, tudo será endireitado – e então Ele terá o Seu lugar de direito. Amamos a Sua Aparição por esse motivo também.

4) Há uma Escassez de Servos Fiéis

Vs. 9-15 – Um quarto incentivo para Timóteo se engajar imediatamente no serviço ao Senhor era a grande escassez de servos fiéis. Havia deserção até mesmo entre os servos do Senhor, e como consequência havia menos servos disponíveis do que nunca. Paulo diz a ele, “procura vir ter comigo depressa. Porque Demas me desamparou, amando o presente século, e foi para Tessalônica; Crescente, para a Galácia, Tito, para a Dalmácia”. Este velho guerreiro estava prestes a deixar o campo de batalha, e ao olhar para o trabalho a ser feito viu que a necessidade era maior do que nunca. Ele com tristeza relata que alguns que poderiam ser de ajuda estavam fora fazendo outras coisas. Ele disse, “porque todos buscam o que é seu e não o que é de Cristo Jesus” (Fp 2:21).

Em vista dessas condições era ainda mais necessário Timóteo cingir seus lombos e se engajar na luta. A obra de Deus requer todo o homem e mulher disponível. O bastão da fé havia sido colocado nas mãos de Paulo, e ele correu fielmente até terminar seu percurso; agora ele estava entregando o bastão intacto a Timóteo. Era a vez de Timóteo correr e “combater o bom combate da fé” (1 Tm 6:12). Portanto, ele precisava se levantar imediatamente e se engajar na obra.

Atualmente há uma necessidade ainda maior de servos fiéis para se colocarem nas trincheiras e levarem adiante a obra do Senhor, conservando e ensinando a doutrina de Paulo em sua totalidade. O Próprio Senhor disse, “a seara é realmente grande, mas poucos os ceifeiros. Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande ceifeiros para a Sua seara” (Mt 9:37-38). Atualmente são muito poucos os que conservam tudo o que Paulo deu à Igreja, e menos ainda aqueles que irão disseminar isso.

Paulo sentiu a deserção geral de seus irmãos e desejou que Timóteo viesse e ministrasse a ele (v. 9). É improvável que isso tenha acontecido. As autoridades romanas sob Nero provavelmente executaram o apóstolo antes de Timóteo chegar lá. Mas isso demonstra a importância da comunhão em um tempo de ruína e fracasso. Precisamos nos reunir para animarmos uns aos outros sempre que possível. A verdadeira comunhão Cristã é em relação às coisas divinas – coisas que os Cristãos têm em comum (At 2:42). Hoje em dia muitos pensam que comunhão Cristã é se reunir para praticar esportes e outras atividades recreativas. Não desincentivamos tais coisas, mas isso dificilmente será aquilo que irá “fortalecer as coisas que restam” (Ap 3:2 – JND).

A deserção estava por toda a parte. Havia infidelidade nas fileiras; muitos que outrora haviam sido fiéis se apartaram (2 Tm 1:15). “Demas” foi um exemplo de deserção (v. 10). Houve um tempo em que ele serviu com o apóstolo e foi recomendado como um companheiro de trabalho (Fm 24 – TB). Ele é mencionado como um dos que enviou saudações aos irmãos, o que indica que ele amava a comunhão dos irmãos (Cl 4:14). Mas “o presente século” acabou atraindo-o. Não é que Demas tenha abandonado a Cristo, mas que ele desistiu de andar com Paulo, se apartando dele e daquilo que ele ensinava. Ele não partiu para o lado sujo do mundo, mas para uma posição de concessões entre os santos onde havia alguma vantagem mundana para ele. Isso é muito triste.

O problema de Demas foi que ele “amou” o presente século (v. 10). Esse é um grande contraste com aqueles que “amam” a Aparição de Cristo, que inaugura o século vindouro (v. 8).

É surpreendente que a epístola que fala sobre declínio no testemunho Cristão mencione dois tipos de amor. Há um amor pela Aparição de Cristo e um amor pelo mundo. Tudo está se movendo ou em uma ou na outra direção. Faríamos bem em nos perguntar em que direção estamos indo.

Outros também se afastaram de Paulo, mas ele não diz os motivos – então não devemos especular quanto ao porquê. É possível que eles tenham ido aos vários lugares mencionados aqui em serviço fiel ao Senhor. Não obstante, hoje em dia existem muitos que poderiam estar servindo de ajuda, mas estão fora fazendo outras coisas. Uma das táticas do inimigo nos últimos dias é manter bons homens e mulheres, que realmente poderiam servir de ajuda no serviço ao Senhor, preocupados com outras coisas (Cl 4:17).

Pode ser que “Crescente” e “Tito” também tenham falhado, visto que eles foram mencionados na mesma frase que “Demas”, mas a maioria dos comentadores rejeita essa ideia. (Se realmente fosse esse o caso, talvez Demas indo para Tessalônica fale de querer permanecer com verdades elementares, e talvez, adiando a esperança da vinda do Senhor. Crescente voltando para as regiões da Galácia talvez fale de voltar ao legalismo. Tito voltando para a Dalmácia– que é o mesmo lugar de Ilírico – significa “vão esplendor”. É o lugar onde o apóstolo fez muitos sinais e maravilhas (Rm 15:19). Indo para Dalmácia talvez fale de voltar para o lado atrativo e carismático do Cristianismo. Parece que o testemunho Cristão, nesses últimos dias, está se desviando nessas três direções). Consequentemente, havia escassez de servos fiéis por dois motivos – um era bom, mas o outro, não:

- Deserção. - Preocupação e comprometimento com outros serviços.

V. 11 – Paulo diz que apenas “Lucas”, o médico amado (Cl 4:14), permaneceu com ele. Houve um abandono geral de Paulo pela massa Cristã daquele dia. Os Cristãos estavam simplesmente envergonhados de serem identificados com ele. Lucas se destaca como um exemplo brilhante de fidelidade em tempos assim.

“Marcos” foi evidentemente restaurado e é visto aqui como sendo útil ao apóstolo Paulo. Ele havia abandonado a obra na primeira viagem missionária de Paulo e Barnabé, quando eles estavam em Perge (At 13:13). Mas agora ele aparece restaurado e sendo considerado útil no serviço ao Senhor. Esse é um encorajamento especial para todos aqueles que falharam. Deus em graça está restaurando almas nesses últimos dias e tornando-as úteis em Seu serviço. Isso nos mostra que Deus pode usar aqueles que falharam. Se pessoas falharam, não é o fim para elas. Cair não faz de alguém um fracasso, mas continuar caído faz (Pv 24:16).

Vs. 12-13 – Paulo enviou “Tíquico” a Éfeso, que era a capital da Ásia – o próprio lugar onde o abandono ao apóstolo foi o maior. Não nos é dito por que, então, mais uma vez, devemos ser cuidadosos em especular. Talvez tenha sido para convencê-los de seu erro de se apartar do apóstolo Paulo e de seu ministério.

O fato de a “capa” de Paulo, seus “livros” e seus “pergaminhos”, serem mencionados na Palavra de Deus indicam que Deus está interessado nas roupas que vestimos e nos livros que lemos. Alguns nos dirão que essas coisas não são importantes, mas para Deus elas são. O mesmo Deus que está interessado em nossa bênção eterna também está preocupado com nossas menores necessidades temporais. Nunca nos esqueçamos disso.

Aparentemente, os “livros” eram anotações de ministério feitas por Paulo e os “pergaminhos” eram páginas em branco que ele pretendia usar para fazer mais anotações. Isso mostra que registrar nossas ideias no papel é algo proveitoso. Isso nos ajuda a organizar os tópicos espirituais em nossa mente para que sejamos capazes de apresentá-los a outras pessoas de maneira organizada. Esse é um exercício em que todo servo do Senhor deveria estar engajado. Alguém disse que nossas ideias são colocadas em ordem na ponta de um lápis.

Vs. 14-15 – Paulo se dirige a Timóteo para alertá-lo sobre uma pessoa em particular que era um inimigo das “palavras [ensinos] do apóstolo. Ele é “Alexandre, o latoeiro”. Essa talvez seja a mesma pessoa que foi excomungada da assembleia por determinação apostólica (1 Tm 1:20). Agora, do lado de fora, e sem arrependimento, ele era um furioso adversário de Paulo. Isso nos ensina que se agirmos com fidelidade e defendermos a verdade, podemos esperar receber ataques de pessoas assim. Nota: Paulo não revidou. Ele simplesmente enfatizou seu caráter e alertou a Timóteo sobre ele. Ele entregou toda a questão ao Senhor, dizendo, “o Senhor lhe pague segundo as suas obras”. Essa não foi uma oração imprecatória invocando juízo sobre esse homem, mas um simples reconhecimento do fato de que isso não passaria despercebido pelo Senhor. Ele lidaria com isso em um julgamento governamental de acordo com as obras dele. Isso nos ensina que não devemos revidar àqueles que nos atacam, mas deixar que o Senhor lide com eles em Seu tempo. Não devemos responder a carne com a carne.

- Demas – começou bem, mas terminou mal. - Marcos – começou mal, mas terminou bem. - Lucas – começou bem e terminou bem. - Alexandre – começou mal e terminou pior.

Vs. 16-18 – Outro relato triste que o apóstolo transmitiu à Timóteo foi sobre a deserção dos santos em Roma. Quando Paulo chegou à Praça de Ápio os irmãos de Roma mostraram grande afeto por ele (At 28:15). Mas, posteriormente, quando ele foi chamado a comparecer diante das autoridades em seu julgamento, eles o “desampararam”. Timóteo não podia esperar nada melhor – tal era o dia. No entanto, é encorajador ver que o Senhor não abandonou a Paulo em tal momento. Ele diz, “mas o Senhor assistiu-me”. No livro de Atos, quando Paulo não agiu totalmente de acordo com às intenções e à direção de Deus, e como consequência disso foi parar na prisão, é dito, “o Senhor, pondo-Se ao lado dele” (At 23:11 – ARA). O Senhor não podia, naquele momento, estar com Paulo no sentido de aceitar alegremente sua ida a Jerusalém, quando claramente essa não era a Sua vontade. Mas o Senhor ainda esteve ao lado de Paulo, pois Ele nunca irá nos abandonar. Ele disse, “não Te deixarei, nem Te desampararei” (Hb 13:5).

Novamente, Paulo não orou para que o Senhor os julgasse. Ele não nutria qualquer ressentimento por seus irmãos que não tiveram coragem. Em vez disso, desejava que o Senhor os perdoasse governamentalmente. Ele orou para que “isto lhes não seja imputado”. Aprendemos com isso que não cabe a nós como Cristãos orar para que Deus julgue qualquer um que nos faça mal ou aja de forma infiel, pelo contrário, devemos orar para que eles recebam Seu perdão governamental.

O Senhor livrou o apóstolo da “boca do leão” que eram as autoridades romanas sob o controle de Satanás (Ap 12:4), e isso deu a ele a confiança de que Ele continuaria a livrá-lo de “toda obra má”.

Para o apóstolo, o “reino celestial” foi alcançado por meio da morte de mártir. Com isso diante dele, ele não estava nem um pouco desencorajado, mas cheio de louvor, dizendo, “a Quem seja glória para todo o sempre. Amém!”

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vs. 19-22 – As saudações finais do apóstolo incluíam uma saudação a “Priscila e Áquila”. Esse casal permaneceu fiel e serviu de auxílio na obra do Senhor (At 18:2-3, 24-28; Rm 16:3-5). Ele também saudou a “casa de Onesíforo”. Não se sabe se Onesíforo estava vivo neste momento ou não. Se ele não estivesse vivo, é especialmente animador ver sua casa seguindo adiante fielmente (2 Tm 1:16-18).

Ele relata a Timóteo que “Erasto ficou em Corinto”. A julgar pelas epístolas do apóstolo aos coríntios, havia muito trabalho a ser feito em Corinto. Ele também relata que ele havia deixado “Trófimo” doente em Mileto (v. 20). Os poderes miraculosos de cura do apóstolo não foram usados nesse homem. Trófimo tinha sido útil na obra (At 20:4, 21:29), e poderíamos pensar que, devido ao fato de que havia uma grande escassez de servos, ele deveria tê-lo curado. Mas os milagres, em geral, eram sinais para os descrentes, não uma maneira de proporcionar bem-estar pessoal para a família da fé. Isso mostra que não é sempre o caminho de Deus curar crentes doentes. Ele queria que Trófimo aprendesse algo por meio de sua enfermidade, e Paulo não interferiria nos tratamentos do Senhor com ele curando-o.

Pela segunda vez Paulo insiste com Timóteo para ir até ele, provavelmente, sentindo que seu martírio era iminente (v. 21). Ele ansiava por uma última visita de Timóteo. Paulo envia saudações a outros quatro crentes – “Êubulo”, “Pudente”, “Lino” e “Cláudia”. A julgar pelos seus nomes latinos, esses eram Cristãos romanos que amavam a irmandade e queriam ser lembrados por Timóteo.

Mantendo um Espírito Correto

Paulo faz um comentário final nessa epístola. Ele lembra a Timóteo da necessidade de ter um espírito correto devido ao estado desordenado das coisas no testemunho Cristão. Ele disse, “o Senhor Jesus Cristo seja com o teu espírito” (v. 22). Isso é mencionado quatro vezes nas epístolas de Paulo, e o modo como é usado é muito instrutivo. Cada referência tem uma aplicação especial à situação que Paulo estava abordando.

Aqui em 2 Timóteo, onde um colapso no testemunho Cristão está em vista, é preciso ter um espírito correto. Temos que estar em alerta contra duas atitudes. Primeiro: não devemos nos permitir ocuparmos com o fracasso ao ponto de desistir, frustrados, e abandonar o caminho. Vemos muitas coisas desanimadoras em um dia de ruína, mas não podemos deixá-las nos abater. Foi isso o que aconteceu com Elias (1 Rs 19). Ele ficou desanimado com o estado ruim das coisas em Israel e desistiu. Segundo: se tivermos sido fiéis em alguma medida, devemos ter o cuidado de não nos permitir ficar cheios de orgulho por causa disso. Quando olhamos ao redor e vemos tanta infidelidade, injustiça e desinteresse entre os Cristãos podemos desenvolver uma atitude de superioridade, achando que somos melhores do que nossos irmãos. É possível estar certo em doutrina e princípio, e mesmo na conduta exterior, mas estar errado em espírito. Devemos ser vigilantes quanto a isso pois “a soberba precede a ruína, e a altivez do espírito precede a queda” (Pv 16:18).

Na epístola de Paulo aos Gálatas, a mesma frase é usada, mas em um contexto totalmente diferente. Ele escreveu para corrigir os gálatas sobre um erro grave que eles estavam tendo em relação à lei e à graça. Ele sabia que havia o perigo de eles não aceitarem sua correção da maneira certa e se ofenderem com o que ele dissesse a eles. Então, antes de concluir a epístola, ele disse, “a graça de nosso Senhor Jesus Cristo seja, irmãos, com o vosso espírito”. Essa é uma área na qual também devemos estar em alerta. Precisamos manter um espírito correto quando alguém nos corrige. Devemos tomar cuidado para não guardar rancor para com essa pessoa. “Fiéis são as feridas feitas por um amigo” (Pv 27:6 – JND).

Na epístola de Paulo aos Filipenses, essa frase é usada novamente, mas em um contexto diferente. Havia certa desunião se formando entre alguns indivíduos (Fp 4:2), e isso tinha o potencial de ameaçar a unidade de toda a assembleia. Se não fosse tratado, poderia resultar em uma divisão completa. Paulo sabia que havia a possibilidade de uma ruptura na comunhão entre os Filipenses, e ele acrescentou as necessárias palavras: “a graça do Senhor Jesus Cristo seja com o vosso espírito” (Fp 4:23 – ARA). Quando surgem problemas desse tipo entre os santos, temos que vigiar nosso espírito, e não ficar irritados na carne. Isso não ajudará em nada, apenas irá agravar a situação. É necessária uma graça especial para ter um espírito correto em tais situações. Quão cuidadosos devemos ser. As palavras de José aos seus irmãos são boas para nós, “não contendais pelo caminho” (Gn 45:24).

A expressão também aparece em Filemon 25. E, novamente, em um contexto diferente. Aqui é em conexão com perdoar e receber uma pessoa arrependida. Onésimo foi um servo desobediente que fugiu de seu mestre Filemon, mas foi salvo depois de entrar em contato com o apóstolo. Paulo escreveu essa carta para Filemon, encorajando-o a perdoar e receber o servo arrependido. Nesses casos, há uma tendência de nutrir sentimentos de amargura em relação à pessoa que nos ofendeu, e não verdadeiramente perdoá-la de coração. Portanto, ele diz, “a graça de nosso Senhor Jesus Cristo seja com o vosso espírito”.

É claro que um espírito correto é necessário em todas as situações – mas é ainda mais em um dia de ruína quando nossa paciência e fidelidade são constantemente testadas.

Um Breve Resumo dos Capítulos

- Capítulo 1 – as qualidades morais e espirituais necessárias no homem de Deus em um dia de ruína. - Capítulo 2 – os grandes princípios em que o homem de Deus deve servir em um dia de ruína. - Capítulo 3 – as garantias e recursos do homem de Deus em um dia de ruína. - Capítulo 4 – incentivos divinos para o serviço em um dia de ruína.

CONTRACAPA

Essa epístola foi escrita para encorajar Timóteo a servir em um tempo difícil quando as massas na profissão Cristã estavam abandonando Paulo e sua doutrina (2 Tm 1:15). Alerta os crentes quanto ao caráter progressivo da corrupção na Cristandade, que culminaria nos últimos dias quando haveria um abandono generalizado da verdade de Deus.

Na primeira epístola, a massa de Cristãos é vista como desejando corresponder à suas responsabilidades em manter a ordem na casa de Deus, embora alguns indivíduos tenham provado ser falhos (1 Tm 1:20, 4:1 – “alguns”). Na segunda epístola, é o oposto. Ela vê a massa de Cristãos como tendo falhado (2 Tm 1:15), e apenas alguns indivíduos permanecem fiéis à sua profissão (2 Tm 1:16-18, 4:11).

Com esse panorama sombrio diante do apóstolo, ele procura encorajar Timóteo a continuar no serviço ao Senhor. Paulo transmite a ele muitas instruções úteis que têm sido preservadas graciosamente para nós na Palavra de Deus, para que qualquer um que queira servir ao Senhor tenha esses princípios orientadores para o seu serviço. O tema da epístola, portanto, é um encorajamento no serviço em um tempo de fracasso coletivo. Essa é uma palavra muito necessária atualmente.

# Notas

[←1]

N. do T.: Alqueire (do árabe _al kayl_) designava originalmente uma das bolsas ou cestas de carga que se colocavam, atadas, sobre o dorso e pendente para ambos os lados dos animais usados para transporte de carga.

[←2]

N. do T.: Ortodoxo provém da palavra grega orthos que significa “reto” e doxa que significa “fé”. É o que está conforme com a doutrina tida como verdadeira.

[←3]

N. do T.: Heterodoxo é aquilo que se opõe aos padrões, normas, regras ou a uma doutrina pré-estabelecida. Do grego _hetero_ que significa “diverso” e _doxa_ que significa “fé”. É o que está em desconformidade com a doutrina tradicional.
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