A Primeira Epístola de Paulo a TIMÓTEO
A Ordem na Casa de Deus
Bruce Anstey
A PRIMEIRA EPÍSTOLA DE PAULO A TIMÓTEO - A Ordem na Casa de Deus
Bruce Anstey
Originalmente publicado por:
12048 – 59th Ave.
Surrey, BC V3X 3L3
CANADÁ
Título do original em inglês: THE SECOND EPISTLE OF PAUL TO TIMOTHY - The Order of the God’s House
Primeira edição – dezembro 2011
Traduzido por Paulo Albuquerque
Publicado e distribuído no Brasil com autorização do autor por:
ASSOCIAÇÃO VERDADES VIVAS, uma associação sem fins lucrativos, cujo objetivo é divulgar o evangelho e a sã doutrina de nosso Senhor Jesus Cristo.
atendimento@verdadesvivas.com.br
Primeira edição em português – Janeiro 2019
E-book v1.1
Abreviaturas utilizadas:
ARC – João Ferreira de Almeida – Revista e Corrigida – SBB 1969
ARA – João Ferreira de Almeida – Revista e Atualizada – SBB 1993
TB – Tradução Brasileira – 1917
ACF – João Ferreira de Almeida – Corrigida Fiel – SBTB 1994
AIBB – João Ferreira de Almeida – Imprensa Bíblica Brasileira – 1967
JND – Tradução inglesa de John Nelson Darby
KJV – Tradução inglesa King James
Todas as citações das Escrituras são da versão ARC, a não ser que outra esteja indicada.
A Primeira Epístola de Paulo a
TIMÓTEO
INTRODUÇÃO
O Propósito da Epístola
A preocupação do apóstolo Paulo nessa epístola é a de que os Cristãos fossem encontrados caminhando de acordo com a ordem devida na casa de Deus, e assim, um testemunho sobre o verdadeiro caráter de Deus como o Deus Salvador e como o Deus Criador seria dado ao mundo. Paulo atribui a Timóteo um mandato apostólico com a finalidade de conduzir os santos em doutrina e prática.
Para que Timóteo apresentasse a ordem moral da casa aos santos, ele mesmo precisaria entendê-la claramente. Desta forma, Paulo disse: “Escrevo-te estas coisas, esperando ir ver-te bem depressa, mas, se tardar, para que saibas como convém andar [se conduzir – JND] na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, a coluna e firmeza [pilar e a base – JND] da verdade” (1 Tm 3:14-15). Paulo, portanto, passa a apresentar a Timóteo a ordem moral da casa de acordo com a mente de Deus, para que Timóteo tivesse um padrão com o qual pudesse trabalhar ao orientar os santos em uma linha de conduta que fosse adequada à casa. Deus preservou esta epístola inspirada para que tivéssemos o padrão de Sua casa em nossas mãos, e assim soubéssemos como nos conduzir nela.
O que é a Casa de Deus no Cristianismo?
Podemos perguntar: “O que é a casa de Deus?” A resposta mais simples: ela é o povo de Deus. O povo de Deus é a casa de Deus na dispensação Cristã.
Nos tempos do Velho Testamento, a casa de Deus era um edifício literal feito de pedras e madeira e coberto com ouro (1 Rs 5-6). Como a casa de Deus era um edifício físico na época do Velho Testamento, alguns acreditam que ela também seja algo exterior e físico – tal como a sala, ou salão de reunião, em que os Cristãos se encontram para adoração e ministério no Cristianismo – mas isso não é verdade. A casa de Deus atualmente não é um edifício literal feito pelas mãos dos homens; ela é uma “uma casa espiritual” composta de crentes no Senhor Jesus Cristo que são vistos como “pedras vivas” nessa construção (Hb 3:6; 1 Pe 2:5).
Como foi dito, a casa de Deus no Cristianismo é o povo de Deus. Mas como a ruína tomaria conta da casa muito cedo na história do testemunho Cristão e haveria uma mistura de duas realidades, tanto o povo crente de Deus na casa assim como o povo meramente professo, a Escritura apresenta a casa de Deus em dois aspectos.
Dois Aspectos da Casa de Deus
Assim como Deus habitou em Sua casa do passado, Ele habita atualmente em (dentro dos) e entre crentes (Ef 2:22; Jo 14:17). Como mencionado, encontramos esses dois aspectos na Escritura:
Em primeiro lugar, crentes são vistos como “pedras vivas” na “casa espiritual” de Deus (1 Pe 2:5; 1 Co 3:9b). A casa nesse aspecto é vista como estando em construção e não estará completa até que o último crente seja salvo e colocado na estrutura (Ef 2:20-21), após isso o Senhor virá e levará a Igreja para casa em glória no Arrebatamento. Cristo é o Mestre Construtor (Mt 16:18) e Administrador (Ef 3:9) da construção. Ele também é Filho sobre a casa (Hb 3:6).
Em segundo lugar, a casa de Deus é vista como “a habitação de Deus” na Terra (Ef 2:22; 1 Tm 3:15; 1 Co 3:9b). Nesse aspecto Ele está habitando na casa atualmente e os homens são vistos como participantes na edificação da casa. Alguns homens estão edificando com bom material e alguns com material ruim (1 Co 3:9-17). Consequentemente, uma grande desordem entrou na casa, e ela agora se tornou como uma “grande casa” cheia de confusão e ruína. A casa nesse aspecto tem uma mistura de verdadeiros crentes e crentes meramente professos (1 Co 3:17; 2 Tm 2:20; 1 Pe 4:17). Visto que o Espírito Santo habita na casa, falsos Cristãos meramente professos, que também estão nela, são “participantes do Espírito Santo” de um modo exterior (superficial), sem na verdade serem habitados pelo Espírito (Hb 6:4). Compare, em figura, Êxodo 30:25-29 com Êxodo 30:30.
Algumas das diferenças entre os dois aspectos são:
- O primeiro aspecto vê a casa como sendo formada apenas de verdadeiros crentes. - O segundo aspecto vê tanto crentes verdadeiros quanto crentes meramente professos misturados entre si. Consequentemente, nenhuma assembleia local jamais é chamada de casa de Deus na Escritura; a casa de Deus é uma esfera maior do que a assembleia local, e nesse segundo aspecto ela abrange toda a profissão Cristã sobre a Terra. - No primeiro aspecto, a casa de Deus é vista pelo lado da soberania de Deus (Ef 2:20-21); no segundo aspecto, ela é vista pelo lado da responsabilidade do homem (1 Pe 4:17). - No primeiro aspecto, Cristo é o Edificador (Mt 16:18); no segundo aspecto os homens são vistos como participantes no processo de edificação (1 Co 3:11-15). - No primeiro aspecto, as pessoas se tornam parte da casa ao crerem no evangelho; no segundo aspecto, as pessoas entram na casa ao fazerem uma profissão de fé em Cristo (2 Tm 2:19) ou ao serem batizadas (que é o modo formal de se entrar nela). - No primeiro aspecto, os crentes “são” a casa (Hb 3:6; 1 Pe 2:5); no segundo aspecto, os crentes (e crentes meramente professos) “estão” na casa (1 Tm 3:15; 2 Tm 2:20). - No primeiro aspecto da casa, o Espírito de Deus habita “nos” crentes (Jo 14:17; At 2:4); no segundo aspecto, o Espírito de Deus habita tanto “nos” crentes quanto “com” [ou entre] os crentes (Jo 14:17; At 2:2; 1 Co 3:16-17). - O primeiro aspecto às vezes é chamado de “a casa da realidade”; enquanto que o segundo aspecto de “a casa da profissão”.
A casa de Deus no Velho Testamento tinha dois edifícios anexados um ao outro – a casa do Senhor (1 Rs 5-6) e a própria casa do rei Salomão (1 Rs 7). Esses dois edifícios são um tipo dos dois aspectos da casa de Deus atualmente. A casa do Senhor (o templo) estava aberta a todos que fossem a Deus para adorá-Lo – e tinha até mesmo um átrio para os gentios. No entanto, nem todos aqueles que entravam na área do templo tinham necessariamente fé verdadeira. Isto é uma figura do segundo aspecto da casa de Deus atualmente onde há uma mistura de verdadeiros crentes e meramente professos. A casa de Salomão era uma série de edifícios interconectados onde a entrada era permitida somente a ele e a sua família. Gentios que visitavam a região, e outros em Israel, não podiam entrar lá. Isto é um tipo do primeiro aspecto da casa que é composta apenas de verdadeiros crentes – aqueles que fazem parte da família de Deus. (Veja “The Synopsis of the Books of the Bible” de J. N. Darby, em 1 Reis 5-7).
A Casa de Deus – Um Vaso de Testemunho
As duas principais figuras que o Espírito de Deus usa para descrever a Igreja de Deus na Escritura são “o corpo de Cristo” e “a casa de Deus”. A igreja, vista como corpo de Cristo, encontra-se em apenas quatro epístolas – Romanos, 1 Coríntios, Efésios, e Colossenses, mas a Igreja vista como casa de Deus encontra-se em quase todas as epístolas. A casa de Deus, portanto, ocupa uma parte muito maior da Escritura do Novo Testamento. A ideia principal quanto ao corpo de Cristo é a unidade manifestada, enquanto que a ideia principal da casa de Deus é um testemunho público.
A Igreja, vista como uma casa, é o vaso de testemunho de Deus na Terra. Como foi dito, o grande propósito da casa de Deus é apresentar o verdadeiro caráter de Deus perante o mundo. O apóstolo Pedro mostra isso em sua primeira epístola. Depois de falar da casa de Deus como “uma casa espiritual”, ele diz que aqueles que a compõem devem “proclamar as excelências daqu’Ele” (JND) que os chamou “das trevas para a Sua maravilhosa luz” (1 Pe 2:5-9). Os homens deveriam ser capazes de olhar para a casa de Deus e conhecer a Deus. Podemos aprender certas coisas sobre o ocupante de uma casa ao olharmos para sua casa. Se o jardim estiver descuidado, se houver lixo em volta, se a casa precisar de pintura etc., podemos concluir que ela provavelmente estará da mesma forma do lado de dentro, e assim, isso nos dá uma ideia quanto ao tipo de pessoa que é o proprietário. Por outro lado, podemos olhar para uma casa bem cuidada (até onde nossos olhos alcançam) e concluir que o proprietário é provavelmente uma pessoa organizada. Assim, temos informação sobre seu caráter também. Deus quer que o mesmo aconteça em Sua casa; Ele deseja que Seu caráter seja visto claramente na ordem de Sua casa.
Visto que o povo de Deus constitui a casa de Deus, o mundo deveria ser capaz de olhar para nós – no que diz respeito ao nosso caráter e modo de agir – e conhecer o verdadeiro caráter de Deus. Como foi dito, a casa de Deus tem a ver com o testemunho público de Deus na Terra e, portanto, o foco desta epístola está no que é exterior – naquilo que é visto pelos homens. Portanto, a epístola não trata dos privilégios internos da assembleia. J. N. Darby disse: “Por todo lado o assunto é aquilo que é exteriormente adequado para um andar exterior, aquilo que é conveniente em relação ao mundo. Não há nada para o interior, nada sobre os relacionamentos da alma com Deus; mas tudo se refere ao testemunho público adequado à posição dos homens nesse mundo. O apóstolo dá essas instruções tendo em vista a ordem exterior; relativa à manutenção daquilo que é respeitável aos olhos de todos.”
Essa linha de verdade é um lado bastante negligenciado das coisas. Cristãos costumam dizer “Deus não está preocupado como parecemos exteriormente; o que importa é como somos por dentro”. 1 Samuel 16:7 é às vezes citado para apoiar isso – “O homem vê o exterior, porém o Senhor, o coração”. Mas esse verso apenas reforça a ideia de que precisamos prestar atenção ao nosso testemunho exterior. Já que os homens não podem ver o que está em nosso coração – apenas Deus pode ver isso – eles têm que olhar para aquilo que é exterior. E o que é que eles aprendem sobre Deus ao olhar para nós? Certamente a coisa mais importante é ter um relacionamento íntimo com Deus pela fé (uma vida de comunhão), mas isso não é a única coisa com a qual os Cristãos deveriam se preocupar. Temos uma responsabilidade em relação a como somos vistos perante o mundo e como nosso testemunho pessoal reflete Deus. Essa é a preocupação do apóstolo nessa epístola.
O Caráter da Casa
Uma vez que o grande propósito da casa de Deus é apresentar o verdadeiro caráter de Deus perante o mundo, a função dos Cristãos aqui nesse mundo é manifestar Seu caráter de duas maneiras:
- Como o Deus Salvador – Sua disposição em graça para com todos os homens deve ser testificada neste “tempo oportuno” (cap. 2:3-6). “O evangelho da glória do Deus bendito” (ARA) deve ecoar a partir da casa de Deus (cap. 1:11).
- Como o Deus Criador – Seus padrões morais devem ser manifestados diante de todos os homens. (Padrões morais de conduta não são uma revelação Cristã; eles são exigidos dos homens desde o princípio da criação.) Visto que santidade convém à casa de Deus (Sl 93:5), todos na casa são responsáveis por manter a santidade em suas vidas. (Piedade é mencionada várias vezes na epístola e por esse motivo ela tem sido chamada de “A Epístola da Piedade Prática.”)
Esses dois temas percorrem toda a epístola. O primeiro pertence ao testemunho que falamos. O segundo pertence ao testemunho que vivemos. Visto que uma casa toma o caráter de seu ocupante, a disposição de Deus para com os homens como o Deus Salvador e Seus direitos como Criador devem ser ambos demonstrados por aqueles que compõem a Sua casa.
Os Crentes Estão na Casa o Tempo Todo
Sendo uma parte da casa de Deus, os Cristãos estão nela o tempo todo – não apenas quando estão congregados com outros Cristãos em reuniões bíblicas, como é normalmente pensado. Já que estamos sempre na casa de Deus, somos responsáveis por representar a Deus o tempo todo. Portanto, as coisas que Paulo enfatiza nessa epístola, relativas à doutrina e à prática, se aplicam aos crentes em todas as esferas de suas vidas. Isso é feito ao anunciar o evangelho da graça e da glória de Deus a todos os que encontramos e ao manter Seus padrões morais de conduta em nossas vidas.
A Ruína na Casa Atualmente
Deus confiou o cuidado de Sua casa aos homens durante o período em que o Senhor estivesse ausente (Mt 24:45) e, é triste dizer, eles desprezaram Sua ordem e introduziram uma ordem que eles mesmos inventaram. Consequentemente, todo o tipo de coisas que não deveriam estar na casa acabaram sendo introduzidas nela – e o resultado disso foi muita desordem. Atualmente, há tanta ruína e confusão na casa de Deus que resta muito pouca coisa que se assemelhe ao padrão encontrado em Sua Palavra. Paulo compara a condição atual da casa a uma “grande casa” que está cheia de confusão (2 Tm 2:20). Toda casa do homem possui uma ordem particular, e a casa de Deus não é diferente. Não teria cabimento alguém entrar na casa de outra pessoa e mudar ou perturbar a ordem ali. No entanto, foi exatamente isso que Cristãos (e crentes professos) fizeram na casa de Deus. Deus não é indiferente a isso; atualmente Ele está julgando aqueles em Sua casa de uma maneira governamental (1 Pe 4:17; 1 Co 11:30-32).
Na primeira epístola a Timóteo, há uma insistência cuidadosa quanto à ordem devida na casa de Deus. Aprendemos com isso qual é o desejo de Deus no que diz respeito à sua ordem. Na segunda epístola de Paulo a Timóteo, vemos a provisão graciosa de Deus quando a casa caiu em desordem. Aprendemos com isso que há um caminho para o fiel em meio à ruína e ao fracasso.
No momento em que a primeira epístola foi escrita, a ruína no testemunho Cristão já havia começado. “Alguns” já haviam dado as costas para a verdade (cap. 1:6, 20). Paulo alertou que a ruína só iria aumentar (cap. 4:1). A diferença entre as duas epístolas é que, na primeira epístola, a massa de Cristãos é vista desejando corresponder às suas responsabilidades em manter a ordem na casa de Deus, ainda que alguns indivíduos fossem falhos. Na segunda epístola, é o oposto; a massa de Cristãos é vista como tendo dado as costas (2 Tm 1:15) e apenas alguns indivíduos permanecendo fiéis (2 Tm 1:16-18, 4:11).
O Caráter Pessoal de Timóteo
Visto que Timóteo era um jovem (1 Tm 4:12), alguns imaginam que essa epístola foi escrita para pessoas jovens que estavam lutando com as questões da juventude – as tentações do mundo, a carne e o diabo. No entanto, ler essa epístola como se ela fosse um aconselhamento para jovens mundanos é tirá-la de seu contexto. Ela claramente não foi escrita tendo isso em mente – ainda que determinadas aplicações possam ser feitas (Sl 119:96). Timóteo não era um Cristão jovem negligente e indiferente lutando com as questões da juventude; ele era um “homem de Deus” que trabalhava no serviço de seu Mestre (1 Tm 6:11; 2 Tm 3:17). Paulo podia dizer a respeito dele “Porque a ninguém tenho de igual sentimento, que sinceramente [genuinamente – JND**] cuide do vosso estado; porque todos buscam o que é seu, e não o que é de Cristo Jesus [Jesus Cristo** – JND**]. Mas bem sabeis qual a sua experiência, e que serviu comigo no evangelho, como filho ao pai”** (Fp 2:20-22). Por isso, o contexto e a interpretação primária da epístola é a do apóstolo dando um tarefa a um obreiro jovem e piedoso que tinha os interesses de Cristo em seu coração. Por ser uma epístola pastoral, ela está cheia de aconselhamento e encorajamento do apóstolo a Timóteo para a obra que o Senhor havia dado para ele fazer.
As Epístolas Pastorais
A Primeira Epístola a Timóteo é a primeira das quatro epístolas “pastorais”. Essas estão colocadas juntas em nossas Bíblias – Primeira e Segunda a Timóteo, Tito e Filemon. (O apóstolo João também escreveu duas epístolas “pastorais” inspiradas – 2 João e 3 João.) Estas epístolas “pastorais” de Paulo têm um caráter diferente do de suas nove epístolas precedentes. Estas são destinadas a indivíduos específicos e contêm aconselhamento pessoal e piedoso para pessoas a quem elas foram escritas; enquanto que as outras epístolas são destinadas a uma assembleia ou a um grupo de assembleias (por exemplo, Gálatas). Acredita-se que Hebreus também seja uma das epístolas de Paulo; isso pode ser discernido a partir da evidência interna e pelo estilo de sua escrita; e a partir de um comentário feito pelo apóstolo Pedro (2 Pe 3:15-16). A epístola não é destinada a uma assembleia ou a um indivíduo, mas a Judeus que haviam professado o Cristianismo. Ela é classificada como uma epístola “geral” e foi escrita aos Hebreus onde quer que eles estivessem na Terra (mas especialmente àqueles na terra de Israel). Hebreus é colocada junto das últimas sete epístolas gerais em nossas Bíblias.
O Esboço Geral da Epístola
Há duas partes nessa epístola. A primeira é a introdução no capítulo 1, em que Paulo dá seu encargo apostólico a Timóteo. A segunda são os capítulos 2-6, que constitui a parte principal da epístola. Nesses capítulos, Paulo dá o padrão da casa de Deus quanto a sua ordem moral. Ele trata das três esferas principais de privilégio e responsabilidade na casa e descreve a conduta moral apropriada para cada respectiva esfera.
- Capítulo 1 – O encargo apostólico de Paulo a Timóteo. - Capítulo 2 – Paulo aborda o assunto do sacerdócio na casa de Deus. - Capítulo 3 – Paulo aborda o assunto dos ofícios na casa de Deus. - Capítulo 4 – Paulo aborda o exercício dos dons na casa de Deus. - Capítulo 5 e 6 – Complementando essas três esferas de privilégio e responsabilidade, Paulo aborda a comunhão na casa de Deus. Nesses dois últimos capítulos, ele aborda 12 relacionamentos diferentes que temos uns com os outros na casa, dando a conduta adequada para cada um deles.
O ENCARGO DO APÓSTOLO PARA TIMÓTEO
Capítulo 1
O capítulo 1 é introdutório. Isso pode ser visto nas palavras de Paulo no capítulo 2:1 – “Admoesto-te, pois, antes de tudo**”**. Isso mostra que as exortações a respeito da ordem da casa de Deus começam nesse momento; portanto, tudo aquilo que vem antes disso é introdutório. O primeiro capítulo é o encargo apostólico para Timóteo.
A Saudação
Vs. 1-2 – Paulo escreve a Timóteo como um “apóstolo”. Ele menciona seu apostolado pois estava prestes a atribuir a Timóteo um encargo apostólico. Ele se refere a si mesmo como um apóstolo de “Cristo Jesus” (ARA). Em cada uma de suas epístolas (exceto Tito), quando se refere a seu apostolado, Paulo fala de tê-lo recebido de “Cristo Jesus” (A KJV não faz essa distinção, mas as traduções mais críticas e interlineares fazem). Quando o título do Senhor (“Cristo”) é colocado antes do nome de Sua Humanidade (“Jesus”), significa Cristo como tendo concluído a redenção e voltado para o céu como um Homem glorificado. Assim, Ele levou Sua Humanidade para o céu em glória. Foi de Cristo no céu, como um Homem glorificado, que Paulo recebeu seu apostolado (1 Co 9:1-2). Pedro, por outro lado, chama a si mesmo de um apóstolo de “Jesus Cristo”. Quando o nome da Humanidade do Senhor “Jesus” é colocado antes de Seu título como “Cristo”, significa aqu’Ele que veio do céu para cumprir a vontade de Deus ao morrer na cruz. É significativo que Pedro chamasse a si mesmo desse modo porque foi aqui na Terra onde Pedro recebeu seu apostolado (Lc 6:13-16).
O apostolado de Paulo foi pelo mandamento de “Deus nosso Salvador”. Paulo menciona isso pois é o caráter particular de Deus em graça para com todos os homens que ele irá enfatizar ao longo de toda a epístola. “Cristo Jesus” é apresentado como “nossa esperança”. Não é exatamente o evento de Sua vinda que é nossa esperança aqui, mas Ele Próprio que é o centro do propósito e conselho de Deus. Portanto, o evangelho não é apenas algo que nos livra da justa pena de nossos pecados; é também o que nos deixa em conformidade com todo o sistema de glória onde Cristo é o Objeto e nossa esperança.
É dito que Timóteo era como um “verdadeiro filho na fé” de Paulo, significando evidentemente que ele foi salvo por meio da obra de Paulo, apesar de isso não ser mencionado no relato dado no livro de Atos. Três coisas são mencionadas na saudação como sendo da parte de “Deus nosso Pai, e da de Cristo Jesus, nosso Senhor” – “graça, misericórdia e paz”. Essas três coisas eram o suprimento com que Timóteo podia contar ao cumprir seu encargo especial recebido do apóstolo. Haveria “graça” para atender cada situação, “misericórdia” com relação à falha no caminho e “paz” para as várias situações de provação que ele encontrasse.
Tem sido frequentemente observado que quando o apóstolo se dirige às assembleias, ele menciona graça e paz, mas não misericórdia. Como foi dito, há misericórdia disponível para indivíduos falhos que estão arrependidos. Embora a Igreja permaneça como um testemunho corporativo responsável neste mundo, se ela falhar, como aconteceu com o testemunho Cristão, não há misericórdia concedida a ela no sentido de ser restaurada – há apenas julgamento. Portanto, não haverá nenhuma restauração do testemunho público do Cristianismo. Ele vai acabar seu percurso nesse mundo sendo rejeitado pelo Senhor e vomitado de Sua boca (Rm 11:13-27; Ap 3:15).
O Encargo e a sua Finalidade
Vs. 3-5 – Paulo vai direto à questão que deu origem à escrita da epístola. Havia “alguns” em Éfeso que estavam ensinando coisas estranhas e sem proveito que não edificariam os santos na santíssima fé (Jd 20) e era necessário pôr um fim nisso. Anteriormente, Paulo havia alertado os anciãos de Éfeso sobre a apostasia que estava surgindo naquela região (At 20:29-31). Isso já havia começado e estava ganhando força entre alguns mestres entre eles. No momento da escrita de sua segunda epístola a Timóteo, Paulo teve que informar que “todos” na Ásia (da qual Éfeso era a capital) “se apartaram” dele e de seus ensinos (2 Tm 1:15).
Devido à iminente apostasia, Paulo disse a Timóteo para “advertir” aqueles que ensinavam na assembleia a que “não ensinem outra doutrina”, mas aquela que é para “edificação piedosa” (KJV). Paulo evidenciou as doutrinas estranhas que estavam vindo de duas fontes diferentes:
- Ele classifica a primeira como sendo “fábulas”. Elas eram imaginações pretensiosas (“especulações” Rm 1:21 – TB) que estavam sendo trazidas, pelos gentios convertidos, de suas antigas crenças pagãs. Elas eram principalmente de origem grega. - Ele chama a segunda de “genealogias intermináveis”. Esses eram detalhes irrelevantes de referências históricas que estavam sendo trazidos pelos judeus convertidos. (“intermináveis” significa algo que é longo, tedioso e cansativo; essa é uma palavra melhor do que “infindáveis” que é usada na KJV, pois as genealogias têm um fim em Adão.)
Timóteo não devia “se ocupar” (ARA) com essas coisas pois elas não ajudariam espiritualmente a ele nem aos santos em Éfeso; tais coisas apenas “produzem questões” em vez de “edificação piedosa”. “Fábulas” são ideias falsas provenientes da imaginação humana discorrendo com insensatez sobre coisas espirituais. São o resultado de uma mente indisciplinada atuando nas coisas de Deus. “Genealogias intermináveis”, basicamente, são fatos históricos irrelevantes e curiosidades que apenas cansam os santos, ao invés de alimentá-los com comida espiritual.
Não devemos pensar que essas coisas eram problemas que perturbavam apenas a Igreja primitiva, mas que não têm nenhuma importância nos dias de hoje. Essas duas coisas ainda são um perigo no ministério Cristão. Será que nunca ouvimos alguns, cujas mentes não são sujeitas aos bons princípios da exegese1 bíblica, dando à luz interpretações fantasiosas das Escrituras que na verdade não passam de imaginações? E, não temos ficado pesarosos em ouvir algo suposto como ministério, mas que era apenas natural, terreno e histórico em termos de conteúdo, porém não espiritual? Essas coisas podem captar a imaginação de alguns, mas elas não estabelecem um alicerce de verdade nas almas sobre o qual estão firmadas na fé (Rm 16:25; Cl 2:7).
É perfeitamente possível ocupar tempo no ministério com coisas que não edificam os santos na verdade. Timóteo tinha que repreender esse tipo de ministério sem proveito e “advertir” aqueles que ministrariam na assembleia para que “não ensinem outra doutrina” além daquela para “promover a dispensação de Deus” (v. 4 – JND).
Promover a “dispensação de Deus” tem a ver com apresentar a revelação Cristã da verdade de uma forma que os santos entendam sua vocação em Cristo e suas respectivas responsabilidades na casa de Deus, tanto individualmente quanto coletivamente. A revelação especial da verdade no Cristianismo, que foi entregue aos santos em conexão com o chamado atual da Igreja, tem um caráter celestial, em vez de terreno (Jd 3). É algo novo, diferente do sistema legal na economia mosaica e deve ser o foco do ministério na casa de Deus no Cristianismo. Promover a dispensação atual não é algo que se consegue ensinando a verdade doutrinária sobre a Igreja apenas, mas também inclui aquilo que regula questões práticas relativas à ordem moral da vida na casa de Deus. (Ensinar coisas que dizem respeito ao lugar dos homens e das mulheres na casa de Deus, como Paulo faz no capítulo 2, é um exemplo de promover a dispensação de Deus nesse sentido prático.) Enquanto o objeto do ministério Cristão é apresentar a Cristo em Sua glória e beleza, o propósito do ministério Cristão é “promover a dispensação de Deus” nas almas dos crentes.
V. 5 – O “fim” (o objetivo) do “mandamento” (encargo) dado a Timóteo era que uma condição espiritual correta fosse encontrada nos santos a fim de que caminhassem de acordo com a devida ordem na casa de Deus, e assim, um testemunho adequado do verdadeiro caráter de Deus fosse dado por eles ao mundo.
Essa condição espiritual correta que Paulo desejava nos santos resume-se em três coisas – “amor de um coração puro”, “uma boa consciência” e “fé não fingida”. Uma pessoa nessa condição de alma desejável terá:
- Amor de um coração puro, é um coração de amor com motivos corretos para com todos. Segundas e impuras intenções só prejudicam o verdadeiro amor Cristão. - Uma boa consciência não é obtida certificando-se de que nunca falharemos em nossa caminhada Cristã; ninguém teria uma boa consciência se fosse esse o caso, pois “todos tropeçamos” (Tg 3:2). Pelo contrário, trata-se de ter um coração sincero que julga a si mesmo constantemente. - Fé não fingida é a confiança inabalável na bondade de Deus.
Podemos ver nisso que a finalidade do encargo não era apenas produzir ortodoxia2 de doutrina entre os santos, mas também conformidade moral ao caráter de Deus nos santos. A ideia de Paulo é clara: ensinar sã doutrina que promove a dispensação de Deus produz resultados práticos nos santos. Isso apoia o velho ditado de que “nossa doutrina forma nosso andar”. Boa doutrina leva a um bom andar; ensino falso e sem proveito não faz isso. Na verdade, tais ensinos errados levam a impiedade (2 Tm 2:16). Por esse mesmo motivo, “sã doutrina” é enfatizada 7 vezes nesta epístola (cap. 1:10, 4:1, 6, 13, 16, 5:17, 6:1).
Portanto, em resumo, o encargo para Timóteo era “promover a dispensação de Deus” ensinando as doutrinas da graça, com o “fim” de que os santos fossem encontrados em uma condição adequada para serem guiados em uma linha de conduta condizente com a ordem da casa de Deus.
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UM PARÊNTESE:
A Maneira Correta e a Errada de Alcançar a Conduta Moral Adequada à Casa de Deus
Vs. 6-17 – Paulo interrompe a explicação de seu encargo a Timóteo para mostrar, em um parêntese, que há uma maneira correta e uma maneira errada de produzir a conduta moral correta nos santos. Nestes versos, ele contrasta a lei e a graça, e mostra que a graça é a única maneira de produzir as condições morais desejadas mencionadas no verso 5.
Esse desvio do assunto principal foi necessário pois havia muitos que tinham a ideia equivocada de que adotando os princípios da lei em suas vidas alcançariam o fim desejado de santidade prática e maior espiritualidade. Paulo mostra que tal noção é um uso errado da lei, e o legalismo não produziria nenhum efeito verdadeiro e duradouro nos santos. Em seguida, ele chama atenção para sua própria vida para mostrar o que a graça pode fazer; ela transformou o caso mais improvável da história. A graça transformou o principal dos pecadores em um Cristão modelo cuja vida se tornou um padrão para todos aqueles que viriam a crer posteriormente.
Vs. 6-7 – Paulo diz que havia “alguns” que tinham falta (“tinham perdido”) das qualidades morais declaradas no verso 5 e “se desviaram” das doutrinas da graça que promovem a dispensação de Deus. Esses homens estavam insistindo em uma série de coisas que Paulo chama de “vãs contendas”. Esses indivíduos eram de origem judaica (mestres judaizantes) e foram para a ruína do testemunho Cristão na Igreja primitiva; muitas epístolas alertam contra esse erro de misturar lei com graça. É triste dizer, mas, princípios judaicos ainda estão muito enraizados em muitos círculos Cristãos atualmente.
Esses mestres judaizantes pensavam ser “mestres da lei”, mas eles não “entendiam” o que estavam ensinando. Eles estavam afirmando “ousadamente” (ARA) que os Cristãos precisavam guardar a lei. Esses homens estavam ensinando a partir da lei de Moisés do Velho Testamento, mas eles a estavam aplicando de forma totalmente errada. Isso mostra que é possível usar palavras e frases das Escrituras no ensino bíblico, mas não conhecer o correto significado e aplicação delas. Sejamos cuidadosos, portanto, como alguém que “maneja bem [cortando numa linha reta – JND] a palavra da verdade” quando estivermos expondo as Escrituras (2 Tm 2:15).
V. 8 – Paulo continua mostrando que “a lei é boa” se for devidamente utilizada. Ele classificou corretamente o produto da imaginação humana como meras fabulas (v. 4), mas ele não podia dizer isso com respeito à lei. Era a lei de Deus e era algo “santo, justo e bom” (Rm 7:12). Ela pode ser usada pelo Cristão para condenar o mal e mostrar que o julgamento de Deus é contra aqueles que praticaram o mal. Assim, ela é uma ferramenta útil para mostrar a uma pessoa que ela é pecadora. Mas, Paulo diz, “a lei não é feita para o justo [não tem aplicação sobre o justo – JND]” – isto é, uma pessoa a quem Deus declarou justa por meio de sua fé no evangelho (Rm 3:22; 4:5). Nas Escrituras, um Cristão é visto como tendo morrido para a lei (Rm 7:4-6). Visto que a lei não tem nada a dizer a um homem morto, ela não tem nenhum direito sobre nenhum dos crentes (Rm 6:14). Os mestres legalistas em Éfeso claramente não sabiam disso e estavam tentando impor as obrigações da lei aos Cristãos, e assim, estavam fazendo da lei mosaica a regra ou padrão para a vida Cristã. Mas a lei não é o padrão Cristão – Cristo é o padrão. A regra para a vida Cristã é a vida de Cristo, que é mais alta no seu caráter moral do que os mandamentos da lei de Moisés. Ao cumprir “a lei de Cristo”, que é imitá-Lo em nosso andar e maneiras (Gl 6:2), vamos muito além das “exigências justas da lei” (Rm 8:4 – TB; Rm 14:8-10).
Enquanto que “a lei é boa, se alguém dela usa legitimamente (adequadamente)”, ela também pode ser usada indevidamente; e se for usada erroneamente, ela resultará em prejuízo entre os santos – como mostra a epístola de Paulo aos Gálatas. A lei não foi feita para dar santidade a alguém; ela exigia isso da pessoa, mas não tinha o poder para produzir isso na pessoa. Insistir no princípio da guarda da lei para a vida Cristã é entender mal o verdadeiro significado e utilização correta da lei.
A Lei Condena Pecadores
Vs. 9-11 – A utilização correta da lei é explicada na próxima sequência de versos. Seu grande propósito não é (e nunca foi) fazer os homens andarem de maneira justa, mas mostrar que o julgamento de Deus é contra todo mau princípio no homem. Ela é uma espada para a consciência, dando aos homens o conhecimento de que eles pecaram (Rm 3:20), mas ela não tem nenhum poder para produzir o bem no homem (Rm 3:19; Gl 3:19).
Paulo ilustra essa questão ao listar uma série de infratores cujas vidas a lei mosaica condena. Nove dos dez mandamentos são aqui abordados. “Transgressores e insubordinados … irreverentes e pecadores … ímpios e profanos” (AIBB) se referem àqueles que violam a primeira tábua de mandamentos de um modo geral. A primeira tábua (os primeiros quatro mandamentos) está relacionada à responsabilidade do homem para com Deus. “Irreverentes” diz respeito a viver independente de Deus. “Ímpios e profanos” tem a ver com a corrupção em coisas santas relacionadas a Deus.
O restante da lista se refere à segunda tábua da lei; que tem a ver com a responsabilidade do homem para com o seu próximo.
- “Os parricidas e os matricidas” (ARA). Isso viola o 5º mandamento: “Honra a teu pai e a tua mãe” (Êx 20:12). - “Homicidas”. Isso viola o 6º mandamento: “Não matarás” (Êx 20:13). - “Devassos” e “sodomitas”. Isso viola o 7º mandamento: “Não cometerás adultério” (Êx 20:14). - “Roubadores de homens”. Isso viola o 8º mandamento: “Não furtarás” (Êx 20:15). - “Mentirosos” e “perjuros”. Isso viola o 9º mandamento: “Não dirás falso testemunho” (Êx 20:16).
A frase, “e para o que for contrário à sã doutrina”, resume todos os mandamentos, e de certa forma, inclui o décimo mandamento – “Não cobiçarás”. Os outros mandamentos referem-se aos atos, esse tem a ver com uma inclinação do coração. Paulo parece ter entendido sua quebra do décimo mandamento algum tempo depois de sua conversão (Rm 7:7-9). Muitos expositores acreditam que ele aprendeu isso quando foi para a Arábia e passou pelos exercícios de Romanos 7:7-25, e assim, encontrou libertação prática da natureza pecadora que habitava nele.
Paulo acrescenta que esse uso correto da lei é “segundo o evangelho da glória do Deus bendito” (ARA) que ele pregou. Isso mostra que a lei está em total acordo com o evangelho, na medida em que ambos preservam a santidade de Deus. No entanto, o padrão de santidade proclamado no evangelho é bem mais elevado do que aquele que é declarado na lei, porque o evangelho da glória de Deus centra-se em torno de Cristo glorificado. Deste modo, ao anunciar o evangelho, Paulo diz, “Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus” (Rm 3:23). Ele não diz, “Porque todos pecaram e foram destituídos da lei”.
Ao falar do “evangelho da glória de Deus”, Paulo está se referindo ao caráter mais elevado e pleno do evangelho pregado na era Cristã. Em outra parte, ele disse que pregou o “evangelho da graça de Deus” (At 20:24). Esses não são dois evangelhos diferentes, mas dois aspectos do mesmo evangelho. O evangelho da graça de Deus declara que Deus desceu na Pessoa de Cristo, Quem consumou a redenção para toda a humanidade. O evangelho da glória de Deus declara que Deus ressuscitou a Cristo dentre os mortos e assentou-O à Sua direita em glória. Esse segundo aspecto da mensagem revela o fato de que há um Homem glorificado à destra de Deus e de que o crente tem lá uma posição de aceitação n’Ele. Os outros apóstolos pregaram o evangelho da graça de Deus; Paulo também o pregou, mas ele tinha uma comissão especial de pregar o evangelho da glória de Deus, e, portanto, ele o chama de “meu evangelho” (Rm 2:16, etc.).
Afirmar que Deus é “o Deus bendito” condiz com o encargo do apóstolo nessa epístola. Bendito significa feliz. O caráter de Deus como um Deus feliz que deseja a bênção de Suas criaturas está de acordo com “o testemunho” que deve ser “dado” nesse “tempo oportuno” – o dia da graça (cap. 2:6). O conceito de um “Deus bendito” é exatamente o oposto às ideias que os pagãos têm de Deus. Eles criam seus ídolos e imagens de acordo com suas ideias sobre Deus, e invariavelmente eles O retratam como sendo triste ou furioso. O evangelho, por outro lado, apresenta Deus como Ele realmente é – um Deus feliz que deseja a bênção de Suas criaturas.
A Graça Converte e Transforma Pecadores
Vs. 12-17 – Em contraste com a lei que condena pecadores, a graça converte pecadores! Paulo chama atenção para sua própria conversão como um exemplo extraordinário do poder da graça. Ela o converteu; isso é algo que a lei não podia fazer. Os preceitos da lei são inflexíveis e só podem condenar uma pessoa à morte quando seus preceitos não são cumpridos. Mas a grandeza do “evangelho da glória” fez com que Paulo (então Saulo de Tarso) visse a si mesmo de uma perspectiva que ele nunca tinha visto antes – como um pecador que tinha ficado aquém dessa grande glória (At 9:3-6). Até esse dia, ele realmente pensava que tinha guardado a lei (At 23:1), mas quando a glória de Deus brilhou em sua alma, ele fez duas grandes descobertas: primeiro, que ele era um “blasfemo, e perseguidor, e opressor [um homem prepotente e insolente – JND]”. (Ser um “blasfemo” significa que ele quebrou a primeira tábua da lei; ser um “perseguidor e opressor” significa que ele também quebrou a segunda tábua – Tg 2:10). A segunda grande descoberta que ele fez foi que Cristo é o Salvador dos pecadores.
O evangelho o iluminou; lhe permitiu ver a si mesmo como um pecador e ver a Cristo como o Salvador. O evangelho fez com que Paulo visse a si mesmo como Deus o via, e isso o fez se voltar àqu’Ele a Quem ele tinha rejeitado, confessando-O como “Senhor” (At 9:5). Agora havia duas coisas divinas que operaram em sua alma: “misericórdia” (v. 13) e “graça” (v. 14); essas são duas coisas que a lei não pode oferecer às pessoas que entenderam que pecaram contra Deus. Veja Hebreus 10:28.
V. 15 – A conclusão da questão é que a “palavra fiel” que engrandece a misericórdia e a graça de Deus no evangelho é “digna de toda a aceitação”. Ou seja, é digna de ser aceita por todos os homens. Se Deus pode salvar “o principal dos pecadores” por meio de Sua misericórdia e graça, Ele pode salvar qualquer um que aceite a mensagem do evangelho pela fé!
V. 16 – Paulo menciona um outro motivo pelo qual ele “alcançou misericórdia” – sua conversão devia ser um modelo (“padrão”) para “os que haviam de crer n’Ele para a vida eterna”. A misericórdia e graça de Deus não apenas salvaram Saulo de Tarso do inferno, mas o transformaram em um Cristão modelo! Pelo poder de Deus, o principal dos pecadores se tornou o principal dos santos. Isso foi conseguido pela graça – não pela lei. A boa notícia é que essa mesma graça pode transformar todos os que creem no glorioso evangelho. Já que a vida Cristã de Paulo é um padrão para nós, não é errado buscar pela graça imitar sua vida de fé e devoção, sacrifício próprio, etc. (Ef 5:1; Fp 3:17).
V. 17 – Paulo relembra a misericórdia e graça sublimes de Deus para com ele, dando início a uma doxologia3 de louvor “Ao Rei dos séculos, o incorruptível, invisível e único Deus” (JND). Deus é o Rei dos séculos: Ele é “incorruptível” quanto a Sua natureza divina e “invisível” quanto aos Seus caminhos insondáveis. Se Timóteo tivesse essa Pessoa excelente diante de si, não lhe faltaria devoção ou energia ao executar o encargo apostólico de Paulo.
Assim, esse desvio do assunto principal entre parênteses nos ensinam que a condição necessária nos santos, para que andem de acordo com a devida ordem na casa de Deus, não pode ser alcançada pela observância da lei, mas por um sentimento de graça trabalhando no coração.
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A Retomada do Encargo
Vs. 18-21 – Paulo encerra seu parêntese para retomar o encargo começado nos versos 3-5. Aqui ele acrescenta algo mais ao que ele já tinha dito a Timóteo – ele lembra-lhe de que Deus o havia escolhido para essa obra. Havia “profecias” que tinham ocorrido anteriormente em relação ao dom de Timóteo e sua utilidade no serviço ao Senhor. Irmãos profetizaram sob o poder do Espírito Santo que Deus usaria Timóteo em Seu serviço. Os anciãos também reconheceram isso e deram a ele as destras de comunhão (cap. 4:14). Isso é apresentado aqui porque Timóteo pode ter levantado dúvidas quanto a sua aptidão para essa obra. No entanto, sabendo que Deus havia falado a seu respeito por meio do Espírito e que os anciãos haviam concordado com isso, ele podia ter a certeza de que Deus forneceria a graça para cumprir sua comissão.
Conservando a Fé e a Boa Consciência
V. 19 – Mas havia algo mais; se Timóteo ia guiar os santos em uma linha de conduta adequada para a casa de Deus, ele precisava prestar atenção à condição de sua própria alma “conservando a fé e a boa consciência”. O estado moral que Timóteo tinha que trabalhar junto aos santos também deveria ser encontrado nele próprio. Talvez o motivo pelo qual Paulo não menciona “caridade [amor]” aqui, como ele faz no verso 5, é porque era óbvio que Timóteo amava e cuidava dos santos profundamente (Fp 2:20).
Em primeiro lugar, Timóteo precisava estar “conservando a fé”. Essa é uma referência à energia interna de confiança da alma em Deus – a fé pessoal de Timóteo. Ela precisava ser mantida radiante e simples, não para que ele pudesse preservar a salvação de sua alma – que estava eternamente assegurada – mas para se proteger contra as dúvidas que o inimigo colocaria em seu coração e que perturbariam sua confiança em Deus. Não deveria ser uma surpresa para nós saber que Satanás está tentando destruir a fé do Cristão – especialmente daqueles que estão empenhados no serviço ao Senhor. Ele usa frequentemente circunstâncias difíceis da vida para gerar dúvidas em nosso coração sobre se Deus realmente Se importa conosco e se está provendo para nós. Quando surgirem dúvidas como essa – e elas certamente surgirão – precisaremos erguer “o escudo da fé” e “apagar” esses “dardos inflamados” (Ef 6:16) lembrando de que “todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8:28). O primeiro sinal de que a fé de uma pessoa está balançando sob a pressão do inimigo é que ela se torna desanimada no caminho; que possamos estar vigilantes (1 Pe 5:8).
Em segundo lugar, Timóteo precisava conservar “uma boa consciência”. Isso não é mantido por meio de nunca pecarmos, o que seria impossível, porque “todos tropeçamos”, às vezes, de uma forma ou de outra (Tg 3:2). Uma boa consciência é conservada ao julgarmos a nós mesmos regularmente. Julgamento próprio diário, mesmo nas menores coisas, é essencial para ser guardado de ficar à deriva em direção às rochas e sofrer um naufrágio espiritual. É a confissão de pecado simples e sincera, combinada com o verdadeiro arrependimento, que leva a alma de volta à comunhão com Deus (1 Jo 1:9). Resolver rapidamente com Deus (não esperando um momento mais conveniente para confessar um pecado a Ele) é um exercício necessário para manter uma condição correta de alma.
Uma “boa” consciência é diferente de uma consciência “purificada” (Hb 9:9, 14, 10:1-2, 12-14). A primeira diz respeito a nossa condição e a segunda a nossa posição diante de Deus. Quando uma pessoa entende a obra consumada de Cristo e descansa nela com fé nisso, o Espírito de Deus vem habitar na pessoa e lhe dá uma consciência purificada em relação à pena eterna dos seus pecados. Mas um crente com uma consciência purificada pode perder a boa consciência ao permitir o pecado em sua vida. Ele não perde sua salvação, mas sua comunhão será interrompida, e assim, confissão e arrependimento serão necessários para recuperá-la.
Quando uma pessoa rejeita uma boa consciência ao recusar julgar a si mesma, como Paulo diz que alguns estavam fazendo, ela sofrerá um “naufrágio no tocante à fé” (AIBB). J. N. Darby observa que o segundo uso da palavra “fé” no verso 19, se refere à doutrina do Cristianismo – a revelação da verdade que uma vez foi entregue aos santos (Jd 3). Em geral, quando o artigo “a” está no texto antes da palavra “fé”, o termo está se referindo à revelação Cristã da verdade. Quando o artigo não está presente, refere-se à segurança e confiança pessoal em Deus. Portanto, sofrer um naufrágio no que se refere “à fé” significa que uma pessoa se desviou do trajeto acerca da verdade. Pode ser algo pequeno no início, mas com o passar do tempo, o ângulo do desvio se torna mais evidente. A verdade não naufraga; é aquilo que a pessoa sustenta quanto à doutrina que se torna deficiente. Visto que más doutrinas raramente andam sozinhas, sua teologia reunirá um número cada vez maior de elementos errados com o passar do tempo.
Para um Cristão, pecar é algo muito sério, mas o que é pior é a relutância em julgar tal ato. É isso que leva uma pessoa a ir por um caminho que leva ao naufrágio. Começa-se permitindo que algum pecado, ainda que pequeno, permaneça sem ser julgado. Como consequência, ele perde uma boa consciência e torna-se inquieto por estar sendo constantemente atormentado por isso. Quase sempre, ele irá alterar sua doutrina para acomodar e justificar seu trajeto – mas isso será para sua própria destruição espiritual, na medida em que seu testemunho pessoal em relação à verdade está em questão.
V. 20 – Dois homens (“Himeneu e Alexandre”) são mencionados como um exemplo de crentes que sofreram um naufrágio no seu testemunho Cristão. Eles servem como um alerta a todos que não são cuidadosos em conservar “fé e boa consciência”. Esses homens vieram sob o julgamento do apóstolo e foram por ele “entregues a Satanás, para que aprendam [sejam ensinados por disciplina – JND] a não blasfemar”. Eles se desviaram de tal maneira do trajeto que chegaram a ter a audácia de ensinar coisas depreciativas sobre as Pessoas da Divindade – que é o que significa blasfêmia. Eles foram postos fora da comunhão (excomungados) pelo apóstolo e deixados no mundo exterior onde Satanás poderia lidar com eles.
Também vemos nisso que há um aspecto de salvação prática do inimigo de nossas almas ao estarmos dentro da assembleia. Esses homens foram postos fora dela, e assim perderam sua proteção. J. N. Darby disse: “Na assembleia (quando está em sua condição normal) Satanás não tem nenhum poder esse tipo. Ela está guardada dele, por ser o lugar de habitação do Espírito Santo, e protegida por Deus e pelo poder de Cristo. Satanás pode nos tentar individualmente, mas ele não tem nenhum poder sobre as pessoas enquanto membros da assembleia. Eles estão dentro, e, por mais fracos que possam estar, Satanás não pode entrar nela. Eles podem ser entregues a ele para o seu próprio bem. Isso pode acontecer a qualquer momento. Dentro da assembleia está o Espírito Santo; Deus habita nela como Sua casa por meio do Espírito. Do lado de fora está o mundo do qual Satanás é o príncipe. O apóstolo (pelo poder conferido a ele, pois trata-se de um ato de poder positivo) entregou esses dois homens ao poder do inimigo – privando-os da proteção que eles desfrutavam)” (Synopsis of the Books of the Bible – JND_,_ sobre o capítulo 1:21).
Se pudermos tirar algo do significado dos nomes desses dois homens como uma indicação de seu caráter, teríamos um aviso sério. “Himeneu” significa “música de casamento”. Isso indica que ele tinha um aspecto adorável no seu jeito de ser. Embora todos devamos buscar ser semelhantes a Cristo em nosso caráter, se isso não for verdadeiro, poderá enganar. Há um perigo de se tornar fascinado por pessoas que falam de um jeito amável e que têm um bom comportamento. Podemos ser pegos desprevenidos por isso. Talvez esse homem possa se apresentar muito bem, mas ele sustenta doutrinas blasfemas! Devemos ficar atentos com esse tipo de pessoa. “Alexandre” (É provavelmente a mesma pessoa mencionada em 2 Timóteo 4:14-15) significa “defensor do homem”. Esse homem estava em oposição direta ao ministério de Paulo, que não dá nenhum lugar ao primeiro homem nas coisas de Deus. Seu nome sugere que ele resistiu e se opôs a essa linha de verdade e procurou dar um lugar ao homem na carne na Igreja de Deus.
Em resumo, Paulo enfatizou duas coisas que são essenciais para manter uma boa condição de alma no serviço ao Senhor:
- “Fé” que introduz Deus. - “Uma boa consciência” que julga a si mesmo e afasta o pecado.
Sem essas duas coisas, Timóteo não seria capaz de combater “o bom combate” (ARA). Ele seria incapaz de permanecer diante do inimigo no combate da fé – tão pouco nós também.
Assim, o “encargo” apostólico que Paulo deu a Timóteo não era o de sair e fazer uma exibição de milagres, ou fazer algo que chamasse atenção para si mesmo; era apenas a de guiar os santos em uma linha de conduta condizente com a ordem da casa de Deus. Isso era para ser feito ensinando as doutrinas da graça que promovem a atual dispensação de Deus no Cristianismo, a fim de que os santos sejam encontrados em uma condição adequada para andarem de acordo com a devida ordem na casa de Deus. Timóteo, então, tinha que apresentar o padrão na casa para que eles o seguissem; isso é ensinado nos capítulos seguintes da epístola.
A ORDEM DA CASA
Capítulos 2-6
Para que Timóteo apresentasse a ordem da casa aos santos, ele próprio precisava ter um bom entendimento disso e Paulo escreveu essa epístola com essa finalidade. Ele disse: “Escrevo-te estas coisas, esperando ir ver-te bem depressa; Mas, se tardar, para que saibas como convém andar na casa de Deus” (cap. 3:14-15). Dessa forma, nos capítulos 2-6, Paulo apresenta a Timóteo a ordem da casa e a conduta adequada para cada umas das suas esferas. Há três esferas de privilégio e responsabilidade na casa de Deus – sacerdócio, ofício e dom e são abordadas uma de cada vez, e a devida ordem para cada uma é cuidadosamente descrita. Timóteo deveria então usar esse padrão como seu guia ao orientar os santos em uma linha de conduta que fosse adequada para a casa.
De modo semelhante, foi dado a Ezequiel o padrão da casa de Deus para o futuro reino milenar de Cristo. Ele deveria “mostrar” o “padrão” da casa à “casa de Israel”, a fim de que eles se envergonhassem “das suas iniquidades” (Ez 43:10). Ao descobrir qual era a ordem de Deus para Sua casa, o povo de Israel devia saber quão longe eles tinham ficado do ideal de Deus, e isso iria produzir arrependimento neles. O Senhor não apenas queria que Ezequiel “mostrasse” ao povo o padrão da casa; ele também queria que o povo a “medisse” por eles mesmos. Medição indica ter algo mais do que um entendimento intelectual da verdade da casa de Deus. Seria algo mais profundo, envolvendo uma familiarização pessoal com essa verdade. Esse é um exercício que todos precisamos ter em relação à casa de Deus atualmente.
Como aconteceu na época de Ezequiel, se soubermos a ordem adequada da casa espiritual de Deus como apresentada na Escritura, ficaremos bastante espantados em como as coisas na Cristandade se desviaram para longe da ordem de Deus. Isso deve levar cada pessoa exercitada a se afastar de todas as associações Cristãs não escriturais que não carreguem as marcas da devida ordem da casa de Deus (2 Tm 2:19-22).
SACERDÓCIO NA CASA DE DEUS
Capítulo 2
Paulo começa com a mais alta esfera de privilégio na casa de Deus – o sacerdócio. Atuar como um sacerdote na presença imediata de Deus é de fato o maior privilégio que podemos ter em Sua casa. Acertadamente, Paulo se ocupa desta esfera primeiro.
Sacerdócio tem a ver com se aproximar de Deus em oração, bem como em ação de graças e louvor. A palavra “sacerdote” significa, “aquele que oferece”. Ao contrário do sistema mosaico de aproximação a Deus (o judaísmo), onde uma determinada família era designada como sacerdotes junto ao povo e tinha os direitos de exclusividade para o sacerdócio, a Bíblia ensina que no Cristianismo todos os crentes são sacerdotes. A primeira epístola de Pedro 2:5 diz, “Vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis [aceitáveis – TB] a Deus por Jesus Cristo”. “Vós” neste versículo refere-se a todo o conjunto de Cristãos. E Hebreus 10:19-22 encoraja os Cristãos como um todo a se aproximarem de Deus entrando “no santuário” (a imediata presença de Deus) para oferecer seus sacrifícios espirituais a Ele. Isso é algo que apenas sacerdotes podem fazer. É dito, “Tendo, pois, irmãos, ousadia para entrar no santuário [Santo dos Santos – ARA], pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que Ele nos consagrou, pelo véu, isto é, pela sua carne, e tendo um grande Sacerdote sobre a casa de Deus, cheguemo-nos com verdadeiro coração, em inteira certeza de fé, tendo os corações purificados da má consciência, e o corpo lavado com água limpa”. Novamente, o “nós” e o “nosso” nesses versos se referem aos Cristãos em geral. Assim, todos os Cristãos são exortados a “se achegarem” a Deus e atuarem como sacerdotes porque eles são sacerdotes. E, novamente, em Apocalipse 1:5-6, todos aqueles que o sangue de Cristo lavou – ou seja, todos os Cristãos – são chamados de “sacerdotes para Deus e Seu Pai”. Portanto, atualmente todos os Cristãos são sacerdotes no Cristianismo.
Há duas maneiras pelas quais nos aproximamos de Deus como sacerdotes: suplicar a Ele em oração e oferecer a Ele louvor. O foco nesse capítulo é mais na primeira maneira do que na segunda.
As Orações dos Sacerdotes
Vs. 1-7 – Deus quer que Sua casa seja caracterizada pela oração, sempre foi assim. Nos tempos em que era feita de pedras e madeira, ela era chamada, “casa de oração para todos os povos” (Is 56:7; Mc 11:17), e ainda deve ser assim hoje. O grande ponto que Paulo faz nesse capítulo é que as petições devem subir a Deus, de Sua casa, com objetivo do presente apoio e avanço da grande causa de Deus nesse mundo hoje. É o desejo d’Ele que Seu caráter como o Deus-Salvador e Deus-Criador seja manifestado neste mundo. Portanto, devemos orar nesse sentido.
Quatro tipos de petições são mencionados: “súplicas”, que são rogos fervorosos que decorrem de necessidades especiais; “orações”, que são expressões genéricas de dependência e necessidade; “intercessões”, que são pedidos a favor de outros que estejam em necessidades; “ações de graça”, que são as expressões de gratidão a Deus pelo Seu amor, bondade e cuidado. Estas várias orações e petições devem ser feitas no que diz respeito a duas áreas principais de preocupação:
- Aqueles de dentro da casa (v. 2). - Aqueles de fora da casa (vs. 3-7).
Essas preocupações têm a ver com o duplo testemunho Cristão no mundo. O primeiro está conectado com o testemunho que vivemos diante de “todos os homens” (v. 1), e o segundo está conectado com o testemunho que falamos para “todos os homens” (v. 4).
Oração por Aqueles na Casa
Vs. 1-2 – Em primeiro lugar, orações devem ser feitas “em favor de todos os homens, em favor dos reis e de todos os que se acham investidos de autoridade” (ARA) para que eles permitam que aqueles na casa de Deus vivam uma vida “quieta e sossegada, em toda a piedade e honestidade” nesse mundo. “Piedade” é em relação a Deus e “honestidade” é em relação aos nossos semelhantes. Essa foi uma verdadeira preocupação para os crentes na época em que Paulo escreveu isso, porque muitos dos imperadores romanos foram terrivelmente hostis para com o Cristianismo e isso resultou em muitas perseguições contra os Cristãos.
Alguns ensinam que esses versos estão dizendo que deveríamos orar para que Deus ajudasse os políticos e os governantes do mundo com suas responsabilidades diárias em seus cargos governamentais. No entanto, este versículo não está falando disso. Tais ideias levaram Cristãos a pensarem equivocadamente que eles deveriam tentar ajudar aqueles que estão no governo, porque Deus nos disse para orar nesse sentido. Isso resultou em Cristãos se envolvendo em causas e assuntos políticos. Oração aqui tem a ver com Deus Se sobrepondo providencialmente aos líderes no governo a fim de que os Cristãos tenham permissão para viverem da forma como Deus gostaria que estivessem, sem ser molestados e, assim, agirem como Seus vasos de testemunho nesse mundo.
Orar para que sejamos capazes de viver “uma vida quieta e sossegada, em toda a piedade e honestidade” indica que a vida Cristã não deve ser caracterizada por ocupar posições de grande destaque neste mundo (Jr 45:5). Nem deveríamos reivindicar nossos direitos como se fôssemos cidadãos desse mundo. Nossa “comunidade tem sua existência nos céus” (Fp 3:20 – JND) e não devemos nos envolver em discussões mundanas e lutas políticas na Terra. Como peregrinos, estamos de passagem por este mundo; estamos “nele”, mas não somos “dele” (1 Pe 2:11; Jo 17:15-16). Deixamos essas questões para o homem do mundo: devemos “deixar o caco se esforçar com os cacos da Terra” (Is 45:9 – JND).
Convém salientar que Paulo não menciona orações de maldição sendo invocadas contra os governantes que perseguem Cristãos, embora eles estivessem passando por isso naquela época. Ser vingativo de qualquer forma daria um testemunho inapropriado do verdadeiro caráter de Deus perante o mundo.
Oração por Aqueles de Fora da Casa
Vs. 3-7 – A casa de Deus não deveria ser apenas um lugar onde orações subissem a Deus em favor de todos na casa, mas também deveria ser um lugar no qual um testemunho de Sua graça fluísse em direção a todos os homens. Por isso, orações devem ser feitas pelo avanço do testemunho do evangelho aos que estão fora da casa; tais orações são algo “bom e aceitável diante de Deus, nosso Salvador” (ARA).
V. 4 – A disposição de Deus para com os homens deve ser conhecida por meio de Sua casa. Seu desejo é duplo – “que todos os homens sejam salvos” (ARA) e que todos os que são salvos “venham ao conhecimento da verdade” (Jo 3:17; 2 Pe 3:9; Ez 33:11, etc.). Essas duas coisas devem ser conhecidas por aquilo que os homens veem nos Cristãos, e por aquilo que ouvem dos Cristãos. Isso significa que todos devemos estar envolvidos no avanço do testemunho do evangelho de uma forma ou de outra. Ao acrescentar, “e venham ao conhecimento da verdade” aprendemos que Deus quer que sejamos inteligentes depositários da verdade, para que possamos ser usados na disseminação dela.
Vs. 5-6 – O testemunho a ser dado é que “Deus é um, e o Mediador de Deus e dos homens um, o Homem Cristo Jesus” (JND). O coração dos homens sempre ansiou por um mediador ou um intermediário (Jó 9:32-33); o testemunho do evangelho é que Deus providenciou tal Mediador em Seu próprio Filho. Para que alguém seja um mediador aceitável entre Deus e o homem, ele deve ser tanto Deus quanto Homem, ou seja, Cristo. Ser o Mediador nomeado por Deus chama atenção para o fato da deidade e da humanidade de Cristo. O fato de que há “um só” mediador indica que os homens não são capazes de irem a Deus para salvação de qualquer outra maneira que não seja por meio d’Ele. Alguns nos dirão que devemos ir por meio de Maria, ou pelos assim chamados santos venerados de antigamente, ou pelo clero, mas o evangelho declara que os homens devem ir a Deus por meio de Cristo, e por Ele somente (Hb 7:25).
O evangelho afirma que há “um só Deus”. Esta é a essência da mensagem do Velho Testamento quanto à Pessoa de Deus (Dt 6:4). O Cristianismo não nega esta verdade, mas acrescenta que, desde que a redenção foi realizada, existe agora “um Mediador” (Hb 8:6). Como notado no capítulo 1:1, o uso do termo “Cristo Jesus” indica que o Mediador é um Homem glorificado à destra de Deus, que realizou a redenção. Não é o Cristo que veio à Terra como um Homem que é o Mediador. Sua vida, perfeita como foi, não podia levar o homem a Deus. É a Sua morte, ressurreição, e ascensão em glória que leva os crentes em favor e bênção diante de Deus (Rm 4:25-5:1). Essa é a verdade que deve ser anunciada no evangelho.
“O Qual Se deu a Si mesmo” indica o sacrifício voluntário de Cristo (Jo 10:17). Isto é mencionado pelo menos seis vezes nas Escrituras (Mt 20:28; Gl 2:20; Ef 5:2, 25; 1 Tm 2:6; Tt 2:14). Sua obra consumada na cruz foi “em resgate por todos” (ARA). Isso indica que um preço foi pago para fazer propiciação “pelo mundo todo” (1 Jo 2:2 – JND, 4:10; Rm 3:25; Hb 2:17). Esse aspecto da obra de Cristo na cruz tornou a salvação acessível ao mundo todo; isso não significa que o mundo todo está (ou será) salvo. Propiciação é o lado de Deus da obra de Cristo, que satisfez as reivindicações da justiça divina em relação a toda contaminação do pecado na criação. O resultado de a propiciação ter sido realizada é que agora Deus pode chamar o mundo todo para vir a Cristo, o Mediador, para ser salvo.
A morte de Cristo na cruz sendo “em resgate de muitos**”**, uma expressão encontrada em Mateus 20:28, enfatiza a _substituição_. Este é o outro lado da obra de Cristo na expiação. Propiciação é o que é anunciado aos perdidos no evangelho; substituição é aquilo que deve ser ensinado aos crentes, onde eles aprendem que Cristo tomou o lugar deles em julgamento (1 Pe 3:18 – **“o Justo pelos injustos”**). Isso produz devoção de coração a Cristo. Assim, propiciação é **“para todos”**, mas substituição é **“para muitos”** (Is 53:12; Mt 20:28; Rm 5:19; Hb 9:28), porque nem todos crerão (2 Ts 3:2). Substituição não é o assunto aqui; Paulo se concentra no testemunho do evangelho a todos os homens.
Esses fatos do evangelho são um “testemunho que se deve dar em seus tempos” (TB) – no Dia da Graça. Deve ser notado aqui que não há menção desse testemunho do evangelho sendo conduzido por um comitê missionário de evangelistas ou por qualquer outra organização criada pelo homem. Mencionamos isso porque muitos Cristãos têm a impressão de que a forma como devem cumprir esse chamado é se juntando a alguma organização evangelística que os equipará e os enviará ao campo missionário. E, aqueles que não se sentem “chamados” para essa obra, não precisam se preocupar com evangelismo. No entanto, “testemunho que se deve dar em seus tempos” deve ser o interesse comum de todos aqueles que compõem a casa de Deus; todos devem estar interessados e envolvidos – de uma forma ou de outra – em promover esse testemunho.
V. 7 – Paulo fala de si mesmo como sendo um vaso especial para esta obra, nomeado por Deus como “um pregador”, “um apóstolo” e “um mestre” para levar a mensagem ao mundo dos gentios.
A Conduta dos Sacerdotes
Vs. 8-15 – Na última parte do capítulo, Paulo apresenta a conduta adequada dos sacerdotes – tanto dos “homens” quanto das “mulheres”. Vemos de imediato que há uma diferença nas funções que cada um tem na casa.
A ordem moral na casa de Deus quanto a essas funções não é uma revelação Cristã; é algo que foi conhecido no mundo bem antes do Cristianismo e do judaísmo surgirem. Paulo traça isso desde a criação (v. 13); esta ordem foi instituída pelo Deus Criador. A revelação Cristã da verdade preserva essa ordem, mas ela não a estabeleceu. Desta forma, damos testemunho de Deus, não apenas como Deus Salvador, mas também como Deus Criador. Podemos ver com uma simples olhada nessa passagem que Deus quer que os homens estejam envolvidos nas ações públicas em Sua casa e que as mulheres tenham uma função de apoio com um comportamento quieto.
A verdade nesses versos é bastante contestada, rejeitada e minimizada pelos Cristãos de hoje em dia. A Igreja de modo geral não quer isso e preferiria ter uma ordem criada por ela mesma em que as funções dos homens e das mulheres fossem intercambiáveis. Como resultado, muita confusão acabou entrando na casa de Deus. No entanto, rejeitar essa ordem dada aos homens e às mulheres na casa de Deus é negar a Deus Seus direitos como Criador! E, fazer isso em Sua casa é ultrajante!
Os Homens
V. 8 – Paulo não se desculpa pelo que ele está prestes a dizer; ele expõe a ordem de Deus de forma clara e simples. Ele mostra, primeiramente, que o testemunho verbal público da casa de Deus deve ser efetuado pelos homens. Ele diz, “Quero, pois, que os homens orem em todo o lugar”. As palavras, “em todo o lugar” são muito amplas e abrangem reuniões públicas de qualquer tipo – reuniões de assembleia, etc. Paulo não proíbe as mulheres de orarem (1 Co 11:5; 1 Pe 3:7), mas ele nunca diz que elas devam orar “em todo o lugar” como os homens. Assim, concluímos a partir disso que os homens devem fazer as orações públicas na casa de Deus. Em outra parte, Paulo indica que os serviços de pregação e ensino públicos também devem ser realizados pelos homens. Em relação a essas funções públicas, Paulo diz, “falem dois ou três profetas” (1 Co 14:29). Ele não diz, “falem duas ou três profetisas”.
Fica claro a partir dessa passagem que todas as ações públicas na casa de Deus devem ser realizadas pelos homens. Em muitas igrejas denominacionais esse privilégio tem sido limitado a uma classe especial de pessoas – os assim chamados pastores ou ministros, mas não é isso que Paulo ensina aqui ou em qualquer outro lugar em suas epístolas. Ele não diz, “Quero que o clero ore”. Nem diz, “Quero que os homens com dons orem”. Ele diz simplesmente, “os homens”. Isso se refere aos homens em geral sendo os porta-vozes públicos do povo de Deus. Assim, sempre que um grupo misto de Cristãos estiver reunido para orar ou em outras circunstâncias, devem ser os homens e não as mulheres, quem devem executar essa função sacerdotal.
Três coisas devem caracterizar os homens ao exercitarem seu sacerdócio publicamente: Em primeiro lugar, eles devem fazê-lo “levantando mãos santas [piedosas – JND]” a Deus. Com base em outras referências do Novo Testamento (Gl 2:9; Hb 12:12; Tg 4:8, etc.) aprendemos que o Espírito de Deus usa “mãos” em um sentido figurado, e concluímos que ele usa esse termo do mesmo modo aqui. Assim, os homens não devem levantar suas mãos a Deus literalmente quando eles oram, mas metaforicamente. Isso nos fala de se aproximar ou chegar perto de Deus em dependência expressa. Ao especificar que suas mãos devem ser “santas”, Paulo indica que as vidas dos homens que oram publicamente devem estar de acordo com a santidade que caracteriza o Deus a Quem eles se dirigem (1 Pe 1:16). De modo semelhante, Isaías alertou os sacerdotes de sua época, “Purificai-vos, os que levais os vasos do Senhor” (Is 52:11). Nada poderia ser mais incoerente e abominável do que alguém que se ocupa dos privilégios sacerdotais publicamente cuja vida em privado está em desordem e impiedade. Tal hipocrisia é da pior espécie e não está de acordo com “o testemunho a ser dado” neste “tempo oportuno”.
Em segundo lugar, os homens devem orar “sem ira”. Isso significa que nossas orações não devem ser vingativas ou maliciosas. A oração pública não deve ser usada para fazer ataques velados a alguém. Ter maus sentimentos em relação a alguém e orar contra ele certamente não está em sintonia com o espírito da graça Cristã. Orações desta natureza manifestam um espírito implacável, que é tudo menos Cristão em seu caráter.
Em terceiro lugar, os homens devem orar sem “contenda” [interpretação – JND]”. Aqueles que lideram nas orações públicas dos santos devem orar com fé, crendo que se suas petições estão de acordo com a vontade de Deus, elas serão atendidas (1 Jo 5:14-15). Como pode alguém liderar os santos em oração quando não crê que Deus irá responder a oração?
Às vezes os homens não participam das orações públicas na assembleia porque eles sentem que não estão numa condição sacerdotal para fazê-lo. Mas desistir da função sacerdotal por causa de uma má condição de alma não é a solução. A solução é que os homens julguem a si mesmos para que estejam em uma condição correta para que o Espírito de Deus os conduza nessa função pública. Isso nos mostra que uma coisa é ser um sacerdote e outra é estar numa condição sacerdotal.
As Mulheres
Vs. 9-15 – Paulo então passa a delinear a conduta e o traje recomendáveis para as mulheres na casa de Deus. A palavra “mulheres” em toda a passagem é genérica; não se refere apenas a mulheres casadas, mas a todas as mulheres em geral. O que Paulo está prestes a colocar diante de Timóteo a respeito desse assunto é fortemente contestado e rejeitado pela maioria no mundo Cristão de hoje. A prática comum da Igreja atualmente é ter “um papel único que sirva a todos” – uma função única na casa de Deus para irmãos e irmãs. E assim, é aceito em quase todos os locais de culto Cristão que mulheres devam pregar e ensinar publicamente, como fazem os homens. Mas isso claramente é contrário à Escritura (1 Co 14:34-35; 1 Tm 2:11-12).
Vs. 9-10 – Paulo estabelece o comportamento e o traje recomendáveis para as mulheres na casa de Deus. Ele diz, “Da mesma forma, também, que as mulheres em conduta e vestuário decentes adornem-se com modéstia e discrição” (JND). Há duas coisas aqui: “conduta” e “vestuário”. Conduta tem a ver com a maneira com que as mulheres se portam, e vestuário tem a ver com suas roupas. Paulo enfatiza tanto uma coisa quanto a outra porque é perfeitamente possível obedecer a letra da Escritura em coisas externas no que diz respeito às roupas, mas em espírito estar longe do comportamento adequado. Como Deus não quer hipocrisia em Sua casa, é preciso que as mulheres “se adornem com modéstia e discrição” em sua “conduta” e em seu “vestuário”. Ao acrescentar “discrição”, Paulo mostra que tudo deve ser feito com sabedoria e discernimento. Isso é necessário por que alguns tem se ocupado em ser modestos e acabam sendo extremistas quanto às roupas ao tentar fazê-lo – ao ponto de chamarem atenção para si mesmos – o que vai contra o propósito da exortação de Paulo.
Ele cita quatro acessórios de moda que não devem ser exagerados nas “mulheres que professam ser piedosas” (ARA). O primeiro é com respeito aos penteados elaborados (“cabelo trançado”). Hamilton Smith disse que as mulheres deviam “evitar usar seus cabelos, que Deus lhes deu como glória, como se fosse uma expressão de vaidade natural do coração humano”. Os outros três artigos de moda têm a ver com joias ostensivas e roupas: “ouro”, “pérolas” e “vestuário dispendioso” (ARA). Fica claro a partir disso que as mulheres não devem chamar atenção para si mesmas com vestimentas chamativas. Tal exibição não expressaria o comportamento quieto e reservado que Deus quer que as mulheres tenham no testemunho de Sua casa.
Vs. 11-12 – Em seguida, o apóstolo fala da sujeição que deveria caracterizar o comportamento das mulheres. Ele diz, “Que a mulher aprenda em quietude, com toda a sujeição, e não permito que a mulher ensine, nem exerça autoridade sobre o homem, mas que esteja em quietude” (JND). Podemos ver a partir desses versículos que o comportamento apropriado das mulheres na casa de Deus é o de um espírito reservado e submisso. Elas não devem assumir um papel de liderança (ou de ensino). Muitos acreditam que Paulo estava se referindo às reuniões de assembleia aqui, mas o assunto da casa de Deus é mais abrangente do que a esfera da assembleia. Isso inclui a assembleia, mas não se limita a ela. (1 Co 14:34-35 é mais restrito no seu âmbito de aplicação, falando especificamente sobre a conduta das mulheres nas reuniões de assembleia). Já mencionamos que a casa de Deus não é o local de reuniões ou o salão onde os Cristãos se reúnem. Sua ordem não deve ser reconhecida somente quando os crentes estão reunidos para oração, adoração e ministério, mas em todos os momentos. Cristãos “são” a casa de Deus e, portanto, estão nela o tempo todo. (Hb 3:6; 1 Pe 2:5). Quer estejamos reunidos para oração e adoração, ou estejamos no trabalho, na escola, cumprindo os afazeres diários etc. Estamos sempre na casa de Deus e devemos nos comportar de acordo com isso em todos os momentos. Assim, uma mulher não deve assumir o papel de exercer autoridade sobre os homens de maneira nenhuma, quer seja em casa ou no local de trabalho, ou em qualquer outro lugar – incluindo, evidentemente, a assembleia. Isso não está em sintonia com o testemunho que Deus gostaria que fosse levado adiante a partir de Sua casa.
Saber que essa passagem da Escritura está se referindo a uma esfera mais ampla do que a das reuniões de assembleia nos ajuda a entender porque Paulo diz, “em quietude”, e não “em silêncio”, como foi erroneamente traduzido na KJV e nas versões em português. Caso fosse “em silêncio”, então isso significaria que as mulheres não devem falar nunca seja qual for a situação da vida – já que estamos na casa de Deus em todos os momentos! “Em quietude” significa que elas podem falar, mas não em uma posição de liderança ou de ensino na presença de homens. É significativo, no entanto, que a palavra “caladas (em silêncio)” é traduzida corretamente em 1 Coríntios 14:34-35, em conexão com mulheres querendo falar nas reuniões de assembleia. A única mulher no Novo Testamento que assumiu um papel de ensino público foi Jezabel! (Ap 2:20) Qualquer mulher que assuma esse papel atualmente está se colocando na companhia da mulher mais ultrajante encontrada na Bíblia.
As mulheres podem ensinar na casa de Deus, mas somente àquelas de seu próprio gênero (Tt 2:4-5), e às crianças (2 Tm 3:15; 2 Jo 4). Isso mostra que as irmãs têm um ministério muito valioso e útil na casa de Deus. Não devemos pensar que pelo fato de o ministério de uma mulher ser exercido em privado, na esfera doméstica, seja algo menos importante do que o exercido pelos dos homens.
Três Razões Porque as Irmãs Têm um Lugar de Sujeição na Casa de Deus
Vs. 13-14 – Paulo dá dois motivos principais pelos quais as irmãs têm um lugar de submissão no Cristianismo. (Ele acrescenta um terceiro motivo em Efésios 5:22-24). São eles:
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Criacional – “Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva” (v. 13). Deus poderia ter feito o homem e a mulher ao mesmo tempo, como Ele fez com todas as outras criaturas, mas Ele escolheu fazer Adão primeiro. Ele fez isso para indicar que era Sua intenção desde o início que o homem devia ter o lugar de liderança na criação. Os homens não tomaram ou se apoderaram desse lugar (como pensam alguns); isso foi dado a eles por Deus, como indicado em Sua ordem na criação. O fato de Deus ter feito o homem como o gênero mais forte (física e emocionalmente) confirma que foi Sua intenção desde o início que o homem devia ser o líder (1 Pe 3:7).
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Governamental – “Adão não foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão” (v. 14). Quando Eva agiu de forma independente e assumiu a liderança na família de Adão, veio a queda. Seu lugar daquele momento em diante seria o de sujeição ao seu marido. Esse foi o julgamento governamental de Deus sobre ela. Isso pode parecer um pouco severo; não obstante, o Senhor disse à mulher: “O teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará” (Gn 3:16).
“Adão não foi enganado”. Quando Adão transgrediu e tomou o fruto proibido, ele fez isso com seus olhos abertos, sabendo o que estava fazendo. Não foi assim com Eva; ela foi absolutamente enganada nesse caso. Sendo fraco por conta de sua afeição, Adão se identificou com o pecado de sua esposa, e, por conseguinte, com as consequências do pecado dela. Como figura, isso fala de Cristo, que entendeu plenamente as consequências de Se identificar com nosso pecado, mas Ele fez isso por causa de Sua afeição por nós (Rm 5:14; Ef 5:25). Aquilo que o primeiro Adão fez por meio de fraqueza e pecado, o Último Adão fez em amor e graça. Cristo amou Sua futura noiva enganada e culpada e voluntariamente Se identificou com o pecado dela, e, assim, levou o pecado dela sobre Si (sem ter Ele mesmo qualquer pecado) a fim de redimi-la. (The Synopsis of the Books of the Bible).
Eva sofreu por sua transgressão de maneira governamental, mas a mulher Cristã pode, ao dar “à luz filhos” (v. 15), encontrar a misericórdia de Deus abundar sobre o julgamento governamental que foi lançado sobre as mulheres. A condição para isso é que ela permaneça “em fé e amor e santidade com discrição” (JND). Não devemos pensar que os procedimentos governamentais de Deus na queda foram apenas em relação a mulher, o homem também está sob o julgamento governamental de Deus. Ele também deve se submeter ao julgamento de Deus na posição em que foi colocado. Desde a queda de Adão, o homem tem sido responsável por trabalhar para fornecer comida e abrigo para a sua família (Gn 3:17-19). O homem que não fizer isso é pior do que um infiel (1 Tm 5:8).
- Testemunhal – Em Efésios 5:22-24, Paulo diz, “Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor; porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a Cabeça da Igreja, sendo Ele próprio o Salvador do corpo. De sorte que, assim como a Igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos”. Desta forma, as irmãs que estão em um relacionamento matrimonial podem, pela sujeição aos seus maridos, exibir ao mundo uma pequena imagem da submissão da Igreja a Cristo. Isso deveria ser considerado um privilégio.
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Percebemos que essas coisas ensinadas por Paulo são ofensivas para a mulher moderna, mas ele não se desculpa pela verdade da ordem de Deus na casa de Deus – e nem deveríamos fazer isso. A Igreja aceitou essa ordem durante séculos; não foi até pouco tempo, quando o movimento feminista moderno influenciou as mentes das mulheres Cristãs, que isso passou a ser contestado. Isso é claramente um sinal de que estamos nos últimos dias. Os Cristãos de hoje têm tentado explicar essas coisas de várias formas, ainda que não haja a menor sombra de dúvida na passagem.
Como a Escritura claramente não apoia mulheres atuando no lugar dos homens na casa de Deus, os proponentes de tais ideias tiveram que elaborar algumas manobras extravagantes e raciocínios errôneos para escapar das afirmações claras da Escritura. Alguns concordarão que as funções específicas dos homens e das mulheres estabelecidas por Paulo devem ser observadas, mas apenas em nossos relacionamentos naturais em casa. Eles pensam que quando se trata da assembleia, essas distinções entre macho e fêmea não são aplicáveis.
Um versículo que é usado para apoiar essa ideia equivocada é: “Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gl 3:28). Esse equívoco decorre da falha em distinguir entre posição e prática. A solução para essa ideia equivocada está em entender o que o termo “em Cristo Jesus” significa. Como mencionado em nossos comentários sobre o capítulo 1:1, “Cristo Jesus” é um termo que se refere ao Senhor Jesus como Ele está agora – do outro lado da morte – acima em glória. É significativo que esse termo não é usado nos quatro evangelhos quando o Senhor estava na Terra. É dito do crente que ele está “em Cristo Jesus”. Isso significa que ele está na mesma posição de aceitação perante Deus na qual Cristo está como um Homem na glória. Demonstra a posição Cristã plena na nova criação, na qual todas as nossas exclusivas bênçãos encontram-se, e é uma consequência da habitação do Espírito Santo. Paulo usa esse termo várias vezes em suas epístolas. O ponto em Gálatas 3:28 é que todos os crentes, independentemente de sua nacionalidade, contexto social, ou sexo, são todos igualmente abençoados nesse lugar de aceitação diante de Deus no céu. É um termo posicional. No entanto, 1 Timóteo 2:11-12 e 1 Coríntios 14:34-35 se referem a uma ordem prática dessas coisas entre os Cristãos na Terra. Portanto, essas passagens estão se referindo a duas coisas diferentes; uma é diante de Deus no céu e a outra é diante dos homens na Terra.
Em resumo, Paulo estabelece a ordem moral de Deus em Sua casa, tanto para os homens quanto para as mulheres. Os homens têm a responsabilidade pelo testemunho verbal público na casa, e as mulheres devem dar sustentação a esse testemunho por meio de seu comportamento e atitude quietos. Essas são funções diferentes, mas que se complementam e Deus não quer que elas sejam homogeneizadas. As mulheres na Escritura que se recusaram a aceitar seu lugar dado por Deus conforme estabelecido na criação e assumiram a liderança em algumas coisas, introduziram confusão e ruína no meio do povo de Deus (Gn 3:6; 1 Rs 21:25; 2 Rs 11:3; Mt 13:33; Ap 2:20; 1 Co 14:33-34). Que isso sirva de alerta para nós.
OFÍCIOS NA CASA DE DEUS
Capítulo 3
No capítulo 3, Paulo passa do sacerdócio ao governo da Igreja (ofícios administrativos) na casa de Deus. Essas são duas esferas de administração completamente diferentes. E confundi-las com a esfera dos dons (tratada no capítulo 4) tem levado a todo tipo de erros – como, por exemplo, a invenção da posição de um clérigo. Portanto, é imperativo que mantenhamos essas esferas bem definidas em nossas mentes e procuremos entendê-las em seus próprios âmbitos.
Há dois ofícios na casa de Deus em relação ao governo da Igreja; um “supervisor” (“bispo” na KJV e nas em português) e um “ministro” (“diácono” na KJV e nas em português). O trabalho de um supervisor tem a ver com cuidar das vidas espirituais do rebanho de Deus localmente; o trabalho do ministro diz respeito às necessidades temporais da assembleia. Paulo não entra em detalhes sobre o trabalho deles aqui, em vez disso ele se concentra mais nas características morais exigidas em cada função; isso está em conformidade com o tema da epístola. É importante lembrar que esses são cargos locais; eles se aplicam apenas à assembleia da qual o supervisor e o diácono fazem parte (At 14:23, etc.). Um supervisor não exerce supervisão em nenhuma outra assembleia além daquela que ele faz parte.
Supervisores
A forma mais comum usada pelo Senhor para guiar uma assembleia local em suas responsabilidades administrativas é por meio daqueles que “assumem a liderança entre vós” (1 Ts 5:12-13; Hb 13:7, 17, 24; 1 Co 16:15-18; 1 Tm 5:17 – JND). A KJV e várias em português traduziram essa frase como “Aqueles que governam sobre vós”. Mas isso é um pouco equivocado. Isso pode nos fazer pensar que deveria haver uma casta especial de homens instituídos para “governar sobre” o rebanho – isto é, o clero. (Essa é uma demonstração clara de que a KJV esteve nas mãos de clérigos quando estava sendo traduzida, e eles acabaram influenciando os tradutores de alguma forma. O uso da palavra “bispo” no texto nessas versões no verso 2 é outro exemplo.)
Esses homens devem liderar “entre” o rebanho, e não dominar “sobre” o rebanho (1 Pe 5:3). Assumir “a liderança” nesta qualidade não se refere a liderar no ensino público, mas em questões administrativas da assembleia. Confundir essas duas coisas é não entender a diferença entre dom e ofício, que são duas esferas diferentes na casa de Deus. W. Kelly disse que alguns desses que “assumem a liderança” não necessariamente ensinam publicamente, mas é muito bom e útil quando podem fazê-lo (1 Tm 5:17). Espera-se que esses homens conheçam os princípios da Palavra de Deus e sejam capazes de expô-los diante da assembleia para que ela possa entender a linha de ação que Deus gostaria que fosse tomada em questões com que tivesse que confrontar (Tt 1:9).
Há três palavras usadas nas epístolas para descrever esses líderes responsáveis em uma assembleia. Todas elas se referem a uma só função.
- Primeiro – “anciãos” (Presbuteroi). Esse termo se refere àqueles de idade avançada – nos fala da maturidade e experiência necessárias para esse trabalho. No entanto, nem todos os homens de idade na assembleia necessariamente exercem a função de líderes. (1 Tm 5:1; Tt 2:1-2). - Segundo – “supervisores” (Episkopoi). Esse termo se refere ao trabalho que eles fazem – pastoreando o rebanho (At 20:28; 1 Pe 5:2), velando pelas almas (Hb 13:17) e admoestando (1 Ts 5:12). - Terceiro – eles são chamados “guias [líderes]” (Hegoumenos). Esse termo se refere à sua capacidade espiritual de liderar e guiar em questões administrativas.
Como foi mencionado, esses não são três postos diferentes na assembleia, mas três aspectos de um ofício. Isso pode ser visto na maneira como o Espírito de Deus usa esses termos de forma intercambiável. Compare Atos 20:17 com Atos 20:28 e Tito 1:5 com Tito 1:7. Percebemos que no Cristianismo tradicional um “bispo” é um alto oficial da igreja que exerce autoridade sobre muitas congregações locais nas quais há muitos anciãos e ministros. No entanto, a Bíblia não fala deles nesse sentido. A mesma palavra traduzida como “supervisores” em Atos 20:28 é traduzida como “bispo” em 1 Timóteo 3:1. Isso mostra que ambos os termos se referem à mesma coisa. Além disso, a Escritura indica que havia alguns bispos (supervisores) numa determinada assembleia (At 20:28; Fp 1:1; Tt 1:7), mas nunca fala de um bispo acima de muitos ministros e anciãos.
Esses homens não deveriam nomear a si mesmos para a função de supervisor/ancião/guia, nem deveriam ser nomeados pela assembleia – ainda que esta segunda opção seja praticada por quase todo grupo de Cristãos atualmente. Em cada caso na Escritura anciãos eram nomeados para uma assembleia (não por uma assembleia), por um apóstolo ou por alguém delegado por um apóstolo (At 14:23; Tt 1:5). E isso acontecia apenas depois de o Espírito de Deus haver trabalhado em determinados indivíduos e os haver levantado para aquela obra (At 20:28). Seria possível identificar quem eles eram pelo seu cuidado dedicado aos santos, seu conhecimento dos princípios escriturais e pelo seu bom senso.
Uma vez que não há apóstolos (ou pessoas delegadas por um apóstolo) atualmente na Terra, não pode haver nenhuma nomeação oficial de anciãos/supervisores/guias, como havia na Igreja primitiva. Isso não significa que o trabalho de supervisão não possa continuar; o Espírito de Deus continua levantando homens piedosos para exercer a supervisão em assembleias reunidas biblicamente. Esses seriam certamente aqueles a quem os apóstolos ordenariam (nomeariam) se estivessem aqui atualmente. O mais importante a ser notado é: um homem não se torna supervisor ao ser eleito para esse ofício por uma assembleia, mas sim pelo Espírito Santo levantando-o e capacitando-o para esse trabalho (At 20:28). A assembleia deveria ser capaz de reconhecer o que o Espírito está fazendo nesses homens e por meio deles. Consequentemente, os santos devem “reconhecê-los” (1 Ts 5:12), “estimá-los” (1 Ts 5:13), “honrá-los” (1 Tm 5:17), “imitar” sua fé (Hb 13:7), se “submeter” a eles (Hb 13:17) e “saudá-los” (Hb 13:24).
O motivo pelo qual a Escritura nunca diz que a assembleia deva escolher e ordenar seus anciãos é que a assembleia não tem nenhum poder de ordenação conferido a ela por Deus para ser capaz de realizar esse ato relativo aos anciãos. Somente a sabedoria de Deus é capaz disso, porque naturalmente tendemos a escolher aqueles que favorecem nossas tendências. Sabendo que existe essa tendência, caso um homem tenha o desejo de ser um supervisor, ele pode acabar se sentindo pressionado a se submeter às vontades e desejos da assembleia a fim de ser escolhido para essa obra. Além disso, caso a assembleia esteja em um nível espiritual baixo, pode acabar querendo coisas que não estão de acordo com a Palavra de Deus e os supervisores podem sentir-se tentados a comprometer certos princípios no intuito de permanecerem como supervisores. Logo, esse tipo de arranjo tende a produzir bons “homens partidários” que fazem aquilo que a assembleia quer, ao invés de homens fiéis que insistirão naquilo que a Escritura ensina e que a imporão, caso seja necessário – mesmo que isso signifique desagradar a determinados indivíduos na assembleia.
A principal finalidade do governo da Igreja é manter a santidade e a ordem na casa de Deus em cada assembleia. Os supervisores são responsáveis por assumirem a liderança e assegurarem que a assembleia seja guiada em um caminho baseado na Escritura. Isso está predominantemente relacionado com duas áreas principais de responsabilidade:
- Cuidado com o que entra na assembleia. Isso envolve princípios de recepção. - Cuidado com o que (ou quem) está na assembleia. Isso envolve pastoreio, disciplina na Igreja etc.
V. 1 – Paulo começa falando daqueles que almejariam “exercer a supervisão” na assembleia. É uma obra “boa” e necessária, e tais homens deveriam ser encorajados a isso. Alguns anos antes, Paulo tinha se dirigido aos anciãos da assembleia em Éfeso com suas preocupações e havia dado a eles um resumo da obra na qual eles deveriam estar empenhados como supervisores (At 20:28-35). Seu resumo serve como um esboço para todos aqueles que supervisionariam o rebanho de Deus em sua localidade. O resumo é o seguinte:
- Pastorear o rebanho (v. 28). - Vigiar contra dois perigos principais – lobos entrando e homens se levantando para atrair discípulos após si (vs. 29-31). - Usar os dois maiores recursos que Deus deu para essa obra – a oração e a Palavra de Deus (v. 32). - Estar envolvido em um ministério de doar (vs. 33-35).
Atos 20:17 deixa claro que já havia anciãos instituídos na assembleia em Éfeso. Mas Paulo alertou naquela ocasião que alguns dos anciãos desertariam (At 20:30) e que, portanto, essas instruções seriam muito necessárias na substituição deles. O fato de que haveria aqueles que “almejariam” essa obra naquela localidade, naquele momento, indica que haveria a necessidade de alguns prosseguirem nessa obra. No entanto, não muito tempo depois de Paulo ter falado a respeito desse ofício na casa de Deus, ele mostra que essa obra não é para todos os irmãos na assembleia. Existem determinadas qualificações morais que são requeridas na pessoa que supervisiona o rebanho. Paulo passa a dar uma lista de 15 qualificações:
V. 2 – “Irrepreensível” – Quanto ao caráter pessoal do supervisor, nenhuma acusação de erros graves pode estar imputada a ele. Ele não está envolvido em práticas duvidosas e questionáveis em sua vida. O ponto aqui é que ele deve estar acima de qualquer suspeita.
“Marido de uma mulher” – Isto mostra que esse trabalho na casa de Deus deve ser efetuado pelos homens – não pelas mulheres. Paulo não diz: “Esposa de um marido …”. Apesar de hoje em dia isso não ser popular, essa é a ordem de Deus. As mulheres na Igreja nos dias de hoje não estão apenas pregando e ensinando no púlpito, mas estão também em funções administrativas como anciãs e diaconisas. No entanto, fica claro a partir da Escritura que as mulheres não devem se envolver em assuntos administrativos da assembleia (1 Tm 2:12; At 15:6). Independente de quão capazes e sérias essas mulheres possam ser, estarem nessas funções na casa de Deus nega Sua autoridade como Deus Criador. Ele estabeleceu essa ordem moral na criação, como constatamos no capítulo 2:13 e espera que todos em Sua casa que aceitam Sua autoridade obedeçam a Sua ordem. Isso não é algo que os homens inventaram em seus esforços para ter o domínio sobre as mulheres, ou algo do tipo; essa é a ordem de Deus na casa de Deus.
Alguns acreditam que “marido de uma mulher” signifique que um supervisor só deva se casar uma vez; se sua mulher morrer, ele não pode se casar novamente. Mas o significado não é esse. O que está sendo dito é apenas que o homem não pode ser um polígamo. Naquela época, com muita frequência polígamos eram salvos; eles poderiam ser recebidos à comunhão, mas esse ofício não era para eles. Seus casamentos não correspondiam à ordem necessária na casa de Deus diante do mundo. O desígnio de Deus “desde o princípio da criação” é que o casamento fosse entre um homem e uma mulher – não entre um homem e várias mulheres (Mc 10:2-12). Deus permitiu a poligamia na época do Velho Testamento e até mesmo no período do Novo Testamento, quando uma pessoa estava envolvida em relacionamentos desse tipo antes de sua conversão, mas esse não é o desígnio de Deus para homens e mulheres. O fato de a poligamia ser permitida na Igreja, aos convertidos do paganismo e do judaísmo, não significa que um Cristão deveria aderir à poligamia.
“Temperante” (ARA) – O supervisor deveria ser conhecido por não ir aos extremos em nenhuma das questões da vida, seja na comida, bebida, lazer, hobbies etc. Ele deveria ser reconhecido pelo controle próprio e por levar uma vida equilibrada.
“Sóbrio [discreto]” – Isso significa que ele é um Cristão sério; ele não deve ser caracterizado por ser tolo ou fútil. Tal insensatez só compromete a sua influência e destrói a confiança que os santos deveriam ter nele (Ec 10:1). Ele deve se portar com dignidade, mas sem orgulho.
“Honesto” – Honestidade tem a ver com saber como agir corretamente em cada situação da vida.
“Hospitaleiro” – Sua casa está aberta aos santos. O ambiente familiar é onde o supervisor e sua esposa podem demonstrar seu amor e cuidado pelos santos de uma forma prática.
“Apto para ensinar” – Isso não significa que ele deve ter o dom público de mestre, mas que ele conhece a verdade e pode ajudar aqueles que querem aprendê-la (At 18:26) e é capaz de defender a fé quando ela estiver sendo atacada (Tt 1:9). Semelhantemente, ele deve “pastorear o rebanho” (At 20:28; 1 Pe 5:2) mas isso não significa que ele deve ter o dom de “pastor” (Ef 4:11).
V. 3 – “Não dado ao vinho” – Se alguém não consegue dominar seu próprio espírito controlando seus desejos carnais pelo vinho, como será capaz de governar adequadamente a assembleia? O supervisor que tem o cuidado da assembleia em seu coração considera seu testemunho diante dos outros e é cuidadoso para não servir de tropeço a ninguém por entregar-se ao vinho. Ele não irá se permitir ficar sob o poder desse tipo de vício para o bem do testemunho (Pv 31:4).
“Não espancador” – Ele não é uma pessoa violenta; ele não recorre à intimidação para conseguir se impor na assembleia.
“Moderado [manso – JND]” – Ele é amável, e considera os sentimentos dos santos, portanto trata-os com ternura. Logo, eles o veem como uma pessoa com quem se sentem confortáveis em compartilhar seus problemas.
“Não contencioso” – Ele é conhecido por evitar contendas, em vez de procurar por elas. Algumas pessoas estão sempre no centro das polêmicas e contendas, mas ele não é caracterizado por isso. Isso não significa que ele não confrontará certas coisas na assembleia se for necessário, mas que ele não é uma pessoa contenciosa.
“Não afeiçoado ao dinheiro” (JND) – Ele é conhecido por voluntariamente dar do seu dinheiro, em vez de tentar retê-lo. A busca pelo dinheiro pode se tornar em um deus (cap. 6:9-10), mas ele não tem esse tipo de objetivo diante de si.
Vs. 4-5 – “Que governe bem a própria casa” – Isso significa que ele demonstrou sua capacidade para essa obra na esfera menor e mais simples de seu lar. Seus filhos são “crentes” (Tt 1:6 – ARA) e andam “em sujeição com todo o respeito” (TB). Se ele conduz bem sua própria casa, ele demonstra que é capaz de “cuidar da assembleia” (JND).
V. 6 – “Não neófito” – Isso mostra que a experiência e a maturidade são necessárias nesse trabalho de supervisão; um crente novo simplesmente não tem isso ainda. Isso também se aplicaria a quem é mais velho na idade, porém novo na fé. Se, na sua vida Cristã, ele se envolver muito cedo nas questões administrativas da assembleia, pode acabar “ensoberbecendo-se” e caindo na “condenação do diabo” – que é se deixar levar por sua própria importância. É preciso ter alguma experiência nas provas do deserto da vida para descobrir o que está nos nossos corações (Rm 7:18); nunca iremos saber isso plenamente até o tribunal de Cristo. É pouco provável que uma pessoa jovem ou um novo Cristão já tenha enxergado “a chaga do seu coração” (1 Rs 8:38), e pode acabar se ocupando com sua recém-descoberta importância entre os santos, e assim vir a sofrer uma queda terrível (Pv 16:18).
Novos convertidos e crentes jovens podem exercitar seu sacerdócio na assembleia (cap. 2) e exercitar seu dom na pregação ou no ensino (cap. 4), mas eles não devem participar desse trabalho de supervisão (At 15:6). Em conformidade com isso, no livro de Atos vemos que Paulo e Barnabé costumavam não ordenar anciãos em uma assembleia recém estabelecida. Eles aguardavam até a sua segunda visita para isso, quando já teria ocorrido algum crescimento e visível estabilidade naqueles que foram salvos (At 14:21-23).
V. 7 – “Bom testemunho dos que estão de fora; para que não caia em afronta” – Por último, mas não menos importante, a vida de um supervisor deve ser coerente com aquilo que ele professa diante do mundo. Do contrário, o Cristianismo e sua mensagem de graça que busca representar serão rejeitados pelo mundo. Serão tidos como hipocrisia. O exemplo triste de Ló ilustra essa questão; sua vida era tão incoerente com a mensagem que ele tinha transmitido que “ele pareceu aos seus genros como quem estava zombando” (Gn 19:14 – TB). Eles não o levaram a sério.
Paulo acrescenta algo mais; aqueles que não tomam cuidado com seu testemunho pessoal diante do mundo correm o risco não apenas de caírem em descrédito perante o mundo, mas também de caírem na “cilada do diabo”. Isso mostra que alguém que está na posição de supervisor se torna um alvo especial do inimigo. Satanás tem um desígnio para todos esses líderes na Igreja. Se possível, ele irá montar uma armadilha para eles atraindo-os para algo questionável, tais como trazer contra eles acusações injuriosas e grande reprovação contra o Cristianismo (Ap 12:10). Além disso, se Satanás conseguir que supervisores abandonem a assembleia por algum motivo de divisão, eles provavelmente “atrairão discípulos” após si por conta de sua influência (At 20:30). Isso mostra que a posição e a obra de um supervisor na assembleia não é para ser exercida por Cristãos imaturos ou descuidados.
Não devemos pensar que as qualidades morais descritas para os supervisores se aplicam apenas a eles, e que é aceitável ao restante dos santos viver abaixo desse padrão, pelo fato de não serem supervisores. Seria errado dizer, “Eu não sou um ancião, portanto, eu não preciso me importar com essas coisas na minha vida”. Deus não tem dois padrões morais para Seu povo – um para o supervisor e outro para o restante do rebanho. Isso é visto no fato de que os anciãos devem ser “modelos do rebanho” (1 Pe 5:3 – ARA). Cabe ao rebanho imitar os anciãos nesses padrões morais porque todos os santos devem ser caracterizados por essas coisas. As instruções que Paulo dá quanto aos anciãos e diáconos são aquilo que deveria ser visto em todos, mas algo que precisa ser visto naqueles que fazem este trabalho.
Pelo fato de existirem pouquíssimos que estão à altura desses padrões para a supervisão, poderíamos pensar que esse trabalho não pode ser cumprido na Igreja atualmente. No entanto, não acreditamos que Deus deixaria as assembleias locais desprovidas deste tipo de orientação e ajuda. O que fazer? Quem está qualificado para essa obra? Acreditamos que há um princípio orientador em 1 Coríntios 16:15-18. Não há nenhum registro de anciãos sendo nomeados naquela assembleia, apesar de Paulo ter estado com eles durante 18 meses (At 18:11). Provavelmente porque havia tal mundanismo entre os coríntios que ele não viu ninguém que fosse qualificado para esse ofício. Mas no encerramento de sua primeira epístola a eles, ele lhes deu um princípio que acreditamos responder à pergunta. Ele encomendou os santos daquela assembleia a determinados irmãos entre eles que “se tem dedicado [devotado – JND]” ao cuidado do rebanho. Eles poderiam não ter as qualificações necessárias para um supervisor, mas estavam fazendo essa obra entre os santos de uma forma não oficial. Assim, havia liderança naquela assembleia em Corinto, ainda que havia grande fraqueza nela. Paulo intimou os santos a se “sujeitarem” aos tais.
Esse é um princípio útil para nossa época, quando não há apóstolos na Terra para ordenar anciãos e existem deficiências similares entre os homens nas assembleias quanto a essas qualificações morais. Se existirem aqueles que cuidam do rebanho com interesse piedoso – embora eles possam não ter suas vidas perfeitamente em ordem tal como indicado nesse capítulo – os santos ainda devem reconhecer aos tais e tê-los “em grande estima e amor, por causa da sua obra” (1 Ts 5:13).
Convém também lembrar de que em todas essas coisas nesse capítulo, Paulo não está falando da capacidade de uma pessoa para exercitar seu dom espiritual de pregação ou de ensino, etc., mas de sua capacidade para exercer um ofício no governo da Igreja. Essas são duas coisas diferentes que pertencem a duas esferas diferentes na casa de Deus. Alguns pensam que um irmão não deveria ministrar a Palavra pregando e ensinando porque sua família não está em ordem, ou porque falta-lhe algumas outras qualificações listadas nesse capítulo relacionadas aos supervisores. A ausência dessas qualidades pode impedir que as pessoas recebam o ministério de alguém, mas isso não o proíbe de pregar ou ensinar. Quando é isso o que acontece conosco, e falta alguma dessas coisas nas nossas vidas pessoais, deveríamos ir “mansamente” no ministério (Is 38:15), e falar no espírito de humildade tendo a consciência de que temos falhado (2 Sm 23:5). Não obstante, se o teor daquilo que trouxermos diante dos santos for bom e proveitoso, deve ser recebido por eles, ainda que venha de um vaso imperfeito.
Diáconos
Vs. 8-13 – A palavra “diácono” significa simplesmente “servo” e pode ser traduzida como “ministro”. Um “diácono [ministro]” é alguém que se ocupa nas questões temporais no serviço ao Senhor. Por exemplo, quando Barnabé e Paulo partiram para sua primeira viagem missionária, “tinham também a João como ministro” (At 13:5 – KJV). A palavra “ministro” nesse caso pode ser traduzida como “servo” ou “assistente”, mas se refere ao mesmo tipo de trabalho. Assim, João Marcos ajudou Barnabé e Paulo em coisas temporais no campo missionário. No caso do “diácono [ministro]” em 1 Timóteo 3, o termo está relacionado às coisas temporais que dizem respeito à assembleia local.
Atos 6:1-5 ilustra isso. Uma necessidade prática de administrar coisas temporais surgiu na assembleia em Jerusalém. Os apóstolos naquela assembleia disseram: “Não é razoável que nós deixemos a Palavra de Deus para servir as mesas”. A palavra “servir” aqui tem a mesma raiz de “diácono”. Alguns homens, portanto, foram nomeados para cuidarem da “ministração diária” (ou distribuição de recursos) e para “servirem as mesas” a fim de que os apóstolos ficassem livres para continuar sua obra de ministério da Palavra.
A Igreja, atualmente, é triste dizer, retirou do termo “ministro” o seu significado e uso encontrados na Escritura e o associou à posição de um clérigo, algo inventado pelo homem, com os títulos oficiais de “Ministro” e “Pastor”. A função e a obra de um ministro foram convertidas em uma posição de destaque de pregação e ensino na Igreja – com aquele nessa posição frequentemente tendo uma equipe de pessoas para auxiliá-lo. O que encontramos na Escritura é justamente o contrário; um ministro é um servo daqueles que pregam e ensinam! (At 13:5; Rm 16:1) Essa confusão faz parte da desordem que os homens trouxeram para dentro da casa de Deus.
Paulo não se propõe a explicar o trabalho de um “diácono [ministro]”, mas, assim como no caso do supervisor, ele se concentra nas características morais necessárias à pessoa que faria essa obra. Podemos ver imediatamente que as qualificações nesse caso não são tão elevadas quanto aquelas exigidas em um supervisor. Uma diferença significativa é que não há nenhuma menção ao diácono tendo que ser “apto para ensinar”. Ainda que a Igreja dos dias atuais tenha colocado um ministro num posto de alguém que prega e ensina, não é dito na Escritura que um ministro tenha (ou precise ter) a capacidade de ensinar a verdade! É dito que ele deve guardar “o mistério da fé”, o que demonstra que ele deve conhecer a verdade, assim como todos os santos deveriam conhecer. Mas não há nenhuma referência sobre ele ter que ser “apto para ensinar”.
Uma outra diferença significativa entre esses dois ofícios é que enquanto os supervisores não devem ser escolhidos pela assembleia para sua obra, a assembleia deve escolher seus diáconos/ministros. Novamente, isto é visto em Atos 6; os apóstolos instruíram a assembleia em Jerusalém a escolher os homens que eles pensavam ser os mais adequados para esta obra. Há sabedoria nisso: quem conheceria melhor o caráter dessas pessoas do que aqueles que caminham em comunhão com elas diariamente? Também deve ser notado que mesmo depois que a assembleia escolheu aqueles homens, ela não os ordenou, porque a assembleia (naquele tempo ou agora) não tem poderes de ordenação para fazer isso. A assembleia trouxe aqueles que escolheu até os apóstolos, e estes então os nomearam oficialmente para aquele ofício. Veja também 2 Coríntios 8:18-19; um “irmão” que era bem conhecido por sua idoneidade foi “escolhido pelas igrejas” para ajudar a manusear a coleta e levá-la até os santos pobres em Jerusalém.
Vs. 8-9 – Paulo passa a listar seis qualificações necessárias ao “diácono [ministro]”.
“Sérios” (TB) – Ele deve ser um Cristão sóbrio e sério que se porta com dignidade.
“Não de língua dobre” – Ele não é conhecido por passar adiante informações que não estão de acordo com os fatos.
“Não dado a muito vinho” – Ele deve considerar seu testemunho diante dos outros e ser cuidadoso para não servir de tropeço a outros por entregar-se ao vinho.
“Não cobiçoso de torpe ganância [não buscando lucrar de forma desonesta – JND]” – Ele não deve ser caracterizado por ter uma obsessão por ganhar dinheiro – especialmente por meios questionáveis. Isso é importante porque uma das atividades do diácono/ministro é cuidar das coletas dos santos (At 6:1-4). Se alguém é conhecido por ter uma atração exagerada pelo dinheiro, não seria sensato confiar a uma pessoa com essa fraqueza o encargo de manusear os recursos da assembleia, pois ele pode ser tentado a furtar.
“Guardando o mistério da fé em uma consciência pura” – Ele não deve ser apenas ortodoxo doutrinariamente, mas deve ser alguém que guarda “a fé” (a revelação da verdade Cristã) “em uma consciência pura”. Ter uma consciência pura em relação à verdade é ter uma convicção sincera quanto a praticá-la, porque é algo em que ele realmente acredita.
V. 10 – Paulo acrescenta, “Estes sejam primeiro provados, depois ministrem”. Diáconos [ministros] devem ser testados em uma esfera menor antes de serem encarregados de gerenciar coisas temporais na assembleia. Isso mostra que eles devem ser introduzidos progressivamente nessa obra.
“Se forem irrepreensíveis [sem acusação contra eles – JND]” – O ponto aqui é que o diácono/ministro deve ter um testemunho pessoal coerente para que ninguém possa acusá-lo legitimamente de algum mal, o que contribuiria para que o testemunho Cristão sofresse acusações injuriosas.
V. 11 – Ao contrário das instruções dadas ao supervisor, as “mulheres [esposas – KJV]” dos diáconos são mencionadas em conexão com a obra dos diáconos. Isso se deve ao fato delas poderem tem uma parte nessa obra temporal, o que não acontece com as responsabilidades administrativas de um supervisor. Essa é outra diferença entre esses dois ofícios. Uma irmã pode servir de ajuda nessa obra temporal, podemos ver isto no caso de “Febe”. Ela era uma “serva [ministra ou diaconisa]” da assembleia em Cencreia (Rm 16:1 – AIBB). Isso mostra que uma irmã pode ser uma “ministra” – mas não, obviamente, no sentido convencional da palavra usada na Cristandade para designar um clérigo. A bem da verdade, essa posição não deveria ser ocupada nem mesmo por um irmão!
Quanto às características a serem observadas nas “mulheres” que servem aos santos nessa função, quatro coisas são mencionadas.
“Sérias” (TB) – Ela deve ser uma mulher Cristã séria, que se porta de maneira digna.
“Não maldizente” – Ela evita se intrometer na vida alheia na assembleia – especialmente quando se trata de informações possivelmente falsas.
“Sóbria [temperante – AIBB]” – Ela exerce o controle próprio em sua vida pessoal.
“Fiel em tudo” – Ela é digna de confiança nos assuntos confidencias que dizem respeito à assembleia.
V. 12 – Mais duas coisas são acrescentadas em relação ao diácono/ministro.
“Marido de uma mulher” – Como no caso do supervisor, ele não pode ser um polígamo.
“Governem [conduzam – JND] bem seus filhos e suas próprias casas” – Assim como o supervisor, é necessário que o diácono tenha uma família e um lar em ordem. Governar, no sentido em que é utilizado aqui, não se refere a ser um déspota, mas sim que ele entenda seu lugar como cabeça de sua família e cumpra suas responsabilidades nesse lugar conduzindo e guiando seu lar de uma maneira ordenada.
V. 13 – Se essa obra temporal for realizada fielmente, o diácono/ministro ganhará oportunidades em outras áreas do serviço – principalmente no testemunho oral do evangelho. Eles “adquirirão para si uma boa posição e muita confiança na fé que há em Cristo Jesus”. A vida em ordem e o trabalho fiel na casa de Deus se tornam um testemunho a favor do diácono/ministro, mostrando a todos em volta que ele é alguém em quem se pode confiar. Ao exercitar seu dom no ministério da Palavra (se ele tiver esse dom), o testemunho da sua vida irá conferir autoridade ao seu ministério. Isso é ilustrado nas vidas de Estevão e Filipe em Atos 7-8. Esses homens eram diáconos na assembleia em Jerusalém (At 6:5), e tendo cumprido fielmente sua obra, foram ousados na fé e testemunharam a respeito do Senhor diante do Sinédrio (At 7) e na cidade de Samaria (At 8). Estevão tinha o dom para ensinar e Filipe tinha o dom de evangelista (At 21:8). O exercício de seus dons espirituais no ministério, no entanto, não deve ser confundido com seu cargo local na assembleia em Jerusalém; pois são duas esferas diferentes na casa de Deus.
O Propósito Dessas Instruções
Vs. 14-16 – Paulo então faz uma pausa para lembrar a Timóteo do motivo que o levou a escrever essas orientações e enviá-las a ele. Ele pretendia ir e entregá-las a Timóteo pessoalmente, mas temia demorar até poder fazer isso. Pela providência de Deus, essa epístola inspirada foi preservada ao longo do tempo a fim de que a Igreja tivesse esse padrão para a casa de Deus – e somos muito gratos por isso.
Se Timóteo devia guiar os santos em uma linha de conduta apropriada para a casa, ele precisaria desse padrão a partir do qual pudesse trabalhar. Assim, Paulo diz: “Para que saibas como convém andar na casa de Deus.” Ao dizer**: “na casa de Deus, que é a Igreja do Deus vivo, a** coluna [**pilar** – JND] **e firmeza** [base – JND] **da verdade”**. Paulo demonstra que a Igreja _dá testemunho_ da verdade e serve de _apoio para a verdade_.
- Uma “coluna” nos fala de testemunho. (Uma coluna, no sentido em que é usado aqui, não é algo que sustenta um edifício, mas é um monumento para dar testemunho de certas coisas ou fatos – Gn 31:44-48; Êx 24:4; Dt 12:3, etc.). A Igreja nesse sentido deve dar testemunho da verdade ao preservar a sã doutrina no ministério.
- Uma “base” é um apoio. A Igreja, nesse sentido, deve apoiar a verdade por meio de uma conduta piedosa. A vida Cristã piedosa confere autoridade e apoio à mensagem de graça que anunciamos nesse mundo.
Isso mostra que a verdade não deve apenas ser declarada doutrinariamente no ministério público, mas deve também ser exemplificada em todos os caminhos e maneiras daqueles que compõem a casa. Assim, a Igreja é o vaso de testemunho de Deus nesse mundo; cabe a ela proclamar e manifestar a verdade diante do mundo. Se renunciarmos partes da verdade, falhamos em nosso testemunho, e se nosso andar se tornar defeituoso, falhamos em ser um apoio. É triste dizer, isso é exatamente o que aconteceu na história da Igreja.
Lembremo-nos então de que a Igreja vista como casa de Deus é aquela que promove e serve de apoio para a verdade. Não é um corpo legislativo que ensina a verdade, como afirma a Igreja de Roma; a verdade é ensinada a ela pelos profetas e mestres, e sua responsabilidade é preservá-la e colocá-la em prática.
V. 16 – É significativo que ao dizer a Timóteo como alguém deveria se comportar na casa de Deus, Paulo não fornece um conjunto detalhado de regras a serem seguidas, mas coloca Cristo diante dele. Ele diz: “E, sem dúvida alguma, grande é o mistério da piedade: Deus Se manifestou em carne, foi justificado no Espírito, visto dos anjos, pregado aos gentios, crido no mundo, recebido acima na [em – JND] glória” (ARF). Assim, se quisermos saber como nos comportar na casa de Deus, temos que olhar para Cristo. Ele perfeitamente exemplificou todo o correto comportamento em Sua vida.
Nota: Paulo não está falando do Mistério de Deus aqui (Ap 10:7), também não está falando do mistério da Pessoa de Cristo (Mt 11:27), nem do mistério de Cristo e da Igreja (Ef 5:32), mas do “mistério da piedade”. Esse é o segredo pelo qual toda verdadeira piedade é produzida. Na Bíblia, um “mistério” não é algo obscuro e difícil de entender, mas um segredo divino que até aquele momento havia ficado escondido, mas que agora está revelado. Uma vez que Cristo veio ao mundo, esse segredo da piedade foi manifestado a nós.
Assim, o segredo para a verdadeira piedade e para todo correto comportamento está no conhecimento de Deus manifestado na Pessoa de Cristo. Cristo é colocado diante de nós nesse verso, não apenas como um Modelo, mas também como um Objeto de meditação. Sua vida não é apenas o exemplo, mas é também – quando meditamos nela – o poder para a vida Cristã. O poder para uma caminhada piedosa não virá simplesmente ao sabermos como o Senhor Jesus Se comportou em várias situações em vida, mas sim ao meditarmos n’Ele. Fazendo assim, imitaremos Seus caminhos.
Paulo diz que esse mistério é “grande” – não em sua obscuridade – mas em sua importância. O verso 16 é um resumo compacto da forma como Deus Se revelou em Cristo. Seis pontos são mencionados:
- “Deus foi manifestado em carne” – Isso atesta a divindade e encarnação de Cristo. Ao apontar para Cristo, poderíamos pensar que Paulo queria dizer, “Olhem para Cristo como vosso exemplo”, ou algo parecido, mas em vez disso, ele fala de Cristo como Deus sendo “manifestado em carne”. Isso está de acordo com o tema da casa de Deus, que é aquilo que manifesta Deus nesse mundo por meio de conduta correta. Isso foi demonstrado de maneira perfeita pelo Senhor Jesus Cristo quando Ele veio em carne.
- “Justificado no Espírito” – Cada ação em Sua vida foi algo que o Espírito Santo totalmente aprovou e Se identificou, porque o Senhor era perfeito em todos os Seus caminhos. - “Visto por anjos” – Ele foi o objeto e o interesse dos anjos que observaram cada um de Seus passos desde a manjedoura até a Sua ressurreição e ascensão. - “Pregado aos gentios” – Ele Se tornou o tema do testemunho evangélico entre as nações. - “Crido no mundo” – Muitos creram n’Ele no mundo. Isso não quer dizer que Ele foi crido pelo mundo, mas no mundo, porque nem todos creram no evangelho (2 Ts 3:2). A proclamação foi por todo o mundo, mas a recepção foi apenas parcial. - “Recebido na [em – JND] glória” – Isso se refere a Sua entrada gloriosa no céu.
Assim, o Espírito de Deus, anjos e homens, todos viram o Senhor Jesus manifestar Deus nesse mundo. Não é de se admirar que Ele tenha sido recebido acima em glória. Ele é nosso Modelo e Objeto de meditação na manifestação do caráter de Deus nesse mundo.
É triste dizer, mas esse grande segredo da piedade ainda é algo não revelado aos incrédulos; eles não conseguem entender a fonte e o poder da piedade Cristã.
O EXERCÍCIO DOS DONS NA CASA DE DEUS
Capítulo 4
Até agora nesta epístola, Paulo abordou o tema da conduta adequada na casa de Deus na esfera do sacerdócio e na esfera dos ofícios. Ele agora prossegue para dar alguns princípios orientadores àqueles que trabalham em uma terceira esfera na casa de Deus – a esfera dos dons.
Ao falar de exercitar um dom espiritual, estamos nos referindo sobretudo ao ministério público da Palavra de Deus em pregar, ensinar, e exortar. Muitos dos dons que Cristo deu aos membros de Seu corpo não são para o ministério da Palavra, por isso eles não serão considerados neste capítulo. Além disso, convém lembrar que ministrar a verdade da Palavra de Deus não é algo exclusivo aos que servem no ministério em tempo integral, mas a todos aqueles que pregam e ensinam a Palavra publicamente.
Portanto, o assunto diante de nós neste capítulo é o obreiro na casa de Deus. Em conformidade com o tema da epístola, Paulo estabelece diante de Timóteo a conduta e o comportamento corretos daqueles que serviriam ao Senhor nessa capacidade.
Um Entendimento dos Tempos
V. 1 – Se o servo do Senhor pretende trabalhar com eficiência em Seu serviço, ele precisa primeiro ter um entendimento dos tempos. As palavras, “o Espírito expressamente diz” reflete a importância disso. Paulo, portanto, começa com esse ponto. Precisamos saber onde estamos na história do testemunho Cristão para que possamos servir ao Senhor adequadamente nos nossos dias. Deveria ser claro para todos nós que não estamos vivendo em tempos apostólicos, nem estamos vivendo numa época de grande avivamento. Pelo contrário, estamos no final da história da Igreja na Terra – numa época em que há um grande abandono, confusão, e indiferença às reivindicações de Cristo na Cristandade. É triste dizer mas muito daquilo que é considerado Cristianismo atualmente é quase irreconhecível quando lemos as Escrituras.
Esse abandono da ordem de Deus na casa de Deus é uma consequência da apostasia. Apostasia é a renúncia formal das verdades primordiais da fé, outrora defendida e professada. Somente um Cristão meramente professo “abandonaria” a fé dessa maneira (Hb 6:6; 2 Ts 2:3). Verdadeiros crentes, no entanto, podem ser afetados pela atual apostasia e renunciar a determinados princípios e práticas bíblicas. Eles podem retroceder e “cair” da graça (Gl 5:4) e da sua firmeza no Senhor (2 Pe 3:17), mas eles não apostatam (2 Ts 2:3; Hb 6:6 – “recaíram”). Portanto, eles podem “cair”, mas eles não “abandonam”.
A apostasia na Cristandade começou muito cedo na história da Igreja, e progressivamente se intensificou. Ela chegará ao seu ponto culminante depois que a Igreja for chamada ao céu, quando da revelação do anticristo (“o homem do pecado”) que irá guiar a Cristandade para longe de Cristo em uma apostasia generalizada (2 Ts 2:3). Um avanço nesse movimento de queda em direção ao fim pode ser traçado nas epístolas nas seguintes expressões:
- “Nos últimos tempos” (1 Tm 4:1) – Alguns indivíduos na Cristandade apostatam da fé. - “Nos últimos dias” (2 Tm 3:1; 2 Pe 3:3) – A massa da Cristandade os seguem. - “No último tempo” (Jd 18) – A apostasia se torna mais intensa e aberta. - “A última hora” (1 Jo 2:18) – A apostasia é tão completa que todo ensino Cristão ortodoxo dado pelos apóstolos é abandonado.
Paulo não perde tempo em contar a Timóteo sobre esse desvio em queda na profissão Cristã, dizendo, “Nos últimos tempos apostatarão alguns da fé”. Esse afastamento da verdade ocorre em consequência dos homens (apenas professos, sem vida divina) ligados ao testemunho exterior do Cristianismo se tornarem apostatas, e assim levarem outros pelo mesmo caminho. O que começa com “alguns” se desviando (1 Tm 1:3; 4:1; 2 Tm 2:18) evolui para “muitos” (2 Pe 2:2), até que “todos” (em determinadas regiões) se afastem (2 Tm 1:15).
Apostasia envolve não apenas o abandono da verdade, mas também a adoção do erro. Então, Paulo continua dizendo, “Dando ouvidos a espíritos enganadores, e a doutrinas de demônios”. Isso mostra que não existe algo como um vácuo nas coisas de Deus; se a verdade não preenche nosso coração, outras coisas irão ocupar esse vazio. Nesse caso, serão as doutrinas de demônios. Repare como isso começa: primeiro, é “dando ouvidos” a esses erros (v. 1), depois isso sai de suas bocas como “hipocrisia de homens que falam mentiras” (v. 2). Isso mostra que más doutrinas mantidas na mente acabarão se tornando más doutrinas apresentadas publicamente. Essa é a diferença entre lepra espiritual “na cabeça” e lepra espiritual “na barba”. É significativo que seja mencionado como sendo primeiro na cabeça, e depois na barba (Lv 13:29).
Essas doutrinas, ensinadas por demônios, são verbalizadas por meio de agentes humanos. “Espíritos enganadores” influenciam a mente desses homens e eles acolhem ideias corrompidas e distorcidas. Esses homens organizam essas ideias em um sistema doutrinário e as apresentam às suas audiências incautas que as absorvem. Assim, a apostasia está se disseminando na Cristandade até que sua totalidade seja levedada pelo erro (Mt 13:33). Que demônios seriam encontrados na casa de Deus influenciando a mente de homens é bastante assustador, mas isso demonstra a grandiosidade dessa ruína.
É significativo que, na Escritura, quando ensinos errados são mencionados geralmente é no plural (“doutrinas”). Em contrapartida, quando a verdade é mencionada, é no singular (“doutrina” – cap. 4:6, 13; 5:17; 6:3, etc.). Isso mostra que más doutrinas raramente andam sozinhas; elas têm seus comparsas. Uma má doutrina dará origem a outra até que se tornem um complexo sistema de erro. Isso significa que se obtivermos algum aspecto errado da verdade, o erro se misturará e isso afetará outras partes do nosso entendimento. A verdade, por outro lado, é mencionada no singular porque ela deve ser tomada como um todo harmonioso que flui em conjunto. Por isso, temos que interpretar cada passagem específica da Escritura à luz de todas as outras passagens da Escritura.
V. 2 – Paulo fala desses ensinos errados como “mentiras de hipocrisia”. Isso nos mostra que aqueles que promovem um sistema de erro geralmente não praticam aquilo que ensinam. Ele acrescenta, “tendo cauterizada a sua própria consciência”. Isso quer dizer que eles não chegaram a esse ponto sem serem previamente alertados. O Espírito de Deus sempre vai levantar uma voz contra a onda de mau ensino à medida em que ela surgir, e alguns do povo de Deus falarão contra isso. Mas quando tais advertências são rejeitadas, a consciência se torna endurecida (“cauterizada”).
Vs. 3-5 – Paulo não entra em detalhes sobre os erros doutrinários, mas chama atenção para seu efeito de levar as pessoas a negarem as demandas do Deus Salvador e do Deus Criador. Ele não queria que Timóteo perdesse seu tempo tentando entender os detalhes daqueles erros doutrinários, mas que combatesse essas coisas falsas ensinando a verdade (v. 6). Isso é instrutivo para nós, porque alguns acreditam que é necessário investigar os vários erros na Cristandade a fim de serem capazes de refutá-los. Mas isso não é sensato. Há um perigo de ser enredado nesses erros (Dt 12:29-32). Se ocupar com o erro pode levar uma pessoa ao erro.
Há uma característica que está frequentemente associada a esses falsos sistemas de ensino – eles incorporam princípios ascéticos para dar ao sistema uma aparência de grande piedade. Ascetismo é a negação de determinadas coisas naturais que Deus deu ao homem como uma misericórdia num esforço para alcançar uma pretensa santidade mais elevada. É uma tentativa de refrear a carne lutando contra a carne, mas isso nunca cumpre o que promete. Isso leva a carne a se manifestar de um jeito frequentemente pior do que antes; esse não é o caminho de Deus para a santidade. Indivíduos “simples [inocentes – (TB)]”, com pouco entendimento em coisas divinas, frequentemente ficam impressionados por uma aparência de grande santidade, e aceitam essas doutrinas e práticas más, acreditando que alcançarão uma experiência mais elevada com Deus (Rm 16:18).
Como Paulo observa, essas restrições estão geralmente no âmbito do casamento e da comida, que “Deus criou para os fiéis, e para os que conhecem a verdade, a fim de usarem deles com ações de graças”. O sistema Católico Romano, por exemplo, negou aos seus seguidores essas duas coisas, ao impor uma abstinência de carne nas sextas-feiras e o celibato aos seus clérigos e freiras. No entanto, proibir essas coisas dadas por Deus é negar ao Deus Criador Seus direitos de conceder essas misericórdias às Suas criaturas.
Enquanto que a falsa piedade nega coisas naturais às pessoas, a verdadeira piedade aproveita das misericórdias que Deus proveu no caminho da fé, sabendo que essas coisas “pela Palavra de Deus e pela oração são santificadas [se dirigindo livremente a Ele– JND]”. Isso não significa que nossa oração antes das refeições “abençoa” misticamente a comida que estamos prestes a comer, mas que essas misericórdias do Criador são separadas (que é o significado de santificação) por Deus em Sua “Palavra” para nós a fim de desfrutarmos delas. A Palavra de Deus as santifica para o nosso uso (Gn 9:3; 1 Co 7:2-4; Hb 13:4). O fato de “oração” também ser mencionada mostra que devemos usufruir dessas coisas naturais no espírito de dependência. A Palavra de Deus regula o onde, quando e como usar dessas coisas naturais. Usufruir dessas misericórdias fora dos parâmetros da Escritura e da dependência de Deus pode conduzir ao pecado. Portanto, “a Palavra de Deus e a oração” são uma proteção contra os extremos a que alguns Cristãos têm chegado ao usarem de sua liberdade em relação a essas coisas naturais.
São na Doutrina
V. 6 – Timóteo tinha que informar os irmãos sobre a grande apostasia que estava prestes a chegar “propondo estas coisas” a eles. Ele devia deixá-los a par disso, mas não os ocupar com isso. Seu trabalho era apresentar a verdade, não o erro, aos seus irmãos; a verdade é a única coisa que poderia fortalecê-los contra a onda do mal entrando. Fazendo isso, Timóteo seria um “bom ministro de Cristo Jesus” (AIBB). Novamente, ministério é o cumprimento de um serviço para o Senhor; não é, necessariamente, pregação e ensino públicos, pois essa é apenas uma parte do serviço para o Senhor. Conhecer a verdade e guardá-la em comunhão com o Senhor são as maiores defesas que podemos ter contra as más doutrinas que estão em ascensão na profissão Cristã. Ter um entendimento e uma apreciação da verdade nos ajuda a identificar o erro; se alguém nos apresentar algo que não está de acordo com a verdade, saberemos imediatamente que é falso e iremos rejeitá-lo.
Timóteo, portanto, tinha que conduzir os santos a Cristo e à verdade que ele havia recebido de Paulo. Era para ser “nutrido pelas palavras da fé e da boa doutrina que tens seguido” (AIBB). “Nutrido” significa que a alma foi alimentada espiritualmente pela verdade. Isso mostra que comunicar a verdade aos irmãos não deve ser apenas um exercício intelectual; deve ser o compartilhamento de coisas que recebemos e apreciamos em nossa própria alma. Nota: Paulo não diz: “Nutrido por meio das palavras das Escrituras do Velho Testamento”, porque a dispensação atual da verdade Cristã não se encontra nas Escrituras do Velho Testamento. A verdade Cristã é uma revelação especial que estava “oculta em Deus” e não foi revelada até que a redenção fosse consumada e o Espírito de Deus fosse dado. Foi primeiramente revelada aos “santos apóstolos e profetas” do Senhor Jesus Cristo “pelo Espírito” (Ef 3:5, 9; Cl 1:25-26).
Paulo acrescenta, “tens seguido, de perto [estado profundamente familiarizado com … (conforme nota de rodapé da Tradução de J. N. Darby)]” (ARA). Paulo queria que Timóteo estivesse bem versado em sua apresentação da verdade. Isso exigiria acompanhar de perto os seus assuntos por meio de um estudo diligente. Timóteo poderia facilmente se constranger ao expor erradamente algum ponto da verdade devido a ignorância, e assim trazer descrédito ao testemunho Cristão. Portanto, era importante que ele conhecesse bem esses assuntos. Na segunda epístola de Paulo a Timóteo, ele o elogia por ter feito isso; Timóteo se tornou “profundamente familiarizado” com sua doutrina (2 Tm 3:10 – JND).
Acompanhar de perto o conhecimento dos assuntos divinos leva tempo e energia; não aprendemos a verdade da noite para o dia. A doutrina de Paulo nos é dada em nossas Bíblias, e podemos consultá-la facilmente nas epístolas escritas por ele. Esse é um benefício que a igreja primitiva não teve – pelo menos, até que elas fossem escritas. No entanto, mesmo com essa enorme vantagem, aprender a verdade da doutrina de Paulo ainda requer estudo bíblico diligente. O Cristão que negligencia o estudo de sua Bíblia – principalmente das epístolas de Paulo – dificilmente se tornará alicerçado nas doutrinas da fé Cristã.
V. 7a – Nota: Paulo não diz a Timóteo para acompanhar as más doutrinas que estavam surgindo, mas seguir a verdade. Ele não deveria combater as “doutrinas de demônios” se aprofundando nelas, nem deveria ocupar seu tempo expondo as “fábulas profanas e de velhas” que estavam entrando. Essas superstições e costumes pagãos foram levados para dentro do Cristianismo por gentios convertidos, mas eram absurdos inúteis. “Profanas” significa algo que é secular, em vez daquilo que é sagrado. Essas coisas, aparentemente, têm origem na emoção e na imaginação humanas, que são características frequentemente associadas às mulheres. Por isso, ele as chama de “fábulas de velhas”. Aqui temos novamente mais uma evidência do fato de que o ensino feminino (direta ou indiretamente) não deve estar presente na casa de Deus. Timóteo deveria usar sua energia para apresentar a verdade tal como ele a havia recebido de Paulo.
Assim, nesses dois primeiros tópicos do capítulo 4, Paulo nos ensina que para ser útil ao Mestre em Seu serviço, o obreiro não deve apenas conhecer os tempos em que ele vive (v. 1), mas deve conhecer a verdade quanto a sua especial aplicação para esses tempos (v. 6).
Piedoso no Andar
Vs. 7b-8 – Mais adiante, Paulo diz a Timóteo que o obreiro também precisa saber como andar como um servo do Senhor. Paulo, então, dá sequência às suas observações a Timóteo em relação ao ensino dizendo “exercita-te a ti mesmo em piedade”. Se o servo não tomar o cuidado de ser piedoso pessoalmente, ele não terá qualquer comunhão verdadeira com Deus, e como consequência seu ministério não terá o poder do Espírito.
Ter uma vida Cristã piedosa é de grande importância para todos os crentes, mas é ainda mais importante para aqueles que trabalham na casa de Deus. Diante da apostasia, não é, certamente, o momento de sermos negligentes em nossa vida pessoal. Ao dizer “exercita-te a ti mesmo”, Paulo mostra que a piedade vem por meio do exercício de alma. Não existe tal coisa como escorregar para dentro da piedade; uma pessoa não tropeça nela por acidente. Podemos nos distanciar em nossas almas pela influência da apostasia (apesar de não apostatarmos) e ser levados a abandonar determinadas doutrinas e práticas, mas não é andando ao léu que alcançaremos piedade; isso vem de um exercício de alma. Se uma pessoa é realmente piedosa, isso é consequência de um sério exercício no que diz respeito ao seu andar e maneiras. Tais indivíduos passaram por alguns exercícios profundos quanto a alinharem suas vidas à santidade de Deus.
Para ilustrar esse princípio, Paulo faz uma comparação para Timóteo entre o que é físico e o que é espiritual. Assim como os exercícios físicos promovem a saúde e o vigor ao corpo, também o exercício espiritual é necessário para a saúde espiritual da alma. Seu argumento é que os benefícios do exercício espiritual superam em muito os benefícios do exercício físico. O exercício físico “para pouco aproveita” – isto é, só traz benefícios durante o pouco tempo que estivermos aqui na Terra. Mas o exercício espiritual tem a “promessa da vida presente e da que há de vir”. Ele beneficia o crente agora nesse mundo no presente gozo da vida eterna com o Pai e o Filho (Jo 17:3; 1 Tm 6:19), e isso tem um ganho positivo para nossa vida futura no mundo vindouro, porque aquilo que ganhamos agora em comunhão com o Senhor não será tirado de nós (Lc 10:42).
Paulo não está menosprezando os exercícios físicos. Ele não está dizendo que quando uma pessoa tem uma mentalidade espiritual e é piedosa no andar, ela não vai mais atrás das coisas naturais e aos exercícios físicos. Nem está sugerindo um desprezo por nossa saúde pessoal e bem-estar físico; ele está mostrando o benefício relativamente pequeno que há nos exercícios físicos quando comparados aos exercícios espirituais. A conclusão lógica é que deveríamos colocar nossa energia nos exercícios espirituais, que são o que trazem um benefício maior, mas sem negligenciar a parte física.
Assim, Paulo abordou uma terceira coisa com a qual o obreiro precisa se preocupar – a necessidade de piedade. Ele deve não apenas conhecer os tempos e conhecer a verdade, mas ele também precisa saber como convém andar no dia no qual ele é chamado a servir.
Preparado para Sofrer Reprovação pela Verdade
Vs. 10-11 – Viver uma vida piedosa nesse mundo irá trazer perseguição (2 Tm 3:12); e especialmente aqueles que servem ao Senhor no ministério de Sua Palavra sofrerão isso. Assim, Paulo passa a falar do cuidado providencial de Deus. Essa é outra coisa que o obreiro precisa conhecer e depender dela – o cuidado preservador do Deus Salvador. Isso lhe permitirá seguir em frente no serviço com coragem e confiança no Senhor diante dos perigos da perseguição. Ele diz: “pois para isso é que trabalhamos e lutamos [sofremos reprovação – JND], porque temos posto a nossa esperança no Deus vivo, que é o Salvador [Preservador – JND] de todos os homens, especialmente dos que creem” (TB). Essa afirmação tem uma aplicação especial para Timóteo. Ele era tímido por natureza (1 Co 16:10-11) e precisava ser lembrado de que Deus o preservaria diante da oposição em seu serviço ao Senhor.
O aspecto de salvação ao qual Paulo se refere aqui é o de libertação prática da perseguição no caminho da fé. Ele garante a Timóteo que o Deus Salvador, que trabalha nos bastidores de modo providencial preservando todos os Seus filhos nas várias situações da vida (Hb 1:14), iria preservá-lo. Ele também está preservando as vidas de “todos os homens” porque Ele é o controlador de todas as coisas na criação (Dn 5:23). Assim sendo, poderíamos nos perguntar porque tantos do povo de Deus sofreram graves incidentes ou foram perseguidos até a morte. Um olhar mais atento nesse verso mostra que não é uma promessa de que Deus preservará todos os homens em todas as circunstâncias. Simplesmente está dizendo que quando os homens são preservados, é graças aqu’Ele que é o “Preservador” de toda carne. Em circunstâncias normais, Ele efetua esse cuidado providencial com todas as Suas criaturas. No entanto, em algumas ocasiões, pode ser que Sua sabedoria perfeita venha a permitir que uma grande calamidade aconteça a alguns dos Seus, ou que eles possam morrer sob perseguição. Nesse caso, sabemos que Ele proveu algo melhor para eles (Hb 11:35b-40).
Aprender a “confiar” no Deus Salvador nessas situações adversas vem apenas da experiência – por ter passado por circunstâncias onde perigos e possíveis injúrias físicas sejam abundantes. Experimentar o cuidado providencial de Deus fortalece a fé de alguém. Paulo menciona essa provisão encorajadora para o obreiro em contraste com as “fábulas de velhas”, que eram coisas em que os pagãos supersticiosamente confiavam para protegê-los. Paulo mostra que aqueles que trabalham para o Senhor em Seu serviço têm algo muito melhor e verdadeiro para confiar do que aquelas coisas falsas – temos “o Deus vivo” como nosso grande Protetor.
Caráter Pessoal e Testemunho
V. 12 – Paulo continua falando sobre o caráter do obreiro – sua vida exterior perante os homens. Se Timóteo devia guiar os santos em uma linha de conduta condizente com a casa de Deus, sua vida precisava ser consistente com seu ministério. Paulo disse: “Ninguém despreze a tua mocidade”. Timóteo era responsável por não permitir que alguém rejeitasse legitimamente seu ministério em razão de ser caracterizado pela insensatez que geralmente retrata a juventude. Ele devia se comportar com sabedoria em todos os aspectos. J. N. Darby disse: “Ele devia obter pela sua conduta o peso que seus anos não lhe davam”.
A vida de Timóteo devia ser “um exemplo [modelo – JND] dos fiéis”. Se ele devia ensinar a verdade, ele também devia viver a verdade que ensinava. Se o servo não anda corretamente as pessoas o verão como um hipócrita, e não receberão seu ministério – principalmente se for jovem. Assim, a vida de Timóteo devia ser uma demonstração viva daquilo que ele ensinava. Qualquer coisa questionável, que desse a oportunidade a alguém de desprezar seu ministério, devia ser removida de sua vida. Paulo aborda cinco áreas onde Timóteo devia ser cuidadoso.
- Na “palavra” – seu discurso. - Na “conduta” – seu comportamento. - No “amor” – seu afeto pelos outros. - Na “fé” – sua confiança no Senhor. - Na “pureza” – sua vida privada.
A consequência de ser consistente em todas essas áreas de sua vida daria peso moral ao ministério de Timóteo. Semelhantemente, se as verdades que ensinamos não afetam nossas próprias vidas, não podemos esperar que nosso ensino afete as vidas de outros.
O Uso do Nosso Dom
Vs. 13-15 – Paulo continua encorajando Timóteo a usar seu dom ministrando a Palavra. Se Timóteo tinha passado tempo aprendendo a verdade ao seguir de perto os assuntos de doutrina com um estudo diligente (v. 6), havia chegado o momento de ele ajudar a outros no entendimento dessas coisas. Assim, Paulo diz: “Até à minha chegada, aplica-te à leitura (pública das Escrituras), à exortação, ao ensino” (ARA). A “leitura” que Paulo fala aqui não é a leitura pessoal e privada da Escritura (ou ministério escrito), mas a leitura pública das Escrituras quando os santos estão reunidos (“ler aos outros” conforme nota de rodapé da Tradução de J. N. Darby). A Igreja primitiva tinha o costume de se reunir para ouvir a leitura das Escrituras (Cl 4:16; 1 Ts 5:27). O fato de Paulo ter incluído “exortação” e “ensino” indica que após as Escrituras serem lidas em voz alta, havia a oportunidade nessas reuniões para que qualquer um que tivesse um dom para exortar ou expor a verdade, fizesse comentários sobre a passagem que era lida para a ajuda e entendimento espiritual dos santos. Esse tipo de reunião é algo que as assembleias Cristãs devem ter regularmente. Era uma oportunidade excelente para que Timóteo usasse seu dom ensinando e exortando.
Reuniões de leitura eram necessárias naquela época porque a maioria das pessoas não tinha uma cópia das Escrituras. Era uma forma de todos ouvirem a Palavra de Deus e obterem algum ministério proveitoso. Além disso, naquela época muitos eram analfabetos, e não poderiam ler ainda que tivessem uma cópia das Escrituras. A reunião de leitura Bíblica ainda é um meio excelente de aprender a verdade e deve ser incluída na lista de reuniões em toda assembleia local atualmente. Aqueles que são capazes de expor as Escrituras têm a oportunidade de instruir a outros na verdade nesse tipo de reunião.
Paulo lembra a Timóteo que ele definitivamente tinha um “dom” para esse trabalho, e que ele não deveria “negligenciar” o seu uso. Timóteo pode ter ficado hesitante pelo fato de ser jovem (v. 12), mas o encorajamento de Paulo mostra que a idade não deve impedir alguém de usar seu dom e ser uma ajuda nas reuniões. Também existe uma tendência de uma pessoa não usar seu dom em caso de oposição, mas Paulo já havia encorajado Timóteo a esse respeito, ao lembrá-lo de que ele podia confiar no Deus vivo que é o Preservador de todos que dão um passo à frente nesse ministério.
É perfeitamente possível uma pessoa ter um dom, mas não o usar por negligência e falta de devoção (Cl 4:17; Pv 11:25-26). No entanto, não há lugar para preguiça e inatividade no serviço do Senhor. O profeta Jeremias alertou “Maldito seja quem fizer negligentemente a obra de Jeová” (Jr 48:10 – TB). É improvável que esse fosse o motivo da hesitação de Timóteo; ele era um devotado homem de Deus (Fp 2:19-21). O problema era que ele era tímido (1 Co 16:10; 2 Tm 1:7). Em relação a devoção e dons, J. N. Darby disse: “Se houvesse mais devoção entre nós, haveria mais dons entre nós”. Ele não quis dizer que dons espirituais vêm como consequência de uma pessoa ser devotado ao Senhor, mas que se nos devotássemos mais profundamente, os dons escondidos em nós se tornariam mais evidentes.
Para encorajar mais Timóteo, Paulo lembrou-lhe de que ele tinha o apoio de seus irmãos mais velhos – “o presbitério”. Eles reconheceram que ele tinha um dom e impuseram suas “mãos” sobre ele em reconhecimento desse fato. Isso não significa que eles impuseram literalmente suas mãos sobre ele em um processo de ordenação, como alguns imaginam. Pelo contrário, tratava-se de uma ação simbólica de darem seu apoio e encorajamento a ele. Isso está de acordo com a maneira como o termo “mãos” é frequentemente usado nas epístolas – isto é, “as destras de comunhão” (Gl 2:9 – ARA). Esse tipo de apoio é importante; o obreiro necessita da comunhão de seus irmãos – especialmente dos anciãos na assembleia. Poderia até mesmo ter incluído ajudá-lo financeiramente. Mas, claro, é preciso discernimento ao fazer isso. Não deveríamos encorajar um irmão dessa maneira se for evidente que ele não tem um dom para ministrar a Palavra. Haveria pouco benefício espiritual para os santos e ele poderia constranger a si mesmo.
A reunião de leitura deve ser usada principalmente para ensino e exortação. Se não houver ninguém presente com um dom específico para ensinar, os santos ainda podem ser alimentados por vários irmãos em uma reunião expressando aquilo que entendem em relação à passagem, apesar de isso ser algo limitado. Se eles fizerem isso em dependência do Senhor, Deus dará algo aos santos, porque Ele sempre abençoa a leitura de Sua Palavra (Ap 1:3).
Há talvez quatro coisas necessárias para que uma pessoa seja eficiente no ministério da Palavra:
- A posse de um dom para ministrar a Palavra seja pregando, ensinando ou exortando (Mt 25:15; 1 Co 12:7; Ef 4:7; 1 Pe 4:10-11). Se um irmão tiver esse dom, isso ficará evidente à medida em que crescer em sua alma. - Um entendimento da verdade e tê-lo de maneira resumida a fim de poder passá-lo facilmente a outros (1 Tm 4:6; 2 Tm 2:15; 3:10). (Veja a nota de rodapé na Tradução de J. N. Darby sobre 2 Tm 1:134 – “Tenha um modelo das sãs palavras…”). - Dependência do Senhor no exercício de seu dom (At 13:1-3). - Uma vida piedosa que é uma demonstração viva da verdade exposta por ele, que confere autoridade ao seu ministério (2 Co 4:1-2).
V. 15 – “Ocupe-te com estas coisas; dedica-te plenamente a elas” (TB). As versões Almeida Corrigida, Atualizada e Fiel traduzem: “Medita estas coisas,” mas isso muda completamente o sentido do verso transformando-o em uma exortação para passar tempo meditando tranquilamente na Palavra. No entanto, isso não é uma exortação para devoção privada – por mais necessário que isso seja – mas uma exortação para ensinar a verdade que ele assimilou. Paulo está falando aqui sobre colocar para fora, não colocar para dentro. Ele queria que Timóteo se entregasse “plenamente” em exercer seu dom no ministério, e as reuniões de leitura bíblica a que ele se refere no verso 13 eram uma excelente oportunidade para fazer isso. Em outra parte, ele diz **“**Vamos nos ocupar em serviço” (Rm 12:7 – JND). Se Timóteo exercitasse seu dom dessa maneira, o “aproveitamento” que ele teria ganhado por meio do estudo privado seria “manifesto a todos” e muitos seriam ajudados. Por isso, Paulo o encorajou nessa boa obra.
A Necessidade de Julgamento Próprio
V. 16 – Paulo termina seus comentários em relação ao obreiro na casa de Deus com uma observação de precaução. Ele diz: “Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina [do ensino – JND]”. Timóteo, como exemplo do obreiro ideal, não devia apenas preparar sua mensagem de modo que houvesse alimento para o rebanho, mas ele também devia preparar a si mesmo. Ele devia fazer “caminhos retos” (ARA) para os seus próprios pés (Hb 12:13). Se ele se permitisse tornar descuidado em sua vida no mínimo que fosse, isso poderia fazer alguém tropeçar e prejudicar o propósito de seu chamado para essa obra. Ele devia ser vigilante a respeito de seu próprio estado de alma e ser rápido em julgar a si mesmo caso e quando cometesse qualquer tipo de erro.
Ao assegurar que sua vida prática estivesse em conformidade com a verdade que ele ensinava, Timóteo iria “salvar” a si mesmo e àqueles que ouvissem e dessem atenção ao seu ministério. Essa seria uma salvação prática dos erros doutrinários e corrupções espirituais que estavam surgindo na profissão Cristã, como mencionado no verso 1.
COMUNHÃO NA CASA DE DEUS
Capítulos 5-6
Nos capítulos 5 e 6, Paulo passa para a esfera da comunhão Cristã. A casa de Deus não deve ser apenas um lugar de oração, ordem santa, e verdade; ela também deve ser um lugar de feliz comunhão entre os crentes. Nesses capítulos Paulo coloca diante de Timóteo vários relacionamentos que temos uns com os outros na casa e delineia a conduta apropriada para cada um deles.
Como em outra parte na epístola, as exortações aqui têm em vista a manutenção de um testemunho público correto da casa perante o mundo. Se agimos de maneira inapropriada em qualquer um desses relacionamentos, podemos colocar uma mancha no testemunho do Senhor. É importante, portanto, que prestemos atenção aos conselhos e recomendações do apóstolo em nossas interações uns com os outros nesses relacionamentos para que um testemunho adequado do verdadeiro caráter de Deus seja dado ao mundo.
DOZE RELACIONAMENTOS
Uma olhada rápida nesses dois capítulos nos mostra que a comunhão na casa de Deus não é moldada conforme a ordem de uma empresa ou um exército, que possui eficiência, mas também é impessoal e até mesmo frio em sua maneira de lidar uns com os outros. Como nessa epístola a Igreja é vista sob a figura de uma casa, o padrão seguido nesses capítulos é o de uma família extensa, na qual a grande característica do amor é evidente em cada relacionamento.
Paulo aborda ao menos 12 relacionamentos diferentes que seriam encontrados na vida normal na casa de Deus, começando pelos homens mais velhos e depois tratando de todas as camadas da vida da assembleia. Ele descreve a conduta apropriada que deve ser manifestada em nossas interações diárias com cada um deles em nossa vida Cristã. Trata-se de uma instrução saudável para feliz comunhão Cristã. Se fosse tomada em conta, seria prestado ao mundo um testemunho poderoso do amor, bondade, e graça de Deus. “Nisto todos conhecerão que sois Meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo 13:35).
Convém notar que em todos esses relacionamentos mencionados por Paulo, ele não trata das interações entre maridos e esposas, pais e filhos etc., como ele faz em Efésios 5-6 e em Colossenses 3. Vínculos familiares não são o assunto aqui; a epístola trata daquilo que ocorre diante dos olhos dos homens. Esses relacionamentos no âmbito privado dos lares não são na verdade de caráter público.
Homens Mais Velhos
Cap. 5:1a – Os homens mais velhos (“os anciãos”) devem ser tratados com o respeito que é devido a um pai. Paulo não está falando de um homem que atua na assembleia como um supervisor/ancião/guia (como nos versos 17-19), mas de um irmão de idade avançada. Se ele vier a falhar de alguma forma e precisar de “repreensão”, isso deve ser feito de uma maneira que respeite sua idade.
A versão King James e a Almeida Atualizada estão um pouco equivocadas nesse verso. Elas afirmam que não deveríamos repreender um ancião, mas a leitura correta dessa passagem é “Não repreendas asperamente os anciãos”. Isso mostra que ninguém na assembleia está imune à repreensão. Um irmão mais velho pode precisar ser repreendido, mas isso não deve ser feito com severidade, mas sim, tratando-o como a um pai. O que o mundo pensaria se nos visse tratando um irmão mais velho como se estivéssemos repreendendo uma criança?
Homens Mais Jovens
Cap. 5:1b – Os homens mais jovens devem ser tratados como “irmãos”. Timóteo devia considerar os de menos idade como seus aliados que estavam combatendo o mesmo bom combate da fé. Às vezes os homens mais jovens se veem como rivais, mas a vida e o serviço Cristãos não são uma competição – são uma irmandade.
Mulheres Mais Velhas
Cap. 5:2a – As mulheres mais velhas devem ser tratadas como “mães”. Ou seja, com cortesia, com reverência piedosa e muita afeição.
Mulheres Mais Jovens
Cap. 5:2b – As mulheres mais jovens devem ser tratadas como “irmãs”. Paulo acrescenta “com toda a pureza” porque Timóteo, por ser um irmão mais jovem, devia ser cuidadoso com seu comportamento em relação àquelas do sexo oposto da mesma idade que ele, para evitar causar uma má impressão.
Viúvas (Velhas e Jovens)
Cap. 5:3-16 – Sabendo que Satanás usou a assistência às viúvas para causar o primeiro problema na Igreja (At 6), Paulo dedica atenção especial para tratar de coisas que dizem respeito a elas. Suas observações mostram que há vários tipos de viúvas e que elas devem ser tratadas de uma maneira diferente.
Vs. 3, 5, 8 e 16 – Há, antes de tudo, aquela que é “verdadeiramente viúva”. Essa é uma irmã (sem especificar a idade) que vive uma vida verdadeiramente de viúva – ela é realmente necessitada e desamparada. Ela “é deixada sozinha” (JND), sem recursos e, sentindo a dor de sua viuvez, ela colocou sua confiança no Deus vivo, e clama a Ele por ajuda com “súplicas e orações, noite e dia” (v. 5). Essas devem ser honradas e ajudadas financeiramente. Elas devem ser “inscritas” na lista de indivíduos que a assembleia ajuda periodicamente (v. 9), porque elas estão habilitadas a essa assistência.
Cap. 5:4 – Em seguida há uma outra classe de viúvas que têm “filhos ou netos” na Igreja. Esses descendentes devem “exercer piedade” e “recompensar seus pais”, as mães que ficaram viúvas, atendendo às suas necessidades financeiras. Nesse caso a assembleia não deve se encarregar pelo sustento dessas viúvas. Paulo diz que é “bom e agradável diante de Deus” que suas famílias cuidem delas. Se os descendentes imediatos na família ignorarem essa responsabilidade, eles estarão, na prática, negando “a fé” e alguém que age assim deve ser considerado “pior do que o infiel” (v. 8).
Cap. 5:6-7 – Em seguida há viúvas que “vivem em deleites”. Essas são capazes, evidentemente, de prover para si mesmas com seus recursos particulares, mas preferem viver segundo a carne. Paulo diz que uma viúva assim “apesar de viver, está morta” (TB). Isso não significa que ela não seja salva, mas que ela vive sem comunhão com Deus. O aspecto de morte aqui é morte moral – uma separação prática de Deus. Em Romanos 8:13, Paulo fala desse tipo de morte: “Porque, se viverdes segundo a carne, morrereis”. Todas aquelas que vivem dessa maneira não devem receber apoio financeiro da assembleia, pelo contrário, deve ser exigido delas que vivam de uma maneira “irrepreensível” diante de Deus e dos homens.
A verdade do verso 8, evidentemente, se aplica a outros além das viúvas, pois até mesmo um incrédulo (“um infiel”) sabe que é sua responsabilidade cuidar “dos da sua família”. Por outro lado, a instrução do apóstolo nesse verso pode ser mal aplicada e usada como desculpa para não nos dedicarmos à obra do Senhor como deveríamos. Podemos afirmar que estamos cuidando das nossas famílias ao guardar recursos para a próxima geração – e não há nada de errado em fazer isso – mas isso não deveria ser usado como um pretexto para encobrir motivos egoístas. Muitas vezes a totalidade desses recursos não consagrados acaba sendo desperdiçada pelos filhos, ao invés de serem usados para o Senhor.
Cap. 5:9-10 – Há também viúvas mais velhas que têm servido fielmente ao Senhor durante muitos anos. Essas devem ser “inscritas” na lista de indivíduos que a assembleia deve ajudar periodicamente, porque elas são dignas dessa assistência.
Cerca de oito características são mencionadas:
- Acima de “sessenta anos” – Essas mulheres honrosas devem estar livres de encargos financeiros em seus últimos anos de vida. - “Mulher de um só marido” – Paulo não está dizendo que viúvas não devem se casar de novo pois no verso 14 ele incentiva isso, se elas forem mulheres jovens. (Veja também 1 Co 7:39). - “Tendo testemunho de boas obras” – Ela tem um bom testemunho público. - Tenha criado “filhos” – Isso não está necessariamente se referindo a sua própria família, mas a filhos espirituais na família da fé, pois se ela tivesse seus próprios filhos, eles deveriam socorrê-la (vs. 4, 16). Se tivesse falando de seus próprios filhos, então talvez eles não fossem salvos ou não estavam vivos. Se eles não estivessem cuidando dela, eles estariam sendo piores do que os infiéis. - Tenha exercitado “hospitalidade” – Sua casa está aberta aos santos que viajam pela região onde ela mora. - Tenha lavado “os pés aos santos” – Isso é linguagem figurada que significa executar com humildade serviços braçais para os santos. - Tenha socorrido os “aflitos” – Ela esteve empenhada em um ministério de cuidado prático dos santos atribulados. - Tenha se dedicado às “boas obras” – Ela é caracterizada pela dedicação no serviço; não é preguiçosa.
Cap. 5:11-15 – Por fim, há “viúvas jovens”; essas, a assembleia deve “rejeitar” (ARA) dar-lhe assistência financeira. Colocá-las na lista de auxílio periódico pode ser prejudicial para elas e para a comunhão dos santos. Não tendo que se lançar em dependência sobre Deus em suas necessidades diárias, elas podem se tornar insatisfeitas com sua porção na vida como viúvas e “se tornarem levianas contra Cristo”. Caindo em uma condição de alma ruim, elas poderão “aniquilar a primeira fé” (abandonar sua confiança no Senhor) e imprudentemente entrar em outro casamento que pode não ser “no Senhor” (1 Co 7:39).
“Querer se casar” não é errado, Paulo recomenda que as viúvas jovens deveriam se casar novamente no verso 14. Mas fazer isso por vontade própria as tornam “culpadas” (v. 15 – TB) de agir de maneira independente. Quando uma pessoa não se submete à carga que Deus lhe deu para carregar na vida (nesse caso, a perda de um marido), em seu espírito insatisfeito e condição de alma ruim, ela pode ser usada pelo inimigo para arruinar a comunhão dos santos. Elas podem se tornar “ociosas, andando de casa em casa” como “faladeiras e intrigantes [intrometidas – JND]” (AIBB).
Para se proteger contra essa tendência, Paulo deseja que as viúvas “se casem, gerem filhos” e “governem a casa”. Essa é uma ocupação saudável, e isso ajuda a preservar as viúvas jovens desses perigos – além de eliminar a “ocasião” ao “adversário de maldizer” o testemunho do Senhor. Que as irmãs casadas observem: Paulo diz a respeito delas “Governem a casa”, ele não diz: “Governem seu marido” (v. 14). Isso mostra que a esfera de responsabilidade delas diz respeito às questões internas do lar. Paulo informa que, infelizmente, algumas viúvas jovens estavam “indo após Satanás” no sentido de trabalhar contra o testemunho público da Igreja.
Paulo não diz que as viúvas mais velhas devem se casar de novo, mas isso não significa que elas não possam; 1 Coríntios 7:39 não define nenhum limite de idade quanto a um novo casamento. Ele está tratando de uma certa tendência entre irmãs mais jovens que aquelas que são mais velhas e mais maduras na fé não deveriam ser suscetíveis. Uma mulher Cristã madura não deveria precisar da preocupação com o cuidado de filhos e responsabilidades familiares para canalizar suas energias, e assim se distrair das ocupações carnais de tagarelar e se intrometer entre os santos. Com essa idade, a experiência dela com o Senhor no caminho Cristão deveria ter lhe ensinado a andar no Espírito, e assim julgar as tendências carnais que tendem a afetar crentes mais jovens.
Cap. 5:16 – Paulo resume suas observações anteriores afirmando que apenas aquelas que são “verdadeiramente viúvas” devem ser sustentadas pela assembleia; todas as outras devem ser recusadas. Ele diz, “Não se sobrecarregue a Igreja [Assembleia – JND]” por viúvas cujos parentes podem cuidar delas. “Esta” (a assembleia) (ARA) só deve “socorrer as que verdadeiramente são viúvas” (ARA).
Supervisores (Anciãos)
Cap. 5:17-19 – Paulo prossegue para falar sobre como os “anciãos” devem ser tratados. Isso se refere àqueles no ofício de ancião/supervisor/guia na assembleia; não são simplesmente aqueles irmãos mais velhos, como no verso 1. Esses supervisores cuidam do rebanho numa esfera local e devem ser respeitados.
Logo vemos que Paulo não vê todos os supervisores/anciãos como tendo a mesma distinção de honra. Ele diz: “Os anciãos que governam bem [lideram bem entre os santos – JND] sejam tidos por dignos de duplicada honra, especialmente os que trabalham na palavra e na doutrina [em palavra e em ensino – JND]”. Baseado nisso alguém pode concluir que se um supervisor/ancião não governa “bem” não devemos honrá-lo ou nos submetermos a ele. Mas, ao especificar que alguns que deviam receber “duplicada honra” Paulo mostra que honra deve ser mostrada a todos os supervisores/anciãos que estão nesse lugar de responsabilidade. Honra deve ser dada a eles por causa do que é devido ao ofício que eles ocupam na casa de Deus, e uma honra adicional deve ser dada àqueles que fazem isso “bem”. Em seguida, Paulo mostra que há alguns anciãos que devem ser honrados até mesmo além disso – aqueles que governam bem, e que também “trabalham em palavra e ensino”. Isso é mostrado quando Paulo diz, “Especialmente …”. O Sr. Kelly aponta essas três distinções, afirmando que deve haver “honra em seu ofício, honra por ter cumprido o papel de maneira excelente, e distinção especial para aqueles dentre os anciãos que trabalham em palavra e ensino”. O fato de que ele distingue entre aqueles que ensinam e aqueles que governam bem, mostra que nem todos os supervisores/anciãos ensinam, mas é bom e útil se puderem fazê-lo.
V. 18 – Aqueles supervisores/anciãos que “governam [lideram] bem” e “trabalham em palavra e ensino” devem ser recompensados pelo seu serviço. Paulo não está se referindo a uma recompensa futura que ele certamente irá receber no tribunal de Cristo (2 Co 5:10; 1 Pe 5:4), mas a uma ajuda ou assistência em necessidades práticas. Isso pode ser um apoio financeiro da assembleia local em que eles residem e trabalham, se eles precisarem disso. Paulo cita um verso do Velho Testamento (Dt 25:4) e um verso do Novo Testamento (Lc 10:7) para apoiar essa ideia. Nota: o evangelho de Lucas é citado e classificado por Paulo como “Escritura” mostrando que alguns dos livros do cânone do Novo Testamento já eram reconhecidos como inspirados por Deus naquela época.
V. 19 – Paulo não descartou a possibilidade de um supervisor/ancião vir a cair, mas afirmou que deveria ser algo que pudesse ser provado com “duas ou três testemunhas”. Esse verso tem uma aplicação especial para a assembleia em Éfeso onde Timóteo tinha que permanecer e trabalhar (cap. 1:3). Em Atos 20:30, Paulo havia alertado que alguns dos anciãos naquela cidade estavam se tornando falhos, e as instruções que ele deu a Timóteo aqui sobre como lidar com eles seriam necessárias.
Todos os casos de mal na assembleia devem ser provados antes de ações serem tomadas, especialmente quando se trata de anciãos. O fato de Paulo dizer que deve haver a devida comprovação de infração demonstra que podem surgir acusações infundadas contra um ancião. A natureza da obra de um supervisor faz com que ele fique sujeito a mal-entendidos e a ataques. Um supervisor, tendo que lidar às vezes com os erros de outros, pode levar ao ressentimento e rancor naqueles que tenham sido admoestados e isso pode resultar em retaliação com algumas acusações injuriosas contra o ancião. Por isso, com essa possibilidade sempre à espreita, todas essas acusações devem ser devidamente comprovadas. Isso mostra novamente que aqueles no papel de liderança na assembleia são um alvo para o inimigo, e ataques em forma de acusações virão em direção àqueles nessa posição.
Irmãos que pecaram
Cap. 5:20-21 – Paulo volta a falar de outros na assembleia que possam pecar. Ele diz, “Aos que pecarem, repreende-os [declara-os culpados – JND] na presença de todos, para que também os outros [o resto – JND] tenham temor”. Alguns imaginam que Paulo ainda estava se referindo aos anciãos que possam vir a falhar. Muito embora isso possa incluir um ancião, isso não se restringe a eles. O Sr. Kelly disse: “A primeira parte dessa passagem não tem a ver especificamente com os anciãos, mas invade o campo mais amplo dos santos em geral … Limitar o alcance de ‘aos que pecarem’ (v. 20) como se significasse apenas os presbíteros ‘que pecassem’ nos leva, naturalmente, a pensar nos ‘outros’ dessa classe, e assim perder de vista uma admoestação solene que [não deve] de forma alguma ser limitada, como ‘na presença de todos’ comprova”.
Ter mencionado a possibilidade de alguns entre os santos em geral falharem logo após terem falado da falha de um supervisor/ancião, mostra que quando líderes falham, eles frequentemente afetam outros que possam estar seguindo a eles. Atos 20:30 confirma isso, afirmando que anciãos falhos poderiam “atrair os discípulos após si”.
A repreensão pública aqui mencionada não deve ser feita em todo caso de pecado na assembleia; a repreensão publica geralmente deve vir após uma repreensão privada (1 Ts 5:14). Um certo tipo de pecado requer esse tipo de repreensão. É geralmente um tipo de pecado exterior e público que pode afetar outros – tais como criadores de partido, semeando discórdia entre os irmãos etc. Nesses casos, uma repreensão perante todos está de acordo. O efeito é que os “símplices” que de outro modo poderiam estar inclinados a seguir o pecado, “temam” (Rm 16:18; Dt 17:13), e assim, se desassociarem dele. Um exemplo de uma repreensão pública é a repreensão de Paulo a Pedro “na presença de todos” (Gl 2:14). O erro de Pedro poderia muito bem ter induzido outros ao erro, e uma ação pública foi necessária.
A seriedade da questão se reflete no fato de que Paulo encarregou Timóteo “diante de Deus, e do Senhor Jesus Cristo” e sob o olhar “dos anjos eleitos”. Ele o adverte sobre dois perigos que ele devia evitar ao lidar com pessoas na casa de Deus:
- “Preconceito” – Ser desfavoravelmente tendencioso contra alguém por causa de determinados sentimentos preconcebidos em relação à pessoa. - “Parcialidade” – Mostrar favoritismo para com alguém por causa de sua riqueza, posição secular no mundo, ligações familiares na assembleia, personalidade, etc.
Novas Associações
Cap. 5:22-25 – Paulo então alerta Timóteo sobre os perigos das associações – não apenas com pessoas, mas também com o vinho. Como Timóteo devia representar Deus ao ajudar os santos na casa de Deus, ele devia ser cuidadoso sobre com quem (e com o que) ele se associaria. Paulo, portanto, dá a ele alguns princípios orientadores que são úteis para todos na casa de Deus.
V. 22 – Timóteo devia ser especialmente cuidadoso com novas associações. Ele não devia “impor precipitadamente as mãos” sobre ninguém. Como foi dito no segundo capítulo, a referência a “mãos” na Escritura é frequentemente uma figura de linguagem simbolizando identificação com alguém ou alguma coisa (Lv 1:4; Nm 8:10, 27:18; Gl 2:9). Timóteo não devia se identificar com homens cujo caráter não era conhecido. Ele devia ir devagar ao fazer novos amigos pois ele poderia facilmente se tornar um “participante” dos “pecados alheios” por sua identificação com eles, se ele não fosse cuidadoso. Ele devia se manter “puro”. A lição para nós aqui é a de nos certificarmos de escolher cuidadosamente nossas companhias (Sl 119:63).
Esse verso não está se referindo diretamente à recepção à Mesa do Senhor, como alguns imaginam, mas à comunhão pessoal na casa de Deus. No entanto, o princípio contido no verso pode guiar os irmãos no tocante à recepção. Isso nos mostra que se indivíduos devem ser cuidadosos com suas associações pessoais, a assembleia certamente também deve.
O verso 23 é um parêntese. Isso mostra que há não apenas pessoas, mas também coisas e práticas com as quais os Cristãos precisam ter cuidado em se associar. Podemos ver pela ordem de Paulo em relação ao “vinho” que Timóteo foi cuidadoso em manter sua pureza pessoal e tinha procurado se distanciar do vinho por causa do testemunho. No entanto, sua consciência sensível precisava de esclarecimento. Ele precisava entender que ele não estaria correndo qualquer perigo se usasse vinho como medicamento – “por causa do teu estômago e das tuas frequentes enfermidades”. Timóteo não deveria buscar um milagre para o seu mal-estar, mas devia usar os meios disponíveis para ele para cuidar de sua saúde. Nesse caso “um pouco de vinho” ajudaria. Isso nos ensina que não devemos rejeitar as misericórdias que o Deus Criador disponibilizou em Sua criação para as necessidades de Suas criaturas.
No entanto, é triste dizer, alguns Cristãos entendem que isso significa que é bom e aceitável para os Cristãos ingerir bebidas alcoólicas pelo prazer pessoal. Mas Paulo não diz a Timóteo para tomar vinho por causa do prazer, mas por causa de sua saúde. Não há qualquer autorização nesse verso para a bebida social. Há muitos Cristãos que amam o remédio de Paulo, mas que não têm a enfermidade de Timóteo!
O vinho, embora não seja proibido para os Cristãos, deve ser tratado com cuidado por eles por pelo menos três motivos:
- O risco de ser pessoalmente tentado e de acabar sendo dominado por ele (1 Co 6:12; Pv 20:1, 23:29-35). - O risco de fazer tropeçar um irmão mais fraco na fé (1 Co 8:9-13). - A possibilidade de trazer reprovação contra o testemunho Cristão (2 Co 6:3).
V. 24 – Paulo explica porque Timóteo não deveria se precipitar em fazer novas associações na casa de Deus. Há duas classes de pecados que os homens podem praticar: aqueles que são “manifestos” e aqueles que são ocultos e “manifestam-se depois”. A vida de alguns homens é como um livro aberto; seus erros são de conhecimento público; outros vivem mais reservadamente e por isso seu verdadeiro caráter só vem à tona posteriormente.
V. 25 – Paulo mostra que isso se aplica também às “boas obras”. Uma pessoa pode ser bem conhecida por suas obras de serviço porque ela tem um perfil público de destaque entre os irmãos, e uma outra, que segue com o Senhor discretamente, seu serviço não é conhecido publicamente. Dessa forma, a lição aqui para Timóteo (e para nós) é não julgar uma pessoa pelas primeiras impressões – nem pelo mal nem pelo bem. Se levarmos tempo até formarmos nossos julgamentos sobre personalidades, seremos muito mais precisos – e poderemos nos livrar de alguns constrangimentos ao tirar conclusões erradas precipitadamente. O tempo é um grande examinador; ele revelará o verdadeiro caráter de uma pessoa. Portanto, Timóteo devia ir com calma nisso.
Servos (Escravos)
Capítulo 6 – Nesse capítulo, Paulo continua a tratar das coisas que dizem respeito à comunhão na casa de Deus. Ele exorta contra tudo aquilo que poderia prejudicar os relacionamentos especiais que temos uns com os outros, e isso, por conta do testemunho público do Cristianismo perante o mundo.
Cap. 6:1-2 – Paulo em seguida trata dos “servos [escravos – JND]” que estavam sob a autoridade de seus senhores. Esses crentes eram escravos. Isso é algo que nunca foi planejado para o homem, mas foi instituído por homens perversos por motivos torpes. É significativo, no entanto, que Paulo não diz a esses crentes escravos para se livrarem dessa situação. Pelo contrário, ele diz a eles para se comportarem adequadamente nessa situação para que o testemunho da graça de Deus não fosse manchado.
Isso mostra que o Cristianismo não é uma força para corrigir injustiças sociais no mundo. Quando o Senhor veio em Sua primeira vinda, Ele não Se empenhou em reformar o mundo e restaurar seus erros terrenos – quer fossem sociais ou políticos. Ele fará isso num dia vindouro quando intervier em julgamento em Sua Aparição; então toda coisa tortuosa nesse mundo será endireitada (Is 40:3-5). Os Cristãos não devem tentar consertar o mundo agora, mas aguardar por aquele dia (Mt 13:28-29). Devemos deixar o mundo tal como está, e anunciar o evangelho que convoca os homens a saírem dele para o céu. Não há, portanto, nenhuma ordem nas epístolas para Cristãos consertarem os erros da escravidão, ou qualquer outra injustiça social nesse mundo. Isso é porque estamos “no” mundo, mas não somos “do” mundo (Jo 17:14). O Senhor disse que se Seu reino fosse “deste mundo”, então Seus servos lutariam nessas circunstâncias (Jo 18:36). Mas visto que não era esse o caso, devemos “deixar o caco se esforçar com os cacos da Terra” (Is 45:9 – JND). A esse respeito, Hamilton Smith disse: “O grande objetivo da casa de Deus não é melhorar o mundo, mas dar testemunho da graça de Deus a fim de que homens possam ser salvos do mundo, que, mesmo com a desenvolvimento cultural e algumas melhorias sociais, está indo para o juízo”.
Paulo vê dois cenários em relação aos servos (escravos): um onde o senhor talvez não seja um crente (v. 1), e outro onde o senhor é um crente (v. 2). A grande preocupação de Paulo em ambos os casos é que “o nome de Deus e a doutrina [o ensino – JND] não sejam blasfemados”. Vemos aqui, como tantas vezes nessa epístola, que o foco está em manter um bom testemunho exterior perante o mundo. Isso nos mostra também que independentemente de onde uma pessoa está na escala social, ela ainda tem uma oportunidade de testemunhar de Cristo.
Nota: Paulo não diz a esses servos para fugirem, como Onésimo fez antes de ser salvo (Fm 15). Em vez disso, eles deviam permanecer nessa situação de vida e glorificar a Deus diante de seus senhores tratando-os com “toda a honra”. Isso renderia um bom testemunho perante todos.
Se o senhor fosse um crente, o servo poderia estar inclinado a “desprezar” a ele por promover o princípio mundano da escravidão, mesmo ele sendo um irmão no Senhor. Seria especialmente difícil para os servos respeitar seus senhores nessa situação, sabendo que eles tinham o seu “benefício pelo bom e pronto serviço [prestado]” (JND) pelo servo. Não obstante, os servos deviam tratar seus senhores crentes “com sujeição porque eles são fiéis e amados” (JND).
Poderíamos nos perguntar que lição nós – que vivemos no mundo Cristão ocidental de hoje – poderíamos tirar disso, visto que a escravidão foi abolida há muito tempo nessas regiões. No entanto, quando estamos numa atividade profissional remunerada fazendo parte da força de trabalho de alguma empresa, prestamos nossos serviços para essa empresa em troca de remuneração (salário). Durante as horas de nosso trabalho nessa ocupação, estamos, em princípio, na mesma posição desses servos. Portanto, as ordens dadas aqui têm uma aplicação prática para nós quando estamos no local de trabalho. Devem ser dados honra e respeito aos nossos empregadores, da mesma forma que esses escravos eram obrigados.
A história da Igreja revela que essa ordem era observada por escravos Cristãos em geral, ao ponto de ser algo bem conhecido no mundo da escravidão que um escravo Cristão custava um preço mais alto nos leilões. Isso é um grande tributo à fé Cristã. Deve ser da mesma forma hoje; qualquer empregador que puder ter um empregado Cristão deve ser grato, pois o Cristão deve cuidar do negócio do seu empregador e tratá-lo como se fosse seu (Ef 6:5-8; Cl 3:22-25; 1 Pe 2:18).
Falsos Mestres
Cap. 6:3-8 – Paulo passa a tratar sobre como devemos lidar com falsos mestres na casa de Deus. Ele se refere a tais indivíduos na frase, “Se alguém ensina diferentemente” (JND). Que falsos mestres se levantariam na casa de Deus é realmente triste, mas no capítulo 4:1, Paulo alertou que isso aconteceria.
V. 3 – Ensinar coisas “diferentemente”, se refere especificamente àquilo sobre o que Paulo estava falando nos dois versos anteriores, em que ele ensinou submissão à autoridade no local de trabalho, em vez de rebelião contra os erros da escravidão. Mas isso tem uma aplicação mais ampla, e pode abranger qualquer coisa que for heterodoxa5 e contrária à verdade que foi entregue aos santos (Jd 3). Ministério que ensina Cristãos a lutarem por seus direitos nesse mundo e a se envolverem em iniciativas para corrigir as injustiças na sociedade é algo contrário ao que Paulo ensinou. Hamilton Smith disse: “Aparentemente, naquele período inicial havia aqueles que ensinavam de outra forma. Eles viam o Cristianismo apenas como um meio para melhorar as condições sociais de homens e mulheres, e assim fazer desse mundo um lugar melhor e mais radiante”.
É triste dizer, mas essas coisas são o foco em muitos círculos Cristãos atualmente. Cada vez mais, Cristãos estão se envolvendo em causas políticas e reformas sociais, mas isso não é ministério Cristão verdadeiro. Isso “não se conforma com as sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo, e com a doutrina que é segundo a piedade” (AIBB). O Senhor não ensinou tais coisas em Seu ministério terreno (os evangelhos), nem essa linha de coisas coincidem com a doutrina da graça no Cristianismo ensinadas pelos apóstolos (as epístolas).
Esse erro decorre das ideias erradas da Teologia Reformada (também conhecida como Teologia do Pacto) que, entre outros erros, ensina que nossos esforços evangelísticos são para converter e consertar o mundo, que, por sua vez, deixarão esse mundo pronto para o Senhor vir e começar Seu reino milenar. É triste dizer que Cristãos sob influência desse ensino falso, estão usando suas energias numa tentativa de alinhar o mundo aos princípios de justiça do reino. Mas essa é uma causa perdida! A Escritura ensina que o reino de Cristo não será estabelecido pelos esforços evangelísticos de Cristãos, mas pelo julgamento que será executado por Cristo em Sua Aparição (Is 26:9).
É significativo que Paulo menciona “doutrina” antes de “piedade”. Como foi muitas vezes afirmado, nossa doutrina forma nosso andar; temos que crer corretamente antes de podermos andar corretamente. Sã doutrina resulta em piedade prática. Repare também que Paulo fala de mestres enganadores nessa passagem no singular (“se alguém”), mas em sua segunda epístola, ele fala deles no plural (2 Tm 1:15; 2:17; 4:3). Isso mostra que com o passar do tempo, haveria um aumento de mestres com ensinos divergentes.
V. 4 – Paulo continua a explicar que essas falsas ideias vêm do orgulho do coração humano (“soberbo [inchado – JND]”) e da ignorância da mente humana que (“nada sabe”). Toda essa presunção não promove feliz comunhão na casa de Deus, pelo contrário, isso a põe abaixo. Onde quer que ensinos errôneos sejam encontrados, inquietação e tristeza os acompanham. Há “questões e contendas de palavras” e “invejas, porfias, blasfêmias, ruins suspeitas”, etc.
Vs. 5-8 – Paulo acrescenta que esses falsos mestres, que eram “homens corruptos de entendimento, e privados da verdade”, tinham como motivo oculto a cobiça pelo dinheiro – e isso aparecia em seus ensinos. Ele diz: “cuidando que a piedade seja causa de ganho [sustentando ser o ganho a finalidade da piedade – JND]”. Eles sustentam e ensinam que se uma pessoa vive uma piedosa e vitoriosa vida Cristã, Deus o abençoará com ganho material. Desse princípio errado, vem a ideia de que se você está fazendo a vontade de Deus, Ele lhe fará próspero e rico, e isso (dizem eles) será um testemunho para o mundo da bondade de Deus, e atrairá pessoas a Cristo. No entanto, se trata de misturar cobiça da carne com a graça de Deus e então apresentar isso como a verdade do evangelho. As pessoas podem até se sentir atraídas, mas não é Cristo que elas querem – é o dinheiro. Esse ensino errôneo predomina atualmente. O assim chamado “evangelho da prosperidade” que o “movimento carismático” prega, é um exemplo desse erro. Essencialmente eles reduzem o Cristianismo a algo um pouco melhor do que um meio de melhorar o status de uma pessoa no mundo. As palavras “Aparta-te dos tais” (KJV e ARC) têm pouca autoridade de manuscrito e foram deixadas fora de muitas traduções mais críticas. Ainda que esse seja o caso, esse é um bom conselho em relação a esse tipo de mestres.
Muitos consideram que é perfeitamente aceitável ter comunhão com mestres de má doutrina, ainda que esses mestres sustentem coisas que são contrárias à verdade quanto à Pessoa e obra de Cristo. Eles pensam que não há problema contanto que eles pessoalmente não sustentem essas coisas. Mas isso é ingenuidade; mais cedo ou mais tarde seremos contaminados por essas coisas. Paulo repreendeu os Coríntios por sua má doutrina em relação à ressurreição, que eles tinham adquirido por não serem cuidadosos com suas associações. Ele diz: “Não vos enganeis: as más conversações corrompem os bons costumes” (1 Co 15:33). Esse verso é frequentemente utilizado em conexão com o perigo de adquirir maus hábitos morais por sermos descuidados com nossas associações, mas isso na verdade tem a ver com adquirir má doutrina por meio de nossas associações. O apóstolo João disse claramente quais devem ser nossas atitudes quando nos deparamos com aqueles que não sustentam a verdade em relação à Pessoa de Cristo. Ele disse: “Porque quem o saúda tem parte nas suas más obras” (2 Jo 11). Isso significa que ainda que não sustentemos essas más doutrinas, se nos associamos com aqueles que o fazem, somos considerados como sendo cúmplices com eles! Visto que a associação com o mal contamina, a forma de tratar todos esses mestres de má doutrina na casa de Deus é nos “apartando” deles (2 Tm 2:16:-21).
Nessa passagem, Paulo contrasta dois tipos de “ganho”: ganho material (v. 5), e ganho espiritual (v. 6). Falsos mestres irão muitas vezes promover ganho material em seu ministério, mas o verdadeiro Cristianismo promove ganho espiritual e contentamento com aquilo que Deus tem dado em coisas temporais. Ele diz: “é grande ganho a piedade com contentamento”. Ele também diz: “Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes” (ARA). Paulo era um exemplo prático disso (Fp 4:11-13). Podemos nos perguntar, “E quanto a um lugar para morar?” A palavra “vestir [cobrir – ARC]”, no grego, significa “uma cobertura”, sem especificar que tipo de cobertura. É, portanto, ampla o suficiente para incluir uma cobertura sobre nossas cabeças na forma de um lugar para habitar (um alojamento).
Pessoas Avarentas
Cap. 6:9-16 – Tendo falado dos falsos mestres cujo ministério tem o efeito de estimular a avareza naqueles que estão sob seu ensino, Paulo agora passa a falar da classe de pessoas que recebe a doutrina deles. Ele designa esses como “os que querem ser ricos”. Eles são pessoas avarentas que são atraídas pela linha carnal de ministério dos falsos mestres.
V. 9 – Ao dizer “os que querem ser ricos”, Paulo não está falando necessariamente de pessoas ricas, mas daqueles que tem o “desejo” (JND) de ser ricos. O mal que ele está condenando é o de estabelecer para si mesmo o objetivo de ser rico. Uma pessoa pobre pode ter esse mau desejo, assim como uma pessoa rica. Isso leva Paulo a fazer um solene discurso a Timóteo sobre o uso e o abuso das riquezas, que continua por todo resto do capítulo. Ele dá algumas palavras de exortação bastante necessárias para aqueles que vivem nessa desenvolvida civilização ocidental onde a prosperidade tem quase matado o Cristianismo.
Ele diz a Timóteo que aqueles que perseguem as riquezas como um objetivo, “caem em tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e ruína”. Isso não significa que Cristãos que cobiçam riquezas perderão sua salvação, mas que o pecado de perseguir as riquezas é tão perigoso e cegante que impede homens em seus pecados de irem a Cristo. Saber que esse pecado tem tamanho poder sobre a alma de uma pessoa deveria alarmar qualquer Cristão sensato, e fazê-lo julgar e abandonar qualquer ideia de cobiçar riquezas.
V. 10 – Paulo prossegue com seu alerta, dizendo, “Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé [têm vagueado6 da fé – JND], e se traspassaram a si mesmos com muitas dores”. As pessoas geralmente citam esse verso de maneira errada, dizendo que “dinheiro é a raiz de todos os males”. Mas isso não é o que ele diz; é o amor ao dinheiro que é a raiz de todos os males. As riquezas em si não são condenadas; antes, é o “amor” pelas riquezas e o “querer” (ter o desejo de) tê-las que é. Seu argumento é que se um homem ama desesperadamente o dinheiro, ele expõe a si mesmo a todo tipo de males que lutam contra sua alma. Aqueles que vão atrás de riquezas, com um mal desejo, pensam que conseguirão alegria e felicidade, mas isso produz apenas sofrimento. Eles buscam muitas riquezas, mas o que conseguem é “muitas dores”. Estejamos avisados; e lembremo-nos de que o amor ao dinheiro nem sempre começa com tendo milhões; pode começar com amor a cinco ou dez centavos! Paulo não está louvando a pobreza; ele está advertindo contra a avareza.
Vs. 11-12 – Tendo em conta o aumento dos ensinos errados e do desvio rumo ao lucro material entre muitos na casa de Deus, Paulo exorta Timóteo a fazer quatro coisas: ele devia “fugir” da avareza, “seguir” as características morais do reino em sua vida pessoal, e “militar [combater – ARA]” o bom combate da fé. Por último, mas não menos importante, ele devia “tomar posse da vida eterna”. Ao fazer essas coisas, Timóteo estaria em uma condição adequada para testemunhar uma “boa confissão” diante de todos.
Há uma ordem moral para essas coisas. Conforme o avanço do declínio no testemunho Cristão (cap. 4:1), haveria uma oposição crescente à revelação Cristã da verdade, como Paulo havia ensinado. Havia, portanto, uma grande necessidade de um homem como Timóteo estar engajado no “combate da fé” (conforme nota de rodapé da tradução de J. N. Darby em 1 Tm 6:12), que é defender toda a verdade de Deus. No entanto, Timóteo não teria nenhum poder nesse “bom conflito” se ele primeiro não fugisse do mal e seguisse o bem.
Ao fazer seu apelo a Timóteo, Paulo dá a ele um elogio muito alto ao chamá-lo de “homem de Deus”. Esse termo só aparece nas Escrituras quando a massa do povo professo de Deus falha em sua responsabilidade coletiva. Significa um homem que permanece fiel a Deus e age por Ele quando aqueles que professam conhecer a Deus demonstram ser infiéis. O termo sempre é usado no singular, significando que fidelidade é algo estritamente individual. Na primeira epístola, Paulo aplica o termo a Timóteo, mas na segunda epístola, ele o aplica a todos que caminhariam fielmente em um dia mal (2 Tm 3:16-17).
Como mencionado anteriormente, Timóteo precisava primeiro “fugir” da busca pelas riquezas. Ele não tinha que fugir do dinheiro, mas da avidez de tê-lo. “Tentação, e laço” que vêm com tal busca maligna tem desencaminhado muitos que de outra forma poderiam ter sido úteis no serviço do Senhor. O próprio Senhor advertiu “Não podeis servir a Deus e a mamom” (Lc 16:13). Mamom era o deus cananeu da fartura e da prosperidade. Esse deus permanece como um símbolo da avidez pela fartura material e riquezas. Se Timóteo tivesse qualquer anseio por “essas coisas” ele não seria eficiente nesse conflito espiritual.
Não era o suficiente para Timóteo evitar o mal; ele também devia “seguir [perseguir – JND] a justiça, a piedade, a fé, o amor, a paciência [perseverança – JND], a mansidão”. Essas características morais do reino de Deus deviam estar nele como uma demonstração viva da verdade (Rm 14:17). Essas qualidades necessárias em um homem de Deus não se tornam parte de uma pessoa por acidente; elas devem ser buscadas. Isso requer um exercício de alma e propósito de coração para adquirir tais qualidades.
Fazendo essas coisas, Timóteo adquiriria a força moral e a coragem para “combater (diligentemente – JND)” o “bom combate da fé”. – que consiste em “batalhardes, diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos” (Jd 3 – ARA). O fato de isso ser chamado um “combate” e uma “batalha” mostra que há uma verdadeira batalha em andamento para anular a verdade. Há muitos artifícios mobilizados contra o testemunho Cristão, assim como há muitos adversários (1 Co 16:9; 2 Co 2:11).
É dito à Timóteo: “milites” a “boa milícia” (cap. 1:18), mas não entrando em discussões carnais sobre a verdade. Ele devia apresentar a verdade da posição de alguém que está desfrutando atualmente dela. Por isso, Paulo acrescenta uma quarta coisa – a necessidade de “tomar posse da vida eterna”. O que isso significa? A vida eterna é nossa a partir do momento em que cremos no evangelho (Jo 3:15, etc.), ainda assim, somos exortados a “tomar posse” dela em termos práticos. Cada Cristão possui vida eterna como um dom de Deus (Rm 6:23), mas tomar posse dessa vida na prática é uma outra questão. A essência da vida eterna é ter comunhão consciente com o Pai e o Filho (Jo 17:3; 1 Jo 1:3) no poder do Espírito Santo de Deus habitando em nós (João 4:14). Portanto, tomar posse dessa vida é viver no prazer da comunhão com o Pai e o Filho. Aqui reside o segredo do poder para testemunhar “a boa confissão”.
Cristãos avarentos estão lutando para obter riqueza, mas o Cristão fiel está em uma luta para defender a verdade. As consequências dessas buscas diferentes são opostas; os Cristãos avarentos “se desviam da fé**”** (v. 10), mas os Cristãos fiéis permanecem firmes no **“combate** da fé**”** (v. 12 – ARA).
V. 13 – Ao testemunhar a boa confissão, certamente iremos encontrar oposição. Paulo não minimiza isso. Perseguição viria (2 Tm 3:12), mas ele lembrou a Timóteo de que ele vivia sob o olhar do “Deus que preserva a vida de todas as coisas” (ARA). Isso foi mencionado para fortalecer a confiança de Timóteo no Senhor, a fim de que ele permanecesse em seu testemunho pela verdade destemidamente. Para encorajá-lo ainda mais, Paulo coloca o Senhor Jesus diante dele como o Exemplo perfeito de fidelidade.
É apropriado que essa epístola – que tem a ver com aqueles que compõem a casa de Deus manifestando corretamente o caráter de Deus – deva terminar com a manifestação suprema na Pessoa de Cristo. Quando Ele esteve aqui na Terra, Ele foi o grande Confessor da verdade e Representante perfeito de Deus. Ele “diante de Pôncio Pilatos deu o testemunho de boa confissão” ao manifestar perfeitamente Deus diante de enorme oposição. Ele não comprometeria nada diante de Pilatos, mas esteve inabalável em Sua confissão, ainda que Suas palavras fossem poucas.
V. 14 – Paulo não diz que a boa confissão de nosso Senhor culminou com Ele sendo martirizado por homens perversos – que era algo que realmente poderia acontecer a Timóteo. Em vez disso, direciona-o à “Aparição de nosso Senhor Jesus Cristo”. Para encorajar a Timóteo ainda mais nessa posição pela verdade, Paulo lembra a ele de que a fidelidade terá sua recompensa no dia futuro. Se o mandamento (encargo) fosse mantido “sem mácula e repreensão” seria recompensado, e manifestado na Aparição de Cristo. Embora todo testemunho possa parecer ser inútil em virtude da incredulidade do homem, na Aparição as consequências de tal fidelidade serão manifestadas diante de todos.
Vs. 15-16 – Em conexão com o fato de que nossa confissão atual será recompensada no dia vindouro, Paulo chama atenção para a grande recompensa que Cristo irá receber no momento de Sua Aparição. “A seu tempo” (na Aparição), o “bendito e único Soberano” (Deus) (ARA) “mostrará” a todos “o Rei dos reis e Senhor dos senhores” (Cristo). (É difícil discernir se os pronomes nesses versos estão se referindo a Deus o Pai ou ao Senhor Jesus Cristo, mas aquilo que afirmamos parece ser o sentido geralmente aceito dessa passagem.)
O assunto nessa passagem é esse: visto que o Senhor Jesus manifestou a Deus fielmente em Seu primeiro advento, Deus O manifestará em Seu segundo advento. Será uma manifestação gloriosa, mas não de Cristo em Sua deidade essencial, pois isso está além do conhecimento da criatura e Ele subsiste em luz inacessível. Em Seu Ser essencial, Deus tem “Ele só” “a imortalidade, e habita na luz inacessível [inaproximável – JND]; a Quem nenhum dos homens viu nem pode ver [nem é capaz de ver – JND]”. Deus na essência abstrata de Seu Ser não será visto naquele dia, mas Cristo como um Homem glorificado será o centro de toda glória visível. J. N. Darby disse: “É Deus na abstração de Sua essência, na própria imutabilidade de Seu Ser, nas prerrogativas de Sua majestade, encoberto a todos os homens”.
Após falar da grandeza de Deus e glória de Cristo, Paulo não pôde deixar de acrescentar uma pequena doxologia de louvor – “ao Qual seja honra e poder sempiterno. Amém”.
Irmãos Abastados
Cap. 6:17-21 – Visto que Paulo estava falando de riqueza material nesse capítulo, e daqueles que a buscam, ele trata de uma última classe de pessoas na casa de Deus – irmãos abastados. Ele se refere a esses como, “os ricos”. A mente mundana teria colocado esses em primeiro na longa lista de indivíduos que ele forneceu, mas Paulo os coloca por último. Isso não foi um acidente; ele está nos mostrando que não devemos considerar pessoas com base em seu status na vida (Tg 2:1-4).
Timóteo devia “mandar” aos irmãos que fossem ricos nesse mundo, a que não se ocupassem com suas riquezas. Paulo não queria que eles pusessem sua “esperança” em suas riquezas, mas sim em “Deus” porque as riquezas podem criar asas e voar (Pv 23:4-5). Salmo 62:10 diz: “se as vossas riquezas aumentam, não ponhais nelas o coração”.
Paulo prossegue para tratar de três grandes perigos que aqueles que são ricos precisam se guardar:
- Arrogância (“altivos”) – ter uma atitude de alguém que merece um tratamento preferencial por serem superiores aos outros crentes (v. 17a). - Independência (“ponham a esperança na incerteza das riquezas”) – não se lançando sobre Deus para as necessidades diárias da vida (v. 17b). - Egoísmo (não ser “generosos em dar” (ARA) nem “dispostos a repartir” (ARA) – acumulando bens materiais enquanto outros estão passando necessidade (v. 18).
V. 19 – Todos aqueles que repartem de suas riquezas “entesouram” para si mesmos uma recompensa futura para o tempo que há de vir e também ganham uma recompensa presente que é o desfrutar da “vida eterna” hoje. Nesse sentido, enquanto a Almeida Corrigida traz “alcançar a vida eterna”, a Tradução Brasileira traz “se apoderem da vida que é realmente vida”. Isso se refere à comunhão com o Pai e o Filho. Todos aqueles que desfrutam desse privilégio encontraram o segredo da vida. Aqueles que não tem essa dimensão espiritual em suas vidas não estão realmente vivendo, porque a vida que tem consistência não é encontrada no dinheiro ou naquilo que o dinheiro pode comprar.
O Senhor ensinou que as riquezas da injustiça não são para serem servidas, mas sim, para serem usadas tendo em vista o futuro. Ele disse: “Granjeai amigos com as riquezas da injustiça; para que, quando estas vos faltarem, vos recebam eles nos tabernáculos eternos” (Lc 16:9). Riquezas terrenas certamente irão “faltar” no sentido que elas não irão para a eternidade. Enquanto o dinheiro não irá permanecer, a forma como nós o usamos, permanecerá.
Vs. 20-21 – Paulo encerra a epístola com um caloroso apelo a Timóteo para guardar “o depósito” da verdade que “foi confiado” a ele. Ele devia “evitar” qualquer mistura de “clamores vãos e profanos e as oposições da falsamente chamada ciência [conhecimento – JND]” com a verdade, que apenas iria corrompê-la. Essas coisas procedem da mente filosófica do homem. Aqueles que aceitaram tais ideias e as misturaram com ministério Cristão “se desviaram da fé [não alcançaram a fé – JND]”. Timóteo devia tomar o cuidado de não permitir tal mistura em seu ministério.
Paulo o lembra do suprimento de “graça” que Deus daria, que o capacitaria no trabalho que ele devia fazer.
Embora Paulo tenha escrito muito antes do surgimento e desenvolvimento dos sistemas de erro que podem agora ser facilmente identificados na Cristandade, é realmente espantoso que ele tenha exposto a essência desses sistemas nessa carta a Timóteo. Essa é uma confirmação de que ele escreveu sob inspiração.
- Capítulo 4:1-5 se aplica ao Catolicismo – que proíbe o casamento e a ingestão de carne às sextas-feiras. - Capítulo 6:3-4 se aplica à Teologia (do Pacto) Protestante que incentiva o envolvimento em causas terrenas para melhorar o mundo. - Capítulo 6:5-8 se aplica ao moderno Movimento Carismático evangélico, cujo “evangelho da prosperidade” incentiva a avareza. - Capítulo 6:20 se aplica à mistura de filosofia e verdade, que é muito comum no ministério Cristão atualmente.
Sumário dos Vários Relacionamentos na Casa de Deus e a Conduta Adequada a Cada um
- Homens mais velhos – com respeito. - Homens jovens – com amor fraterno. - Mulheres mais velhas – com cortesia. - Mulheres jovens – com toda pureza. - Viúvas (mais velhas e mais jovens) – de várias maneiras. - Supervisores – com duplicada honra. - Irmãos que pecaram – com repreensão. - Novas associações – com cautela. - Servos (Escravos) – com exortação para se submeterem aos seus senhores. - Falsos mestres – com separação. - Pessoas avarentas – evitando amor ao dinheiro. - Irmãos abastados – sem parcialidade.
CONTRACAPA
A preocupação do apóstolo Paulo nessa epístola é a de que os Cristãos fossem encontrados caminhando de acordo com a ordem devida na casa de Deus, e assim, um testemunho sobre o verdadeiro caráter de Deus como o Deus Salvador e como o Deus Criador seria dado ao mundo. Paulo atribui a Timóteo um mandato apostólico com a finalidade de conduzir os santos em doutrina e prática.
Paulo, portanto, passa a apresentar a Timóteo a ordem moral da casa de acordo com a mente de Deus para que Timóteo tivesse um padrão com o qual pudesse trabalhar ao orientar os santos em uma linha de conduta que fosse adequada à casa. Deus preservou esta epístola inspirada para nós para que tivéssemos o padrão de Sua casa em nossas mãos, e assim soubéssemos como nos conduzir nela.
Notas
[←1]
N. do T.: Exegese é um termo se originou a partir do grego exégésis, que significa “interpretação”, “tradução” ou “levar para fora (expor) os fatos”.
[←2]
N. do T.: Ortodoxo provém da palavra grega orthos que significa “reto” e doxa que significa “fé”. É o que está em conforme com a doutrina tida como verdadeira.
[←3]
N.do T.: Doxologia provém do latim doxologia, que por sua vez vem do termo grego doxa, que significa “opinião” ou “glória”, com o sufixo -logia, que se refere à expressão oral ou escrita. Portanto, “doxologia” é uma expressão oral ou escrita de louvor e glorificação.
[←4]
N. do T.: Ou “Conserva”. Timóteo não ouviu nenhum modelo de Paulo, mas palavras ou doutrinas. Assim, ele deveria ter um resumo ou esboço, de modo a declarar clara e definitivamente o que ele sustentava. Eu adicionei “[palavras]”, porque em inglês “qual” pode ser pensado estar se referindo a modelo. O grego significa uma exposição sistemática, em linhas gerais, de qualquer sistema de doutrina ou filosofia, como 1 Tm 1:16 – “delineação” (ou “modelo” como na ARA).
[←5]
N. do T.: Heterodoxo é aquilo que se opõe aos padrões, normas, regras ou a uma doutrina pré-estabelecida. Do grego hetero que significa “diversa” e doxa que significa “fé”. É o que está em desconformidade com a doutrina tradicional.
[←6]
N. do T.: Vaguear significa andar sem destino ou rumo certo, deixando-se dominar por fantasias e imaginação.