A Primeira e Segunda Epístolas de PEDRO
Ministério Relativo ao Cuidado de Judeus Convertidos
Bruce Anstey
A PRIMEIRA E SEGUNDA EPÍSTOLAS DE PEDRO – Ministério Relativo ao Cuidado de Judeus Convertidos
Bruce Anstey
Originalmente publicado por:
9-B Appledale Road
Hamer Bay (Mactier) ON P0C 1H0
CANADÁ
christiantruthpublishing@gmail.com
Título do original em inglês: THE FIRST & SECOND EPISTLES OF PETER – Ministry Pertaining to the Care of Jewish Converts
Primeira edição – setembro 2018
Traduzido, publicado e distribuído no Brasil com autorização do autor por:
ASSOCIAÇÃO VERDADES VIVAS, uma associação sem fins lucrativos, cujo objetivo é divulgar o evangelho e a sã doutrina de nosso Senhor Jesus Cristo.
atendimento@verdadesvivas.com.br
Primeira edição em português – junho 2019
e-Book v.1.0
Abreviaturas utilizadas:
ARC – João Ferreira de Almeida – Revista e Corrigida – SBB 1969
ARA – João Ferreira de Almeida – Revista e Atualizada – SBB 1993
TB – Tradução Brasileira – 1917
ACF – João Ferreira de Almeida – Corrigida Fiel – SBTB 1994
AIBB – João Ferreira de Almeida – Imprensa Bíblica Brasileira – 1967
JND – Tradução inglesa de John Nelson Darby
KJV – Tradução inglesa King James
Todas as citações das Escrituras são da versão ARC, a não ser que outra esteja indicada.
A Primeira Epístola de
PEDRO
Novas Bênçãos, Provas e Relacionamentos Cristãos na Senda de Fé
Bruce Anstey
A PRIMEIRA EPÍSTOLA DE PEDRO
INTRODUÇÃO
Desde os primórdios do Cristianismo, quando as coisas nos caminhos de Deus estavam em transição (dispensacionalmente) do judaísmo ao Cristianismo, havia uma necessidade de que os judeus crentes em Cristo fossem instruídos neste novo curso de Deus. É por isso que as epístolas hebraico-Cristãs (Hebreus, Tiago, 1 e 2 Pedro) foram escritas e incluídas no cânon das Escrituras.
Pouco antes de ir para a cruz, o Senhor disse a Pedro: “e tu, quando estiveres restaurado, confirma [estabelece] teus irmãos” (Lc 22:32 – JND). Então, depois que o Senhor ressuscitou de entre os mortos, Ele formalmente o comissionou para este trabalho, declarando: “alimenta Meus cordeiros” e “pastoreia as Minhas ovelhas” (Jo 21:15-17 – JND). Assim, o Grande Pastor nomeou Pedro como pastor auxiliar para cuidar de Seu rebanho e ministrar às necessidades deles no tempo de Sua ausência – especialmente em coisas práticas envolvidas na mudança do judaísmo para o Cristianismo. No livro de Atos e em suas duas epístolas inspiradas, vemos Pedro cumprindo este ministério.
Aprendemos de Gálatas 2:7-8 que o “apostolado” de Pedro foi para “a circuncisão”. Isto é, o foco de seu ministério era principalmente para com seus irmãos judeus que haviam se tornado crentes no Senhor Jesus Cristo. De acordo com isso, Pedro lhes escreve suas epístolas. (1 Pe 1:18 e 2:12 confirmam isso.) O apóstolo Paulo chama esses crentes de “um remanescente, segundo a eleição da graça” (Rm 11:5 – JND) e “o Israel de Deus” (Gl 6:16).
Várias coisas ligadas ao judaísmo tinham formado as consciências daqueles criados naquela religião dada por Deus, que não eram fáceis de serem abandonadas, embora tivessem se tornado Cristãos. Esses escrúpulos se apegaram a esses queridos santos de Deus (compreensivelmente) e levaram a impedi-los que andassem na liberdade do Cristianismo. Essas coisas poderiam ser chamadas de “faixas”, que no caso de Lázaro tinham de ser retiradas antes que ele pudesse andar corretamente (Jo 11:44). Portanto, havia uma necessidade real da verdade nas epístolas hebraico-Cristãs nos primórdios do Cristianismo, quando a maioria dos santos da Igreja era de origem judaica. Os judeus têm vindo continuamente a Cristo para salvação desde aqueles primeiros dias até hoje, e essas epístolas lhes têm sido uma ajuda real.
No final desta epístola, Pedro declarou: “escrevi abreviadamente, exortando e testificando que esta é a verdadeira graça de Deus, na qual estais firmes”. Assim, ele deixou claro que seu propósito ao escrever a esses santos judeus era instruí-los e exortá-los a respeito da conduta adequada à nova posição em que se encontravam como Cristãos.
A Transição do Judaísmo para o Cristianismo
Após a morte de Cristo, aqueles da comunidade judaica que creram n’Ele, estavam inseguros quanto à direção em que Deus Se movia em relação às promessas do Velho Testamento, concernentes ao estabelecimento do reino Messiânico. A morte do Senhor foi um choque terrível para eles; eles estavam convencidos de que seria “Ele o que remisse Israel” (Lc 24:21). Eles pensaram que Ele os libertaria (o significado de redenção) de seus opressores gentios que governavam sobre eles (Lc 4:18), e assim, efetuaria a “grande salvação” da libertação nacional de seus inimigos, como anunciado no evangelho do reino (Hb 2:3). Mas tendo morrido, suas esperanças n’Ele estavam aniquiladas e eles ficaram desencorajados. Nesta epístola, Pedro mostra a esses queridos crentes que tudo não estava perdido na morte de Cristo. De fato, a morte de Cristo realizou grandes coisas para a glória de Deus e para a bênção do homem. Ela glorificou a Deus em relação a toda a questão do pecado. Foi a derradeira “oferta pelo pecado” (Is 53:10 – TB; Rm 8:3; 2 Co 5:21) que permitiu a Deus tirar os pecados de todos os que cressem (Hb 9:26-28). Além disso, Pedro ensinou-lhes que em Cristo ressuscitado e na vinda do Espírito Santo, Deus introduz uma esfera de muito maiores bênçãos e privilégios, do que aquela que as esperanças judaicas tinham em vista – e que essas novas bênçãos em Cristo estavam eternamente seguras. Por isso, o fracasso de Israel em receber seu Messias não derrotou a Deus. Não abalou Seu plano de abrir uma bênção maior em Cristo; isso era algo que Ele pretendia fazer antes da fundação do mundo.
Em consequência do fracasso de Israel em manter as condições da aliança da Lei e da rejeição deles ao Messias, houve uma mudança nos caminhos de Deus; Seus tratamentos com a nação de Israel foram suspensos. Isso é algo que foi predito pelos profetas de Israel (Dn 9:24-27; Mq 5:1-3; Zc 11:10-14, etc.). Enquanto isso, Deus “visitou os gentios” com o evangelho de Sua graça com o objetivo de chamar, dentre eles, crentes no Senhor Jesus Cristo, para compor uma nova companhia celestial de pessoas abençoadas – a Igreja de Deus (At 15:14). Todos os que cressem de entre os judeus e os gentios seriam parte dessa nova companhia (1 Co 12:13; Ef 2:11-22; 3:6).
Como mencionado, a primeira geração de Cristãos judeus precisava de instrução por causa dessa troca dispensacional nos caminhos de Deus, que é dada nas epístolas hebraico-Cristãs. (O apóstolo Paulo também explica essa mudança dispensacional em Romanos 9-11.) As esperanças dos crentes judeus no Senhor Jesus antes da cruz, eram centradas n’Ele, e com razão, mas essas esperanças estavam de acordo com o fato de Ele ser o Messias judeu terreno deles. Mas a morte e ressurreição de Cristo mudou tudo; tendo sido “cortado” (JND) na morte, Ele não teria “nada” (JND) naquele tempo, no que diz respeito ao Seu Messiado (Dn 9:26). Como Cristãos, os crentes judeus agora O conheceriam em um novo e muito mais abençoado relacionamento, como um Salvador ressuscitado em glória celestial. Assim, Paulo disse: “ainda que temos conhecido a Cristo segundo a carne, agora contudo não O conhecemos mais deste modo. Se alguém está em Cristo, é uma nova criação; passou o que era velho, eis que se fez novo”(2 Co 5:16-17 – TB). Assim, a morte de Cristo fechou a porta (temporariamente) à bênção judaica na Terra, mas a ressurreição e ascensão de Cristo abriram a porta para bênçãos superiores para os Cristãos, que estão em uma nova posição de favor diante de Deus em Cristo.
Pedro não estava escrevendo para aqueles que conheceram o Senhor na Terra, pois ele diz: “Ao qual, não O havendo visto, amais…” (cap. 1:8). Esses crentes haviam se convertido após o Pentecostes e, portanto, não tinham visto o Senhor pessoalmente. Alguns deles podem muito bem ter se convertido pela pregação de Pedro no dia de Pentecostes (At 2:5-11). E alguns podem ter sido salvos por meio dos trabalhos de Paulo e Barnabé, que pregaram em algumas das regiões mencionadas no capítulo 1:1. Independentemente de esses santos serem convertidos de Pedro ou não, eles eram crentes judeus, e ele sentia a responsabilidade de pastoreá-los como havia sido comissionado pelo Senhor. Assim, ele escreve para falar-lhes do novo relacionamento que tinham com Deus como Pai e de sua nova posição diante d’Ele em Cristo. Ele também lhes mostra que eles tinham novas e melhores esperanças em Cristo ressuscitado e os instrui quanto à conduta apropriada às novas bênçãos Cristãs. Uma vez que estava escrevendo para aqueles que estavam familiarizados com as Escrituras do Velho Testamento, Pedro faz numerosas referências a passagens no Velho Testamento, com as quais eles deviam estar familiarizados.
Algumas Características da Epístola
As duas epístolas de Pedro são baseadas em duas experiências memoráveis que ele teve como discípulo do Senhor. Esta primeira epístola relaciona-se à ocasião em que o Senhor anunciou que iria edificar a Sua Igreja (Mt 16:16-18). Naquele momento, Ele o chamou de “Pedro” (que significa “uma pedra”), indicando que ele seria uma parte daquele edifício como uma pedra viva (1 Pe 2:5). (Compare com João 1:42.) A segunda epístola é baseada na experiência de Pedro com o Senhor no monte da transfiguração (Mt 17:1-9). Ele faz referência a essa experiência no capítulo 1:16-18 e nela baseia diversas observações e exortações.
Como observado, o apóstolo Pedro tinha uma linha especial de ministério dada pelo Senhor. O caráter de seu ministério é completamente diferente do caráter do ministério de Paulo e João. O ministério de Paulo enfatiza nossa união com Cristo como membros de Seu corpo e nosso lugar na raça da nova criação, como Seus irmãos. O tema do ministério de João são as características da vida eterna na família de Deus, ao passo que nas epístolas de Pedro, não encontramos a união com Cristo, nem a raça da nova criação, nem a vida eterna – e nem encontramos o amor de Deus e o Arrebatamento dos santos em suas epístolas. J. N. Darby assinalou que “a doutrina da reunião dos santos com Jesus nos ares, quando forem ao Seu encontro, não faz parte dos ensinamentos de Pedro” (Synopsis of the Books of the Bible, Loizeaux edition, vol. 5, pág. 427; Collected Writings, vol. 28, pág. 164). Como mencionado, Pedro trabalha para estabelecer os crentes judeus no novo modo de vida no Cristianismo e nos exercícios que são próprios de um crente que anda pela fé nesse caminho. Por essa razão, seu ministério tem aplicação também para os crentes gentios – pois todos os Cristãos, não apenas judeus convertidos precisam de exortação prática em relação ao viver Cristão. Assim, o ministério de Pedro é principalmente pastoral, tocando fortemente no lado prático do Cristianismo.
OS SOFRIMENTOS DE CRISTO
Uma característica marcante da primeira epístola de Pedro é o assunto dos “sofrimentos de Cristo” (KJV). Eles são mencionados em cada capítulo (caps. 1:11; 2:21; 3:18; 4:1, 13; 5:1). Seus sofrimentos são trazidos não só como um modelo de como devemos reagir quando as pessoas nos tratam mal, mas também como uma motivação para vivermos uma vida devota e piedosa.
Pedro enfatiza os sofrimentos de Cristo em seu ministério porque isso era algo que os judeus geralmente negligenciavam nos oráculos de Deus – as Escrituras Messiânicas. Em cada uma das profecias sobre o Messias, o Espírito de Cristo testificou dois grandes temas – “os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir” (cap. 1:11). Ao longo dos escritos proféticos do Velho Testamento, há o que diz respeito aos sofrimentos do Messias e o que diz respeito àquilo que pertence ao Seu reino em régia glória. A ordem em que essas coisas são encontradas nas Escrituras indica que Cristo primeiro sofreria antes de entrar em Sua glória (Lc 24:26).
Os judeus se detinham nas passagens que pertenciam às glórias do Messias e nelas se deleitavam. Eles as liam em suas festas anuais com grande entusiasmo. Mas, infelizmente, eles negligenciaram as passagens que têm a ver com os sofrimentos do Messias – por exemplo, Salmo 22; Salmo 69; Isaías 50:4-6; 53:1-12; Miquéias 5:1; Zacarias 13:7, etc. Essas Escrituras revelam que Cristo seria rejeitado por Seu próprio povo, a quem Ele veio para abençoar (Jo 1:11) e seria “cortado” (JND) na morte (Sl 22:15; Is 53:8; Dn 9:26). Deus tinha uma razão muito importante para permitir que isso acontecesse; a morte de Cristo seria o meio pelo qual o pecado seria expiado em Sua grande, “oferta pelo pecado”, feita uma vez por todas (Is 53:10 – TB; 2 Co 5:21).
O Senhor indicou estes dois temas nas Escrituras para aqueles com quem estava indo para Emaús. Ele os repreendeu por não crerem **“**tudo o que os profetas falaram” a respeito do Messias. Eles como os judeus em geral, tinham crido apenas nas partes da Escritura que pertenciam à glória do Messias, e isso os levou a conclusões erradas quando Ele foi rejeitado e crucificado. Para responder ao seu desapontamento, o Senhor explicou-lhes pelas Escrituras que Ele deveria primeiro sofrer, antes de entrar na glória de Seu reino (Lc 24:25-27).
Juntamente com os sofrimentos de Cristo nesta epístola, é repetida a menção dos sofrimentos dos santos. Pedro menciona isso muitas vezes, de várias maneiras e aspectos, e os vê como a experiência normal dos Cristãos (caps. 2:19; 3:14, 17; 4:1, 16; 5:10). Ele mostra que isso é parte integrante da vida de fé sendo vivida em um mundo que rejeitou a Cristo. Por isso, nesta primeira epístola, vemos Pedro preparando os santos para a adversidade. Ele os encoraja a suportar o sofrimento que é inevitável quando se vive para Cristo.
VIVER POR FÉ
Outra característica da epístola é viver por fé (cap. 1:5, 7, 9, 21; 5:9, etc.). Embora “fé” seja mencionada apenas duas vezes no Velho Testamento (Dt 32:20; Hc 2:4), ela não seria algo novo para alguém de origem judaica. Hebreus 11 mostra que desde o princípio dos tempos, todos os santos viviam pela fé. (Palavras como: “confiar”, “esperar” e “descansar” são usadas com bastante frequência no Velho Testamento e transmitem o pensamento da fé da alma em Deus – Salmo 37, etc.).
A responsabilidade do ministério de Pedro era mostrar a esses crentes que, mesmo tendo se tornado Cristãos, eles ainda tinham que andar pela fé – apenas que agora isto estava em conexão com novas bênçãos e esperanças celestiais que eles tinham em Cristo. Nos dias de Seu ministério terreno, os discípulos O conheceram como o Messias na Terra, mas quando Ele foi rejeitado pela nação e retornou ao Pai no céu, eles O conheceram de uma nova maneira – como um Homem glorificado à direita de Deus. O Senhor explicou isso aos apóstolos no cenáculo. Ele ensinou-lhes que, assim como tinham fé em Deus a Quem não podiam ver, deveriam ter fé n’Ele, a Quem em breve não veriam mais, porque Ele estava voltando para o Pai (Jo 14:1).
Viver por fé é característico das epístolas do “deserto” – 1 Coríntios, Filipenses, Hebreus e 1 Pedro. Essas epístolas veem os santos como “peregrinos e forasteiros” na Terra (cap. 2:11) sendo testados pelas provações que enfrentam no caminho (cap. 1:6-7). Assim, vemos Pedro exortando e consolando os santos que estão trilhando o caminho da fé. O Senhor Jesus era um Peregrino e um Forasteiro celestial quando estava aqui, e Ele é colocado diante de nós como um “exemplo [modelo – JND]” para imitarmos em nossa peregrinação (cap. 2:21). Portanto, seja nos tempos do Velho Testamento ou nos tempos do Novo Testamento, viver por fé é necessário. Todos os que o fazem agradam a Deus (Hb 11:6).
O GOVERNO DE DEUS
Embora o viver por fé seja enfatizado em todas as epístolas hebraico-Cristãs, nas epístolas de Pedro o tema das relações governamentais de Deus, que agem nos bastidores de nossas vidas é exclusivo. Isso é referido em cada capítulo (caps. 1:17; 2:12; 3:10-12; 4:17; 5:5-6). Na primeira epístola de Pedro, o governo de Deus é visto operando em conexão com os crentes, enquanto na segunda epístola, é contra os incrédulos. Um texto chave a esse respeito é 1 Pedro 4:17. A primeira parte do versículo refere-se àqueles na “casa de Deus” e a última parte do versículo refere-se àqueles que estão fora da casa que “são desobedientes ao evangelho de Deus”.
O governo de Deus é um termo que, os que ensinam sobre a Bíblia, usam para indicar os tratamentos providenciais de Deus para com os homens – positiva ou negativamente – como uma consequência do modo como vivem. Gálatas 6:7-8 dá o princípio geral sobre o qual o governo de Deus atua: “Não erreis: Deus não Se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará. Porque o que semeia na sua carne, da carne ceifará a corrupção; mas o que semeia no Espírito, do Espírito ceifará a vida eterna”. Isso mostra que há consequências para nossas ações, embora possamos não senti-las imediatamente. Os dois lados do governo de Deus são:
- Juízo governamental. - Bênção governamental.
Visto que o Senhor tem “todo o poder” no “céu e na Terra” (Mt 28:18), Ele pode fazer com que coisas boas, bem como coisas ruins (calamidades), ocorram na vida dos homens de acordo com suas obras. Ele pode “cercar” o caminho do transgressor com juízos governamentais na forma de dificuldades, problemas, tristezas, doenças, etc., com o objetivo de deter seu proceder rebelde e produzir arrependimento (Os 2:6-7). Deus também pode usar Seu poder para ordenar circunstâncias felizes e abençoadas na vida dos homens que fazem o que é correto, e assim eles irão “herdar bênção” (JND) em suas vidas (praticamente) e “ver os dias bons” (1 Pe 3:9-12a).
É importante entender que os tratamentos governamentais de Deus para com os homens pertencem apenas ao seu tempo na Terra; não têm nada a ver com o seu destino eterno. Além disso, se trouxermos sobre nós o juízo governamental de Deus por conta de nossas ações pecaminosas, existe algo como o perdão governamental de Deus, para se, e quando, nos arrependermos (Mt 18:26-27; Lc 7:48; Jo 5:14; Tg 5:15; Sl 103:10-12). Isso mostra que Deus tem um coração perdoador (Sl 130:3-4). O perdão governamental tem a ver com Deus tirando Seu juízo de sobre nós, qualquer que seja a maneira ou medida que o tenhamos experimentado. Então, novamente, o Senhor pode escolher nos deixar continuar sob os efeitos de Seu juízo governamental (parcial ou totalmente), mesmo quando houver verdadeiro arrependimento, porque Ele conhece as tendências de nosso coração, e isso nos mantém dependentes d’Ele e, em último caso, para evitar que saiamos dos trilhos novamente. Assim, a comunhão será restaurada, mas os efeitos de nossas ações podem continuar a serem sentidos (2 Sm 12:10).
Muitos Cristãos têm uma visão desequilibrada do assunto do governo de Deus. Eles o veem apenas pelo lado negativo julgador. Ao se referirem a alguém que se rebelou contra Deus, dirão: “Fulano está sob o governo de Deus”. Isso é verdade, mas, na realidade, todos os Cristãos estão sob o governo do Pai – seja para o bem ou para o mal.
O REINO
Tendo recebido “as chaves do reino dos céus” (Mt 16:19), Pedro foi escolhido para abrir a porta da bênção a ambos, aos judeus (At 2) e aos gentios (At 10). Assim, ele dá ênfase quanto ao reino em seu ministério. Ele fala frequentemente da Aparição de Cristo, que é o evento que marca a introdução do reino e Seu reinado público neste mundo (1 Pe 1:5, 7, 13; 4:13; 5:1, 4; 2 Pe 1:11, 16; 3:4, 10).
A menção do “reino de Deus” nas Escrituras enfatiza o lado moral das coisas (Rm 14:17). Isto é, pertence ao caráter moral de Deus sendo trabalhado nas maneiras e nos caminhos dos santos. Já que o ministério de Pedro é imensamente prático, o assunto do reino se adapta bem aos seus ensinamentos e exortações.
NOVAS BÊNÇÃOS CRISTÃS
Capítulo 1:1-12
Os primeiros doze versículos do capítulo 1 formam a parte doutrinal da epístola. Esses versículos apresentam a posição atual dos crentes no Senhor Jesus Cristo e formam a base para as exortações práticas que se seguem.
Ao cumprir sua missão para com seus irmãos judeus, Pedro os instrui e os exorta quanto à nova posição que eles ocupam como Cristãos. Ele lhes mostra a que, como crentes no Senhor Jesus Cristo, suas bênçãos agora tinham uma nova forma. Quer fosse eleição, santificação, redenção, a herança, a casa de Deus, o sacerdócio, etc. (termos com os quais eles estavam familiarizados no judaísmo), eles seriam agora conhecidos de um modo totalmente novo e diferente no Cristianismo.
A Saudação
V. 1 – Pedro se apresenta como um apóstolo “de Jesus Cristo” – colocando o nome de Humanidade do Senhor (Jesus) antes de Seu título (Cristo). Nota-se que Paulo inverte a ordem quando se apresenta. Ele diz que ele é um apóstolo “de Cristo Jesus”. Como regra geral, quando o nome do Senhor é colocado antes de Seu título nas Escrituras, como Pedro faz aqui, refere-se a Ele como tendo descido do céu para glorificar a Deus em Sua morte e ressurreição. Por outro lado, quando o título do Senhor é colocado antes de Seu nome de Humanidade, refere-se a Ele como tendo completado a redenção e voltado ao céu como um Homem glorificado. Uma vez que Pedro recebeu seu apostolado do Senhor quando Ele estava aqui na Terra (Lc 6:13-16), ele chama a si mesmo de apóstolo de “Jesus Cristo”. Paulo, por outro lado, recebeu seu apostolado do Senhor depois de Ele ter morrido e ressuscitado. Foi do Seu lugar no alto, à direita de Deus, do qual o Senhor chamou Paulo para o seu apostolado (1 Co 9:1). Consequentemente, Paulo se chama de apóstolo de “Cristo Jesus”.
O Apóstolo Pedro é um dos nove Simões do Novo Testamento:
- Simão Pedro (Mt 10:2). - Simão, o cananeu [zelote] (Mt 10:4). - Simão, o meio irmão do Senhor (Mt 13:55). - Simão, o leproso (Mt 26:6). - Simão, de cireneu (Mt 27:32). - Simão, o fariseu (Lc 7:40). - Simão, pai de Judas Iscariotes (Jo 6:71). - Simão, o mágico (At 8:9). - Simão, o curtidor (At 9:43).
Pedro identifica o seu público como sendo os “peregrinos da dispersão no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia (Menor) e Bitínia” (AIBB). Essas são cinco regiões na Turquia moderna, que naquela época contavam com uma grande população de judeus. Esses judeus haviam sido “dispersos” entre os gentios desde os dias imediatamente após o cativeiro babilônico (Jo 7:35), mas o evangelho havia chegado até eles e muitos deles haviam se tornado Cristãos. O fato de os judeus serem vistos “dispersos” é uma prova de que a nação falhou em sua responsabilidade com respeito ao relacionamento de aliança com Jeová. Esse foi um dos juízos que Moisés disse em que eles incorreriam – a perda de suas terras e uma consequente dispersão entre as nações (Lv 26:33-35; Dt 4:27; 28:64). Assim, esses judeus eram uma testemunha permanente do fato de que a nação havia falhado e havia sido despojada de seus antigos privilégios de sua herança na terra de Canaã.
V. 2 – Pedro prossegue mostrando a esses judeus convertidos que, embora a nação tenha temporariamente perdido suas bênçãos e privilégios terrenos, Deus tinha algo melhor para todos os que recebessem o Senhor Jesus Cristo como seu Salvador. Como crentes, eles agora tinham um novo relacionamento com Deus e uma porção totalmente nova de bênçãos em Cristo. Essas coisas eram superiores a tudo o que possuíam no judaísmo.
Nestes versículos de abertura, Pedro menciona pelo menos dez coisas que eles tinham agora em Cristo ressuscitado que eram inteiramente novas:
A TRINDADE
No início, Pedro toca na principal característica do Cristianismo – a Trindade. Ele menciona “o Pai”, “o Espírito” e “Jesus Cristo” como três Pessoas distintas na Divindade que estavam envolvidas na salvação deles (v. 2). Tendo sido iluminados pelo evangelho, esses crentes já teriam conhecido e crido nesta grande verdade; não obstante, Pedro aqui reforça isso como parte integrante da revelação Cristã da verdade.
A Divindade consistindo de três Pessoas distintas era algo novo em relação ao que um judeu conhecia de Deus. A partir de escrituras como Deuteronômio 6:4, os judeus acreditavam que Deus era “uma” Pessoa, conhecida por eles como “Jeová”. Não é que a verdade da Trindade contradiga o que Deus revelou de Si mesmo nos tempos do Velho Testamento; é simplesmente o resultado de Deus colocando-Se na luz e tendo agora dado uma revelação completa de Si mesmo. Nos tempos do Velho Testamento, Deus habitava em “trevas espessas”(1 Rs 8:12) e, portanto, os santos naqueles dias tinham apenas uma revelação parcial d’Ele. Mas Ele agora Se colocou “na luz” (1 Jo 1:7), e uma vez que “vão passando as trevas, e já a verdadeira luz alumia” (1 Jo 2:8), temos uma revelação superior de Deus como sendo: “o Pai”, “o Filho” e “o Espírito Santo” (Mt 28:19). Assim, houve uma revelação progressiva da verdade nas Escrituras sobre a natureza e unidade da Divindade.
Como mencionado, a revelação da Trindade não contradiz nem nega o que era conhecido de Deus no judaísmo. Por exemplo, a palavra “único” em Deuteronômio 6:4 está no plural no texto hebraico. Ela literalmente significa “consistindo de muitas partes, mas como uma”. É usado similarmente em Gênesis 11:6: “Eis que o povo é um …”. Além disso, a palavra usual hebraica para “Deus” em todo o Velho Testamento é “Elohim”, que também é plural. Isso explica por que Deus disse: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme à nossa semelhança” (Gn 1:26; 3:22; 11:7). “Criador”, em Eclesiastes 12:1, também é plural. Assim, as Escrituras do Velho Testamento admitem que Deus seja mais do que uma Pessoa (Is 48:16, etc.), mas a verdade da Trindade não foi revelada naqueles tempos. Só depois que Cristo veio e “declarou” o Pai como sendo uma Pessoa distinta de Si mesmo (Jo 1:18 – JND) que se sabe que existem diferentes Pessoas na Divindade (João 1: 1). – ARA).
Pedro então traça uma série de eventos em que as três Pessoas da Divindade agiram na salvação desses santos judeus. Os eventos começam com a graça de Deus elegendo na eternidade passada e termina com o coração e a consciência do crente sendo purificados pela apropriação em fé do sangue de Cristo. Essa progressão da ação divina é verdadeira na história de todo Cristão, seja ele salvo de entre os gentios ou de entre os que estão no judaísmo.
ELEIÇÃO
Primeiramente, Pedro fala desses crentes judeus como sendo “Eleitos segundo a presciência de Deus Pai”. Eleito significa ter sido escolhido. Por isso, eles foram escolhidos por Deus para ter um relacionamento especial com Cristo em glória celestial, como parte da nova companhia de pessoas abençoadas que Deus estava reunindo – a Igreja de Deus. Essa escolha é algo que Deus fez “antes da fundação do mundo” (Ef 1:4). Vemos disto que, se é para a bênção nos alcançar, ela deve começar com Deus, que é a fonte de toda bênção.
A eleição divina não era algo novo para esses judeus; eles faziam parte da nação eleita de Israel. Deus “escolheu” Israel para ter um especial relacionamento de aliança Consigo mesmo, como Seu “povo santo” (Dt 7:6-8). No entanto, o que Pedro estava falando aqui é um tipo diferente de eleição. A eleição de Israel era algo coletivo e nacional, enquanto esta eleição é pessoal e individual. Não era em conexão com seu pai Abraão, como foi o caso de Israel, mas com “Deus Pai”.
A eleição divina é provavelmente a doutrina mais controversa do Novo Testamento. Embora seja frequentemente um tópico de debate entre os Cristãos, Pedro e os outros escritores do Novo Testamento não pedem desculpas por ensiná-la. Eles falam da soberania de Deus – eleição por graça tal como ela é – uma realidade conhecida e crida entre os apóstolos. Isso é algo pelo qual todo crente é grato, pois onde estaríamos sem que Deus tivesse colocado Seu amor sobre nós e nos escolhido para bênção?
A contenda reside no raciocínio de que se Deus escolheu alguns na raça humana para abençoar, então ao desconsiderar os não escolhidos, Ele teria, em resumo, escolhido e eles para uma eternidade no inferno. Uma vez que isso parece depreciativo à própria natureza e caráter de Deus, que ama todos os homens e deseja sua bênção (Jo 3:16; 1 Tm 2:4), isso é repudiado como errado. Uma explicação popular, mas equivocada, que muitos evangélicos dão à graça eletiva de Deus, deriva de um mal-entendido da “presciência” de Deus. Eles dizem que na eternidade passada Deus olhou para frente através do corredor do tempo e previu quem creria no evangelho e quem não creria e escolheu aqueles que creriam. No entanto, esta ideia dá crédito indevido ao homem pela sua salvação. Assume que em seu estado perdido o homem tem o poder de escolher Cristo para a salvação de sua alma. Isto está claramente em colisão com muitas Escrituras que ensinam que o homem caído é tão depravado que não tem absolutamente nenhum poder em si mesmo para vir a Cristo para a salvação.
A verdade é que o homem em seu estado decaído não consegue nem crer no evangelho; Deus tem de dar-lhe fé para fazê-lo (Ef 2:8). As Escrituras ensinam que o homem em seu estado natural está “morto” e, portanto, ele não pode ouvir nem responder ao chamado de Deus pelo evangelho (Ef 2:5; Cl 2:13). Isso nos ensina que é incapaz de “receber” a verdade; ela é loucura para ele (1 Co 2:14 – JND). Também ensina que o homem em seu estado natural é “sem força” (Rm 5:6 – JND) e, portanto, não pode “vir” a Cristo para salvação (Jo 6:44, 65). Deixado em si mesmo, o homem nunca escolherá a Cristo, porque “a mente da carne é inimizade contra Deus” (Rm 8:7 – TB). Portanto, essa ideia equivocada sobre a eleição, nega a depravação total do homem.
Os homens tentam conciliar a graça soberana de Deus de eleição na salvação, com a responsabilidade do homem de crer no evangelho, mas, ao fazê-lo, muitas vezes pendem apenas para um lado em suas interpretações. A verdade é que ambas as linhas da verdade correm paralelas através das Escrituras, sem se fundirem. Como os dois trilhos de uma ferrovia: aos nossos olhos eles parecem se juntar à distância, mas é claro que isso não ocorre. Uma vez que os caminhos de Deus são “inescrutáveis” (Rm 11:33), não devemos tentar conciliar essas coisas em nossas mentes, mas devemos deixá-las como são encontradas nas Escrituras. Deus queria que soubéssemos sobre elas, e é por isso que são declaradas nas Escrituras, mas Ele não nos pediu para conciliá-las. Ele sabia muito bem que os pecadores deixados por contra própria não escolheriam a Cristo, então Se adiantou e nos marcou para bênção ao nos escolher. Em algum momento de nossa história, cremos no evangelho e recebemos a bênção da salvação. Como essas coisas juntamente funcionam, está além das nossas mentes humanas.
A doutrina da eleição é a verdade bíblica que mais humilha o homem porque o demonstra ser totalmente desamparado e incapaz de fazer qualquer coisa por si mesmo. É também uma das verdades que mais exalta a Deus nas Escrituras. Como Ele fez tudo por nós em nossa salvação, Ele justamente recebe todo o crédito e toda a glória! Mesmo que não entendamos essas coisas completamente, a verdade da eleição divina deveria produzir louvor de nossos corações.
A SANTIFICAÇÃO DO ESPÍRITO
Em segundo lugar, na salvação de cada pessoa existe a obra santificadora do Espírito Santo em separar aqueles a quem Deus escolheu, transmitindo-lhes a vida divina por meio do novo nascimento. Esta é uma obra do Espírito em uma pessoa antes de ela ser purificada pelo sangue de Cristo e ser salva. É uma ação soberana de Deus que resulta nos eleitos serem capacitados a ouvir e crer no evangelho. Sem essa obra inicial nos homens, ninguém seria salvo. Assim, na eternidade passada Deus nos escolheu para bênção, e chegou um momento em nossa vida quando Deus agiu pelo Espírito e nos transmitiu vida por meio de Seu poder vivificador (Ef 2:5; Cl 2:13). Comunicar a vida divina aos eleitos os separa (o significado da santificação) da massa da humanidade que se encaminha para uma eternidade perdida.
A “santificação do Espírito” não é o aspecto prático da santificação, em que o crente aperfeiçoa a santidade em sua vida removendo coisas que são inconsistentes com a santidade de Deus (2 Co 7:1; 1 Ts 4:4-7, 5:23; 1 Pe 1:16). A ordem em que a verdade é apresentada aqui mostra claramente que a santificação prática não está em vista. A santificação prática resulta de a pessoa ser aspergida com o sangue de Cristo e ser salva; aqui, a santificação precede a salvação. Assim, é a obra preliminar de Deus nas almas antes de serem salvas, pelo que são separadas para bênção por serem vivificadas. Hamilton Smith disse: “A santificação do Espírito é uma verdadeira operação do Espírito Santo em nós, pela qual nascemos do Espírito, que nos transmite uma nova vida e natureza” (The Epistles of Peter, pág. 5). W. Kelly disse: “Há uma verdadeira e a mais vital santificação para Deus que acompanha a primeira vivificação [inicial] da alma quando nascemos da água e do Espírito e somos purificados de nossa impureza natural por Seu poder vivificador, antes que desfrutemos o bendito sentimento de Deus, nos justificando pela fé em Jesus e em Sua obra” (The Epistles of Peter, pág. 14). F. B. Hole disse: “Sua escolha se torna efetiva ‘por meio da santificação do Espírito’. A ideia central de santificação é a separação para Deus, e o Espírito Santo é aqu’Ele que, por sua obra interior de conceder vida, separa aquele que é o objeto dela” (Epistles, vol. 3, pág. 98).
A maioria dos Cristãos nunca ouviu falar dessa ação preliminar do Espírito nas almas, que é o novo nascimento, antes da pessoa ser salva pela fé na obra consumada de Cristo. Eles pensam que o novo nascimento e a salvação da alma são apenas uma e a mesma coisa. Se perguntados, provavelmente diriam que uma pessoa nasce de novo quando crê no Senhor Jesus Cristo. No entanto, isso é “colocar o carro adiante dos bois”. A verdade é que a pessoa não crê no Senhor Jesus para nascer de novo, mas sim, ela crê porque nasceu de novo (Jo 1:12-13; 1 Jo 5:1). Quanto à ordem dessas coisas, Deus age antes e soberanamente em uma pessoa por meio da obra santificadora do Espírito em um novo nascimento, pelo qual ela recebe vida e fé para crer no evangelho (Ef 2:5, 8). Assim, o novo nascimento não é o resultado de uma pessoa se voltando para Deus e crendo no Senhor Jesus Cristo, mas é o resultado de Deus comunicando soberanamente vida divina à sua alma. Isso é o que possibilita que a pessoa se volte para Deus em arrependimento e creia no Senhor Jesus para a salvação. Comentando sobre esse mal-entendido, J. N. Darby disse: “Não devemos confundir a salvação manifestada e ser nascido de Deus” (Letters, vol. 3, pág. 118). Ele também disse: “A Igreja perdeu o pensamento de ser salva. As pessoas pensam que é suficiente nascer de novo” (Collected Writings, vol. 28, pág. 368).
Há várias passagens bíblicas que mostram que a obra santificadora do Espírito no novo nascimento na pessoa precede sua crença em Cristo para a salvação de sua alma. As referências a seguir confirmam isso:
João 1:12-13 – Aqueles que “creem no Seu nome” são os “quais foram” (KJV) (anteriormente) nascidos de Deus.
João 3:3-8, 14-17 – Com relação à ordem da obra de Deus nas almas, o Senhor falou de “nascer de novo” pela Palavra de Deus e do Espírito de Deus antes de falar de ser “salvo” por crer no Filho de Deus.
João 5:21, 24 – O Senhor falou da obra de Deus vivificando almas antes de falar sobre crerem n’Ele para a vida eterna.
João 6:44-47 – O Senhor falou de Seu Pai atraindo pessoas, o que é o efeito de nascer de novo, antes de falar de pessoas crendo n’Ele.
Efésios 2:1-5, 8 – Descrevendo a atividade do amor e da misericórdia de Deus para conosco, Paulo primeiro se referiu à Sua obra de vivificar as almas, e então passou a falar daqueles a quem Deus havia vivificado sendo “salvos pela graça” por meio da fé.
2 Tessalonicenses 2:13-14 – Paulo falou da “santificação do Espírito”, que é o resultado de um novo nascimento, antes de a pessoa crer na verdade do evangelho.
1 Pedro 1:22-23 – A purificação da alma por meio da obediência à verdade do evangelho é mencionada como sendo resultado de “tendo sido gerado novamente” (Tradução W. Kelly).
Para esses crentes judeus a quem Pedro estava escrevendo, esse era um novo tipo de santificação. A santificação que eles tinham conhecido no judaísmo era uma coisa exterior realizada por meio de rituais pelos quais pessoas e coisas eram separadas e preparadas para os serviços sacerdotais (Lv 8). Uma santificação interior por meio do novo nascimento era algo com que eles não estavam familiarizados, embora os santos do Velho Testamento fossem nascidos de Deus.
A OBEDIÊNCIA DA FÉ
Até agora, Pedro abordou o lado soberano das coisas na eleição de Deus, o Pai, e na santificação do Espírito Santo; agora chegamos ao outro lado – a responsabilidade do homem de crer no evangelho. Isso resulta de ser aspergido com o sangue de Cristo e salvo. Por isso, Pedro avança e declara um terceiro elo nesta série – “obediência”. Esta é uma referência à “obediência de fé” que toda pessoa deve ter para receber a bênção da salvação (Rm 1:5 – JND, 6:17, 10:16, 15:18, 16:26; 2 Ts 1:8; 1 Pe 1:22, 4:17).
Pedro diz: **“**Para a obediência” (cap. 1:2), porque a obra santificadora do Espírito no novo nascimento resultará na pessoa obedecendo ao evangelho e sendo salva. A obediência de fé é a resposta apropriada em alguém que foi moldado por Deus. Mas essa obediência não é meramente obedecer ao chamado do evangelho. Ela começa aí – e é por isso que Pedro coloca “obediência” antes da aspersão “do sangue de Jesus Cristo” – mas também inclui uma vida de obediência depois que a pessoa é salva. Nota: ele diz que essa obediência é “de” Jesus Cristo – e não “para” Jesus Cristo como muitas traduções modernas equivocadamente a traduzem. Ou seja, o tipo de obediência que deve ser visto no crente é a do caráter da obediência do próprio Senhor quando andou aqui neste mundo. Assim, somos separados para obedecer como Cristo obedeceu.
Para esses judeus convertidos, esse era um novo tipo de obediência. A obediência com a qual estavam familiarizados na velha economia (dispensação) era algo legal, ordenado à nação de Israel no Sinai. A obediência Cristã, da qual Pedro fala aqui, é uma obediência que vem de um coração que tem sido conquistado pelo amor de Deus (Jo 14:15; 1 Jo 4:19; 5:1-3).
A ASPERSÃO DO SANGUE DE JESUS CRISTO
O quarto elo dessa cadeia é a aplicação do sangue de Cristo ao coração e à consciência do crente, pelo qual ele é purificado da culpa de seus pecados e salvo (Hb 9:14).
O sangue de Cristo “derramado” (Lc 22:20) não é o mesmo que o sangue de Cristo “aspergido” (Hb 10:22 – JND). Seu sangue sendo derramado é uma coisa literal que ocorreu na cruz do Calvário há quase 2.000 anos, enquanto que Seu sangue sendo aspergido é uma expressão figurativa que se refere à fé do crente se apropriando da obra consumada de Cristo, sendo assim purificado de seus pecados (1 Jo 1:7; Ap 1:5; 7:14). Assim, derramar é a provisão que Deus fez para nós na obra de Cristo na cruz, e, ser aspergido é o resultado de nossa apropriação daquela obra pela fé, pela qual somos salvos. A diferença entre essas duas coisas é ilustrada como figura no cordeiro pascal (Êx 12). O cordeiro foi morto e seu sangue foi coletado em uma bacia, mas os israelitas tiveram de aspergi-lo nas ombreiras de suas casas antes de serem protegidos do juízo que caiu sobre o Egito. Assim, o sangue na bacia era a provisão de Deus para o povo e a aspersão do sangue nas suas casas era a apropriação pessoal deles de tal obra.
Esses judeus crentes estavam familiarizados com a aspersão de sangue na época da Páscoa no Egito; ela era celebrada pela nação todos os anos, sendo uma de suas festas mais importantes. Mas apropriar-se da obra de Cristo por meio da fé, pela qual uma pessoa é purificada de seus pecados e livrada do juízo eterno, era uma coisa nova para eles. (De fato, a morte de Cristo como o Cordeiro de Deus foi o cumprimento da festa da Páscoa – 1 Co 5:7; 1 Pe 1:19.) Uma consciência purificada, resultante da fé na obra consumada de Cristo, pela qual a alma do crente está em descanso com Deus (Hb 9:14), também é algo que os santos do Velho Testamento não tinham. Eles viviam com a incerteza a respeito de seus pecados, temendo que pudessem ser levados a juízo a qualquer momento (Sl 25:7, etc.). Por isso, o que Pedro está falando aqui é de algo muito mais abençoado do que aquilo que os santos tiveram antes que a redenção fosse consumada por Cristo.
Essa cadeia de quatro elos de ação divina que Pedro delineou na história desses queridos santos é algo que é verdade para todos os Cristãos, independentemente se eram judeus ou gentios.
V. 2b – Tendo traçado esta progressão nesses crentes, o que os conduziu à sua salvação, ele então deseja que “graça” e “paz” lhes sejam “multiplicadas” para que andassem como Deus queria que andassem, e assim, glorificassem a Cristo neste mundo.
UMA VIVA ESPERANÇA (v. 3)
Pedro pede que seja dado louvor a Deus pelo novo relacionamento que tinham com Ele como Pai, e pela esperança da glória final que tinham no Senhor Jesus. Ele diz: “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a Sua grande misericórdia, nos gerou de novo para uma viva esperança, pela ressurreição de Jesus Cristo, dentre os mortos”. O apóstolo Paulo começa sua epístola aos Efésios com uma doxologia1 similar (Ef 1:3), mas à medida que essas epístolas continuam, elas revelam duas linhas diferentes de verdade. Em Efésios, o crente é visto assentado nos céus, aguardando a redenção de sua herança, sobre a qual ele reinará com Cristo. Ao passo que, em 1 Pedro, o crente é visto andando na Terra na esperança de sua herança, que está reservada para ele no céu.
Em sua doxologia de louvor, Pedro reitera o fato de que por meio de um ato da soberana “misericórdia” de Deus esses crentes tinham sido “gerados de novo”. Mas ele deixa claro que eles tinham nascido de novo para uma porção completamente diferente de bênção e destino, daquela que Israel tinha em sua relação de aliança com Jeová. Não é que o novo nascimento seja algo novo nos caminhos de Deus com os homens; os santos desde o princípio dos tempos eram nascidos de Deus. O que Pedro está dizendo aqui é que os crentes no Senhor Jesus Cristo, na presente dispensação da graça, foram gerados de novo para um propósito totalmente diferente daquele que Deus tem em mente para Israel.
Essa esperança que os crentes têm em Cristo é uma “viva esperança”. Ela está em contraste com a esperança que os crentes no sistema judaico tinham antes da cruz. Sendo pertencentes à nação de Israel, eles tinham esperanças nacionais centradas em um Messias na Terra. Quando o Senhor veio, eles corretamente O receberam como tal (Lc 9:20; Jo 6:69). Mas a luz dessas esperanças foi apagada em seus corações quando Cristo foi rejeitado pela nação e crucificado. Os dois que desciam a estrada para Emaús exemplificam essa decepção. Eles estavam “tristes” e disseram: “E nós esperávamos que fosse Ele o que remisse Israel” (Lc 24:17, 21). No entanto, quando seus olhos foram abertos e eles viram o Senhor como ressuscitado, uma nova esperança nasceu em seus corações, a qual nada na Terra poderia apagar. Era uma esperança “viva” porque estava centrada em um Salvador vivendo além do poder da morte. Naquele ponto, suas esperanças ainda estavam em um reino terrenal sendo estabelecido de acordo com o que foi ensinado pelos profetas do Velho Testamento (At 3:19-21). Não foi até que os judeus rejeitassem o testemunho do Espírito Santo (At 7) e que revelações de novas bênçãos espirituais tivessem sido dadas aos apóstolos para entregarem aos santos (Ef 4:4-5), que os crentes judeus foram instruídos sobre sua própria esperança Cristã de ter uma porção celestial com Cristo.
“Esperança” não é usada nas Escrituras da mesma maneira que é usada na linguagem de hoje. Falamos de esperança em relação a algo que gostaríamos de ver acontecer, mas não temos garantia de que isso acontecerá. Na Bíblia, a esperança é uma certeza adiada; há uma expectativa, mas com uma segurança relacionada a ela. Por exemplo, em Romanos 5:2, Paulo fala da “esperança da glória de Deus”, que tem a ver com a futura glorificação do crente na vinda do Senhor (o Arrebatamento). Isso é algo que o crente está aguardando com certeza. E certamente acontecerá; apenas não sabemos quando. De fato, toda esperança que o Cristão tem, provém de Cristo estar ressuscitado. Elas são esperanças “vivas” porque Cristo está vivo.
UMA HERANÇA CELESTIAL (vs. 4-5)
Pedro passa a falar da porção Cristã da bênção que nos foi assegurada pela morte e ressurreição de Cristo. Ele se refere a ela como nossa “herança”. Ele diz que é “uma herança incorruptível, incontaminável, e que se não pode murchar, guardada nos céus para vós, Que mediante a fé estais guardados na virtude de Deus para a salvação, já prestes para se revelar no último tempo”. Estas coisas, como as anteriores, são algo completamente diferente daquilo que esses crentes judeus tinham conhecido sob o antigo pacto.
Estando na Igreja de Deus, esses santos eram agora parte de uma companhia especial de pessoas abençoadas na família de Deus, distinta do resto de Seus filhos, como sendo a “assembleia dos primogênitos” (Hb 12:23 – Tradução W. Kelly). (“Primogênitos” indica que eles têm preeminência tanto em sua posição quanto em seus privilégios sobre todas as outras pessoas abençoadas.) Favorecidos como tais, os Cristãos têm um lugar especial diante de Deus como Seus “filhos” (Rm 8:14-15, Gl 3:26, 4:5-7, Ef 1:5), tendo suas próprias bênçãos especiais (Ef 1:3). Pedro se refere a essas bênçãos como nossa “herança” celestial. Isso contrasta com a porção de Israel na terra de Canaã, que era uma herança terrena.
Há, de fato, dois aspectos da herança Cristã no Novo Testamento:
- A herança é material – coisas desta criação (Ef 1:11, 14, 18; Cl 3:24). - A herança é espiritual – coisas que os crentes possuem em Cristo (At 20:32, 26:18; Cl 1:12; 1 Pe 1:4).
Vista como coisas materiais, Cristo é o “Herdeiro” de tudo o que foi criado nos céus e na Terra (Hb 1:2). É “Sua herança” (Ef 1:18) e é “nossa herança” (Ef 1:14), porque “somos herdeiros também, herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo” (Rm 8:17). De acordo com isso, Paulo disse: “porque tudo é vosso” (1 Co 3:21). Esta herança material é algo que é nosso agora, no que diz respeito ao título e direito a ela (Ef 1:11 – “obtivemos uma herança” – JND). Ela foi “adquirida [comprada – KJV]”(Ef 1:14 – TB) para nós por Cristo pela obra na cruz ( “para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todas as coisas”– Hb 2:9 – JND), mas ela espera “redenção” (Ef 1:14). A redenção da herança tem a ver com o fato de Cristo a libertando (o significado da redenção) do pecado, de Satanás e do mundo, de modo que possa ser usada para a demonstração de Sua glória no mundo vindouro (o Milênio). Isso ocorrerá na Aparição de Cristo por meio de seus julgamentos marciais.
Vista como coisas espirituais, a herança tem a ver com o que os crentes possuem espiritualmente em Cristo – nossas “bênçãos espirituais” (Ef 1:3; Cl 2:3). A Tradução J. N. Darby chama esse lado da herança de “a porção” em Atos 26:18 e Colossenses 1:12, para distingui-la do aspecto material. Ele disse: “A herança é a herança de todas as coisas que Cristo criou. Mas em 1 Pedro, ou em Colossenses 1, ela está no céu” (Notes and Jottings, pág. 101). Há uma diferença entre Colossenses 1:12 e 1 Pedro 1:4; Colossenses refere-se à nossa participação atual na herança, enquanto 1 Pedro refere-se a uma futura participação nela quando estivermos com Cristo em nosso apropriado estado glorificado. Assim, em Colossenses, os santos são vistos como possuidores de sua porção em Cristo, mas em 1 Pedro eles estão em uma jornada em direção a ela.
Há abundância de contrastes quando se compara a herança terrena de Israel com a nossa herança celestial. A herança de Israel poderia ser, e foi, perdida pelo fracasso – mas a nossa não pode ser! Eles corromperam e macularam sua herança enchendo a terra com bosques (postes-ídolo) e altares em que praticavam a idolatria. Como consequência, Deus permitiu que seus inimigos os conquistassem e os levassem para longe de sua herança. Assim, ela escapou de seu alcance. Em contraste com isso, a herança espiritual que os Cristãos têm é “incorruptível, incontaminável, e que se não pode murchar” e, portanto, não pode ser arruinada por qualquer falha nossa. Ela está “guardada nos céus” e está segura por conta da fidelidade de Deus em guardá-la por nós. A preservação da herança de Israel dependia de seu desempenho, e foi aí que tudo deu terrivelmente errado. Eles falharam em sua responsabilidade e, consequentemente, perderam sua herança. Como nossa herança não depende de nossa fidelidade, mas foi assegurada para nós em Cristo ressuscitado, ela não pode ser perdida.
Pedro acrescenta que, enquanto nossa herança está guardada no céu para nós (v. 4), somos “guardados pelo poder de Deus” (JND) na Terra, a fim de tomarmos posse daquelas coisas em nosso estado glorificado (v. 5). Assim, tudo está eternamente seguro! Ele diz que somos guardados “para a salvação”, e isso é algo que está “já prestes para se revelar no último tempo”. Para entender isso corretamente, precisamos ver que há três tempos verbais para a salvação na Escritura. O Cristão foi salvo da pena de seus pecados ao receber a Cristo como seu Salvador (At 16:31; Ef 2:8); ele está sendo salvo diariamente dos perigos interiores e exteriores (Rm 5:10; 1 Tm 4:10; Hb 7:25); e ele será salvo no momento do Arrebatamento quando seu corpo for glorificado (Hb 9:28). Por isso, é igualmente verdade dizer que fomos salvos e estamos sendo salvos e seremos salvos. O aspecto da salvação de que Pedro está falando aqui está no tempo verbal futuro. Ela ocorrerá no Arrebatamento, mas não será “revelada” diante do mundo até a “revelação de Jesus Cristo”, que é a Sua Aparição (v. 13).
Também é importante notar que Pedro frequentemente fala da vinda do Senhor sem distinguir entre o Arrebatamento e a Aparição. Este é o caso no versículo 5. Sabemos de outras passagens da Escritura que a glorificação de nossos corpos ocorrerá no Arrebatamento (1 Co 15:51-55; Fp 3:21), mas não será “revelada” diante do mundo até a Aparição de Cristo, quando Ele virá para ser glorificado em Seus santos (2 Ts 1:10). O fato de que esta salvação está “já prestes” de ser revelada, torna essas coisas iminentes (Rm 13:11).
A SENDA NO DESERTO, ONDE FÉ É TESTADA (vs. 6-8)
Tendo falado de nossa herança no céu, Pedro continua a falar do nossa senda por este mundo que leva ao nosso destino celestial. Ele diz: “Em que vós grandemente vos alegrais, ainda que agora importa, sendo necessário, que estejais por um pouco contristados com várias tentações, para que a prova da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro que perece e é provado pelo fogo, se ache em louvor, e honra, e glória na revelação [Aparição] de Jesus Cristo”. Vemos desta declaração que o caminho do Cristão para o céu é atravessando provações e aflições. É onde nossa fé é verificada e fortalecida por meio das adversidades que encontramos na vida. Essas coisas são necessárias ao desenvolvimento de nosso caráter Cristão. Nosso caminho é semelhante, em princípio, à jornada de Israel pelo deserto. Eles passaram por um “deserto, e num ermo solitário cheio de uivos” para alcançar sua herança prometida em Canaã (Dt 32:10) e o Cristão também está fazendo uma jornada espiritual por este mundo para sua herança celestial. O propósito dessa experiência tanto para Israel quanto para a Igreja é ensinar-nos a andar com Deus (Dt 8:2-3; 1 Ts 2:12, 4:1). As duas grandes lições do deserto são:
- Aprender sobre nossa própria insuficiência e, assim, não confiar em nós mesmos. - Aprender sobre a total suficiência do Senhor, e nos lançarmos sobre Ele em expressada dependência.
Essas coisas levam uma vida inteira para serem aprendidas. Para esses santos judeus que agora estavam em terreno Cristão, esse era um novo tipo de experiência no deserto.
Em vista de alcançar sua perspectiva celestial, Pedro diz: “Em que vós grandemente vos alegrais”. Este é o estado normal dos Cristãos (Fp 3:1, 4:4; 1 Ts 5:16). Mas visto que todos os que professam fé em Cristo devem ser provados, o Senhor permitiu que esses queridos santos fossem “contristados com várias tentações”. Isso mostra que, enquanto os Cristãos são mantidos guardados pelo poder de Deus, eles não estão sem provações no caminho da fé. O problema com esses crentes era que eles não entendiam porque tinham tais problemas e precisavam de instrução e encorajamento quanto aos caminhos de Deus para com o Seu povo. Assim, Pedro assegurou-lhes que quando uma provação entra na vida de um Cristão, ela é necessária. Existe um “sendo necessário”, pois Deus nunca permite que nada toque seus filhos sem uma razão. Uma vez que o Seu caminho é perfeito (Sl 18:30), podemos ter certeza de que Ele não comete erros no que permite em nossas vidas.
A provação específica que esses queridos crentes estavam enfrentando era a perseguição de seus irmãos incrédulos e dos gentios incrédulos. Eles precisavam ter certeza de que o que estavam passando não era por conta de desobediência por deixarem o judaísmo (do que eles estavam sendo acusados), mas por causa de sua obediência à fé Cristã. Assim, a “provação” (ARA) de sua “fé” não foi porque estavam desagradando a Deus. Muito pelo contrário, foi por causa de sua posição fiel por Cristo, e isso, é claro, foi algo com que Deus Se agradou. Na verdade, esse tipo de provação é normal para o Cristianismo. É inevitável porque o mundo odeia a Cristo e, ao nos identificarmos com Ele publicamente, somos levados a sentir o ódio do mundo (Jo 15:18-20).
Pedro lhes diz que a provação que estavam experimentando pelo nome do Senhor foi “muito mais preciosa do que o ouro que perece”. Deus valorizou muito isso porque um testemunho estava sendo prestado para Cristo neste mundo, e por meio do seu sofrimento algo estava sendo formado neles, que seria usado para a promoção da glória de Cristo em Sua Aparição. Naquele dia, será encontrado pelo Senhor “louvor, e honra, e glória”. Deus usará os santos para refletir a glória de Cristo no dia de Sua manifestação pública e em Seu reino (2 Ts 1:10; Ap 21:11). Eles não serão objeto de louvor, honra e glória; “todo o olho” estará em Cristo – Ele será o centro das atenções e receberá todo o louvor (Ap 1:7). F. B. Hole disse: “Muitos confessos corajosos, sofrendo ardentes provas – talvez até a morte – podem ter sido tentados a pensar que a sua luz estava sendo extinta e que tudo estava perdido. O apóstolo diz-lhes que, pelo contrário, tudo seria descoberto naquele dia. Cristo sendo revelado em Sua glória, tudo para Seu louvor e honra virá para a luz e será manifestado” (Epistles, vol. 3, pág. 100).
Lembremo-nos, então, de que toda prova pela qual passamos é designada por Deus e extremamente preciosa para o Seu coração. O Senhor passa por ela conosco em divina compaixão e sente conosco a nossa aflição (Is 63:9). Saber isso deve ter sido um conforto para esses santos sofredores, e também deveria ser um consolo para nós quando formos chamados a passar por ardentes provas de fogo desse tipo.
V. 8 – Pedro continua falando de uma segunda grande coisa que a provação produz nos santos – o Senhor Se torna mais precioso para nossos corações. Ele diz: “Ao qual, não o havendo visto, amais”. Quando passamos por uma provação, embora não possamos ver o Senhor, Ele Se aproxima e nos faz conhecer a Sua presença de uma maneira muito real (Is 43:2). Isso é extremamente precioso e reconfortante para nós e, como resultado, nosso amor e afeição por Ele se aprofundam. Portanto, essas experiências, embora dolorosas, são necessárias para o aumento de nossa afeição pelo Senhor.
Pedro acrescenta uma terceira coisa que resulta do fato de os santos passarem por provações com o Senhor – eles experimentam um gozo inexplicável que dá um testemunho brilhante e glorioso para todos em redor. Ele diz: “a quem, sem o terdes visto, amais; no qual, sem agora o verdes, mas crendo, exultais com gozo indizível e cheio de glória” (v. 8 – TB). Assim, há um gozo que o crente experimenta no tempo da provação (se ele a atravessar em comunhão com o Senhor) na qual certa “glória” irradia dele (1 Pe 4:14). É algo que talvez o crente nem tenha consciência no momento, mas isso, no entanto, prestará um poderoso testemunho àqueles que veem o crente sofrendo dessa maneira. Isso mostra que o gozo Cristão não depende das circunstâncias terrenas.
Em resumo, Pedro nos deu três efeitos positivos das provações quando são recebidas de Deus, com um espírito correto:
- Elas trarão “louvor, e honra, e glória” ao Senhor no dia de Sua manifestação pública (v. 7). - Elas aprofundam o afeto do santo (“amor”) para com o Senhor, e isso se traduz em um relacionamento mais íntimo com Ele (v. 8a). - Elas produzem “gozo inefável” nos santos, o que resulta em um testemunho de manifestada “glória” para todos em redor (v. 8b).
A SALVAÇÃO DA ALMA (vs. 9-11)
Pedro segue adiante para falar de outra bênção particular que os Cristãos têm que os santos nos tempos do Velho Testamento não tinham – a salvação de nossas almas. Ele diz: “Alcançando o fim da vossa fé, a salvação das vossas almas. Desta salvação inquiririam e indagaram diligentemente os profetas que profetizaram da graça que para vós era destinada, indagando qual o tempo ou qual a ocasião que o Espírito de Cristo que estava neles indicava, ao predizer os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória [as glórias – TB] que se lhes havia de seguir”. O “fim” de que Pedro fala aqui é o fim imediato do que a “fé” deles alcançou, ao crerem no Senhor Jesus Cristo – a saber, a “salvação” de suas “almas”. Assim, enquanto esperamos pela nossa salvação completa na vinda do Senhor, quando seremos libertos dos efeitos do pecado ao sermos glorificados (v. 5), os crentes, no presente, têm a salvação de suas almas (v. 9).
A salvação da alma é uma bênção Cristã do Novo Testamento, que resulta no crente ter um conhecimento consciente de que foi liberto da pena de seus pecados por sua consciência ter sido purificada (Jo 5:24; Hb 9:14, 10:22). Parte integrante da salvação da alma é: redenção (Rm 3:24), perdão dos pecados (Rm 4:7), justificação (Rm 5:1) e reconciliação (Rm 5:10-11). Essas coisas são todas nossas por meio do recebimento de Cristo como nosso Salvador e são consequentes da obra de Cristo consumada na cruz. Essas bênçãos específicas, portanto, não poderiam ter sido possuídas por aqueles que viveram antes da cruz de Cristo.
Afirmar que os santos do Velho Testamento não tinham a salvação de suas almas, não significa que eles não foram para o céu. Eles eram realmente nascidos de Deus e foram abençoados em um relacionamento com o Senhor, de acordo com o modo como Ele Se revelou a eles. No entanto, o único tipo de salvação que eles conheciam era a salvação temporal, por meio de livramentos externos dos perigos e problemas (Êx 14:13; 2 Cr 20:17; Ne 9:27, etc.). Isto que Pedro estava falando era um novo tipo de salvação de caráter espiritual. Como mencionado, tem a ver com o crente saber e estar assegurado do fato de que seu bem-estar eterno está seguro. Isso resulta no crente tendo paz estabelecida em sua alma. Os santos do Velho Testamento não tinham esse conhecimento nem essa certeza. Viviam com um grau de incerteza quanto à pena de seus pecados e temiam que Deus os levasse a julgamento em algum momento futuro (Sl 25:7, 51:9-11, etc.).
Pedro diz que essa salvação da alma que os crentes agora possuem foi profetizada muito antes, pelos profetas do Velho Testamento. Aprendemos em Gênesis 49:18 que havia uma “salvação” por vir que foi identificada com a vinda e obra do Messias. Os santos naqueles dias não entendiam o que era e como seria, mas simplesmente sabiam que a graça salvadora seria de alguma forma manifestada. Muitas outras passagens do Velho Testamento falam o mesmo (Sl 14:7, 67:2; Is 12:2-3, 25:9, 45:8, 49:6, 51:5-8, 52:7, 10, 56:1, etc.). Sob inspiração divina, os profetas escreveram sobre essa “graça” que viria aos crentes nos dias de hoje (v. 10), mas eles não entenderam o que haviam escrito (v. 11). Eles “investigaram”(ARA) seus próprios escritos “diligentemente” e “inquiriram” (pesquisaram) sobre o que eram essas coisas e a quem elas se aplicavam. Foi-lhes “revelado” que essas coisas não eram para “si mesmos”, mas para santos de outro tempo e dispensação ainda por vir (v. 12a).
O “Espírito de Cristo” estava “nos” profetas do Velho Testamento na época de sua escrita, e isso os tornou veículos de Suas operações. Ele deu-lhes sentimentos e experiências que eram, na realidade, uma reprodução dos sentimentos de Cristo. Isto é, sentimentos que seriam plena e perfeitamente encontrados em Cristo quando Ele Se tornou um Homem e andou na Terra. (O “Espírito de Cristo” está trabalhando de forma similar atualmente, produzindo os sentimentos e compaixões de Cristo nos santos enquanto vivem e se movem nesta cena que está sob a “servidão da corrupção”. Portanto, “com Ele padecemos” ao vermos homens e animais sofrendo sob os efeitos do que o pecado causou na criação – Rm 8:9, 17).
Como mencionado na introdução, em cada uma dessas profecias, o Espírito de Cristo estava “anteriormente testificando” da bênção da salvação da alma que estaria conectada com “os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir”. Esses são dois grandes temas relativos ao Messias que percorrem todos os escritos proféticos do Velho Testamento. Há aquilo que pertence aos sofrimentos do Messias e aquilo que pertence ao Seu reinado em glória régia. A ordem em que essas coisas são encontradas na Escritura indica que Cristo primeiro sofreria, antes de entrar em Sua glória. Resultante da vinda do Espírito Santo e da consequente revelação da verdade que nos foi dada (Jd 3), sabemos que há cerca de 2.000 anos entre essas duas coisas, durante as quais Deus tem chamado para fora deste mundo aqueles que iriam compor a Igreja.
Os judeus permaneciam nas passagens que pertenciam às glórias do Messias e se deleitavam nelas. Eles liam aquelas passagens em suas festas anuais com grande entusiasmo. Mas, infelizmente, negligenciaram as passagens que falavam dos sofrimentos do Messias – por exemplo, Salmo 22; Salmo 69; Isaías 50:4-6, 53:1-12; Miquéias 5:1; Zacarias 13:7, etc. Essas Escrituras revelam que Cristo seria rejeitado por Seu próprio povo e seria “cortado” pela morte (Is 53:8; Dn 9:26 – JND). O Senhor apontou este desequilíbrio na mente dos judeus para os dois com quem ia para Emaús (Lc 24). Ele os repreendeu por não crerem “tudo o que os profetas disseram” a respeito do Messias. Eles, como os judeus em geral, tinham crido apenas nas partes da Escritura que pertenciam ao glorioso Messias, e isso os levou a conclusões equivocadas e desencorajadoras quando Ele foi rejeitado e crucificado. Para contrapor a isso, o Senhor explicou a partir das Escrituras que Ele deveria primeiro sofrer antes de entrar em Sua glória régia (Lc 24:25-27). Pedro explica no capítulo mais tarde, que os sofrimentos e a morte do Senhor foram para nossa redenção e bênção eterna (vs. 18-19).
Vivemos hoje no tempo entre os sofrimentos de Cristo e Suas glórias vindouras, quando foi dado um relato completo da revelação Cristã da verdade. É um tempo de sofrimento e de fé. De sofrimento, porque estamos identificados com um Cristo rejeitado, e quando confessamos o Seu nome, compartilhamos Seus sofrimentos (martírio). De fé, porque ainda estamos em nossa jornada para casa, em que devemos andar “por fé, e não por vista” (2 Co 5:7).
O ESPÍRITO SANTO ENVIADO DO CÉU PARA RESIDIR NA TERRA – (v.12)
Pedro continua falando de outra característica do Cristianismo – o Espírito Santo habitando sobre a Terra, nos santos (Jo 14:16-17). Isso é algo que não ocorreu até que Cristo ressuscitou dos mortos e ascendeu ao alto como um Homem glorificado (Jo 7:39). Pedro diz que as coisas concernentes à salvação das almas dos crentes “vos foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo enviado do céu vos pregaram o evangelho”. O Espírito Santo sendo “enviado do céu” para residir na Terra também era algo novo e diferente na mente judaica. Nos tempos do Velho Testamento, o Espírito Santo operou na Terra, mas nunca residiu na Terra. Ele veio “sobre” homens e os “moveu” para realizar certos atos para Deus, e então partiu (Nm 11:25-26; Jz 3:10, 6:34, 11:29, 14:6; 2 Cr 24:20; 2 Pe 1:21, etc.). Em contraste a isto, no dia de Pentecostes, o Espírito de Deus veio habitar na Terra, ocupando residência permanente nos santos que compõem a Igreja de Deus (At 2:1-4, 33, 5:32; Rm 5:5; 1 Co 2:12; Gl 3:2, 14; 1 Ts 4:8; 2 Tm 1:14; Tg 4:5; 1 Jo 3:24). Ao fazer isso, Ele uniu os crentes juntos em “um corpo” em Cristo, a Cabeça no céu (1 Co 12:13). Hoje, em virtude de Sua presença interior, os crentes são “guiados” (não movidos, como nos tempos do Velho Testamento) por Ele (Rm 8:14; Gl 5:18), se estiverem “cheios do Espírito” ( Ef 5:18) e “andarem no Espírito” (Gl 5:16, 25).
A diferença entre o modo como o Espírito operou nos tempos do Velho Testamento e está agora operando no Cristianismo pode ser ilustrada na diferença entre um veleiro e um barco a motor. Um veleiro é movido pela força do vento vindo de fora sobre ele; quando o vento sopra, o veleiro se move. Ao passo que, um barco a motor tem o poder a bordo em todos os momentos, e pode ser usado sempre que o operador optar por acionar o motor.
Assim, o mesmo Espírito que estava “testificando” da salvação da alma nos escritos proféticos do Velho Testamento, oferece agora um relato completo sobre ela, e de muitas outras bênçãos Cristãs, devido a Sua vinda para habitar na Terra (Jo 16:13 – “toda a verdade”). Ela foi “anunciada” por aqueles que nos “pregaram o evangelho” e foi definida com grande clareza nos escritos dos apóstolos. Conhecemos agora o pleno significado da salvação e, com ela, toda a verdade da redenção, do perdão eterno, da justificação, da reconciliação, etc. (Rm 3:21-5:11). A rejeição do Messias e os consequentes sofrimentos abriram o caminho para a salvação da alma ser oferecida a todos os que cressem. Pedro acrescenta: “as coisas os anjos desejam bem atentar”. Isso ocorre porque os anjos são fascinados pelos caminhos de Deus em graça para com os pecadores.
Nesta passagem, Pedro declarou três estágios sucessivos da revelação da graça na salvação da alma:
- Houve profecias dadas nos tempos do Velho Testamento sobre a salvação que viria aos santos nos dias de hoje (vs. 10-11). - Há o presente testemunho do Espírito Santo que foi enviado do céu para comunicar aos santos um entendimento pleno de sua bem-aventurança (v. 12). - Haverá uma manifestação pública desta graça na Aparição de Jesus Cristo (v. 13).
NOVOS RELACIONAMENTOS CRISTÃOS
Capítulos 1:13-2:17
Neste ponto da epístola, Pedro inicia várias séries de exortações práticas baseadas na verdade que ele declarou nos versículos precedentes. Essas exortações continuam até o final da epístola. Esta troca de doutrina para exortação é marcada por um ponto fundamental, “Portanto”. Ele diz: “Portanto**, tendo cingido os lombos da vossa mente, ficai sóbrio e esperai com perfeita firmeza a graça que vos será trazida na revelação de Jesus Cristo**” (v. 13 – JND). Esta admoestação de abertura tem a ver com os santos estando em um estado de alma correto, de modo que responderiam apropriadamente às exortações que Pedro estava prestes a dar.
“Cingindo os lombos” é uma figura tirada das vestimentas que eles usavam nos tempos antigos. As pessoas naquela época se preparavam para o trabalho unindo e amarrando suas roupas soltas com um cinto que envolvia a cintura e a área do quadril (os lombos). Isto é usado na Escritura em um sentido espiritual para necessidade dos santos de se preparar para agirem nas coisas divinas. Os lombos do nosso “entendimento [mente – JND]” sendo cingidos significa que não devemos permitir que nossos pensamentos voem em todas as direções, mas que devemos estar focados nos interesses de Cristo e preparados para servi-Lo.
Ser “sóbrio” também é importante; tem a ver com o reconhecimento de que a vida na Terra é breve e, portanto, devemos ser encontrados usando nosso tempo com sabedoria em vista da eternidade (Sl 90:12).
“Esperai com perfeita firmeza” é não permitir que nossa confiança vacile em relação à certeza de nossa esperança de sermos glorificados como Cristo, e sermos exibidos _c_om Ele no dia de Sua manifestação (Sua Aparição), que Pedro chama de a “revelação de Jesus Cristo”. O fato de Pedro dar essa exortação mostra que há um perigo real de nos distrairmos em nossas vidas Cristãs e nos estabelecermos nas coisas terrenas. A “graça” que nos será trazida na Aparição de Cristo (v. 13) não poderia ser a “graça” da salvação da nossa alma (v. 10) porque já a temos agora. Nem poderia ser a glorificação de nossos corpos quando recebermos nossa salvação completa (v. 5) porque isso terá acontecido no Arrebatamento. A graça a qual Pedro está se referindo aqui é o privilégio de reinar com Cristo em Seu reino (Ap 20:4) e, assim, sermos manifestados com Ele diante do mundo (2 Ts 1:10).
DESIGNAÇÕES CRISTÃS
Capítulo 1:14-2:17 – Não apenas esses crentes haviam sido introduzidos em um círculo de bênçãos em Cristo ressuscitado, as quais eram todas novas para eles, mas também tinham um novo relacionamento com Deus como Pai e novas conexões com os crentes na família da fé. Como eles poderiam não estar familiarizados com essas coisas, Pedro aborda esses novos relacionamentos sob vários nomes (designações) pelos quais os crentes no Senhor Jesus são conhecidos, e os exorta de acordo com a responsabilidade relacionada a cada um deles.
FILHOS (cap. 1:14-21)
Pedro começa dirigindo-se a eles como “filhos” na família de Deus. Ele diz: “Como filhos obedientes, não vos conformando com as concupiscências que antes havia em vossa ignorância; Mas, como é Santo aqu’Ele que vos chamou, sede vós também santos em toda a vossa maneira de viver; Porquanto escrito está: Sede santos, porque Eu Sou santo” (vs. 14-16). Este era um relacionamento com Deus que eles não tinham antes de serem salvos. Antes de crerem no evangelho, eles eram filhos de Israel, mas agora, tendo recebido a Cristo, eles eram “filhos de Deus” (Jo 1:12). O apóstolo João nos pede que consideremos esta grande bênção e privilégio: “Vede quão grande amor nos tem concedido o Pai: que fôssemos chamados filhos de Deus” (1 Jo 3:1 – ACF).
Pedro então lhes enfatiza que na família de Deus o aumento de privilégios traz aumento de responsabilidades. No caso deles, se fosse para serem achados em um relacionamento com Deus como Seus filhos, eles teriam de andar em santidade, pois Deus é santo. Por isso, “as concupiscências que antes havia em vossa ignorância”, às quais antes eram “conformados”, deveriam ser deixadas imediatamente. Como filhos em relação a Deus, nosso Pai, devemos ser marcados pela obediência. O caráter dessa obediência foi demonstrado na vida do próprio Senhor quando Ele andou aqui (Jo 8:29). Ela foi motivada pelo amor (Jo 14:31, 15:10), em vez de ser uma obrigação legal. Assim, devemos obedecer da maneira como Cristo obedeceu – “de coração” (Rm 6:17).
Nos versículos 17 a 20, Pedro apresenta dois motivos fortes para andarmos em santidade. Um tem a ver com nossa consciência e o outro diz respeito ao nosso coração. Em todos os momentos, devemos ser:
- Conscientes do fato de que poderíamos desagradar nosso Pai e incorrer em Seu juízo governamental (v. 17). - Conscientes do fato de termos sido redimidos por um grande preço – o precioso sangue de Cristo – e, assim, nossas vidas não são mais nossas (vs. 18-20).
Quanto ao primeiro deles, Pedro diz: “E, se invocais por Pai aqu’Ele que sem acepção de pessoas, julga segundo a obra de cada um, andai em temor, durante o tempo da vossa peregrinação” (v. 17). Isso mostra que, se seguirmos descuidadamente com falta de santidade, fará nosso Pai agir, e em fidelidade exercerá juízo em nossas vidas (na forma de correção disciplinar) para nos corrigir. Podemos perguntar: “Deus realmente julga Seus filhos?” Esse versículo mostra claramente que sim. Mas, como indicamos na Introdução, este é o juízo governamental, que pertence apenas à nossa vida na Terra. Não tem nada a ver com a nossa posição diante de Deus em Cristo, que está eternamente segura. O julgamento governamental na família de Deus tem a ver com as relações de um Pai amoroso corrigindo Seus filhos. Ele age nos bastidores de nossas vidas de uma maneira negativa, frustrando nossos propósitos e planos a fim de nos deter em nossa desobediência. Ele permitirá que dificuldades nos toquem na forma de problemas, tristezas, doenças, etc., tudo com o objetivo de produzir arrependimento. Quando há genuíno arrependimento nosso, Deus frequentemente exercitará o perdão governamental e retirará a disciplina que Sua mão colocou sobre nós (Mt 18:26-27; Lc 7:48; Jo 5:14; Tg 5:15; Sl 103:10-11, 130:3-4).
O “temor” que Pedro diz que devemos ter não é o medo de perder nossa salvação e nosso relacionamento com Deus como nosso Pai. Se falharmos na santidade, nosso relacionamento com Deus não muda, mas isso pode trazer Sua mão sobre nós para correção. O temor de que Pedro está falando aqui é um temor reverente – um respeito saudável pela fidelidade de Deus em corrigir Seus filhos, se necessário (Hb 12:5-11). Pedro diz que o Pai julga “sem acepção de pessoas”. Isso significa que Deus não tem favoritos em Sua família. Nenhum de seus filhos pode viver de maneira descuidada e não sentir, de alguma forma, Sua mão o corrigindo (Hb 12:6-7).
O segundo motivo para andarmos em santidade é o grande custo de nossa redenção. Pedro diz: “Sabendo que não foi com coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados da vossa vã maneira de viver que por tradição recebestes dos vossos pais, mas com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e incontaminado” (vs. 18-19). Fomos redimidos a um alto preço e, como resultado, o Senhor tem uma reivindicação sobre nossas vidas. Devido ao que realizou no Calvário, agora pertencemos a Ele; nossas vidas são d’Ele para usar da maneira que Ele escolher. O apóstolo Paulo disse: “Não sois de vós mesmos, porque fostes comprados por bom preço; glorificai pois a Deus no vosso corpo” (1 Co 6:19-20). Quando pensamos no preço que Ele pagou para nos redimir, deveríamos entregar nossas vidas a Ele com prazer.
Eu amo possuir, Senhor Jesus
Tuas divinas reivindicações sobre mim;
Comprado com o Teu sangue tão precioso, na cruz;
De Quem posso ser, senão Teu, enfim?
Hinário The Little Flock nº 16 Ap.
Em vista do Calvário, a lógica racional é: “Como posso continuar vivendo uma vida sem santidade quando Cristo pagou um preço tão alto para me libertar de tudo isso? Deste dia em diante, reconhecerei a autoridade de Seu Senhorio em minha vida e, com Sua ajuda, farei as coisas que O agradam e glorificam”.
Para salientar em nossos corações o valor da grande obra de Cristo na cruz, Pedro contrasta o dinheiro da redenção que Israel pagou no passado, com o preço que Cristo pagou para nos redimir. Os filhos de Israel que tinham mais de vinte anos de idade deveriam dar a metade de um siclo de “prata” como um “resgate” por suas almas (Êx 30:11-16, 38:25-26). Eles também deram “ouro” para fazer “propiciação” (Nm 31:48-54). Em contraste com isso, o sacrifício de Cristo como o “Cordeiro” de Deus era de valor infinito. Ele deu a SI MESMO como um resgate pelas nossas almas! (Gl 1:4, 2:20; Ef 5:2, 25; 1 Tm 2:6: Tt 2:14). Portanto, Sua Pessoa (cap. 2:7) e Sua obra, representada por Seu sangue (cap. 1:19), são ambos “preciosos” para os santos. O efeito prático que isso tem sobre nós é que queremos fazer coisas que O agradem (Sl 116:12). Neste contexto, é viver uma vida santa. Como o supremo e perfeito sacrifício pelo pecado, Cristo foi “imaculado” interiormente (1 Jo 3:4) e “incontaminado” exteriormente (1 Pe 2:22). Veja Números 19:2.
Para que ninguém pense que a entrada do pecado atrapalhou o plano de Deus de abençoar o homem, Pedro mostra que a redenção não foi uma ideia posterior de Deus. Ele diz: “O qual, na verdade, em outro tempo foi conhecido, ainda antes da fundação do mundo, mas manifestado nestes últimos tempos por amor de vós” (v. 20). Assim, Deus Se antecipou totalmente à queda do homem e suas consequências, e de antemão ordenou que Cristo fosse enviado ao mundo como o grande Redentor nos últimos dias de Israel. Os “últimos tempos” de que Pedro fala é em relação ao tratamento de Deus com Israel; não deve ser confundido com os “últimos dias” do testemunho Cristão, nos quais estamos hoje (2 Tm 3:1). O ciclo das setenta semanas de Daniel, que terminará com a restauração e bênção de Israel (Dn 9:24-27) foi interrompido entre a 69ª e a 70ª semana, quando os judeus rejeitaram seu “Messias”. O Novo Testamento ensina que durante essa suspensão Deus direcionou Sua energia para chamar a Igreja, que é uma companhia especial de pessoas abençoadas distintas de Israel, que tem um destino celestial com Cristo como Seu corpo e noiva, quando Ele reinará em Seu reino milenar. Assim, o período da Igreja de quase 2.000 anos veio como um parêntese entre a 69ª e a 70ª semana (Rm 11:11-32). Pulando este período presente, vemos que a profecia de Daniel indica que Cristo, o Messias, seria “cortado” pela morte sete anos (uma semana – Gn 29:27; Nm 14:34; Ez 4:6) antes que as promessas de Deus relativas à restauração e bênção de Israel fossem cumpridas (Dn 9:24 – JND). Assim, Ele morreu nos últimos tempos de Israel.
A culminação da obra redentora de Cristo não é a cruz e a sepultura, mas o que Deus assegurou ressuscitando-O dentre mortos e dando-Lhe glória. Esta é a garantia de Deus de que completará o propósito que tinha para nossa bênção em nossa glorificação. Portanto, Pedro diz: “E por Ele credes em Deus, que O ressuscitou dos mortos e Lhe deu glória, para que a vossa fé e esperança estivessem em Deus” (v. 21).
IRMÃOS (cap. 1:22-25)
Pedro passa a outra designação. Os crentes no Senhor Jesus Cristo não são apenas filhos em relação ao Pai (vs. 14-21), mas também são “irmãos” (KJV) uns dos outros na casa da fé (vs. 22-25). Ele diz: “Já que tendes purificado as vossas almas na obediência à verdade, que leva ao amor fraternal não fingido, de coração amai-vos ardentemente uns aos outros, tendo renascido, não de semente corruptível, mas de incorruptível, pela palavra de Deus, a qual vive e permanece” (AIBB). Uma vez que esses crentes estavam agora em um relacionamento com outros crentes de “fé igualmente preciosa” (2 Pe 1:1), sua responsabilidade era amar “ardentemente uns aos outros” com um coração puro.
Pedro lhes diz que não havia razão para o amor deles não fluir para seus irmãos com sinceridade “não fingida”, porque suas almas haviam sido “purificadas” de todo motivo maligno e impuro. A purificação deles era resultado de sua “obediência à verdade” do evangelho, em que foram salvos pela fé (v. 22), e sua obediência de fé era decorrente de terem “sido gerados de novo, não de semente corruptível, mas de incorruptível, pela Palavra de Deus, viva, e permanente” (Tradução W. Kelly – v. 23). Assim, a própria vida e natureza de Deus que se deleitam em amar, foram comunicadas a eles. Isso significa que eles tinham a capacidade de amar seus irmãos com afeição divina. Como a nova vida se deleita no amor (1 Jo 4:8), tudo o que precisamos fazer é “permitir” (JND) que ela se expresse de acordo com seus característicos desejos (Hb 13:1).
O amor Cristão tem um ponto de referência completamente diferente daquele que esses judeus convertidos estavam familiarizados na velha ordem de coisas. Sob o concerto da Lei, o ponto de referência eram eles mesmos. Foi-lhes dito: “amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19:18; Mt 19:19, 22:39). Mas no Cristianismo, o ponto de referência é Cristo. Devemos amar uns aos outros como Cristo nos amou. Ele disse: “Que vos ameis uns aos outros: como Eu vos amei a vós” (Jo 13:34).
Vs. 24-25 – Devido à vida divina que possuímos, nosso relacionamento com Deus e com nossos irmãos é eterno. A preciosa “semente” da Palavra “incorruptível” que nos comunicou a vida divina no novo nascimento, vive e permanece em nós para sempre. Assim, temos um relacionamento permanente e eterno com Deus e com nossos irmãos. Em contraste a isso, o homem natural deste mundo que não tem essa vida é como “a erva” que se seca. Sua vida passa rapidamente, e se ele conquistou alguma glória do mundo ao longo do caminho, ela cai com ele como uma “flor” que murcha. Tal é a transitoriedade e o vazio da vida humana sem Cristo (Jó 14:1-2).
MENINOS RECÉM-NASCIDOS (cap. 2:1-3)
Pedro vai adiante e fala de outra coisa. Os Cristãos também são vistos como “meninos recém-nascidos” (ARA) e, como tais, devem ter um apetite saudável pela Palavra de Deus, o que resulta em crescimento espiritual. Ele diz: “Colocando fora, portanto, toda malícia, toda a astúcia, hipocrisias, invejas e todas as maldades, como bebês recém-nascidos, ansiai pelo leite inteligente [da Palavra], para que, por meio dele, cresçais para a salvação, se de fato tiverdes provado que o Senhor é bom” (Tradução W. Kelly).
Nos últimos versículos do capítulo 1, Pedro falou de como recebemos nossa nova vida – nascendo de novo por meio da operação da Palavra de Deus em nossas almas. Agora, nesses versículos, ele fala de como a vida é sustentada por esse mesmo instrumento. A comunicação da vida em nosso novo nascimento foi um ato soberano de Deus; não tivemos nada a ver com isso. Mas sustentar essa vida é algo em que temos parte na responsabilidade, dedicando tempo para ler a Palavra em espírito de oração.
É interessante e significativo que Pedro comece nos alertando sobre coisas que serão obstáculo aos desejos naturais da nova vida, que anseia pela Palavra de Deus. Ele aborda isso primeiro porque se não tratarmos dessas coisas com julgamento próprio, elas nos impedirão de termos proveito da Palavra, e isso prejudicará nosso crescimento espiritual. As coisas que ele menciona no versículo 1 são como ervas daninhas em nosso jardim que sufocam o crescimento das plantas. “Malícia” está abrigando sentimentos ruins em relação aos outros. “Engano” está escondendo nossos motivos maus. “Hipocrisias” são fingimentos de ser algo que não somos. “Invejas” é ódio absoluto. “Maledicências” (ARA) é propositalmente depreciar alguém quando se refere a ele na presença de outras pessoas. Nota: Pedro fala dessas coisas no plural. Isso mostra que se permitirmos esses males em nossas vidas, eles se multiplicarão, e não demorará até sermos caracterizados por eles. Esses males, portanto, devem ser tirados completamente por meio de julgamento próprio se esperamos ter progresso espiritual. Essas coisas não caem como folhas de outono; elas devem ser cortadas. O uso repetido de Pedro da palavra “todo” nos diz que, ao nos julgarmos a respeito dessas coisas, precisamos chegar à raiz do mal, o qual pode estar cravado em nossos corações.
Esses pecados são mencionados juntos porque são verdadeiros companheiros íntimos; na vida eles raramente aparecem sozinhos (Tt 3:3). Por exemplo, podemos ter ressentimentos (malícia) em relação a alguém, mas o escondemos com engano. No entanto, ocultar algo assim sem julgá-lo significa que isso apenas vai crescer. Enquanto abrigamos esses sentimentos ruins, podemos continuar exteriormente com um ar de piedade diante dos outros, o que é hipocrisia. Com a coisa deixada sem ser julgada, nossa antipatia por aquela pessoa se transformará em ódio, que se manifestará em falar mal dela. Esses versículos nos fornecem uma grande razão pela qual não crescemos nas coisas divinas como deveríamos. Mas podemos ter certeza de que, quando esses males são tirados de nossas vidas, os desejos da nova vida se manifestarão naturalmente em frutos para Deus. Uma das maneiras pelas quais a nova vida se expressará é ter um apetite pela Palavra de Deus.
Pedro usa aqui a palavra “racional” porque está enfatizando a necessidade de nos apegarmos às faculdades racionais de nossos seres em busca de um entendimento “inteligente” da verdade (v. 2). Alguns condenam o estudar as Escrituras porque poderia se tornar uma simples abordagem intelectual da verdade. Embora exista esse perigo, isso não deveria ser usado para desculpar nossa falta de diligência na Palavra. Jamais depreciemos um estudo das Escrituras; observar e distinguir as coisas que diferem na Palavra é como crescemos em nosso entendimento da verdade (2 Tm 2:15). W. Kelly disse: “É necessário observar as distinções feitas e dadas nas Escrituras. Não tenha medo de acreditar na Palavra. Os que fazem objeções podem falar e de fato dizem que essas são distinções de alto grau de refinamento… Nós somos compelidos a distinguir onde e como Deus distingue; e se falharmos em fazê-lo, perceberemos tarde demais para a nossa perda. A verdade é que há muita incredulidade encoberta naqueles que levantam objeções sem importância contra às distinções da Palavra de Deus, pois todo o progresso no verdadeiro conhecimento é testado por aquilo que maiormente consiste o crescimento na verdadeira sabedoria: em distinguir as coisas que diferem” (A Study of the Minor Prophets, pág. 260). Pedro não poderia estar encorajando uma mera aproximação intelectual à Palavra, sem o coração e a consciência estarem envolvidos, porque ele fala dela como sendo “leite”, que tem a ver com a alma sendo alimentada pela verdade.
Ao falar de “bebês recém-nascidos”, Pedro não está sugerindo que devemos nos contentar em permanecer espiritualmente infantis pelo resto de nossas vidas; o ponto principal da passagem é que possamos “crescer” e alcançar a maturidade Cristã. Ele não está chamando nossa atenção para a infância de um bebê, mas sim para o desejo de um bebê pelo leite de sua mãe. Há um desejo determinado, quase agressivo por ele. Da mesma forma, devemos ter esse mesmo desejo pelo leite racional da Palavra. O argumento de Pedro aqui é bem simples; assim como o leite é o alimento adequado para um bebê recém-nascido, assim é a Palavra de Deus para o crente. Sede pela Palavra é algo que deve continuar por toda a nossa vida. Pedro não está usando o termo “bebês” no sentido em que Paulo usa em 1 Coríntios 3:1-4 e Hebreus 5:11-14, onde ele fala da infância espiritual como um estado indesejável de se estar, devido à carnalidade e a interferência de religião terrena. Paulo usa o termo em um sentido negativo, ao passo que Pedro o usa em um sentido positivo.
O crescimento espiritual é muito mais do que aprendizado acadêmico – o acúmulo de conhecimento bíblico. Ele requer energia mental para “estudar” (KJV) e aprender a verdade (2 Tm 2:15), mas também envolve transformação moral por meio da obra do Espírito em nós, pela qual somos conformados à imagem de Cristo (Rm 8:29; 2 Co 3:18). Aprender a verdade no sentido em que Pedro está falando terá um efeito moral e prático em nossas vidas. Ele diz que nosso crescimento espiritual conduzirá para a “salvação” – isto é, salvação prática. Os princípios que temos aprendido na Palavra são aplicados ao nosso caminhar, e isso resulta em livramentos práticos dos perigos espirituais no caminho da fé (Sl 17:4; 2 Tm 3:15). Salvação, em seu sentido mais amplo, é completa conformidade com Cristo – em espírito, alma e corpo. Nós não a conseguiremos até que o Senhor venha. Enquanto isso, se nos alimentarmos da Palavra, cresceremos moralmente em direção àquele objetivo final.
V. 3 – Pedro acrescenta: “Se é que já provastes que o Senhor é benigno”. Essa declaração mostra como o apetite é desenvolvido. Primeiro “provamos”, não exatamente a Palavra, mas “o Senhor” na Palavra (no sentido de comunhão com Ele), e tendo experimentado em nossa meditação que Ele é de fato “bom” e “suave” (Sl 104:34), vamos querer mais d’Ele, e iremos para as Escrituras para encontrar isso (Sl 119:103). Assim, nosso apetite espiritual cresce naturalmente quando nos julgamos a nós mesmos (v. 1) e damos comida apropriada à nossa nova natureza – a Palavra de Deus (v. 2).
O segredo para obter alimento espiritual da Palavra é ver que o Objeto e Centro de tudo é Cristo (Lc 24:27, 44; Jo 5:39). Esta é “a chave da ciência [conhecimento – JND]” (Lc 11:52). Ao lermos a Palavra, devemos ter em mente que tudo pertence a Ele e a Sua glória, de uma forma ou de outra. Cristo, pessoalmente, pode não estar em todos os versículos, mas o assunto de todos os versículos, em última análise, pertence à Sua glória.
PEDRAS VIVAS E UM SACERDÓCIO SANTO (cap. 2:5-8)
Pedro continua e fala de outra coisa. Os Cristãos são vistos hoje como pedras vivas e sacerdotes santos na casa de Deus. Ele diz: “E, chegando-vos para Ele – pedra viva, reprovada, na verdade, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa. Vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis [aceitáveis – JND] a Deus por Jesus Cristo” (v. 4-8). Deus ordenou que, embora Cristo tenha sido rejeitado pelos homens, Ele seria o fundamento de uma nova companhia de crentes que Deus tinha propósito de abençoar – a Igreja de Deus. Pedro não fala dessa nova companhia como tal, mas sim como uma “casa espiritual” que Cristo está construindo neste mundo. Como a “Pedra Viva”, Ele está construindo sobre Si mesmo uma casa espiritual composta por crentes que são “pedras vivas” na estrutura. Isso, novamente, seria algo completamente novo para a mente judaica.
Pedro se apressa em acrescentar que, enquanto Cristo é rejeitado pelos homens, Ele é realmente “precioso” para Deus (v. 4). (Ele é “precioso” para os santos também v. 7.) O fato de que a “pedra principal da esquina” da estrutura é rejeitada pelos homens (v. 6), indica que tudo o que tem a ver com esta casa não será popular neste mundo. Todos os que são parte da estrutura serão rejeitados como Cristo é rejeitado. Consequentemente, todo crente precisa estar preparado para sofrer reprovação e perseguição pelo nome de Cristo (2 Tm 3:12). Isso é Cristianismo normal
Podemos ver pelos versículos 4-5, que Pedro nunca esqueceu o que o Senhor lhe ensinou em Cesareia de Filipe acerca da edificação da Sua Igreja (Mt 16:16-18). Naquela ocasião, o Senhor falou de Si mesmo como a “Rocha” (JND) sobre a qual este novo edifício seria devidamente edificado. Várias outras passagens do Novo Testamento também confirmam que os crentes no Senhor Jesus Cristo constituem a casa de Deus na presente dispensação (1 Co 3:9-17; Ef 2:20-22; 1 Tm 3:15; 2 Tm 2:20; Hb 3:6; 1 Pe 4:17). Isso significa que a casa de Deus hoje não é um edifício material, construído com tijolo e argamassa, como era o caso na velha economia (dispensação), mas um edifício espiritual composto de crentes. As pedras são “vivas” porque participam da vida de Cristo, que é a “Pedra Viva”.
Além disso, os sacerdotes nesta casa espiritual são crentes no Senhor Jesus Cristo – as mesmas pessoas que são como pedras vivas. Pedro os chama de “sacerdócio santo”. Aprendemos com isso que todos os Cristãos são “sacerdotes” nesta dispensação da graça (Ap 1:6, 5:10). Como tal, temos acesso à presença de Deus com uma liberdade que nenhum filho de Arão jamais teve na velha economia (Hb 10:19-22). Além disso, o tipo de sacrifício que oferecemos é completamente diferente daquele que os sacerdotes do Velho Testamento ofereciam. Esses sacerdotes apresentavam sacrifícios de animais e certos grãos e frutas, enquanto no Cristianismo os sacerdotes oferecem “sacrifícios espirituais” auxiliados “por Jesus Cristo”, nosso Sumo Sacerdote (Jo 4:23-24; Hb 10:21). O fato de que Ele é um “Sumo” Sacerdote indica que Ele tem uma casta de sacerdotes que atuam abaixo d’Ele.
Podemos perguntar: “O que são exatamente esses sacrifícios espirituais que os crentes oferecem hoje?” As epístolas do Novo Testamento indicam que há três tipos diferentes de sacrifícios Cristãos:
- O sacrifício de “louvor” (Hb 13:15). - O sacrifício de nossos “recursos” – nossas possessões (Hb 13:16 – JND). - O sacrifício de nossos “corpos” – significando a entrega de nossas vidas – nosso tempo e energia (Rm 12:1; At 15:26 – JND).
Infelizmente, as igrejas da Cristandade não entenderam essas passagens do Novo Testamento que ensinam que a casa de Deus atualmente é um edifício espiritual. Consequentemente, os homens construíram magníficas catedrais e templos para adoração Cristã – e chamam esses edifícios de “a casa de Deus”. Eles também estabeleceram uma casta de homens (o clero – os assim chamados ministros e pastores) para conduzir os cultos como representantes daqueles que assistem às reuniões. Essa ordem pode ser bem intencionada, mas é uma negação prática do verdadeiro sacerdócio dos crentes. Esta é uma ordem que é emprestada do judaísmo e não é de forma alguma o que a Escritura ensina para o culto Cristão.
Vs. 6-7a – Pedro então cita o profeta Isaías para mostrar que é intenção de Deus que Cristo seja o fundamento da bênção para todo o Seu povo – seja a Igreja de Deus ou Israel e, os gentios no reino milenar. Ele diz: “Eis que ponho em Sião a principal pedra angular, eleita e preciosa, E aquele que n’Ele crê, não será envergonhado” (cap. 2:6 – AIBB; Is 28:16). Assim, Cristo é o Centro e o Fundamento de tudo o que Deus está fazendo (e fará) neste mundo para bênção do homem. Todo o que “n’Ele crer não será envergonhado”. Eles provam, por meio da experiência de andarem em comunhão com Ele, que “Ele é precioso”, verdadeiramente.
Vs. 7b-8 – Pedro então fala daqueles que não crerão. Ele acrescenta: “mas, para os rebeldes [incrédulos], a pedra que os edificadores reprovaram [rejeitaram] essa foi a principal da esquina, E uma pedra de tropeço e rocha de escândalo, para aqueles que tropeçam na palavra, sendo desobedientes; para o que também foram destinados [desobedientes para aquilo que também foram apontados – JND] Assim, vemos que Cristo é visto como uma Pedra de duas maneiras. Para aqueles que “creem” Ele é a “Pedra de esquina” de bênção, nesta nova obra da graça de Deus que está acontecendo hoje. Mas para os “rebeldes” [incrédulos], como os edificadores judeus que rejeitaram Cristo como o Messias da nação, Ele é uma “Pedra de tropeço e uma rocha de escândalo”. Aqueles que tropeçam em incredulidade terão aquela Pedra caindo sobre eles em juízo (Mt 21:44). Esta seria a triste porção dos compatriotas desses judeus crentes a quem Pedro estava escrevendo, se permanecessem na incredulidade.
UMA RAÇA ELEITA E UM SACERDÓCIO REAL (cap. 2:9-10)
Pedro passa a considerar outra coisa; crentes no Senhor Jesus Cristo também são vistos como uma raça eleita e um sacerdócio real. Ele diz: “Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daqu’Ele que vos chamou das trevas para a Sua maravilhosa luz; vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia” (v. 9-10 – ARA). Isso também seria algo novo para aqueles que se converteram do judaísmo ao Cristianismo. Sob o antigo concerto, Israel era a raça escolhida por Deus (Êx 19:5; Dt 7:6; Am 3:2), mas agora com a vinda do Cristianismo, aqueles que creem no Senhor Jesus Cristo são a “raça escolhida” de Deus, Sua “nação santa” e Seu “povo de propriedade exclusiva”. O que mais chama a atenção nessa nova companhia de pessoas abençoadas é que ela é composta por judeus e gentios! (1 Co 12:13; Ef 2:11-22, 3:6) Quão estranho e diferente isso deve ter sido para esses santos judeus, pois sob o antigo pacto eles deveriam manter-se separados dos gentios!
O plano de Deus era ter os israelitas como Suas “testemunhas” na Terra (Is 43:10, 21; Jr 13:11). Se os edificadores tivessem recebido a Cristo como seu Messias, Ele teria derramado bênçãos milenares sobre a nação, conforme estabelecido nos escritos dos profetas do Velho Testamento. Mas como eles O rejeitaram, a nação foi temporariamente deixada de lado (Dn 9:26; Mq 5:1-3; Zc 11:10-14, etc.) e crentes no Senhor Jesus Cristo tomaram o lugar de Israel como vaso de testemunho de Deus na Terra (Rm 11:17). Como Sua raça escolhida, os Cristãos são agora Suas testemunhas (Jo 15:27), e como tais devem “anunciar as virtudes [os louvores – KJV] daqu’Ele”, que os chamou “das trevas para a Sua maravilhosa luz”.
Isso não significa que a Igreja é o novo Israel, ou uma nova fase na história de Israel. Esta é uma doutrina errônea da Teologia Reformada (do Pacto). A Igreja e Israel não se fundiram em uma só companhia, como aqueles teólogos ensinam. No propósito e nos caminhos de Deus, a Igreja e Israel redimido são duas companhias completamente diferentes de pessoas abençoadas. Suas porções de bênção e seus respectivos chamados e destinos (terrenos e celestiais) e suas relações com Deus são manifestamente diferentes. No presente tratamento de Deus em graça por meio do evangelho, os crentes judeus no Senhor Jesus Cristo foram “tirados de entre o povo” de Israel (At 26:17 – JND) e fizeram parte da Igreja de Deus – mas Israel ainda permanece como um companhia distinta de pessoas na Terra. Da mesma forma, Deus, pelo evangelho, está visitando os gentios para “tomar de entre eles um povo para o Seu nome” (At 15:14 – JND); aqueles que creem também se tornaram parte da Igreja – mas as nações gentias ainda permanecem intactas na Terra. Assim, crentes judeus e gentios têm sido tirados de suas posições anteriores e não são mais como tais no Cristianismo (Gl 3:28; Cl 3:11).
Em Romanos 11, Paulo afirma que o colocar de lado de Israel não é nem completo nem final (vs. 1-5). Ele não é totalmente colocado de lado porque há “um remanescente segundo a eleição da graça” (AIBB) que está sendo salvo hoje e, portanto, agora faz parte da Igreja de Deus. Paulo aponta para si mesmo como sendo um exemplo. O colocar de lado da nação também não é final; Israel não será rejeitado para sempre. Deus não foi frustrado em Seu propósito em relação a eles; Ele retomará com eles num dia futuro, e serão abençoados de acordo com os escritos de seus profetas. Quando a “plenitude dos gentios” tiver chegado – que é a obra atual de Deus entre os gentios, chamando crentes de entre eles pelo evangelho para formar a Igreja (At 15:14) – “todo o Israel” (isto é, aqueles que tem não só o sangue de Abraão, mas também a sua fé) “será salvo” (Rm 9:6-8, 11:25-27).
Esta nova companhia de crentes não é apenas uma raça escolhida e uma nação santa, eles são sacerdotes reais. Relacionando os versículos 5 e 9, vemos que os Cristãos têm um duplo sacerdócio. É um “sacerdócio santo” em referência à nossa liberdade de nos aproximarmos de Deus em louvor e oração, e é um “sacerdócio real” em relação ao nosso testemunho perante o mundo. Melquisedeque exibe esse duplo sacerdócio. Ele estava apto a entrar na presença de Deus com ofertas como sacerdote santo e ele também foi um rei que reinou em Jerusalém (Gn 14:18; Hb 7:1).
Algumas traduções modernas traduzem a palavra “anuncieis” como “proclameis”, o que implica em uma pregação do evangelho, mas essa não é realmente a ideia na passagem. W. Kelly diz: “Não é, obviamente, pregar o evangelho aos perdidos para que eles sejam salvos” (The Epistles of Peter, pág. 141). J. N. Darby diz que tem mais a ver conosco reproduzindo em nosso andar e maneiras, as “virtudes” daqu’Ele que nos chamou – o que é nota na margem na versão King James. (The Synopsis of the Books of the Bible, Loizeaux edition, pág. 441). Nota: Pedro diz que o estado em que esses crentes judeus estavam antes de crerem no evangelho era o das “trevas”. Mesmo que o judaísmo fosse um sistema divinamente ordenado, nas mãos de homens maus, ele havia se deteriorado em uma religião das trevas. A nação havia rejeitado a Cristo, a Luz do mundo (Jo 1:7, 8:12, 9:5), e como resultado, eles haviam se tornado governamentalmente obscurecidos (Sl 69:22-23). Com a chegada do Cristianismo, a escuridão é passada, e a verdadeira luz está brilhando agora (1 Jo 2:8).
O versículo 10 indica que, como a nação de Israel está atualmente no estado de “Lo-Ami” (Os 1:9), esses crentes judeus que “pré-confiaram” (JND) em Cristo, antes que o remanescente da nação creia em um dia vindouro (Ef 1:12 – JND), podem, em princípio, aplicar Oséias 2:23 (que vê os judeus crentes como “Meu povo”) para si mesmos. Eles uma vez estiveram entre aqueles que “não era povo”, mas agora eles são “o povo de Deus”. É interessante que enquanto Pedro aplica a passagem em Oséias aos judeus crentes de hoje, Paulo aplica a mesma passagem aos gentios crentes de hoje (Rm 11:24-26). Assim, os crentes judeus e gentios, foram chamados de suas posições anteriores para fazer parte de uma nova companhia de pessoas abençoadas, conhecida como a Igreja de Deus (At 15:14; 26:17). Tal é a posição atual dos crentes judeus e gentios na Terra.
Os versículos 9-10 simplesmente ensinam que Deus tem um novo vaso de testemunho na Terra – a Igreja. Ela não é uma extensão de Israel; é uma coisa totalmente nova. Essas coisas são importantes para os convertidos judeus saberem, tanto naquela época como hoje em dia.
PEREGRINOS E FORASTEIROS (cap. 2:11-17)
Por último, Pedro fala dos crentes no Senhor Jesus Cristo como peregrinos e forasteiros. Ele diz: “Amados, peço-vos, como a peregrinos e forasteiros**, que vos abstenhais das concupiscências carnais que combatem contra a alma; Tendo o vosso viver honesto entre os gentios; para que, naquilo em que falam mal de vós, como de malfeitores, glorifiquem a Deus no dia da visitação, pelas boas obras que em vós observem”**. Um **“forasteiro”** é um estrangeiro; aquele que não é natural do lugar onde ele mora. Assim, o lar do Cristão não é aqui na Terra. Estamos **“**no **mundo”**, mas não somos **“**do **mundo”** (Jo 16:33, 17:14-16). Um **“peregrino”** é alguém que está em uma jornada. No nosso caso, estamos passando por este mundo pelo caminho da fé rumo ao lar no céu. Por isso, um forasteiro é aquele que _não está em casa_ e um peregrino é aquele _que está a caminho de casa_.
Pedro passa a dar três instruções curtas relativas à conduta que é requerida de peregrinos e forasteiros.
A primeira é “vos abstenhais das concupiscências carnais”. Como Cristãos, devemos ter cuidado para não adotar a moral das pessoas perdidas entre as quais vivemos. É imperativo que nos julguemos a este respeito, porque essas concupiscências não só “combatem contra a alma” e impede a nossa comunhão com Deus, mas elas também estragam o nosso testemunho perante o mundo. Desnecessário dizer que ter nosso “viver honesto entre os gentios” é extremamente importante. Se as concupiscências da carne se manifestarem na vida de um crente, o mundo será rápido em tomá-las e usá-las para lançar vergonha sobre o nome de Cristo e “falar mal” dos Cristãos como “malfeitores”. Devemos, portanto, viver de tal maneira que sejamos interiormente consistentes com o que professamos ser exteriormente, de modo que o mundo não encontre em nós nenhuma mácula com a qual nos acusar (Ec 9:8).
As vestes dos sacerdotes no Velho Testamento tipificam essa consistência (Êx 28:39-43). Eles deveriam estar vestidos com linho fino, que fala de justiça prática em seu caminho e comportamento. Suas túnicas (roupas externas que as pessoas veriam) deviam ser feitas de linho, mas seus calções (roupas de baixo que as pessoas não veriam) também deveriam ser de linho.
Como mencionado, a melhor maneira de responder às acusações e críticas do mundo é viver uma vida piedosa em que não haja nada do que ser acusado. Pedro diz que, se vivermos uma vida de consistentes “boas obras” diante dos homens, eles perceberão que sinceramente cuidamos do bem-estar daqueles do nosso convívio. E, quando problemas entrarem em suas vidas por meio de uma “visitação” governamental de Deus, eles podem se voltar para um crente em busca de ajuda e consolo, e ao fazê-lo, de certo modo eles “glorificam a Deus”. Isso não significa que eles necessariamente se voltarão para Cristo e serão salvos (ainda que alguns o façam), mas voltando-se para o povo de Deus em busca de respostas e ajuda, eles estão reconhecendo que o favor e a bênção de Deus estão com os Cristãos, e isso traz glória a Deus. Veja Mt 5:16.
Vs. 13-17 – A segunda instrução para aqueles que passam por este mundo como peregrinos e forasteiros é a submissão às autoridades civis. Pedro diz: “Sujeitai-vos pois a toda a ordenação humana por amor do Senhor; quer ao rei, como superior; Quer aos governadores como por ele enviados para castigo dos malfeitores, e para louvor dos que fazem o bem. Porque assim é a vontade de Deus, que, fazendo bem, tapeis a boca à ignorância dos homens loucos: Como livres, e não tendo a liberdade por cobertura da malícia, mas como servos de Deus”. Esta exortação tem a ver com a responsabilidade do Cristão de viver pacífica, honrosa e legalmente sob “as potestades que há” – os governos civis (Rm 13:1). Os Cristãos não fazem parte deste mundo, mas isso não significa que eles não tenham de se “sujeitar” às ordenanças (leis e estatutos) estabelecidas pelos governos do mundo nas terras em que vivem. Eles ainda vivem no mundo e, portanto, devem obedecer a “toda a ordenação humana”. Isso refere-se a tudo, desde o pagamento de impostos até a obediência aos sinais de limite de velocidade na estrada, etc.
Governos humanos foram estabelecidos por Deus para controlar e conter o mal (Gn 9:5-6; Rm 13:1-7; 2 Ts 2:6). Pedro afirma isso no versículo 14. O fato de que alguns governantes possam agir contrariamente ao ideal divino não significa que somos exonerados de nossa responsabilidade de obedecer às “potestades que há” (Rm 13:1). Se eles exigem obediência em algo que viola a consciência Cristã, então isso é um assunto diferente. Quando esse é o caso, devemos obedecer a um poder ainda “mais alto” – o próprio Deus (Ec 5:8; At 5:29). Todo governo humano tem alguma imperfeição, mas sem sua restrição, a anarquia prevaleceria; portanto, devemos ser gratos pelo governo que temos, seja ele do tipo que for. Os governos dos homens em vários países geralmente são de ajuda para aqueles que desejam fazer o que é certo. Pedro afirma isso no versículo 14b. A razão pela qual é importante que nos sujeitemos a todas as ordenanças do homem é tirar qualquer motivo que o mundo possa ter de nos acusar de fazer algo errado. Temos de ser, portanto, sujeitos lealmente ao Estado “por amor do Senhor”, e devemos lembrar sempre que portamos o Seu nome diante do mundo.
Como os Cristãos estão apenas passando por este mundo como peregrinos e forasteiros, não há exortação no Novo Testamento que nos encoraje a tomar posição no governo ou a nos envolver nos assuntos políticos deste mundo. Somos cidadãos de outro país lá no alto (Fp 3:20), e isso nos torna peregrinos e forasteiros aqui embaixo. Portanto, devemos deixar as lutas políticas do mundo para os homens do mundo (Is 45:9).
Vs. 15-16 – Como Cristãos, inevitavelmente seremos criticados pelo mundo por meio do qual passamos, mas como mencionado, se vivemos em sujeição às autoridades civis, podemos “tapar a boca à ignorância dos homens loucos”. Como Daniel na Babilônia, o mundo não terá nada para nos condenar justamente (Dn 6:4). Fomos tornados “livres” de todo o curso do mundo por meio de nossa redenção em Cristo (Gl 1:4), mas não devemos usar nossa “liberdade” como uma “cobertura” para a carne. “Livre” não significa que estamos livres para pecar; a liberdade Cristã não é pretexto para os Cristãos praticarem o mal. Pelo contrário, somos livres para usar nossas energias para servirmos ao Senhor como “servos de Deus”.
V. 17 – A tendência geral dos judeus dispersos entre os gentios era se ressentir das autoridades pagãs sobre eles. Em vista disso, Pedro introduz uma terceira instrução: “Tratai todos com honra, amai os irmãos, temei a Deus, honrai o rei” (ARA). Como crentes no Senhor Jesus Cristo, devemos viver honrosa e pacificamente entre as pessoas perdidas com quem vivemos e trabalhamos (Rm 12:18; 1 Tm 2:1-2). Devemos ter cuidado para não “blasfemar das autoridades” (2 Pe 2:10; Jd 8). Se Deus é temido, o rei será honrado, os irmãos serão amados e os homens em geral serão respeitados. É assim que devemos passar por este mundo como peregrinos e forasteiros. J. N. Darby disse: “Fale pouco, sirva a todos e siga seu caminho. Essa é a verdadeira grandeza; trabalhar despercebido e servir sem ser visto”. Resumindo nossa responsabilidade em relação às potestades que há, devemos orar, pagar e obedecer.
- Oramos por todos que estão em autoridade (1 Tm 2:1-2). - Pagamos nossos impostos àqueles em autoridade (Rm 13:7). - Obedecemos às ordenanças estabelecidas por aqueles em autoridade (1 Pe 2:13).
Resumo das Designações Cristãs
- Como Filhos – devemos andar em santidade. - Como Irmãos – devemos amar ardentemente um ao outro com um coração puro. - Como Menino_s recém-nascidos_ – devemos desejar o leite racional da Palavra para que possamos crescer espiritualmente. - Como _Pedras Vivas e um Sacerdócio_ _Santo_ – devemos oferecer sacrifícios espirituais aceitáveis a Deus por Jesus Cristo. - Como uma _Raça Escolhida e um Sacerdócio Real_ – devemos exibir as excelências morais de Cristo perante o mundo. - Como _Peregrinos e Forasteiros_ – devemos passar por este mundo obedecendo a seus governantes e submetendo-nos às suas ordenanças terrenas.
RELAÇÕES NATURAIS
Capítulo 2:18-3:7
Pedro prossegue para abordar a conduta que os Cristãos devem ter em seus relacionamentos naturais na família. As coisas nas quais tocou até aqui eram novas, que o Cristianismo trouxe ao mundo. Mas o que está agora diante de nós não é novo; essas relações naturais existem desde há muito tempo antes do Cristianismo.
O ponto relevante nesta seção da epístola é que a nova vida não nega nem contraria as relações e responsabilidades naturais. O que o Cristianismo fez foi colocar essas relações naturais sob uma nova luz. Assim, as exortações que se seguem abordam a conduta que deve ser encontrada nos crentes que estão em uma ou mais dessas posições na vida, e isto é em vista de prestar um testemunho piedoso para Cristo neste mundo.
SERVOS DOMÉSTICOS (vs. 18-25)
O primeiro desses relacionamentos naturais é o servo doméstico. Pedro diz: “Vós, servos domésticos**, sujeitai-vos com todo o temor aos senhores, não somente aos bons e gentis, mas também aos maus** [**mal humorado**]**. Porque é coisa agradável, que alguém, por causa da consciência para com Deus, sofra agravos, padecendo injustamente. Porque, que glória será essa, se, pecando, sois esbofeteados e sofreis? Mas se, fazendo o bem, sois afligidos e o sofreis** [**suportais pacientemente**]**, isso é agradável** [**aceitável**] **a Deus**”. (Tradução W. Kelly). A palavra grega para **“servos”** aqui não é a palavra usual empregada no Novo Testamento, que é **“escravos”**. A palavra usada aqui se refere àqueles que eram servos, mas não necessariamente escravos.
Tendo abordado a necessidade de sujeição às autoridades governamentais nas terras em que vivemos (vs. 13-17), Pedro insiste em “sujeição” similar em casa (vs. 18-20). O grande ponto aqui é que o servo deve estar sujeito ao seu senhor, mas, ao mesmo tempo, deve manter uma boa consciência diante de Deus. Isso é particularmente desafiador quando o senhor é “mau” e pede ao servo para fazer algo moral e eticamente errado. Recusar-se a fazer algo mau muitas vezes levará o servo a sofrer “injustamente”. Pedro diz que não teríamos crédito algum ao sofrermos por termos feito algo errado. Mas se sofremos ao recusarmos a fazer o mal “por causa da consciência”, isso glorifica a Deus e testemunha o fato de que temos algo (nossa fé em Cristo) pelo qual vale a pena sofrer. Houve muitos senhores que se converteram por meio de seus servos que viveram com valores corretos em nome de Cristo.
Vivendo no mundo ocidental, onde senhores e servos em uma família não são coisas costumeiras, podemos estar inclinados a pensar que esta passagem não tem aplicação para nós hoje. No entanto, quando somos empregados remunerados em alguma empresa, estamos, em princípio, na mesma posição que esses servos Cristãos. Durante as horas de nosso trabalho, prestamos nossos serviços à empresa que nos contratou e, ao fazê-lo, as ordens dadas aos servos aqui e em outros lugares no Novo Testamento têm uma aplicação prática para nós (Ef 6:5-8; Cl 3:22-25; 1 Tm 6:1). Da mesma forma, os empregadores que administram uma empresa e têm empregados, em princípio, estão na posição de senhores, e eles devem administrar suas empresas de uma maneira que honre ao Senhor (Ef 6:9; Cl 4:1; 1 Tm 6:2).
Vs. 21-25 – Para ajudar os servos a enfrentar essas circunstâncias difíceis no local de trabalho da maneira correta, Pedro apresenta duas coisas:
- O exemplo da vida de Cristo (vs. 21-23). - O sacrifício da morte de Cristo (vs. 24-25).
Quanto ao primeiro, ele diz: “Porque para isto sois chamados; pois também Cristo padeceu por nós, deixando-nos o exemplo [modelo], para que sigais as Suas pisadas. O Qual não cometeu pecado, nem na Sua boca se achou engano. O Qual, quando O injuriavam, não injuriava, e quando padecia não ameaçava, mas entregava-Se àqu’Ele que julga justamente”. A desafiadora e difícil circunstância de trabalhar para um senhor arrogante oferece ao servo uma oportunidade de ouro para mostrar as excelências (virtudes) de Cristo. Mas isso não é fácil de fazer quando sabemos que estamos sofrendo injustamente. Como um “modelo” para toda a conduta correta sob tais circunstâncias, Pedro nos aponta para Cristo, o Servo perfeito. Ninguém sofreu injustamente mais do que Ele, e ninguém nunca aceitou o sofrimento com um espírito tão maravilhoso de mansidão e graça! Servos que sofrem por injustiças no local de trabalho devem “seguir Suas pisadas” e o Seu “exemplo” de paciente submissão, quando têm de sofrer desta forma. O cenário desta exortação é o dos servos sofrendo em sua condição de vida, mas as palavras de encorajamento de Pedro aqui se aplicam a qualquer um que sofra injustamente.
Cristo sofreu, mas não pelos Seus próprios pecados, porque Ele não teve pecados. As escrituras dizem: “O Qual não cometeu pecado” (v. 22), Ele “não conheceu pecado” (2 Co 5:21) e “n’Ele não há pecado” (1 Jo 3:5). No entanto, Ele sofreu pacientemente sob as falsas acusações que foram lançadas contra Ele. Quando foi falsamente acusado perante o Sinédrio (o conselho judaico), “guardava silêncio” (Mt 26:63), e então diante de Herodes, demonstrou o mesmo controle próprio – Ele “nada lhe respondia”. (Lc 23:9). E, exerceu o mesmo controle próprio novamente diante de Pilatos – Ele “nem uma palavra lhe respondeu” (Mt 27:12-14). Ele não fez nenhuma tentativa de defender a Si mesmo, ou de revidar. Pedro diz: “quando O injuriavam” com palavras abusivas, Ele “não injuriava, e quando padecia não ameaçava”. Não havia “engano” em Sua boca; Ele nunca disse uma palavra em um tom de voz errado! Em vez de justificar-Se, Ele “entregava-Se àqu’Ele que julga justamente”, e assim, cumpriu Isaías 53:7 perfeitamente. A conduta do Senhor nos mostra como devemos nos comportar quando somos difamados e perseguidos por fazermos o que é correto diante de Deus. Aprendemos com isso que não devemos nos deixar envolver em contendas de palavras quando somos insultados, nem fazer ameaças para ficarmos quites.
Quanto à segunda coisa, Pedro diz: “Levando Ele mesmo em Seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro, para que, mortos para os pecados, pudéssemos viver para a justiça; e pelas Suas feridas fostes sarados. Porque éreis como ovelhas desgarradas: mas agora tendes voltado ao Pastor e Bispo das vossas almas”. (vs. 24-25). Podemos nos perguntar por que ele mencionaria a obra de Cristo na cruz em que fez expiação, quando não nos é possível segui-Lo nesse tipo de sofrimento – somente Ele poderia fazer expiação pelos pecados. Mas, olhando mais de perto a passagem, veremos que Pedro não está nos pedindo para imitar o Senhor na expiação, mas sim para estarmos cientes do que Ele realizou na expiação. Seu sofrimento pelos pecados não é colocado diante de nós aqui como um modelo, mas como uma motivação para deixarmos de pecar. O raciocínio de Pedro é que, uma vez que Cristo sofreu tão profundamente para tirar nossos pecados, não podemos acertadamente continuar nessas coisas que tanto Lhe custaram. Continuar com esses pecados é uma insensível falta de consideração ao que Ele passou para tirá-los.
Colocando isso em contexto, ao respondermos de maneira carnal aos erros cometidos contra nós, estamos fazendo algo que custou um sofrimento imensurável ao Senhor! Como Deus pode aprovar isso? Toda essa ação carnal não é o modo de agir de Deus quando somos perseguidos, “Porque a ira do homem não opera a justiça de Deus” (Tg 1:20). A carne se sente justificada em pecar quando sabe que foi injustiçada, mas se verdadeiramente fomos “sarados” por Suas “feridas” (espiritualmente), não vamos querer responder às injustiças contra nós com uma demonstração pecaminosa de ira, nos queixando, etc. Pedro afirma que o propósito da morte de Cristo é separar os crentes do curso dos pecados que eles uma vez seguiram (que é o que significa “mortos para os pecados”) para que possam “viver para a justiça”. Portanto, a única coisa certa a se fazer quando testados nessas situações difíceis é buscar a graça de Deus a fim de nos comportarmos de uma maneira que glorifique o Senhor (Tg 4:6).
O versículo 24 tem a ver com o que Cristo fez por nós no passado na cruz, mas o versículo 25 tem a ver com o que Ele está fazendo por nós no presente, cuidando e nos mantendo no caminho de fé. Seu olho está sempre sobre aqueles que Ele redimiu, cuidando deles como seu “Pastor” e “Bispo”. Como nosso Pastor, Ele nos alimenta com alimento espiritual (v. 2). Como nosso Bispo, Ele nos guia e nos protege dos ataques espirituais do inimigo (cap. 5:8). Se nos mantivermos perto d’Ele, seremos livrados das armadilhas do caminho (Dt 33:12). Antes que esses santos judeus fossem salvos, não tendo o Senhor para ajudá-los desta maneira prática, eles estavam “desgarrados” nas trevas do judaísmo vazio, mas agora, tendo recebido a Cristo, eles estavam no caminho de fé sob Seu cuidado e proteção.
ESPOSAS (cap. 3:1-6)
Pedro passa a tratar do casamento, supondo uma situação em que a esposa é crente e o marido não. Ele mostra que por meio de um viver quieto e piedoso ela pode testificar de Cristo e ganhar para Ele seu marido. Ele diz: “Semelhantemente, vós, mulheres sede sujeitas aos vossos próprios maridos; para que também, se alguns não obedecem à palavra, pelo porte [maneira de viver] de suas mulheres sejam ganhos sem palavra; Considerando a vossa vida casta [maneira de viver], em temor” (vs. 1-2).
É extremamente difícil para um crente estar unido a um incrédulo no casamento. Ninguém deveria entrar voluntariamente em tal união; seria pura desobediência (2 Co 6:14). Pedro não está falando sobre isso aqui, mas de uma situação em que o evangelho alcançou dois incrédulos em um casamento, e um (a esposa) é salvo. Deus pode usar as dificuldades de um jugo desigual no casamento como uma disciplina para aquele que voluntariamente entrou nessa união não bíblica, mas no caso em que Pedro está falando, Ele dará graça para enfrentar a situação. Quando tal caso existe é necessária muita sabedoria por parte do cônjuge crente. A resposta não é o divórcio, mas permanecer nesse chamado e nele ser um brilhante testemunho de Cristo (1 Co 7:13-16).
A linha de pensamento de Pedro aqui é simples; já que o marido rejeita a Palavra, a esposa deve conquistá-lo “sem Palavra” – isto é, sem pregar para ele. Ela deve manifestar o caráter de Cristo, e com o tempo, o Espírito de Deus irá usar isso para convertê-lo e ganhá-lo para Cristo (Pv 11:30). Isso mostra que as ações geralmente falam mais alto que palavras. A ideia de uma mulher se submeter a um homem é repugnante na sociedade de hoje, mas é princípio de Deus para bênção e cura num casamento. Tal é o poder de um espírito quieto e submisso com o qual Deus Se identifica e abençoa. Por outro lado, uma mulher forte e dominadora frequentemente levará seu marido incrédulo para longe de Cristo.
Pedro acrescenta: “O enfeite delas não seja o exterior, no frisado dos cabelos, no uso de joias de ouro, na compostura de vestidos; Mas o homem encoberto no coração; no incorruptível trajo de um espírito manso e quieto, que é precioso diante de Deus” (vs. 3-4). Isso mostra que a beleza que a esposa deve ter é uma coisa moral interior, em vez de uma demonstração externa de adorno mundano. O ponto aqui é que não será sua aparência exterior em cabelos e vestuário que vai ganhar seu marido para o Senhor, mas sua vida interior de santidade e submissão. Roupas ornamentadas e penteados tendem a atrair a atenção para a pessoa e não para Cristo. O Espírito de Deus não Se identificará com o mundanismo em uma esposa, mas Se identificará com sua piedade e a usará para converter seu marido incrédulo. Pedro não está encorajando desleixo no vestir das mulheres; não há virtude nisso. O que ele está dizendo é que Deus aprecia “um espírito manso e quieto”, e é com isso que toda mulher Cristã deveria se preocupar.
Pedro então aponta para o caráter das mulheres santas nos tempos do Velho Testamento. Elas não tinham Cristo diante delas como um motivo, como as mulheres Cristãs têm hoje, mas elas mostraram um espírito de submissão aos seus maridos, o que é louvável. Ele diz: “Porque assim se adornavam também antigamente as santas mulheres que esperavam em Deus, e estavam sujeitas aos seus próprios maridos; Como Sara obedecia a Abraão, chamando-lhe senhor; da qual vós sois filhas, fazendo o bem, e não temendo nenhum espanto”. Sara “obedecia” a Abraão, e Pedro coloca seu exemplo diante de nós como modelo para as esposas Cristãs. O apóstolo Paulo eleva o casamento Cristão a um plano superior, de acordo com a revelação do mistério que foi confiado a ele. O modelo que ele coloca diante de nós não é o de Abraão e Sara, mas de “Cristo e a Igreja” (Ef 5:32). Da mesma forma, Paulo diz aos filhos e servos da casa para “obedecerem” (Ef 6:1, 5), mas as esposas, tendo um relacionamento diferente com o cabeça da casa, devem “sujeitar-se” (Ef 5:22; Cl 3:18). A submissão é um pouco diferente de obediência, tendo mais a ver com a atitude do coração e da vontade. Quanto à obediência, alguém poderia até obedecer, mas não ter seu coração comprometido de forma nenhuma. Exigir obediência da esposa reduz o casamento Cristão a um arranjo legal, e isso estraga a imagem que deveria exibir Cristo e a Igreja.
Sara se referiu a Abraão como “senhor”. Pedro não está sugerindo que as mulheres Cristãs devam literalmente chamar seus maridos de “senhor” quando falam com eles. Sara disse “consigo” (Gn 18:12); assim, foi a atitude de seu coração em dar a Abraão seu lugar de direito como cabeça da família. Ela é o exemplo para todas as “santas mulheres”. As esposas Cristãs que seguem seu exemplo são moralmente suas “filhas”. O testemunho Cristão precisa de mulheres santas hoje mais do que nunca.
MARIDOS (cap. 3:7)
Pedro diz: “Igualmente vós, maridos, coabitai com elas com entendimento, dando honra à mulher, como vaso mais fraco; como sendo vós os seus coerdeiros da graça da vida; para que não sejam impedidas as vossas orações”. Os maridos não são instruídos a reivindicar submissão de suas esposas e insistir nisso; eles devem ganhar seu respeito coabitando com elas “com entendimento”. O entendimento ao qual ele está se referindo aqui é aquele que é exigido de cada cônjuge no relacionamento conjugal. H. Smith disse que é “o entendimento do relacionamento como instituído por Deus” (The Epistles of Peter, pág. 21). Portanto, os princípios do casamento Cristão não se baseiam nos costumes e cultura do país em que vivemos, mas naquilo que Deus ordenou na Escritura referente ao casamento. Isso significa que os maridos não podem tratar suas esposas de uma forma inconveniente, e se desculparem dizendo: “É o costume em nosso país”. O marido também precisa saber as limitações naturais de sua esposa, física e emocionalmente, como sendo o “vaso mais fraco”, e ser atencioso em todas as coisas. Ele deve reconhecer do que sua esposa é capaz – no trabalho, em viagem, até mesmo em ter filhos – e não exigir dela além do que ela é física e emocionalmente capaz de lidar.
Assim, a esposa deve dar ao marido “sujeição” (v. 1) e o marido deve dar à sua esposa “honra” (v. 7). Ser o vaso “mais fraco” não significa que ela seja inferior. Nota: ela é chamada de vaso “mais fraco”, não de o vaso “fraco”, o que implicaria ser ele o vaso forte no casamento. Mas afirmar que ela é “mais fraca” implica que o marido também é fraco; ela é apenas a mais fraca dos dois. Isso significa que ambos precisam se colocar em dependência do Senhor para garantir um casamento feliz e bem-sucedido.
“Co-herdeiros da graça da vida” não está se referindo à herança eterna de bênçãos espirituais do crente em Cristo (At 20:32, 26:18; Cl 1:12; 1 Pe 1:4). Pelo contrário, é o benefício natural que vem com o casamento nesta vida. Se um casal Cristão segue os simples princípios do casamento, conforme estabelecido na Palavra de Deus, terá o sorriso da aprovação do Senhor, e pode esperar ter Sua bênção de uma maneira prática. O casal não deve permitir que nada se interponha entre eles, que os impeça de se ajoelhar na presença do Senhor e expressar dependência d’Ele para suas necessidades. É isso que Pedro quer dizer ao falar: “para que não sejam impedidas as vossas orações”. Rixas e brigas certamente farão isso.
VÁRIOS ASPECTOS DO SOFRIMENTO NO CAMINHO DE FÉ
Capítulos 3:8-5:14
Uma vez que o Cristão é chamado a caminhar em um caminho que é contrário ao curso deste mundo, sofrer perseguição de uma forma ou de outra não pode ser evitado. Como o sofrimento é inevitável, Pedro dedica esta seção final da epístola a dar conselhos e encorajamento aos santos que estavam passando por aflições – particularmente o sofrimento da perseguição. Ele deu uma palavra especial a vários grupos de indivíduos dentro da comunidade Cristã, mas agora ele amplia suas observações para incluir todos os santos. Isto é indicado nas palavras: “Sede todos…”
Seu uso da palavra “finalmente” indica que ele alcançou o auge em suas instruções e agora vai abordar um assunto que era de muita preocupação para ele – os sofrimentos dos santos. Ele já havia tocado nisso quando exortou os servos domésticos (cap. 2:19), mas agora ele aborda o assunto como se aplicando a todos os santos. Ele os exorta a respeito de:
- Padecer por causa da justiça (cap. 3:14-22). - Padecer na carne e deixar de pecar (cap. 4:1-11). - Padecer pelo nome de Cristo (cap. 4:12-19). - Padecer oposição do diabo (cap. 5:1-11).
Em cada um desses aspectos do sofrimento, Pedro aplica “as aflições de Cristo” aos santos em suas circunstâncias de sofrimento para encorajá-los. Como mencionado na introdução, os sofrimentos de Cristo são trazidos como modelo ou como motivação.
A Companhia Cristã – um Refúgio
Cap. 3:8-9 – Pedro começa exortando os santos de que haveria um feliz estado de unidade entre eles. Isso é importante porque a comunidade Cristã deve ser um abrigo para descanso dos santos para se refugiarem da frieza e hostilidade do mundo. Sendo “soltos” de nossas responsabilidades terrenas no emprego secular, deveríamos estar aptos a nos retirar para os da “nossa própria companhia” (At 4:23– JND) e encontrar lá conforto, amor, entendimento, simpatia, ajuda e instrução espiritual. Pedro reconhece isso e exorta: “sede todos de um mesmo sentimento, compassivos [tendo empatia], amando os irmãos, entranhavelmente misericordiosos e afáveis [humildes em pensamento]”. Quando essas coisas são encontradas em ação entre os santos, condições felizes prevalecerão no círculo Cristão, e ele será verdadeiramente um abrigo de descanso onde um crente pode encontrar consolo para problemas que ele enfrenta neste mundo.
Estando sob perseguição, como estavam esses santos, Pedro os exorta a resistir a qualquer pensamento de revide. Ele diz: “não retribuindo mal por mal, ou injúria por injúria; antes, pelo contrário, bendizendo; porque para isso fostes chamados, para herdardes uma bênção” (v. 9 – ARF). Nossa vida prática deve ser governada pelo fato de sermos chamados a herdar a bênção. Com um senso consciente da graça que tão ricamente nos abençoou, deveríamos estar prontos para abençoar outros – mesmo que eles tenham sido abusivos conosco.
O Governo de Deus
Vs. 10-13 – Para confortar e encorajar ainda mais os santos que estavam passando por perseguição, Pedro introduz a operação dos princípios do governo de Deus. Ele cita Salmo 34:12-16 para estabelecer este ponto: “Porque quem quer amar a vida, e ver os dias bons, refreie a sua língua do mal, e os seus lábios não falem engano. Aparte-se do mal, e faça o bem; busque a paz, e siga-a. Porque os olhos do Senhor estão sobre os justos, e os Seus ouvidos atentos às suas orações; mas o rosto do Senhor é contra os que fazem males”. Assim, esses santos sofredores teriam a ajuda providencial de Deus na perseguição que eles estavam enfrentando. Isso não significa que eles escapariam da perseguição; pode ser que Deus permitisse a morte de alguns deles como mártires. O argumento de Pedro aqui é que aqueles que estavam sendo perseguidos poderiam contar com o apoio de Deus no tempo de angústia. H. Smith observou que “nos princípios imutáveis do governo moral de Deus, a essência do governo, seja humano ou divino, é proteger e abençoar aqueles que fazem o bem e punir aqueles que praticam o mal” (The Epistles of Peter, pág. 22-23). Isso se aplica tanto aos crentes quanto aos incrédulos.
O fato de que ele diz: “quem quer amar a vida, e ver os dias bons”, mostra que a vida Cristã não é apenas dificuldade. O sorriso da aprovação de Deus será desfrutado por aqueles que fazem o bem. Este é um princípio básico do governo de Deus; colhemos o que semeamos, seja para o mal ou para o bem (Gl 6:7-9). Isto deveria ser um encorajamento para aqueles que fazem o bem (Gl 6:10). Àqueles que fazem o mal, pode parecer que estão se esquivando, mas a ação do julgamento governamental de Deus sempre os alcança no final (Sl 73:1-19). O governo de Deus não é nada a ser temido se estivermos andando em retidão. Por outro lado, é algo a ser muito temido, se fizermos o mal.
Vs. 13 – Pedro interrompe sua citação do Salmo 34 pouco antes das palavras: “para desarraigar da Terra a memória deles”, porque essas palavras referem-se a um dia vindouro quando o Senhor aparecerá. Seu grande ponto nesses versículos é que, com a mão providencial de Deus trabalhando para com o Seu povo, não há nada que possa nos tocar que Ele não tenha ordenado (Jó 23:14). Em vista disso, Pedro pergunta: “E qual é aquele que vos fará mal, se fordes zelosos do bem?” Essa é a linguagem de alguém cuja confiança está em Deus. Esses versículos mostram que a forma mais fácil ou mais simples de se passar pela vida é encontrada ao se fazer a vontade de Deus. Se fizermos o que é certo, teremos o conforto de saber que o Senhor está do nosso lado – mesmo em tempos de perseguição.
SOFRENDO POR CAUSA DA JUSTIÇA
Capítulo 3:14-22
V. 14 – Pedro prossegue abordando os vários aspectos do sofrimento no caminho da fé, começando pelo sofrimento por causa da justiça.
Haverá momentos na vida em que faremos o que é moral e eticamente correto em uma determinada situação e, consequentemente, sofreremos por isso. A resposta de Pedro é: “Mas também, se padecerdes por amor da justiça, sois bem-aventurados [felizes – KJV]”. Isso pode soar um pouco estranho. Poderíamos pensar que ele deveria ter dito: “Se você sofrer… você será triste” – mas ele diz: “sois felizes!” Podemos nos perguntar como um crente poderia ser feliz quando ele é perseguido? Pedro mostra que, se formos chamados a sofrer por causa da justiça, teremos um gozo interior que é conhecido apenas por aqueles que sofrem dessa maneira (1 Ts 1:6). Isto é um enigma que não pode ser explicado. A conclusão de Pedro, portanto, é que não há necessidade de viver com medo ou pavor, porque se formos chamados a sofrer dessa maneira, seremos felizes. Sendo este o caso, ele diz: “E não temais com medo deles, nem vos turbeis”. Similarmente, Hebreus 13:5-6 diz: “Não te deixarei, nem te desampararei. E assim com confiança ousemos dizer: O Senhor é o meu Ajudador, e não temerei o que me possa fazer o homem”. Novamente, essa é a linguagem de fé.
Dando uma Resposta pela Razão da Nossa Esperança
V. 15 – Pedro prossegue, mostrando que, se nos comportarmos adequadamente, especialmente sob a provação da perseguição, aqueles que se opõem às coisas que defendemos, podem até mesmo inquirir sobre nossa fé. Isso mostra que quando sofremos por justiça e somos felizes, isso dá um testemunho poderoso para aqueles que estão ao nosso redor, e eles podem querer o que temos. Já que esta é uma possibilidade real, ele diz: “Antes santificai a Cristo, como Senhor, em vossos corações; e estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós”. Esta é uma citação parcial de Isaías 8:12-13. Santificar o Senhor Cristo em nossos corações é dar ao Senhor Seu lugar de direito em nossas vidas, colocando os Seus interesses em primeiro lugar. Isso incluiria estar em bom estado de alma por meio de nosso julgamento próprio (1 Co 11:31) e vivendo em comunhão com o Senhor (Jo 15:4). Então, se quisermos ser efetivos em dar uma resposta correta sobre em que cremos, também precisaremos ter um conhecimento prático da verdade. Não podemos esperar ensinar a verdade àqueles que nos perguntam, se nós mesmos não a conhecemos. Aqueles que viveram nos primeiros dias do Cristianismo, antes de as Escrituras do Novo Testamento serem escritas, adquiriram a verdade por meio do ministério oral dos apóstolos e outros servos do Senhor (At 2:42, 11:26, 14:22, 18:24-28, 20:20). Mas desde que o Novo Testamento foi completado, temos a Bíblia divinamente inspirada para nos referirmos – mas até mesmo isto requer uma familiaridade com ela, que só vem por meio do estudo diligente (1 Tm 4:6; 2 Tm 2:15).
Pedro diz que nossas respostas devem ser dadas “com mansidão e temor”. A mansidão e humildade andam juntas (Mt 11:29; Ef 4:2; Cl 3:12). A mansidão tem a ver com a maneira pela qual nos aproximamos dos outros, não ofendendo (1 Co 4:21; 2 Co 10:1; Gl 6:1; 2 Tm 2:24; Tt 3:2). H. Smith disse: “Agindo em um espírito de mansidão, não ofenderemos” (The Epistles of Peter, pág. 25). Humildade, por outro lado, é não se ofender quando encontramos alguém que não é manso em espírito. Moisés é um exemplo de humildade; ele foi criticado por se casar com uma mulher negra, mas ele não se ofendeu (Nm 12:3 – Nota de rodapé – Tradução J. N. Darby). A palavra “responder” no grego é “apologia”, que é de onde obtivemos nossa palavra em inglês “apologética”. Isso se refere a uma defesa doutrinária da fé Cristã. Assim, devemos agir em mansidão, mas também no “temor” de Deus ao enfrentar os questionadores. Precisamos manter um espírito correto ao darmos uma resposta da “razão da esperança” em nós. Isso será difícil quando estivermos sendo perseguidos, mas o Senhor nos dará a graça para dizer a coisa certa se olharmos para Ele (Mt 10:18-20).
V. 16 – Pedro acrescenta: “Tendo uma boa consciência, para que, naquilo em que falam mal de vós, como de malfeitores, fiquem confundidos os que blasfemam do vosso bom porte em Cristo”. Assim, não é para termos apenas um conhecimento da verdade e um espírito correto ao respondermos àqueles que perguntam, mas também devemos ter uma “boa consciência”. Uma boa consciência é mantida por nos julgarmos a nós mesmos, se e quando falharmos. O próprio Pedro é um exemplo aqui. Ele “negou” o Senhor (Mt 26:72), mas quando ele julgou seu fracasso e foi restaurado ao Senhor, ele poderia, com boa consciência, pregar para seus compatriotas: “Mas vós negastes o Santo e o Justo!” (At 3:14) O perigo é perdermos uma boa consciência por não nos comportarmos corretamente quando somos falsamente acusados. Quando esse é o caso, nosso ministério perderá seu poder.
Vs. 17-18 – Pedro conclui: “Porque melhor é que padeçais fazendo bem (se a vontade de Deus assim o quer), do que fazendo mal. Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; mortificado, na verdade, na carne, mas vivificado pelo Espírito”. Os sofrimentos de Cristo na expiação são trazidos aqui como motivação para o crente não pecar. Assim, é totalmente inconsistente para um crente ser encontrado sofrendo por ter feito algo errado, porque Cristo já sofreu por tais pecados no Calvário. Uma vez que tirar esses pecados Lhe causou agonia insondável, como podemos voltar, na menor medida que seja, àquilo que causou a Ele tanto sofrimento? Visto que Ele nos salvou de tudo isso, não é correto que sejamos encontrados praticando aqueles pecados pelos quais Cristo morreu; isso é não ser fiel à nossa confissão de sermos Cristãos. J. N. Darby disse: “Pode ser que Deus ache bom que soframos. Se assim for, é melhor que soframos por fazer o bem do que por fazer o mal. O apóstolo dá um motivo tocante para isso: Cristo sofreu pelos pecados de uma vez por todas; que isso seja suficiente; vamos sofrer apenas pela justiça. Sofrer pelo pecado foi Sua tarefa; Ele a consumou e para sempre, sendo levado à morte quanto à Sua vida na carne, mas vivificado de acordo com o poder do Espírito divino” (Synopsis of the Books of the Bible, Loizeaux edition, pág. 444-445).
Há três coisas declaradas no versículo 18 em conexão com a obra de Cristo na cruz:
- “Padeceu uma vez pelos pecados” – isso é propiciação. - “O Justo pelos injustos” – isto é substituição. - “Para levar-nos a Deus” – isto é reconciliação.
A ordem em que Pedro fala dessas coisas é significativa. Propiciação e substituição (as duas partes da expiação) precedem a reconciliação. Isso indica que Deus teve de cuidar de assuntos que pertenciam à Sua santidade antes que Ele pudesse Se preocupar com a necessidade do homem. As reivindicações da justiça divina em relação ao pecado tinham de ser resolvidas primeiro. Isso foi feito na propiciação (Rm 3:25; Hb 2:17; 1 Jo 2:2, 4:10). A propiciação é o lado de Deus da obra de Cristo na cruz, que satisfez plenamente a Deus em relação a toda a manifestação do pecado; isso reivindicou Sua natureza santa. A substituição é o lado do crente da obra de Cristo na cruz. Tem a ver com o que Cristo fez pelos crentes suportando o juízo dos pecados deles (cap. 2:24). Como resultado, a questão do pecado foi resolvida na cruz, e Deus é capaz de alcançar o homem com uma mensagem de graça redentora, e reconciliar os crentes a Ele mesmo (Rm 5:10-11; Ef 2:13; Cl 1:21).
Exemplo de Noé
Vs. 19-20 – Pedro então menciona os dias de Noé e as pessoas que rejeitaram a sua pregação que agora estão na prisão. Ele diz: “No qual (Espírito) também (Cristo) foi, e pregou aos espíritos em prisão; Os quais noutro tempo foram rebeldes [desobedientes – ARA], quando a longanimidade de Deus esperava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca; na qual poucas (isto é, oito) almas se salvaram pela água”. Podemos nos perguntar por que Pedro mencionaria isso porque aparentemente não tem nada a ver com o assunto em discussão. A resposta simples é que foi para encorajar aqueles que estavam sofrendo pela justiça, de que eles não estavam sozinhos em seus sofrimentos; outros antes deles sofreram de maneira semelhante. Noé é um exemplo. Ele foi “pregoeiro da justiça” (2 Pe 2:5) que sofreu “por amor da justiça” nas mãos daqueles que eram “desobedientes” à sua pregação. Embora os resultados de sua pregação fossem pequenos, no que se refere às almas que foram salvas, ele continuou fiel e perseverou em seu testemunho, e foi um verdadeiro vencedor em seus dias. Ele testemunhou pacientemente por 120 anos enquanto “preparava a arca” e se tornou um “herdeiro da justiça” (Hb 11:7).
Cristo Pregando pelo Espírito
Uma consideração mais detalhada desta passagem das Escrituras revela muitas correlações entre os dias antediluvianos e os dias em que esses crentes judeus estavam vivendo. Cristo não estava pessoalmente presente naqueles dias, mas Ele “pregou” aos homens daquele tempo “pelo Espírito” (vs. 18-19) por meio de Noé. De forma similar, nestes tempos Cristãos, Cristo não está mais presente na Terra, mas o Espírito veio, e Cristo tem pregado aos homens pelo Espírito por meio de Seus servos (Ef 2:17). Para entender corretamente isso, é necessário notar a maneira na qual Pedro usa a expressão “o Espírito de Cristo” (cap. 1:11). Cristo, pelo Espírito Santo, estava nos profetas antigos testificando aos homens. Da mesma forma, com as pessoas que viveram antes do dilúvio; naqueles dias, o Espírito de Cristo estava em Noé, lutando com os homens por meio de sua pregação justa (Gn 6:3; 2 Pe 2:5).
A grande massa do povo nos dias de Noé foi “rebelde” à pregação. Igualmente, nos dias de Pedro, a massa da nação judaica havia rejeitado a Cristo (At 3:13-16) e resistiu ao testemunho do Espírito Santo, falado a eles por meio de homens como Estevão (At 7:51). Quando o juízo caiu sobre aqueles antediluvianos e eles morreram no dilúvio, seus “espíritos” desencarnados foram lançados na “prisão” no hades para aguardar o grande dia do julgamento (Ap 20:11-15). Assim também, com os judeus incrédulos que rejeitaram a Cristo; quando eles morressem, suas almas seriam “abatidas até o hades” (Mt 11:21-24 – JND). Isso mostra a seriedade de desobedecer ao testemunho de Deus.
Além disso, os dias antes do dilúvio eram o tempo da “longanimidade de Deus” quando Ele esperou para salvar qualquer um que tivesse fé antes que o juízo caísse (Gn 7:4). Na época em que foi escrita esta epístola, Deus estava aguardando de forma similar em longânime paciência por qualquer um dos judeus se voltasse para Cristo antes que Seu juízo caísse sobre a nação. Isso ocorreu em 70 d.C., quando os exércitos romanos destruíram a cidade de Jerusalém e massacraram os judeus (Mt 22:7). Assim como um pequeno remanescente da humanidade escapou do juízo do dilúvio (apenas “oito almas”), assim também um pequeno remanescente da nação foi poupado desse juízo fugindo para Cristo em busca de refúgio (Hb 6:18-20). Os historiadores nos dizem que os Cristãos judeus em Jerusalém e arredores levaram a sério a exortação do Senhor em Lucas 21:20-24 e o chamado de Hebreus 13:13 e se mudaram para a área remota de Pela além do rio Jordão, que os romanos deixaram intocada e assim, escaparam do juízo.
Cristo Desceu ao Hades para Pregar para os Perdidos?
Alguns pensam que esses versículos ensinam que depois da morte de Cristo, mas antes de ressuscitar dentre os mortos, Ele foi em espírito às regiões dos condenados para lhes proclamar Sua vitória sobre o pecado na cruz. Esta ideia é errônea por várias razões:
Em primeiro lugar, a prisão das almas perdidas é uma condição de “tormento” (Lc 16:23). Se Cristo foi lá, Ele entrou em um estado de sofrimento! Isso significa que Ele não apenas sofreu na cruz (v. 18), mas também sofreu entre os condenados no hades! (v. 19). A Escritura em lugar algum ensina isso.
Segundo, visto que a pregação do “evangelho” sempre anuncia algum tipo de bênção (1 Pe 4:6), se Cristo fosse à prisão dos condenados para pregar, Ele deveria estar ali oferecendo algum tipo de bênção àquelas almas perdidas! Que bênção poderia haver para eles? Isso implica que eles receberiam uma segunda chance de serem salvos, e se assim fosse, eles não estavam em um estado “fixo” de condenação, no qual a Escritura ensina que estão todos os perdidos que partiram (Lc 16:26 – JND). Essa ideia se presta ao erro católico do purgatório – que é possível recuperar os perdidos que morreram em seus pecados, de sua condição de condenação. Novamente, a Escritura não ensina tal coisa. A verdade é que o Filho do Homem tem “na Terra autoridade para perdoar pecados”; Ele não tem poder para perdoar os pecados daqueles que passaram da Terra e estão no hades (Mt 9:6).
Em terceiro lugar, se Cristo realmente entrou nas regiões dos condenados para pregar àqueles que morreram no dilúvio, deixa-nos a questão de por que Ele pregaria somente a eles, e não daria aos outros entre os condenados uma segunda chance de serem salvos também. Isso apresenta Deus como sendo injusto. Novamente, a Bíblia não ensina isso.
Alguém pode dizer: “Mas Cristo entrou no hades depois que morreu” (At 2:27). Isso é verdade; mas Ele estava no “paraíso” (um estado de felicidade) quando Ele esteve no hades (Lc 23:43). Ele não estava na “prisão” (um estado de tormento). Um olhar cuidadoso nesta passagem mostra que a pregação que Cristo fez foi “nos dias de Noé” por meio do Espírito Santo; não foi no intervalo entre Sua morte e ressurreição. É lamentável que a divisão entre os versículos 19 e 20 separe o ato da pregação de Cristo do tempo de Sua pregação, e isso levou alguns à sua ideia errada.
Salvo Pela Água – Uma Figura do Batismo
Vs. 21-22 – Noé e sua família se “salvaram pela água” (v. 20b). Este fato estabelece uma figura do que o batismo faz pelos crentes judeus. Pedro diz: “Que também, como uma verdadeira figura, agora nos (KJV) salva, batismo, (não do despojamento da imundícia da carne, mas da indagação de uma boa consciência para com Deus), pela ressurreição de Jesus Cristo; O Qual está à destra de Deus, tendo subido ao céu: havendo-se-Lhe sujeitado os anjos, e as autoridades, e as potências”. O dilúvio tirou Noé e sua família do mundo, que transbordou com água. Aquelas águas “salvaram” a família de Noé removendo-os do mundo antigo e colocando-os em um novo mundo que estava além do juízo do dilúvio. Assim, as próprias águas que salvaram a família de Noé foram aquelas que levaram os incrédulos! O que foi uma bênção para um, foi o juízo para o outro. Da mesma forma, a ordenança do batismo dissocia uma pessoa simbolicamente de sua antiga vida no mundo e a associa a uma nova posição na Terra, onde ela vive com Cristo “em novidade de vida” (Rm 6:3-5; Gl 3:27). Portanto, era imperativo que os crentes judeus fossem batizados; isto os dissociou da nação culpada que crucificou a Cristo e formalmente os identificou com a nova posição Cristã de privilégio na Terra (At 2:38). “Nos salva” neste versículo 21 refere-se aos crentes judeus.
Ao dizer, em um parêntese: “não do despojamento da imundícia da carne”, Pedro esclareceu que não estava se referindo aos “batismos” do Velho Testamento de lavagens cerimoniais a que os sacerdotes eram submetidos para purificarem seus corpos em preparação para seu serviço no santuário (Hb 6:2). Ele estava se referindo ao batismo Cristão, que significa nossa identificação com a morte de Cristo, que é “a indagação de uma boa consciência para com Deus”. L. M. Grant explicou o seguinte: “Ele expressou um desejo ou demanda de uma boa consciência; ele mesmo não dá uma boa consciência, mas desde que o batismo é para Cristo, aponta para Ele, que dá uma boa consciência. Isto é sugerido na última frase do versículo 21 – ‘pela ressurreição de Jesus Cristo’. O batismo não teria sentido se Cristo não tivesse ressuscitado dentre mortos” (Comments on the Books of First and Second Peter, pág. 33). Assim, o batismo salva os judeus crentes (externamente) do julgamento governamental de Deus que estava sobre a nação (Sl 69:22-27; At 2:40). Noé saiu do dilúvio para começar uma nova vida em um novo mundo; isto nos fala da nova posição na Terra na qual o batismo nos coloca, onde somos identificados com Cristo em ressurreição.
Pedro não para na ressurreição de Cristo, mas continua falando de Sua ascensão também. Ele diz: “O Qual está à destra de Deus, tendo subido ao céu: havendo-se-Lhe sujeitado os anjos, e as autoridades, e as potências” (v. 21). Ele menciona isso para mostrar que aqueles que são batizados para Cristo são colocados diretamente sob a autoridade e o controle de Cristo nas alturas. O crente batizado, portanto, deve viver no bem que o seu batismo significa e cortar suas ligações com o mundo praticamente, com o qual ele uma vez esteve associado. Isso envolveria dar um adeus formal à antiga posição judaica sobre a qual ele estava como judeu no judaísmo, e que estava sob julgamento iminente.
SOFRENDO NA CARNE
Capítulo 4:1-11
Vs. 1-2 – Pedro prossegue com outro aspecto dos sofrimentos dos santos – sofrendo na carne. Ele diz: “ORA, pois, já que Cristo padeceu por nós na (em [a] – JND) carne, armai-vos também vós com este pensamento, que aquele que padeceu na (em [a] – JND) carne já cessou do [terminou com o – JND] pecado; para que, no tempo que vos resta na (em [a] – JND) carne, não vivais mais segundo as concupiscências dos homens, mas segundo a vontade de Deus”. Como já observamos, no curso desta epístola, Pedro traz os sofrimentos de Cristo como um modelo ou como motivação para encorajar os santos a viver uma vida piedosa. Neste quarto capítulo, Seus sofrimentos são colocados diante de nós como modelo. Esta passagem não poderia estar se referindo aos sofrimentos expiatórios de Cristo (como no capítulo 3:18), porque somos exortados a imitá-Lo, e nunca nos seria pedido para imitá-lo e fazermos expiação – somente Ele poderia realizar essa grande obra.
O argumento de Pedro aqui é que, uma vez que Cristo “padeceu” ao fazer a vontade de Deus, devemos estar preparados para fazê-la também. Precisamos ter “este mesmo pensamento” que Ele tinha. Quanto à Sua disposição, Ele preferia sofrer a pecar; preferia morrer a desobedecer. Mas no que diz respeito à Sua santa constituição, Ele não podia pecar, porque não tinha a natureza pecaminosa caída (a carne). Portanto, nunca houve n’Ele conflito entre pecar ou não pecar. A tradução de J. N. Darby coloca o artigo “a” antes de “carne” entre colchetes, indicando que a palavra não está no texto grego. Por isso, Cristo sofreu em carne, mas não na carne – isto é, na natureza pecaminosa caída.
Esta passagem não ensina que o Senhor teve desejos pecaminosos, mas os venceu. Tal doutrina é blasfema. Para uma pessoa pecar, ela deve ter uma natureza pecaminosa. A natureza pecaminosa é a árvore má que produz seus frutos na forma de más obras – pecados. Mas essa árvore má não estava no Senhor. Ele não tinha uma natureza pecaminosa; Ele tinha uma natureza humana santa que não podia pecar (Lc 1:35; Jo 14:30).
Fazendo a Vontade de Deus
“A vontade de Deus” deve ser a fonte da vida moral de todo Cristão. Fazer Sua vontade deve ser um compromisso dentro de nossos corações e mentes. O Senhor é nosso grande Exemplo aqui. Ele disse: “Eis aqui venho (no princípio do livro está escrito de Mim), para fazer, ó Deus, a Tua vontade” (Hb 10:7). Ele também disse: “Porque Eu desci do céu, não para fazer a Minha vontade, mas a vontade daqu’Ele que Me enviou” (Jo 6:38). Mas fazer a vontade de Deus custou muito ao Senhor. Em relação ao cálice do juízo, que desejou que passasse d’Ele para não o beber, Ele submeteu Sua vontade a Deus, e disse: “todavia, não seja como Eu quero, mas como Tu queres” (Mt 26:39). Ele tomou o cálice da mão do Pai e em perfeita obediência foi até a cruz e o bebeu (Jo 18:11) – e somos gratos por Ele ter feito isso, pois se não o tivesse feito, Deus não poderia nos salvar!
Para nós, o sofrimento “na carne” envolve a recusa das concupiscências e seduções do pecado, e isso resulta no deixar de pecar. Se satisfazemos a carne, não sofremos, mas pecamos, e isso desagrada ao Senhor e nos dá uma má consciência. Portanto, esse tipo de sofrimento é diferente dos sofrimentos até agora tratados na epístola. Sofrer por causa da consciência (cap. 2:19) e sofrer por causa da justiça (cap. 3:14), são sofrimentos que vêm sobre nós pela hostilidade de pessoas más e ofensivas – mas aqui o sofrimento é auto infligido, por assim dizer. Escolhemos fazer a vontade de Deus e isso envolve recusar os desejos pecaminosos da carne; como resultado, sofremos. Isso não deve significar que o sofrimento na carne é um estilo de vida monástico, no qual não há gozo. Pelo contrário, andar no caminho de fé no serviço do Senhor (no qual enfrentamos sofrimento de fora e de dentro) é a vida mais feliz que uma pessoa pode ter. Isso pode parecer contraditório, mas é um fato.
O versículo 2 mostra que Deus tem uma razão muito boa para que deixemos de pecar – é para que possamos ser usados no serviço do Mestre. Sofrer na carne nos deixa livres para fazermos a vontade de Deus. Assim, o Cristão deve gastar “o tempo que nos resta”, não mais perseguindo prazeres pecaminosos que são apenas por um tempo (Hb 11:25), mas fazendo “a vontade de Deus”.
O Tempo que nos Resta
Vs. 3-4 – Em seus dias de não convertidos, esses judeus não viveram de maneira diferente dos gentios, no que diz respeito à satisfação dos desejos naturais da carne. Pedro diz: “Porque é bastante que no tempo passado da vida fizéssemos a vontade dos gentios, andando em dissoluções, concupiscências, borrachices, glutonarias, bebedices e abomináveis idolatrias; E acham estranho não correrdes com eles no mesmo desenfreamento de dissolução [corrupção – JND], blasfemando [falando mal – JND] de vós”. Como israelitas, eles estavam em um relacionamento de aliança exterior com Deus, o que exigia que vivessem uma vida santa (cap. 1:16). Mas eles desconsideraram aquele compromisso da aliança e viveram “no tempo passado” de acordo com a profanidade que caracterizava “os gentios” – e isso desonrava a Deus (Rm 2:17-24). Assim, na religião dos judeus, eles tinham estado cerimonialmente “perto” de Deus, mas, infelizmente, estavam moralmente “longe” d’Ele (Ef 2:17; Mt 15:8).
Esses judeus procuravam conquistar o favor de seus vizinhos gentios pagãos, em cujas terras moravam, participando de seus costumes corruptos. Mas o chamado de Deus mudou tudo. Eles foram salvos pela graça de Deus e começaram a marchar num ritmo diferente. Os gentios entre os quais viviam não entendiam por que eles haviam se desviado tão repentina e completamente do estilo de vida corrupto que haviam seguido anteriormente. Não tendo conhecimento de Deus, nem dos desejos santos da nova natureza, seus velhos amigos deduziram que eles estavam agindo por algum motivo maligno e, consequentemente, “falaram mal” (TB) contra eles. Da mesma forma, todos os que se convertem a Cristo devem estar preparados para tratamento semelhante vindo de seus companheiros não salvos. Quando eles param com as coisas pecaminosas que outrora seguiram e começam a seguir a Cristo, há considerável repercussão do mundo; isso levará a críticas e ao falar mal do crente.
Aprendemos nos versículos 2-3 que cada Cristão tem duas partes em sua vida na Terra. São elas:
- “O tempo passado” (v. 3). - “O tempo que resta” (v. 2).
Todo crente verdadeiramente convertido admitirá prontamente que a sua vida anterior à sua conversão não passava de vontade própria, prazer próprio e busca da vaidade, e que tudo isso é tempo perdido. Não podemos fazer nada sobre o tempo passado em nossa vida; são “águas passadas” que não podemos recuperar. Mas podemos fazer algo sobre o tempo que nos resta! Todo Cristão vivo está na linha divisória entre essas duas partes de sua vida, com uma escolha sobre o que vai fazer com a parte de sua vida que resta. Uma pergunta que podemos nos fazer é: “O que eu vou fazer com o tempo que me resta?” Em 2 Coríntios 5:15, o apóstolo Paulo diz que há somente duas maneiras nas quais os Cristãos podem viver suas vidas. Elas podem ser vividas “para si” (para seus próprios interesses), ou podem ser vividas “para aqu’Ele” (para promover os interesses de Cristo). Ele também diz que o amor de Cristo nos constrange a entregar o tempo que nos resta aos Seus interesses, e assim causar um impacto neste mundo por Ele. Como ninguém sabe quanto tempo tem para viver, ninguém sabe quanto será o tempo que lhe resta. Assim sendo, precisamos orar a oração de Moisés: “Ensina-nos a contar os nossos dias, de tal maneira que alcancemos corações sábios” (Sl 90:12).
O Julgamento dos Vivos e dos Mortos
Vs. 5-6 – Pedro nos assegura que todos (judeus ou gentios) que seguem uma vida ímpia um dia “hão de dar conta ao que está preparado para julgar os vivos e os mortos**”** (At 10:42; Rm 14:12). O julgamento dos vivos e dos mortos são duas coisas distintas envolvendo _todos_ os que são ímpios na raça humana. Esses dois julgamentos serão executados em dois momentos diferentes no futuro. O apóstolo Paulo indica que o julgamento dos _vivos_ começa **“na Sua Aparição”** (2 Tm 4:1 – JND), quando **“Se manifestar o Senhor Jesus desde o céu com os anjos do Seu poder, como labareda de fogo, tomando vingança dos que não conhecem a Deus e dos que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo**” (2 Ts 1:7-8). Aí está incluído o juízo da sega [colheita] (Ap 14:14-16; Mt 13:37-42, 24:36-41), o juízo da vindima (Ap 14:17-20; Is 63:1-6), e o julgamento em sessão – antes de o reino milenar de Cristo ser estabelecido (Mt 25:31-46) e durante seu curso (Sl 101:8; Sf 3:5). Nesse mesmo versículo (2 Tm 4:1), Paulo também indica que o julgamento dos mortos ocorrerá em “Seu reino”, sem ser específico em relação a quando em Seu reino. O apóstolo João nos dá o tempo exato; é no final do reinado de 1.000 anos do reino de Cristo, no “grande trono branco” (Ap 20:11-15; Is 24:22).
Pedro segue explicando que a base de todo o julgamento é o testemunho que Deus deu aos homens; isso os torna responsáveis. Ele diz: “Para este fim também as boas novas foram pregadas aos mortos [àqueles que estão mortos – KJV], para que sejam julgados, quanto ao homem, segundo a carne, mas vivos, quanto a Deus, segundo o Espírito” (v. 6 – JND).
Alguns receberam mais luz (verdade) do que outros, e são, portanto, mais responsáveis, mas todos os homens tiveram alguma luz de Deus e, portanto, são “inescusáveis” (Rm 1:20).
O “evangelho” de que Pedro fala aqui não é o evangelho da graça de Deus que é pregado nesta era Cristã, que anuncia a obra consumada de Cristo na cruz e a salvação pela fé n’Ele (At 20:24). São as boas novas que foram proclamadas aos homens em eras passadas pelos servos do Senhor, como Noé (2 Pe 2:5). “Aqueles que estão mortos” (KJV) são os que viveram naqueles tempos. Eles estão mortos agora, mas não estavam mortos quando o evangelho lhes foi pregado (cap. 3:19-20). Um testemunho suficiente de Deus lhes foi dado, mas, infelizmente, eles o rejeitaram. Eles, portanto, estarão diante de Deus para receber sua justa punição naquele dia vindouro (Ap 20:11-15).
Sempre houve de alguma forma um testemunho do evangelho de Deus para o homem. Isso separou a raça humana em duas grandes classes: aqueles que o recusam e provam sua falta de fé vivendo “segundo os homens na carne” e aqueles que o creem e provam sua fé vivendo “segundo Deus em espírito”.
Coisas que Deveríamos Estar Fazendo no Tempo que nos Resta
Vs. 7-11 – Pedro então fala do presente efeito que isso deveria ter sobre nós. O fato de que Cristo está “preparado para julgar” (v. 5), deixa claro que “já está próximo o fim de todas as coisas” (Veja Tiago 5:9). Se há algum atraso, é porque Deus não deseja que ninguém pereça, mas que todos venham ao arrependimento (2 Pe 3:9). Por esta razão, Ele tem prolongado o dia da graça. Assim como Deus prorrogou “ainda sete dias” em derramar o juízo no tempo de Noé (Gn 7:4), Ele está retendo o juízo hoje para dar aos homens a oportunidade de serem salvos nesta “hora undécima” (Mt 20:6).
Em vista do fato de que o fim de todas as coisas está próximo, Pedro prossegue com várias exortações breves que descrevem o que todo Cristão deveria estar fazendo com o tempo que lhe resta.
SER SÓBRIO (v. 7)
Sobriedade nos é ordenada primeiro. Ele diz: “portanto sede sóbrios” (Veja o capítulo 1:13.) Isso não significa que devemos andar com um semblante triste, mas perceber que com as questões finais e eternas diante de nós, e apenas um pouco de tempo restando para vivermos para o Senhor, o tempo que nos é dado não deve ser desperdiçado nas frivolidades do mundo. Envolver-se em tais coisas quando estamos prestes a entrar na eternidade, é não ser sóbrio. Precisamos lembrar que tudo o que é material neste mundo será queimado um dia (2 Pe 3:7), e somente o que é feito por Cristo durará. Como brasas tiradas do fogo, nosso propósito na Terra é promover os interesses de Cristo.
VIGIAR (v. 7)
Ele também diz: “vigiai em oração”. Como somos peregrinos passando pela terra de um inimigo, precisamos estar vigilantes e atentos o tempo todo. (Veja o capítulo 5:8.) Há muitos perigos no caminho e um inimigo sempre presente que tem propósito de nos fazer tropeçar. “Orações” são encorajadas porque nos trazem para a presença de Deus onde há segurança (Dt 33:12; Mt 26:41).
TER ARDENTE AMOR UNS PARA COM OS OUTROS (v. 8)
Em contraste com a frieza do mundo, o círculo Cristão deve ser marcado pelo calor do amor genuíno uns pelos outros. Pedro diz: “Mas, sobretudo, tende ardente caridade [amor] uns para com os outros; porque a caridade [amor] cobrirá a multidão de pecados”. Ao dizer: “sobretudo…”, ele quis dizer que devemos dar prioridade a isto. Esta exortação mostra que todos os crentes têm a responsabilidade de contribuir para esta feliz condição, que deve prevalecer na companhia Cristã, amando-se uns aos outros fervorosamente. O amor cobre uma “multidão de pecados”. Isso não significa que devemos proteger o mal na assembleia e evitar agirmos com responsabilidade em casos de disciplina, mas que as falhas e fracassos dos Cristãos não devem ser amplamente alardeados. O amor não anuncia os pecados de companheiros crentes, e especialmente, não diante do mundo (Pv 10:12, 19:11; Tg 5:20); isto somente dará aos inimigos de Cristo a chance de “atirar uma pedra” no testemunho Cristão (Veja 2 Samuel 1:20).
SER HOSPITALEIRO (v. 9)
Para promover o amor e a comunhão dentro da comunidade Cristã, deveríamos ter nossos lares abertos aos santos, quando surge oportunidade (Pv 9:4-5; 3 Jo 5-7). Assim, Pedro diz: “Sendo hospitaleiros uns para os outros, sem murmurações”. A hospitalidade é exemplificada em Abraão e Sara (Gn 18:1-7). Ele e sua esposa aproveitaram a oportunidade para praticar a “hospitalidade” e, no caso deles, “não o sabendo, hospedaram anjos!” (Hb 13:2) É realmente triste quando os santos de uma determinada localidade não conhecem as casas uns dos outros. “Murmurações” é fazer esse serviço reclamando (Lc 10:40).
MINISTRAR A PALAVRA (vs. 10-11)
Pedro então aborda o assunto de ministrar a Palavra entre os santos. Esta é outra coisa importante que deveríamos estar fazendo com o tempo que nos resta na Terra. Ele diz: “Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus. Se alguém fala, fale de acordo com os oráculos de Deus; se alguém serve, faça-o na força [habilidade – JND] que Deus supre, para que, em todas as coisas, seja Deus glorificado, por meio de Jesus Cristo, a quem pertence a glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém! (ARA). A expressão “cada um” indica que a cada Cristão foi dado um dom espiritual para exercer (Mt 25:15; 1 Co 12:7; Ef 4:7) e, portanto, todos temos algo a fazer para Deus em Seu reino (Mc 13:34). Não há zangões na colmeia de Deus! Os tipos de dons que Pedro está focando aqui são aqueles que têm a ver com ministrar a Palavra – seja na pregação, ou ensino, ou na exortação prática (Rm 12:6-8a).
Pedro distingue “dom” e “habilidade”. A habilidade tem a ver com os poderes naturais de intelecto e personalidade de uma pessoa que são formados nela desde o nascimento; ao passo que um dom, no sentido em que é usado na Escritura, é algo espiritual dado a uma pessoa quando ela crê no evangelho e recebe o Espírito Santo. Aprendemos de Mateus 25:15 que quando o Senhor dá a um crente um dom espiritual, esse dom combina com a capacidade natural da pessoa. O homem deu “talentos” aos seus servos (que correspondem a esses dons espirituais) “a cada um segundo a sua própria capacidade [particular habilidade – JND]” (ARA). Vemos a sabedoria de Deus nisso. O Senhor não dá a uma pessoa um dom espiritual e o chama para um trabalho específico sem que essa pessoa tenha alguma habilidade natural para isso. Sua habilidade natural complementará seu dom espiritual “como uma mão se encaixa em uma luva”. Por exemplo, para uma pessoa com uma personalidade extrovertida poderia ser dado receber o dom de um evangelista, porque esse dom requer que a pessoa seja capaz de alcançar as pessoas e falar-lhes livremente, o que seria difícil para uma pessoa naturalmente reservada. Ou, uma pessoa com poderes intelectuais naturalmente aguçados poderia receber o dom de ensinar, o que requer uma mente organizada.
Comentando Mateus 25:15, W. Kelly disse: “Há duas coisas no servo – ambas de importância: Ele lhes deu dons, mas foi de acordo com suas várias habilidades. O Senhor não chama alguém para um serviço especial, sem que tenha a habilidade para a responsabilidade que lhe foi confiada. O servo deve ter certas qualificações naturais e adquiridas, além do poder do Espírito de Deus… É claro que há certas qualidades no servo, independentemente do dom que o Senhor coloca nele. Seus poderes naturais são o vaso que contém o dom e onde o dom deve ser exercido”. Lectures on the Gospel of Matthew, pág. 472).
Nota: não há uma sugestão aqui, nem em qualquer outro lugar na Escritura, de uma pessoa que tenha um dom para ministrar a Palavra, sendo treinada e ordenada em um seminário antes de exercer seu dom. A Bíblia ensina que se uma pessoa tem certo dom, a posse dele em si é a garantia de Deus para usá-lo. Pedro ensina isso nos versículos 10-11. Ele diz: “Cada um administre aos outros o dom como o recebeu” (v. 10). Ele não diz: “Cada um administre aos outros o dom como o recebeu e seja treinado e ordenado por um seminário, e então ministre”. E novamente, ele diz: “se alguém administrar, administre segundo o poder [habilidade] que Deus dá” (v. 11). Ele não diz: “Deixe-o ir à escola obter um certificado, e depois deixe-o falar na assembleia”. O apóstolo Paulo confirma isso: “De modo que, tendo diferentes dons, segundo a graça que nos é dada, se é profecia, seja ela segundo a medida da fé; Se é ministério, seja em ministrar; se é ensinar haja dedicação ao ensino; Ou o que exorta, use esse dom em exortar” (Rm 12:6-8). Veja também 1 Coríntios 14:26. O que é requerido em ministrar a Palavra é falar “segundo os oráculos de Deus” – (ARA). Isto é ministrar com um senso consciente de que estamos falando em nome de Deus, como Seus porta-vozes e, portanto, isso deve ser feito com precisão e reverência para representá-Lo apropriadamente.
Uma ideia equivocada em relação a dons que é comum na Cristandade hoje em dia é a ideia de que a capacidade natural de uma pessoa é o seu dom espiritual. Pessoas com talentos naturais (nos esportes, ou música, etc.) são encorajadas a buscar essas coisas e a fazer delas sua carreira na vida, porque é seu dom, com que devem glorificar a Deus. Os chamados “cultos de adoração” são organizados para apresentar o desempenho desses talentos naturais. No entanto, isso tende a promover a glória humana e a busca do louvor aos homens, em vez de trazer glória e louvor a Deus. Muitas vezes, os chamados “cultos da igreja” são reduzidos a não muito mais que um show de talentos. Tal atividade faz da Igreja uma instituição mundana. Na Escritura, os dons espirituais são para promover as coisas espirituais que ajudam os santos na “santíssima fé” (Judas 20). J. N. Darby disse: “É inteiramente falso o princípio que dons naturais são uma razão para usá-los. Posso ter surpreendente força ou velocidade para correr; com uma eu derrubo um homem e com a outra eu ganho um prêmio. Música pode ser a coisa mais refinada, mas o princípio é o mesmo. Este ponto eu creio ser da mais alta importância. Os Cristãos perderam sua influência moral admitindo a natureza e o mundo como inofensivos. Todas as coisas me são lícitas, mas como eu disse você não pode misturar carne e Espírito” (Letters, vol. 3, pág. 476).
Despenseiros
Como “bons despenseiros da multiforme graça de Deus”, devemos usar para a glória do Senhor tudo o que Ele tem colocado em nossas mãos – tanto material como espiritualmente. Se alguma quantia de riqueza material chegou às nossas mãos, devemos usá-la com a percepção de que não podemos guardar essas coisas para sempre e, portanto, elas devem ser colocadas no altar de Deus (por assim dizer) e usadas para promover Seu reino. Ao fazer isso, estamos “entesourando” aquilo que pode ser levado para o próximo mundo no “futuro” (1 Tm 6:17-19). Da mesma forma, com as coisas espirituais; devemos “negociar” com a verdade que adquirimos ensinando-a aos outros e fazendo-os entendê-la (Lc 19:13). Assim, nós os ajudamos espiritualmente no caminho da fé. A administração Cristã, portanto, é dupla. Envolve:
- Lidar com coisas materiais para o Senhor (Lc 16:9-12). - Lidar com as coisas espirituais para o Senhor (1 Co 4:1).
O ponto proeminente de Pedro nesta passagem (v. 10-11) é que a Igreja precisa desesperadamente do ministério da Palavra no sentido de ensino e exortação espiritual. Aqueles que têm um dom para ajudar os santos desta maneira devem ser exercitados sobre o uso do que resta de seu tempo neste importante serviço. Pedro acrescenta que o objetivo de todo esse ministério da Palavra é “para que em tudo Deus seja glorificado por Jesus Cristo”. Isso resultará em “glória e poder” sendo dados a Ele “para todo o sempre [pelos séculos dos séculos – ARA]”, que é o estado eterno. Isso mostra que os dons espirituais não são para a glorificação de nós mesmos, mas para a glorificação de Cristo.
SOFRIMENTO PELO NOME DE CRISTO
Capítulo 4:12-19
Pedro passa a falar de outro aspecto de sofrimentos que os santos fiéis encontrarão – sofrimentos pelo nome de Cristo. Ele diz: “Amados, não estranheis a ardente provação que há no meio de vós, e que vem para vos pôr à prova, como se vos acontecesse coisa estranha, mas visto que sois participantes dos sofrimentos de Cristo, regozijai-vos, para que também na revelação da Sua glória exulteis cheios de júbilo. Se sois vituperados pelo nome de Cristo, bem-aventurados sois; porque o Espírito da glória, e de Deus repousa sobre vós” (TB). Pedro já falou de sofrimento por causa da justiça (cap. 3:14-16), mas isso do que fala agora é de um caráter superior de sofrimento, porque envolve confessar o nome de Cristo. J. N. Darby disse: “Aquilo [o sofrimento] que é pelo nome d’Ele é um tipo superior, do que pelo bem da justiça” (Collected Writings, vol. 28, pág. 186).
Assim, é possível sofrer por fazer o que é certo, sem relacionar-se publicamente o motivo a Cristo. Mas quando confessamos a Cristo e O trazemos para o cenário, como sendo a razão pela qual fazemos o que fazemos, então a perseguição aumenta. Podemos dizer a alguém que não queremos fazer algo porque não seria correto e, como resultado, sofremos certa medida de reprovação por isso. Mas quando dizemos que não queremos fazê-lo porque somos crentes no Senhor Jesus Cristo e não queremos desagradá-Lo, então a perseguição e a reprovação se intensificam. Este é o aspecto do sofrimento ao qual Pedro se refere nesta passagem.
V. 12 – Ao dizer a esses queridos crentes que não deveriam pensar que a prova de aflição que estavam experimentando era uma “coisa estranha”, mostra que sofrer pelo “nome de Cristo” é normal para o Cristianismo. Assim, “a ardente prova” da perseguição não deve ser considerada como uma surpresa. É bem simples; se o crente confessar a Cristo, que é rejeitado, ele também será rejeitado. Isso é algo que deve ser esperado porque o mundo pelo qual passamos é naturalmente oposto a Cristo, e qualquer testemunho de Cristo não pode ser tolerado (Jo 15:20). O mundo pode tolerar usuários de drogas, imoralidade, religião, mas não pode tolerar Cristãos que confessam a Cristo. Quanto mais fiel for o testemunho de Cristo, mais o crente sofrerá. Eles foram, portanto, instruídos a “regozijarem-se” porque sofrendo desta maneira, eles seriam “participantes” do tormento das “aflições de Cristo” (v. 13) – e isso é um privilégio (Mc 10:39; At 5:41; Fp 1:29).
Dois Aspectos do Gozo
V. 13 – Para encorajá-los a confessarem a Cristo corajosamente, Pedro fala de dois aspectos do gozo que eles teriam. Eles teriam um gozo futuro por ocasião da “revelação da Sua glória” na Sua Aparição. Naquele tempo, Cristo virá com Seus santos celestiais (1 Ts 3:13; Jd 14) e sua recompensa por se identificarem com Ele no tempo de Sua rejeição será mostrada diante do mundo. Eles “se exultarão cheios de júbilo” (TB). Assim, cada pequena porção de sofrimento pelo nome de Cristo nos dias de hoje será compensada naquele dia.
Vs. 14 – Eles também teriam um gozo presente no meio de sua provação. Pedro acrescenta: “Se pelo nome de Cristo sois vituperados, bem-aventurados sois”. Isto porque Cristo é “glorificado” por meio da nossa confissão d’Ele e há um gozo especial em confessar a Cristo, o qual é conhecido apenas por aqueles que o fazem. Paulo e Silas são um exemplo aqui. Quando eles estavam em Filipos, eles pregaram a Cristo e, consequentemente, foram espancados e lançados na prisão – ainda assim cantaram louvores a Deus na cadeia! (At 16:22-25)
Em tais situações, o “Espírito” de Deus repousa com aprovação “sobre” o crente e presta um testemunho poderoso para todos ao redor. Isso é algo que o próprio crente pode nem mesmo estar consciente. Compare com Êxodo 34:29 – “Moisés não sabia que a pele do seu rosto resplandecia”. Estêvão é o exemplo do Novo Testamento (At 6:15). J. N. Darby apropriadamente disse: “Nunca deixe de confessar a Cristo; isso fará com que seu rosto brilhe”. Esta passagem mostra que o Espírito de Deus não apenas habita nos crentes (Jo 14:17; At 2:4; 2 Tm 1:14; Tg 4:5), mas Ele também repousa sobre os crentes.
Não é aconselhável, mas esse tipo de sofrimento pode ser evitado ao não confessar a Cristo diante dos homens – mas nosso poder no testemunho e nosso gozo se perderão. Vemos disso que o fogo da perseguição não destrói a Igreja de Deus. De fato, quanto mais a Igreja é chamada a sofrer por Cristo, com mais força ela cresce espiritualmente! (2 Ts 1:3-4) Compare Êxodo 1:12. É triste dizer que é a contenda interna, não perseguição, que destrói o testemunho da Igreja.
Deus usa a pressão das provações para nos fazer crescer espiritualmente (Sl 4:1 – JND). Tem sido dito que os santos progridem espiritualmente em três provações principais:
- Pobreza. - Perseguição. - Doença.
Vs. 15-16 – Pedro diz que, por outro lado, se sofrermos como um “malfeitor”, há motivo para nos envergonharmos; desonramos o nome de Cristo. Mas se sofrermos “como Cristãos” (isto é, por sermos Cristãos), não deveríamos nos envergonhar, pois é uma honra sofrer por Ele. Pode parecer estranho que Pedro falasse de um “intrometido” ao lado de um “homicida”, etc. Mas isso apenas mostra que um Cristão pode cometer qualquer pecado do catálogo, se sair da comunhão com o Senhor, porque ele ainda tem em si a natureza caída pecaminosa; não melhora por nascer de novo (Jo 3:6).
O Governo de Deus
Vs. 17-19 – Para que ninguém pense levianamente sobre o filho de Deus praticando o mal, Pedro introduz novamente o assunto do governo de Deus, como um aviso para os Cristãos descuidados. Ele diz: “Porque já é tempo que comece o julgamento pela casa de Deus; e, se primeiro começa por nós, qual será o fim daqueles que são desobedientes ao evangelho de Deus?” Deus certamente não quer ver seus filhos fazendo algo errado. Mas se formos obstinados ou descuidados em relação a nosso caminhar, Ele tem Seus caminhos em Seu governo para chamar nossa atenção – e isso às vezes pode ser doloroso. Como nosso Pai amoroso que Se preocupa com o nosso desenvolvimento moral e espiritual (Hb 12:5-11), Ele não passa por cima dessas coisas, mas trabalha por meio de Suas disciplinas e repreensões para nos ensinar a andar em santidade e em dependência d’Ele. (Sl 119:67, 71). Ele pode usar qualquer tipo de aflição e provação na disciplina de Seus filhos – até as injustas perseguições do mundo.
Pedro explica que o “julgamento” governamental de Deus sempre começa com aqueles que tiveram mais luz (Ez 9:6). O princípio é este: quanto maiores os privilégios que foram concedidos, maior a responsabilidade (Lc 12:47-48). Isso é verdade tanto em nível pessoal quanto em nível coletivo. A igreja professa (Cristandade), que é “a casa de Deus” hoje, definitivamente teve mais luz de Deus entre todas as pessoas na Terra. Portanto, é muito mais responsável do que o mundo pagão que não teve a mesma exposição ao evangelho.
Ele então levanta a questão sobre qual será “o fim” daqueles “que são desobedientes ao evangelho de Deus”. Ele diz: “E, se o justo apenas se salva, onde aparecerá o ímpio e o pecador?” Seu ponto aqui é que, se Deus não poupa aqueles em Sua casa que estão declaradamente em um relacionamento com Ele, quando fazem algo errado, quanto menos poupará aqueles fora de Sua casa que não têm relacionamento com Ele? Ele não apenas os julga governamentalmente agora, mas também serão julgados eternamente num dia vindouro – um pensamento solene, de fato!
O aspecto da salvação de que Pedro fala aqui é aquele que é influenciado à medida que nos movemos em nosso caminho neste mundo, e isso resultará em nossa plena salvação no final da jornada quando o Senhor vier (cap. 1:5). As dificuldades a que ele se refere são os perigos e provações espirituais relacionados com a confissão de Cristo, e também, as correções que nosso Pai pode trazer sobre nós se e quando andamos em caminhos de injustiça. A nota de rodapé da Tradução do J. N. Darby declara: “Salvos aqui na Terra, como por meio das provações e juízos que assediam especialmente os Cristãos judeus”.
Vs. 19 – Pedro conclui o assunto oferecendo uma palavra de encorajamento a todos os que sofrem desse modo. Se eles forem encontrados sofrendo “segundo a vontade de Deus” – isto é, por sua confissão de Cristo – eles devem se encomendar à Deus. Nota: eles não são instruídos a apelar para as autoridades civis por proteção (como fizeram os reformadores quando eles foram perseguidos pelos católicos), mas “encomendem-lhe as suas almas, como ao fiel Criador, fazendo o bem”. Ele é um “fiel Criador” e é “o Salvador [Preservador – JND] de todos os homens, principalmente dos fiéis” (1 Tm 4:10). Podemos sempre nos voltar para Ele em nosso sofrimento e lá encontrar um consolo (Sl 91:1-2). É somente o poder de Deus que pode nos sustentar quando estamos sob essas provações (Sl 18:29).
SOFRENDO PELA OPOSIÇÃO DO DIABO
Capítulo 5:1-14
Pedro conclui suas exortações na epístola tocando em um último aspecto do sofrimento que os santos enfrentam em seu caminho – sofrimentos oriundos dos ataques especiais do diabo. Satanás está sempre a postos contra o progresso espiritual e bênção do povo de Deus; no entanto, há certas ocasiões em que ele faz um ataque especial para atormentá-los e oprimi-los e, em última análise, para tentar fazê-los desistir do caminho de fé. O apóstolo Paulo fala dessas ocasiões como um “dia mau” que pode vir sobre nós (Ef 6:13). Esses ataques não são o resultado de andarmos descuidadamente na carne, mas sim de seguirmos fielmente para Senhor. É, portanto, o Cristianismo normal.
Um Cenário Pastoral
O contexto em que essas exortações finais são dadas é o do “rebanho” (v. 2), “o sumo Pastor” (v. 4), Seus pastores auxiliares – “os presbíteros” (v. 1), e um predador maligno – que “brama como um leão” (v. 8). Claramente, as palavras de conselho e encorajamento de Pedro nesta passagem são proferidas em um cenário pastoral.
Suas exortações nos versículos iniciais do capítulo são dirigidas particularmente aos “presbíteros” que têm a carga da responsabilidade de pastorear o povo de Deus (vs. 1-4), mas na segunda metade do capítulo suas exortações se ampliam para “todos”, que são os santos em geral (vs. 5-14).
Os Anciãos
V. 1 – Uma coisa que se destaca neste trabalho de pastorear o rebanho de Deus é que são os “presbíteros [anciãos – AIBB]” que são ordenados a fazê-lo. A palavra “ancião” implica experiência e maturidade, que são tão necessárias para este trabalho. Quando o conselho e o encorajamento vêm de alguém que experimentou as vicissitudes e provações da vida Cristã, têm peso moral com os santos e, como resultado, estarão mais inclinados a aceitá-los. Desnecessário dizer que este trabalho não é para um “neófito”. Paulo adverte dos tais sendo levados pela importância própria e sendo “ensoberbecido” com orgulho e caindo “na condenação do diabo” (1 Tm 3:6; Pv 16:18, 29:23; At 15:6). Um neófito é um novo convertido, mas isso talvez possa incluir alguém que não amadureceu na fé como deveria, e, consequentemente, é um “bebê” (Ec 10:16; 1 Co 3:1 – JND; Ef. 4:13-14 – JND; Hb 5:12-14 – JND).
Antes de exortar os anciãos quanto às especificidades deste trabalho, Pedro menciona duas coisas que todo pastor auxiliar deve manter diante de si para que seja eficiente – “os sofrimentos de Cristo” (ARA) e “a glória que se há de revelar”. Pedro já se referiu a estas duas coisas algumas vezes na epístola, mas por diferentes razões. Aqui, está em conexão com a manutenção dos anciãos em seu trabalho.
“Os sofrimentos de Cristo” aqui não são os sofrimentos expiatórios do Senhor, mas sim Seus sofrimentos de martírio, os quais todos compartilhamos em certa medida, se servimos a Deus fielmente. Isto é colocado diante dos anciãos como um modelo, porque, assim como quando o Senhor pastoreou o rebanho de Deus em Seus dias e não foi apreciado, sendo rejeitado por todo o bem que Ele fez (Zc 11:4-14; Jo 10:1-18), eles também encontrariam oposição similar. Os sofrimentos do Senhor são o exemplo perfeito de como os anciãos devem lidar com os equívocos e males que podem encontrar ao cuidar do rebanho. Aqueles que fazem este trabalho precisam estar preparados para isso, porque Satanás faz daqueles que pastoreiam o povo de Deus, um objeto especial de seus ataques. No caso do Senhor, Satanás veio contra Ele no jardim do Getsêmani em um ataque especial (Jo 14:30; “estando em conflito” Lc 22:44 – JND, 53). Esse foi um esforço máximo para afastá-Lo de fazer a vontade de Deus em ir para a cruz. Quando os judeus O prenderam e O entregaram às autoridades romanas, Ele Se submeteu aos seus maus-tratos: “As Minhas costas dou aos que Me ferem, e as Minhas faces aos que Me arrancam os cabelos” (Is 50:5-7). Ele não Se defenderia, mas deixaria que Deus O justificasse em Seu devido tempo – o que aconteceu em Sua ressurreição e ascensão (Is 50:8). Quando O crucificaram, Ele “suportou a cruz” pacientemente e desprezou a vergonha (Hb 12:2). Tal foi o exemplo perfeito do “bom Pastor” que deu Sua vida pelas ovelhas (Jo 10:11). Ele é o Modelo para todos os que pastoreiam o povo de Deus.
“A glória que se há de revelar” refere-se ao tempo da Aparição de Cristo na qual vai ser provada, publicamente, Sua inocência. Assim, o pastor auxiliar que faz o seu trabalho com fidelidade, embora seja frequentemente pouco apreciado, naquele dia será amplamente compensado em “glória” (v. 4). O servo, portanto, deve manter seus olhos naquilo que está à frente; isso o sustentará e dará motivação para continuar em serviço fiel.
O papel de um ancião/bispo não é algo para o que os homens se nomeiam, nem é um ofício para o qual a assembleia os designa. Pelo contrário, eles são levantados pelo Espírito Santo para fazer este trabalho para o Senhor (At 20:28). Esses homens serão conhecidos por suas qualificações morais e pelo trabalho que fazem. A assembleia deve “reconhecê-los” (1 Co 16:15; 1 Ts 5:12), “estimá-los” altamente (1 Ts 5:13), “honrá-los” (1 Tm 5:17), “lembrar-se deles” (Hb 13:7a), “imitar” sua fé (Hb 13:7b), “obedecê-los” (Hb 13:17a), “sujeitar-se” a eles (Hb 13:17b) e “saudá-los” (Hb 13:24). Mas em nenhum lugar na Escritura é dito à assembleia para escolhê-los e ordená-los! Isto é simplesmente porque a assembleia não tem autoridade de Deus para fazê-lo. Ainda assim, apesar desse fato, as igrejas Cristãs em toda parte escolhem e nomeiam seus anciãos! Tal é a confusão que existe nas ruínas do testemunho Cristão. Quando os anciãos eram escolhidos e ordenados na Escritura, eram sempre escolhidos “para” uma assembleia por um apóstolo (At 14:23 – Tradução W. Kelly). Ou por alguém delegado por um apóstolo (Tt 1:5). Aqui está a sabedoria de Deus; isso impede que a assembleia escolha líderes que favoreçam as inclinações do povo e, assim, tenha controle sobre os que estão na supervisão.
O Trabalho dos Anciãos
Vs. 2-3 — Pedro menciona três coisas que os anciãos2 devem fazer:
PASTOREAR O REBANHO (v. 2a)
A primeira coisa era “Apascentar o rebanho de Deus”. Ao exortar os anciãos (Pedro se inclui como um deles), é claro que ele nunca esqueceu o que o Senhor lhe disse: “Apascenta as Minhas ovelhas” (Jo 21:16). Sabendo que havia uma grande necessidade desse trabalho entre os santos, ele exortou esses anciãos a se empenharem nesse trabalho de amor. É triste dizer que isso não foi seguido na história da Igreja. A ruína do testemunho Cristão que existe hoje pode ser atribuída em grande parte aos anciãos que se desviaram e não fizeram o seu trabalho com fidelidade (At 20:29-30; 3 Jo 9-10; Ap 2-3 – “o anjo”). Podemos afirmar que a necessidade de pastorear o povo de Deus é hoje maior do que nunca. Que o Senhor levante muitos desses pastores.
A versão King James esta frase: “Alimente o rebanho de Deus”, mas “alimentar” é muito restritivo. Apascentar é mais do que alimentar – dando aos santos alimento espiritual (ensinando). Isso inclui alimentá-los, mas também envolve guiá-los, aconselhá-los, visitá-los e ajudá-los em seus problemas e necessidades temporais. Tendo adquirido experiência no caminho da fé, os anciãos devem compartilhar sua sabedoria aos santos com o objetivo de ajudá-los a seguir juntos espiritualmente, e, em paz. Este trabalho requer discernir “o estado” do rebanho, de modo a ministrar adequadamente às suas necessidades (Pv 27:23).
EXERCER SUPERVISÃO PARA O BEM DO REBANHO (v. 2b)
A segunda coisa é “tendo cuidado dele”. Isso se refere principalmente às responsabilidades administrativas em uma assembleia local. Apascentar o rebanho pode ser feito em qualquer lugar onde os santos são encontrados, mas a supervisão administrativa é puramente um trabalho local. Isto é, deve ser realizado na assembleia na localidade onde os anciãos vivem. Eles devem assumir a liderança em assuntos espirituais envolvendo recepção, disciplina, etc.
Este é um trabalho que os anciãos devem fazer “voluntariamente”, não por “força”. Portanto, não é para ser realizado no sentido de uma obrigação, mas de algo feito para o Senhor, e motivado pelo amor e compaixão pelos santos. Também não deve ser feito por “torpe ganância” financeira, embora eles possam às vezes receber ajuda monetária da assembleia (1 Tm 5:17-18). Assim, eles deviam alimentar o rebanho, não tosquiá-lo!
SER EXEMPLO PARA O REBANHO (v. 3)
A terceira coisa é que os anciãos devem servir “de exemplo [modelo] para o rebanho” em caráter moral. Os santos precisam aprender a verdade, o que Deus faz por meio de mestres dotados (1 Co 12:28; Ef 4:11), e se necessário, por meio dos anciãos (Tt 1:9). Mas aos santos também é preciso mostrar-lhes a verdade na prática. Os anciãos, portanto, devem assumir a liderança e demonstrar a conduta Cristã adequada perante os santos e, assim, dar-lhes um exemplo a seguir. O apóstolo Paulo disse: “jamais deixando de vos anunciar… Tenho-vos mostrado…” (At 20:20, 35).
Pedro adverte os anciãos do perigo de “dominar” o rebanho e tratá-lo como sua “herança”. A nota de rodapé da Tradução J. N. Darby diz: “Vendo os santos como algo que pertence a você… o rebanho não era para ser tratado como ‘possessão’ dos anciãos”. Os anciãos devem sempre ter em mente que é “o rebanho de Deus” que eles estão pastoreando. O rebanho é de Deus; não deles. Enquanto os clérigos (os chamados pastores e ministros da Cristandade) frequentemente falam de uma congregação de Cristãos como “seu” rebanho, a Escritura não diz nada sobre um pastor tendo tal posição. Não há nenhuma sugestão aqui, nem em qualquer outro lugar na Escritura, de uma ordem clerical governando arbitrariamente sobre os leigos. O ponto simples de Pedro aqui é que os anciãos não devem governar os santos de maneira dominadora. Os anciãos devem ser respeitados, mas não devem exigir esse respeito; eles devem ganhá-lo.
Na Escritura, quando o trabalho dos anciãos está em vista, eles são sempre mencionados no plural (At 20:28; 1 Tm 5:17-18, etc.). (Quando suas qualificações morais estão em vista, elas estão no singular – 1 Tm 3:1-8; Tt 1:6-9, etc.) Isso ocorre porque quando há vários homens envolvidos no trabalho em uma localidade, eles podem monitorar uns aos outros e manter o equilíbrio. Assim, há uma maior imunidade contra um homem que se levanta e leva os santos atrás de si na direção errada. Um único homem presidindo sobre os santos não é bíblico e é potencialmente perigoso. Como mencionado, ele poderia se deixar levar por sua importância própria e causar danos ao rebanho. Este foi o caso de Diótrefes (3 Jo 9-10). Além de ser cheio de compaixão e sacrifício próprio – como visto no bom Pastor (Mt 9:36; Mc 6:34; At 20:35) – um pastor deve ser humilde (v. 5).
V. 4 – Para o encorajamento de todos que realizam este trabalho, que às vezes pode ser um trabalho ingrato, Pedro lembra-lhes que o desempenho fiel deste serviço terá a sua feliz recompensa. Ele diz: “E, quando aparecer o Sumo Pastor, alcançareis a incorruptível coroa de glória”. O pastorear, feito à maneira de Deus, não levará ninguém ao destaque hoje em dia – ele é em geral um trabalho silencioso feito entre os santos em um nível pessoal. Mas a sua recompensa num dia vindouro certamente será algo público. A afirmação de Pedro aqui parece estar dizendo que as recompensas (coroas) serão recebidas pelos santos na Aparição de Cristo, mas a Escritura ensina claramente que as recompensas pelo serviço fiel serão dadas no tribunal de Cristo, que ocorrerá após os santos serem levados para o céu no Arrebatamento (Mt 25:19-23; Lc 19:15-19; 1 Co 4:5; Ap 4:4 – os santos têm suas “coroas” antes do início das aflições da tribulação). Pedro certamente não estaria contradizendo isso; portanto, ele deve estar se referindo à manifestação pública de nossas recompensas em “glória”, que ocorre na Aparição de Cristo e durante Seu reinado no reino milenar, naquilo que é chamado de “o dia de Cristo” (Fp 1:6, 10; 2:16, etc.).
O Rebanho
Vs. 5-11 – Pedro se dirige ao rebanho. Ele os exorta quanto à necessidade de humildade e expressa dependência de Deus. Ele diz: “Semelhantemente vós, mancebos, sede sujeitos aos anciãos; e sede todos sujeitos uns aos outros, e revesti-vos de humildade, porque Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes. Humilhai-vos pois debaixo da potente mão de Deus, para que a Seu tempo vos exalte; Lançando sobre Ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós”. Se é para o rebanho prosperar espiritualmente, deve haver uma condição feliz de paz e amor existindo entre os santos. Pedro nos diz que isso é alcançado por adotar “humildade” uns para com os outros. Todos temos um papel a desempenhar contribuindo para essa feliz condição que deve estar entre o povo de Deus estando “revestido de humildade”.
Os irmãos “mancebos” são especificamente chamados a serem “sujeitos” aos seus irmãos mais velhos. A tradução das versões King James e a Almeida Revista e Corrigida implica que os mais velhos também devem estar sujeitos aos mais novos (“sede todos sujeitos uns aos outros”), mas isso seria impróprio. Uma melhor tradução da passagem mostra que Pedro está exortando “todos” os santos (o que incluiria os irmãos mais velhos) a “revestirem-se de humildade”. Toda a companhia Cristã deve ser marcada por esta grande característica moral que foi tão perfeitamente mostrada no Senhor Jesus. Ele é o único Homem que sempre teve o direito de Se exaltar – mas a Escritura diz: “E, achado na forma de homem, humilhou-Se a Si mesmo” (Fp 2:8). Alguns parecem pensar que a humildade é pensar mal de si mesmo e sair por aí se depreciando, mas na verdade é não estar pensando em nós mesmos de forma alguma! Uma pessoa verdadeiramente humilde tem a si mesma fora de cena – seja em importância própria ou em auto piedade.
Visto que o orgulho é odioso para Deus, um homem orgulhoso certamente encontrará o julgamento governamental de Deus. Pedro diz que Deus “resiste aos soberbos” e resiste àqueles que têm planos de se sobressair entre seus irmãos. Para nos protegermos contra esse mal em nossos corações, Pedro diz: “Humilhai-vos pois debaixo da potente mão de Deus” (v. 6). Isso é algo que todos devemos fazer, e se não o fizermos, Deus fará isso ordenando uma circunstância humilhante em nossas vidas. Pedro nos assegura que aqueles que se humilharem serão exaltados “a Seu tempo”, quando o Senhor vier e estabelecer Seu reino. Se o sofrimento deve ser recompensado por glória naquele dia vindouro (v. 4), a humildade será naquele dia recompensada pela exaltação (v. 6).
Além de revestir-nos em humildade, Pedro diz que também precisamos lançar “sobre Ele toda a … ansiedade” (v. 7). O caminho da fé tem seus altos e baixos, e certamente nos encontraremos com algo desencorajador ao longo do caminho. Mas como as misericórdias de Deus são novas a cada manhã (Lm 3:22-23), todos os nossos problemas e provações podem ser levados ao Senhor em expressa dependência, e Ele nos ajudará por meio deles. O salmista disse: “Lança o teu cuidado sobre o Senhor, e Ele te susterá” (Sl 55:22).
A provação a que Pedro está especialmente se referindo aqui é a perseguição. Os santos naqueles dias estavam passando pelo fogo da aflição a esse respeito e precisavam de conforto e consolação. Essas provações não foram enviadas por Deus, mas foram, no entanto, permitidas por Ele. Pedro diz que eles deveriam valer-se da provisão que Deus lhes havia feito, lançando suas cargas sobre o Senhor. Enquanto aqui o contexto é perseguição, sabemos que o desânimo pode vir de qualquer parte. Quando isso acontece, a solução é a mesma – devemos colocá-lo sobre o Senhor e deixar que Ele carregue o peso por nós.
Assim, Pedro tocou em dois perigos opostos dos quais devemos nos resguardar – estar inchados de orgulho ou estar deprimidos em desânimo. Essas coisas devem ser enfrentadas nos humilhando sob a potente mão de Deus (v. 6) e lançando todos os nossos cuidados sobre Ele (v. 7).
O Leão que Ruge
V. 8 – Ele prossegue mostrando que se nos recusarmos a nos humilhar sob a mão de Deus e não lançarmos nossos problemas e provações sobre o Senhor, ficaremos vulneráveis aos ataques do leão que ruge – o diabo. Ele diz: “Sede sóbrios; vigiai; porque o diabo, vosso adversário, anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar”. Assim, Pedro queria que estivéssemos conscientes dos movimentos desse inimigo. A vigilância aqui não é a de esperar o Senhor vir (o que certamente devemos fazer – Lc 12:37; Tt 2:13, etc.), mas a de observar os ataques do inimigo. Não devemos nos ocupar com o inimigo – nossa ocupação é com Cristo –, mas devemos estar alertas e precavidos em relação às táticas do inimigo (2 Co 2:11). As palavras “humilhai-vos” (v. 6), “sede sóbrios” (v. 8), “vigiai” (v. 8) e “resisti” (v. 9) estão todas no tempo aoristo no grego, que é um estado de haver feito algo definitivamente, conforme nota de rodapé da tradução J. N. Darby. Assim, a prontidão em relação ao nosso adversário é para ser um estado permanente; não é algo que retomamos no momento em que Satanás ataca – assim poderia ser tarde demais!
Pedro deixa claro que o objetivo de Satanás é “devorar” (ARA) os Cristãos. Podemos perguntar: “Em que sentido o diabo devora um Cristão?” Ele certamente não pode tirar de nós a salvação da nossa alma; ela está eternamente segura pelo que o Senhor Jesus consumou na cruz (Jo 10:28-29). Mas Satanás pode destruir nossas vidas no que diz respeito ao nosso testemunho. Ele pode aterrorizar o crente ao ponto de ele desistir do caminho e todos os que virem isso zombarão do Cristianismo e do Senhor (Lc 14:29-30). A principal maneira de Satanás aterrorizar os santos é por meio da perseguição. Ele trabalha “bramando como um leão” para persegui-los, mas essa não é a única maneira em que ele age. Como Pedro mostra aqui, ele leva homens orgulhosos e se lança sobre pessoas desencorajadas.
V. 9a – Pedro diz: “Ao qual resisti firmes na fé”. Devemos resistir ao diabo, mas não na energia da carne. Não somos chamados a lutar contra o diabo, nem devemos dialogar com ele. Nós “resistimos” ao diabo, permanecendo firmes em fé, nas nossas convicções que são fundadas na Palavra de Deus. Quando resistimos firmes sob esses ataques especiais do diabo, ele “fugirá” de nós! (Tg 4:7).
Satanás treme ao observar,
O santo mais fraco se ajoelhar!
Devemos encomendar nossas vidas a Deus em oração e lembrar que Ele está acima de todas as circunstâncias, e se o diabo incitar homens para nos perseguir, eles só poderão nos fazer o que Deus permitir, em Sua poderosa providência (Lm 3:37). E se formos chamados a morrer como mártires para Cristo, devemos seguir o exemplo dos santos que já se foram, que foram “fiéis até a morte” (Ap 2:10; 12:11). Recusando-nos a renegar a fé, “venceremos” este adversário e obteremos a “vitória” para o Senhor, porque todas as suas tentativas malignas de nos fazer desistir no caminho da fé falharam (Ap 15:2).
Conforto Para os Santos que Sofrem Perseguição
Vs. 9b-11 – Pedro conclui suas observações sobre o assunto do sofrimento, dando algumas palavras de conforto e encorajamento a esses santos que estavam passando pelo fogo da perseguição. Sua intenção era motivá-los a irem adiante pelo Senhor, em suas provas.
Em primeiro lugar, eles não estavam sozinhos em seu sofrimento. Ele diz: “sabendo que as mesmas aflições se cumprem entre os vossos irmãos no mundo” (v. 9b). Assim, eles poderiam tomar coragem no fato de que, se os outros puderam suportar esse sofrimento, eles também poderiam (1 Ts 1:6; 2 Ts 1:4; 2 Tm 2:3, 4:5, etc.).
Em segundo lugar, “o Deus de toda a graça” os chamara “em Cristo Jesus à Sua eterna glória” (v. 10a). Assim, eles foram “chamados” por Deus para um fim glorioso com Cristo, e não havia nada que pudesse frustrar o Seu propósito. Se mantivessem seus olhos na “eterna glória” para a qual estavam viajando, isso os motivaria a suportar as provações que encontrassem ao longo do caminho. Além disso, Pedro lembra-lhes que o nosso Deus é o “Deus de toda a graça”, e assim Ele nos fornecerá a graça necessária para continuarmos ao longo do sofrimento que enfrentamos (Fp 4:13; Tg 4:6).
Em terceiro lugar, esse tempo de sofrimento é apenas por “um pouco” comparado à glória eterna que está chegando (v. 10b). Em breve terminará. Saber disso lhes daria um propósito de coração para continuar no caminho.
Em quarto lugar, Pedro diz: “Ele mesmo vos aperfeiçoará, confirmará, fortificará e fortalecerá”. Eles também precisavam ter em mente que esses sofrimentos estavam sendo usados por Deus para edificar o caráter Cristão neles. Assim, era importante verem a mão de Deus em suas provações; isso daria incentivo adicional para continuarem.
V. 11 – É adequado que Pedro terminasse com uma doxologia de louvor: “A Ele seja a glória e o poderio pelos séculos dos séculos. Amém” (JND). Os séculos dos séculos referem-se ao estado eterno quando Satanás estará no lago de fogo (Ap 20:10) e o tempo de sofrimento dos santos terminará (1 Co 15:24-28; 2 Pe 3:12-13; Ap 21:1-8).
Saudações de Encerramento
Vs. 12-14 – No encerramento, Pedro menciona “Silvano” (Silas), aparentemente, ele era o portador da epístola. Ele havia sido cooperador com Paulo (At 15-18), mas desde que Paulo havia sido encarcerado, ele foi encontrado servindo com Pedro. É significativo que ele seja mencionado nesta carta, que tem muito a ver com sofrimento. Ele era alguém que certamente poderia ter empatia com esses irmãos, tendo sido espancado e preso, quando ele e Paulo estavam em Filipos (At 16:23).
Pedro reafirma seu propósito ao escrever a esses irmãos: “escrevi abreviadamente, exortando e testificando que esta é a verdadeira graça de Deus, na qual estais firmes”. Ele inclui saudações de sua esposa: “A vossa co-eleita em Babilônia vos saúda, e meu filho Marcos”. Era o hábito de Pedro levar consigo sua esposa em seus trabalhos na obra do Senhor (1 Co 9:5). É digno de nota que, ao cumprir sua comissão apostólica em relação à circuncisão (Gl 2:8), Pedro é encontrado na Babilônia. É onde muitos milhares de judeus foram deportados ao cativeiro babilônico, centenas de anos antes (2 Rs 24-25). Apenas 42.000 retornaram à terra de Israel nos dias de Esdras e Neemias – o restante permaneceu na Babilônia e se estabeleceu lá. Ao buscar a bênção de seus compatriotas, ele foi lá para pregar o evangelho e pastorear aqueles que foram salvos.
Pedro também envia saudações de “Marcos” (também chamado de João Marcos – At 12:12, 13:5; Cl 4:10). Ao adicionar “Meu filho”, ele revela que João Marcos havia se convertido por meio dele. Assim, Marcos era seu filho espiritual. Paulo fala de Timóteo, Tito e Onésimo da mesma maneira (1 Tm 1:2; 2 Tm 1:2; Tt 1:4; Fm 9).
Ele prescreve a esses santos o “ósculo de amor” (ARA) e lhes dá uma palavra final de “paz”.
A Segunda Epístola de
PEDRO
Os Meios Divinos de Ser Preservado em um Dia Mau
Bruce Anstey
A SEGUNDA EPÍSTOLA DE PEDRO
INTRODUÇÃO
O fato de que Pedro chama esta epístola de “segunda” (cap. 3:1), mostra que foi escrita aos mesmos a quem fora escrita sua primeira epístola: Cristãos convertidos do judaísmo espalhados pela Ásia Menor (Turquia moderna). J. N. Darby confirma isto, afirmando: “A segunda epístola se declara ser a segunda dirigida às mesmas pessoas: de modo que uma e outra foram destinadas aos judeus da Ásia Menor” (Synopsis of the Books of the Bible, Loizeaux edition, vol. 5, pág. 423). Pedro não indica quanto tempo decorreu entre as duas epístolas; os estudiosos geralmente concordam que foi um período relativamente curto de tempo.
De acordo com todas as segundas epístolas em nossas Bíblias, a segunda epístola de Pedro contempla a ruína e fracasso do testemunho Cristão (Cristandade). Enquanto a primeira epístola é silente quanto à ascensão do mal na profissão Cristã, esta segunda epístola soa um aviso sobre isso em termos inequívocos. Pedro anuncia que haveria uma iminente grande apostasia (um abandono da verdade Cristã) nos últimos dias do testemunho Cristão. O apóstolo Paulo nos diz que ela atingirá seu auge depois que a Igreja for chamada para o céu, quando “o homem do pecado” (o anticristo) será revelado (2 Ts 2:3). Os verdadeiros crentes não apostatarão, mas podem ser arrastados pela correnteza da apostasia e abandonar certos princípios e práticas que outrora sustentavam (cap. 3:17 – “pelo engano dos homens abomináveis, sejais juntamente arrebatados”). A epístola não apenas anuncia o declínio vindouro, mas também nos dá instruções importantes sobre como podemos ser preservados da influência da apostasia. Esta epístola, portanto, é muito aplicável aos santos em nossos dias, quando as corrupções de que Pedro fala, entraram na profissão Cristã. A epístola encoraja a fidelidade em um dia de declínio.
Se na primeira epístola Pedro é visto como um mestre e um pastor instruindo e exortando o rebanho de Deus, nesta segunda epístola, ele é visto como um profeta anunciando o julgamento da Cristandade e do mundo na Aparição de Cristo. Na primeira epístola, Pedro guia as ovelhas; aqui na segunda, ele as guarda.
Um Resumo
No capítulo 1, o apóstolo mostra que Deus antecipou o estado corrupto que caracterizaria o testemunho Cristão nos últimos dias e fez provisão completa para que os santos escapassem das corrupções do mundo que entrariam na Igreja.
No capítulo 2, o apóstolo anuncia que os falsos mestres seriam os instrumentos por meio dos quais essas corrupções entrariam na profissão Cristã.
No capítulo 3, o apóstolo mostra que esses escarnecedores infiéis negarão a vinda do Senhor e enfrentarão Seu julgamento quando Ele aparecer para julgar o mundo em justiça e quando Ele criar novos céus e nova Terra.
OS MEIOS DIVINOS PARA SER PRESERVADO EM UM DIA MAU
Capítulo 1
A Saudação
Vs. 1-2 – Pedro se apresenta como “Simão Pedro”. Simão era seu nome antigo que tinha como homem na carne (Jo 1:41-42). Muitas vezes, quando agia de acordo com sua velha natureza, ele era chamado de “Simão” (Mc 14:37; Lc 5:4-5, 22: 31-32; Jo 18:10, 21:2). É significativo que, ao escrever sobre o fracasso do testemunho Cristão, como foi levado a fazer aqui, Pedro usasse seu antigo nome. Isso mostra que estava consciente do fato de que ele próprio falhou, e que, ao falar do fracasso coletivo da Igreja, ele não estava de forma alguma fazendo isso depreciativamente.
Ele chama a si mesmo de “servo e apóstolo de Jesus Cristo”. Era um apóstolo escolhido pelo Senhor, mas foi por sua própria vontade que foi um servo. O Senhor nunca pediu nem ordenou que alguém fosse Seu servo; isso é algo que o crente escolhe voluntariamente quando percebe que foi “comprado por bom preço” (1 Co 6:20; 7:23). O processo de exercício que leva o crente a essa entrega, vem primeiro do entendimento do que a obra de Cristo na cruz fez. Isso torna o crente “liberto do Senhor” (1 Co 7:22a). Como tal, fomos libertados do juízo de nossos pecados, do pecado como um mestre, de Satanás e do mundo. Mas quando o custo de nossa liberdade chega às nossas almas, e percebemos que o Senhor pagou um preço tão alto para nos redimir, decidimos não mais usar nossa liberdade para nossos próprios interesses, mas para a promoção dos interesses d’Ele. Nós, portanto, nos alistamos voluntariamente em Seu serviço como “servo de Cristo” (1 Co 7:22b). Assim, a obra do Senhor na cruz recebida pela fé, nos torna libertos, mas nós, por nossa própria escolha, nos tornamos Seus servos. Pedro afirmando que era o servo de Cristo, estava indicando que ele tinha passado por este exercício e se colocou à disposição do Senhor para Seu serviço.
Ao declarar que aqueles a quem estava escrevendo haviam “alcançado fé igualmente preciosa”, ele quis dizer que esses crentes haviam recebido de Deus a revelação Cristã da verdade – o Cristianismo. Foi “dada aos santos” por meio dos apóstolos e é possessão comum de todos os crentes (Jd 3). Pedro não estava falando da fé como a energia interior da confiança da alma em Deus, que está em todas as pessoas que creem, mas do Cristianismo, como distinto das religiões deste mundo. H. Smith disse: “A ‘fé preciosa’ é a fé do Cristianismo, em contraste com o judaísmo, com o qual esses crentes tinham estado conectados” (The Epistles of Peter, pág. 44). J. N. Darby disse: “A fidelidade do Deus de Israel conferiu ao Seu povo essa fé (isto é, o Cristianismo), que era tão preciosa para eles. Fé aqui é a porção que temos agora nas coisas que Deus dá, que no Cristianismo são reveladas como verdades” (Synopsis of the Books of the Bible, Loizeaux edition, vol. 5, pág. 463).
Pedro diz que essa fé preciosa chegou aos santos “pela justiça do nosso Deus”. Isso se refere à fidelidade de Deus às Suas promessas no Velho Testamento de trazer a salvação ao homem por meio de Cristo (Gn 49:18; Sl 14:7, 67:2; Is 12:2-3, 25:9, 45:8, 52:7, 10, 56:1, etc.). Pedro acrescenta: “e Salvador Jesus Cristo”, porque Ele é aqu’Ele que fez expiação para a glória de Deus e para nossa bênção.
V. 2 – Pedro desejava que “graça e paz” lhes fossem “multiplicadas”. É encorajador saber que num dia em que o mal está sendo multiplicado por todos os lados, Deus pode multiplicar graça e paz para que Seus santos possam enfrentar esse mal. Isso mostra que não importa quão escuro o dia fique, Deus pode vencer o desafio. Graça e paz para o caminho Cristão chegam aos santos “pelo conhecimento de Deus, e de Jesus nosso Senhor”. Alguns parecem pensar que precisamos ser versados nas doutrinas malignas que existem na Cristandade para escaparmos desses erros. No entanto, não é sabendo o que é falso que vai nos guardar de errar, mas sim, conhecendo, crendo e andando na verdade. Investigar o mal, mesmo com boas intenções, é potencialmente perigoso; poderíamos ser enganados de alguma forma e tropeçaríamos em nossas vidas Cristãs (compare Dt 12:29-32).
A Maneira Divina de Ser Preservado
Vs. 3-21 – Pedro então revela a maneira divina de ser guardado em um dia mau. Em uma epístola que trata do estado caído e corrompido ao qual a profissão Cristã afundaria, é revigorante que o apóstolo não comece com essa nota triste, mas com a fidelidade de Deus em guardar Seu povo no caminho da fé.
Pedro mostra que há dois lados para sermos guardados: por um lado, há o que Deus deu para nos ajudar no caminho e, por outro lado, há o que somos responsáveis por fazer. Como veremos, Deus quer que sejamos guardados no caminho da fé e fez todas as provisões necessárias, mas também precisamos ser responsavelmente exercitados sobre isso.
A PORÇÃO DE DEUS
Nos versículos 3-4, temos a porção de Deus. Ele nos “deu” tudo o que precisamos para o nosso caminho, garantindo uma jornada segura em nossa peregrinação ao céu. É uma jornada espiritual em que há muitos perigos, mas Deus nos equipou com uma provisão completa para que ninguém caia pelo caminho. Em especial, Deus nos deu dois grupos de coisas: “tudo o que diz respeito à vida e piedade” e “grandíssimas e preciosas promessas”.
Dando-nos Tudo o Que Diz Respeito à Vida e Piedade
Quanto ao primeiro, Pedro diz: “Visto como o Seu divino poder nos deu tudo [todas as coisas] o que diz respeito à vida e piedade, pelo conhecimento daqu’Ele que nos chamou por Sua glória e virtude”. Podemos perguntar: “O que exatamente são essas ‘coisas’ que Deus nos deu?” A lista a seguir não é de forma alguma exaustiva [completa]:
- Capacidade Espiritual por Meio do Novo Nascimento – pelo que somos capazes de apreciar e desfrutar das coisas divinas (1 Jo 5:4-5). - A Palavra de Deus – para nos dar o conhecimento da verdade e sabedoria para o caminho (2 Tm 3:15; Sl 119:105, 130). - O Espírito Santo – para nos dar poder para viver uma vida santa (Rm 8:2). - O Trono da Graça – para nos dar acesso pela oração à presença de Deus para obtermos misericórdia e graça e nos ajudar em tempos de necessidade (Hb 4:16). - A Intercessão Sacerdotal de Cristo – para nos salvar dos perigos espirituais (Hb 7:25). - A Advocacia de Cristo – para nos restaurar à comunhão se falharmos (1 Jo 2:12). - Toda a Armadura de Deus – para nos capacitar a permanecer firme contra as ciladas do diabo (Ef 6:10-18). - A Ajuda das Hostes Angelicais – para nos dar livramento dos perigos temporais (Hb 1:13-14). - A Comunhão dos Irmãos – para nos dar encorajamento no caminho (2 Tm 2:22; At 28:15). - Os Dons Dados por Cristo Elevado aos Céus – para nos dar ensino, pastoreio e ajuda espiritual (Ef 4:11).
Pedro acrescenta: “pelo conhecimento daqu’Ele que nos chamou por Sua glória e virtude”, porque essas coisas devem ser aplicadas em conjunto com a nossa vida de comunhão com Deus, que nos chamou para a bênção.
Dando-nos Grandíssimas e Preciosas Promessas
V. 4 – A segunda coisa que Deus nos “deu” são as grandíssimas promessas. Essas preciosas promessas foram colocadas diante dos santos para encorajá-los a seguir no caminho da fé. Pedro diz: “Pelas quais Ele nos tem dado grandíssimas e preciosas promessas, para que por elas fiqueis participantes da natureza divina, havendo escapado da corrupção, que pela concupiscência há no mundo”. Grandes promessas foram dadas aos patriarcas no Velho Testamento, e elas não devem ser menosprezadas, mas estas promessas das quais Pedro fala não são aquelas do Velho Testamento. As promessas dadas a Abraão, Isaque e Jacó têm a ver com as bênçãos terrenas que serão alcançadas por Israel num dia vindouro. Mas estas de que Pedro está falando, são promessas que Deus deu aos Cristãos. Elas são maiores porque têm a ver com as bênçãos superiores que temos em Cristo nos lugares celestiais (Ef 1:3). Mesmo as bênçãos da Nova Aliança sob o reinado de Cristo como o Messias de Israel, ficam aquém da excelência das bênçãos Cristãs, com as quais tais promessas estão associadas.
Mais uma vez, podemos perguntar: “Quais seriam essas promessas?” Algumas delas são:
- A promessa de estarmos eternamente seguro em nosso relacionamento com o Senhor (Jo 10:28-29). - A promessa d’Ele nunca nos abandonar (Hb 13:5). - A promessa de doce comunhão com Ele todos os dias de nossas vidas (Jo 14:21, 23). - A promessa de resposta a pedidos de oração (Jo 14:13-14; 16:23-24). - A promessa de nos manter no caminho de fé, intercedendo por nós como nosso Sumo Sacerdote (Hb 4:14-15) e como nosso Advogado junto ao Pai se falharmos (1 Jo 2:1-2). - A promessa d’Ele estando no meio daqueles a Quem o Espírito reuniu ao Seu nome (Mt 18:20). - A promessa de voltar e nos levar para a casa do Pai (Jo 14:2-3; 1 Ts 4:15-18). - A promessa de ser feito como Cristo moral e fisicamente (Fp 3:21; 1 Jo 2:2). - A promessa de nos recompensar no céu por trabalhos feitos para Cristo aqui (1 Co 3:11-14). - A promessa de que reinaremos com Ele em Seu reino (2 Tm 2:12; Ap 3:21, 20:4).
O desejo de Deus em todas estas provisões para o caminho é que os santos se “tornassem participantes da natureza divina” (JND). Somos feitos participantes da natureza divina quando nascemos de novo, momento no qual recebemos uma nova vida de Deus, que tem a mesma natureza d’Ele. Mas esse não é o aspecto de participar da natureza divina de que Pedro está falando aqui. (O fato de ele dizer: “Que vos torneis participantes…” mostra que ele não está se referindo ao recebimento inicial da vida divina, mas algo subsequente a isso). Pedro está falando de uma participação prática dessa natureza em um sentido moral. É provar das coisas que Deus aprecia e ser cheios com as Suas delícias. Quando então “bebemos da corrente [do rio]” das Suas “delícias”, participamos das coisas que Sua natureza aprecia (Sl 36:8). J. N. Darby disse: “Somos assim tornados moralmente participantes da natureza divina, pelo poder divino agindo em nós e firmando a alma naquilo que é divinamente revelado” (Synopsis of the Books of the Bible, Loizeaux edition, pág. 465). E em que exatamente é que Deus Se compraz? Suas próprias palavras nos dão a resposta: “Este é o Meu Filho amado, em Quem Me comprazo” (Mt 3:17; Pv 8:30).
O argumento de Pedro é simples; se vivermos em comunhão com Deus e desfrutarmos das coisas que Ele desfruta, escaparemos da corrupção que há no mundo pela concupiscência, porque em tal estado, a carne em nós ficará inativa. As atrações do mundo perdem seu poder de desviar nossas almas do caminho quando estamos desfrutando de algo infinitamente maior. O resultado é que vencemos o mundo na prática e, assim, escapamos das concupiscências que caracterizam seu estado corrupto. Isso mostra que não é o que sabemos que nos mantém no caminho, mas o que apreciamos.
Tendo recebido esta grande provisão de Deus, realmente não há desculpa para qualquer um de nós falharmos no caminho – independentemente de quão escuro e difícil possa ser o dia. Simplesmente não há verdade na ideia de que, uma vez que as coisas se tornaram tão desordenadas na Cristandade nestes últimos dias, Deus entende nossa situação e desculpa nossa falta de fidelidade.
A PORÇÃO DO CRENTE
Vs. 5-21 – Fomos chamados para “glória e virtude” (v. 3). Glória é o que receberemos quando formos chamados para casa ao final da jornada e virtude é o que precisamos enquanto estamos na jornada ao longo do caminho. Assim sendo, Deus quer que sejamos exercitados de maneira responsável sobre nossa preservação e que participemos com Ele, fazendo nossa parte. Como vimos, Deus nos deu todas as coisas que pertencem a uma vida de piedade e nos deu as grandíssimas promessas, mas nós também temos que colocar algo nisso. Pedro diz: “pondo nisto mesmo toda a diligência…” Assim, devemos nos aplicar nas coisas que ele está prestes a mencionar. Na parte final deste primeiro capítulo, ele coloca diretamente sobre o crente o ônus de “suprir” (Tradução W. Kelly) os exercícios morais e espirituais que são necessários para sermos preservados.
Tendo as Qualidades Morais Necessárias para Viver Fielmente
Vs. 5-11 – A primeira coisa é ter as qualidades morais necessárias para viver fielmente para o Senhor. Ele diz: “Mas, por isso mesmo, usando toda a diligência, em sua fé também tenha virtude, em virtude conhecimento**, em conhecimento** temperança [**controle próprio**]**, em temperança** perseverança**, em perseverança** piedade**, em piedade** amor fraternal**; e em amor fraternal** caridade [amor divino]” (JND). Assim, há sete qualidades morais que precisamos ter em nossas vidas. As versões King James e Almeida Revista e Corrigida diz: “Acrescentai à vossa fé…” colocando a preposição “à” [ou ao] antes de cada qualidade moral. Mas isso é enganoso. Esses suplementos ao texto induzem a pensar que essas qualidades morais devam ser acrescentadas uma após a outra em nossas vidas em ordem consecutiva. No entanto, o pensamento na passagem é que elas devem ser desenvolvidas juntas. Da mesma forma, os ramos de uma árvore não crescem um após o outro, mas juntos como um todo.
VIRTUDE [CORAGEM ESPIRITUAL] (v. 5)
Virtude refere-se a ter energia espiritual e coragem para permanecer nas convicções de nossa fé. Em um dia em que a tendência geral na profissão Cristã é ir à deriva junto com a corrente das coisas, afastando-se de Deus e da verdade, é de extrema importância que tenhamos esse tipo de convicção e energia para nos impulsionar contra a corrente.
CIÊNCIA [CONHECIMENTO] (v. 5)
Isso tem a ver com ser inteligente na mente e vontade de Deus, em um sentido prático. É bem possível estar cheio de energia e zelo por Deus, mas sem entender os princípios divinos e, consequentemente, agir de maneira errada em certas situações. Assim, também precisamos ser “entendidos na ciência dos tempos” para saber o que os santos “devem fazer” nestes dias difíceis (1 Cr 12:32 – AIBB).
TEMPERANÇA [CONTROLE PRÓPRIO] (v. 6)
Naturalmente tendemos a ser criaturas de extremos e, se não formos cuidadosos, nos tornaremos desequilibrados. Portanto, é necessário permanecermos no controle de nossos apetites corporais e de todos os outros propósitos em que possamos nos comprometer (1 Co 9:27).
PERSEVERANÇA [PACIÊNCIA] (v. 6)
Refere-se a resistir nas dificuldades no caminho da fé (2 Tm 2:3). Podemos ter certeza de que haverá resistência do mundo na forma de reprovação e perseguição. Ter essa qualidade moral nos capacitará a lutar ao longo das dificuldades e do desânimo, e a perseverar no caminho (2 Ts 1:4). Uma coisa é começar no caminho Cristão e outra é continuar (2 Tm 3:14). Não há nada como perseguição para separar quem é verdadeiro e quem não é (Mc 4:17).
PIEDADE (v. 6)
A santidade pessoal não deve ser negligenciada e, portanto, é ordenada aos santos aqui. A piedade não é obtida pela passividade; ela vem por meio de exercícios sérios (1 Tm 4:7).
AMOR FRATERNO (v. 7)
É amor afetuoso com emoção (sentimento) (phileo). Deve ser manifestado aos nossos irmãos no Senhor, mas não ao mundo. Certamente, devemos amar as almas perdidas e alcançá-las com o evangelho (Rm 13:8), mas é para ser como Deus as ama (Jo 3:16) com amor divino (ágape). Se amarmos as pessoas do mundo com amor phileo, podemos ser atraídos para o mundo, pelo nosso afeto por eles.
AMOR DIVINO (v. 7)
Este é o amor ágape. É o amor que emana de uma disposição estabelecida do coração – uma decisão de amar seu objeto, que não envolve emoção ou mérito no objeto. Deus colocou Seu amor divino sobre nós quando não havia nada em nós para amar! (Rm 5:8) Deus ama com ambos os tipos de amor (Jo 3:35, 5:20) e nós também devemos amar dos dois modos. O amor divino tempera o amor fraterno. Isto é necessário porque se amássemos nossos irmãos apenas com amor fraternal, poderíamos estar inclinados a negligenciar neles certas falhas que precisam ser tratadas e repreendidas.
V. 8 – Pedro conclui dizendo: “Porque, se em vós houver e abundarem estas coisas, não vos deixarão ociosos nem estéreis no conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo”. Nota: ele não diz, “Se vós sabeis sobre essas coisas”, mas sim, “se em vós houver e abundarem estas coisas”. Isso mostra que não é suficiente ter consciência da necessidade dessas qualidades morais em nossas vidas; elas precisam ser parte integrante de nossos seres e, como tais, ter formado nosso caráter. Se essas coisas estão conosco apenas de uma maneira superficial, podem ser facilmente colocadas de lado, e esse tem sido o caso com muitos. O resultado dessas coisas sendo parte de nossos seres, é que seremos frutíferos no caminho de fé.
V. 9 – Pedro então adverte: “Pois aquele em quem não há estas coisas é cego, nada vendo ao longe, havendo-se esquecido da purificação dos seus antigos pecados”. Isto mostra que se as características positivas da nova vida não estão sendo desenvolvidas em nós, ficaremos cegos quanto ao nosso próprio estado e perderemos de vista o objetivo de Deus, de ter Cristo manifestado em Seu reino de glória, no mundo vindouro. Isso pode resultar em um triste abandono do caminho. Portanto, se não estamos indo adiante no caminho Cristão, certamente iremos retroceder, porque nosso estado de alma nunca é estático.
V. 10 – Assim sendo, Pedro diz: “Portanto, irmãos, procurai fazer cada vez mais firme a vossa vocação e eleição; porque, fazendo isto, nunca jamais tropeçareis”. Mais uma vez, ele coloca o ônus sobre o crente, em aplicar-se nessas coisas para que não tropece no caminho. Podemos nos perguntar como devemos firmar mais a nossa “vocação e eleição”, quando elas são tão firmadas quanto poderiam ser. Pois é algo que é totalmente uma prerrogativa de Deus; Ele nos escolheu e nos chamou – e não tivemos nada a ver com isso. No entanto, Pedro não está falando do que é verdadeiro e seguro no coração de Deus, mas do que deve se manifestar em nossa vida pessoal ao andarmos com o Senhor. Provamos e confirmamos que somos Seus eleitos, manifestando as características morais das quais Pedro tem falado, e por produzirmos frutos para Deus em nossas vidas. Essas coisas são evidências inconfundíveis de nosso chamado e eleição.
V. 11 – O grande resultado é: “Porque assim vos será amplamente concedida a entrada no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo”. Assim, num dia vindouro, Deus compensará a devoção dos santos a Cristo, e seu serviço para Seu nome, e isso será manifestado diante de um mundo maravilhoso (2 Ts 1:10; Ef 1:12). Muitos têm pensado que este versículo está se referindo à nossa entrada no céu quando o Senhor vier (o Arrebatamento). Isso significaria que alguns dos santos teriam uma entrada maior do que outros na casa do Pai, devido à sua fidelidade na Terra. No entanto, isso não é verdade. A responsabilidade dos santos não é levada em conta no momento da vinda do Senhor para nos levar para o céu (o Arrebatamento); todos nós teremos então uma recepção igualmente grandiosa e feliz. A questão da fidelidade dos santos (ou falta dela) será levada em conta mais tarde no tribunal de Cristo, e os resultados serão manifestados diante do mundo na Aparição de Cristo e durante o Seu reino milenar (Mt 24:45- 47; Lc 19:15-19). É a isto que Pedro está se referindo neste versículo. Ele não está falando da nossa entrada no céu, mas da nossa entrada no lado público do “reino eterno”, que será quando sairmos do céu com Cristo na Sua Aparição (1 Ts 3:13, 4:14; 2 Ts 1:10, Jd 14, Ap 19:14, etc.).
F. B. Hole disse: “O reino eterno não é o céu. Ninguém ganha o céu como resultado de diligência ou frutificação; nem alguns ganham uma entrada ampla e outros uma entrada estreita. Não há entrada no céu senão por meio da obra de Cristo – uma obra perfeita e disponível para todos os que creem – então todos os que entram, entram da mesma maneira e na mesma base, sem distinção. O reino eterno será estabelecido quando Jesus vier novamente, e em conexão com ele, as recompensas serão dadas como a parábola de Lucas 19:12-27 nos ensina. Haverá, consequentemente, grandes diferenças quanto aos lugares que os crentes ocuparão no reino, e nossa entrada nele pode ser abundante ou o contrário. Tudo dependerá de nossa diligência e fidelidade. A lembrança disso certamente nos estimulará ao zelo e à devoção” (Epistles, vol. 3, págs. 127-128).
Os resultados positivos de termos essas coisas morais em nossas vidas são:
- Seremos frutíferos em nossa vida Cristã (v. 8). - Seremos preservados de tropeçar no caminho (v. 10). - Teremos uma entrada ampla no reino (v. 11).
Estar Estabelecido na Presente Verdade
Vs. 12-14 – A segunda coisa necessária para assegurar a preservação no caminho é estar estabelecido na revelação Cristã da verdade – e especialmente ao aplicar-se às coisas nos últimos dias, quando a Cristandade estaria em desordem, como os capítulos 2 e 3 indicam. Pedro diz: “Pois não serei negligente para vos fazer sempre lembrar estas coisas, ainda que as saibais, e estejais estabelecidos na presente verdade” (KJV). Isso mostra que é importante ter um entendimento da verdade; ele nos “guardará” no caminho quando mantido em comunhão com o Senhor (Sl 40:11). Os princípios da Palavra de Deus, quando guardados e aplicados na vida de alguém, nos guiam e nos impedem de sair do caminho (Sl 17:4, 119:105, 130). Aqueles que não foram alicerçados na revelação Cristã da verdade são suscetíveis a serem “levados em roda por todo o vento de doutrina” que aparecem (Ef 4:14). O apóstolo Paulo declara que estar “estabelecido” na verdade envolve entender tanto o seu “evangelho” como a “revelação do Mistério” (Rm 16:25). O fato de Pedro dizer: “ainda que as saibais, e estejais estabelecidos na presente verdade”, mostra que ele considerava aqueles a quem escrevia como tendo amadurecido na fé. A responsabilidade de Pedro era “lembrar estas coisas” (TB) aos santos, porque existe um verdadeiro perigo de esquecê-las.
Conhecer as Escrituras do Velho Testamento é uma tremenda vantagem para um Cristão, pois há muitos princípios que podem nos ajudar em nossa caminhada com o Senhor. Mas elas não nos estabelecerão na “presente verdade”. Por quê? Porque a verdade presente a qual Pedro está se referindo, não é encontrada no Velho Testamento. Ela é a revelação da verdade Cristã que Deus entregou aos santos por meio dos apóstolos; é a verdade do Novo Testamento.
Vs. 13-15 – Sentindo do Senhor que a hora de sua morte estava se aproximando, Pedro considerou uma coisa certa e proveitosa usar seu tempo e energia para despertar os santos, “lembrando-os acerca destas coisas”. Isso mostra que ele sabia o valor da repetição. Também nos mostra que, embora possamos conhecer a verdade e termos sido estabelecidos nela, ainda precisamos rever essas coisas, repetidas vezes, para que permaneçamos “sempre lembrando”. Assim, não devemos procurar nova verdade – pois com tais tentativas alguns se desviaram para o erro – mas, em vez disso, devemos rever a mesma verdade que “uma vez foi dada aos santos” (Jd 3).
O Senhor disse a Pedro que, quando ele fosse “velho”, ele seria chamado para morrer pela glória de Deus como um mártir (Jo 21:18). No fato dele dizer: “Como nosso Senhor Jesus Cristo me mostrou”, sugere que sua morte seria por crucificação (v. 14). A história religiosa nos diz que ele, a seu próprio pedido, foi crucificado de cabeça para baixo, pois ele não se sentia digno de ser crucificado em uma posição de cabeça para cima, como o Senhor foi.
Mantendo o Fim Glorioso de Deus diante de Nossas Almas
Vs. 15-21 – A terceira coisa necessária para a preservação no caminho é ter nossos olhos fixos no fim glorioso de Deus – que é ter Cristo manifestado publicamente na glória de Seu reino no mundo vindouro (o Milênio). Para assegurar aos santos que este grande fim será alcançado nos caminhos de Deus, Pedro nos indica o que aconteceu no Monte da Transfiguração. Ele diz: “Porque não vos fizemos saber a virtude e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, seguindo fábulas artificialmente compostas: mas nós mesmos vimos [fomos testemunhas oculares – TB] a Sua majestade. Porquanto Ele recebeu de Deus Pai honra e glória, quando da magnífica glória Lhe foi dirigida a seguinte voz: ‘Este é o Meu Filho amado, em Quem Me tenho comprazido’, E ouvimos esta voz dirigida do céu, estando nós com Ele no monte santo”. Aos apóstolos (Pedro, Tiago e João) foi dada uma prévia da glória do reino vindouro de Cristo (Mt 17:1-9). Ela foi a confirmação de Deus e garantia de que Seu fim definitivo seria alcançado em Cristo sendo publicamente glorificado no mundo vindouro.
Tendo sido verdadeiras “testemunhas oculares” do evento, os apóstolos nos “fizeram saber” a certeza disso e seu significado. Pedro nos assegura de que o que eles viram não era um sonho, nem um esquema bem pensado que eles haviam “artificialmente composto” – era uma realidade divina. Assim, temos prova viva no testemunho dos apóstolos que Deus coroará Cristo publicamente como “Rei sobre toda a Terra” (Zc 14:9) e que Ele reinará como tal na glória do reino milenar. Muitos Cristãos não olham muito além do Arrebatamento, pensando que ele é a realização do propósito de Deus. Ele marcará o fim da história da Igreja na Terra, mas o grande fim de Deus tem a ver com a manifestação de Cristo na glória de Seu reino em duas grandes esferas – no céu e na Terra (Ef 1:10). É verdade que seremos chamados ao céu no Arrebatamento (1 Ts 4:15-18) e seremos glorificados juntamente com Cristo naquele tempo (Rm 8:17; Fp 3:21), mas Pedro não se atém aqui sobre esse lado das coisas.
Vs. 19-21 – O que eles viram no monte confirmou a Palavra profética no Velho Testamento. Pedro diz: “E temos também a palavra profética confirmada**, à qual bem fazeis, em estar atentos (como a uma luz que alumia em lugar escuro), até que o dia amanheça, e a estrela da alva apareça em vossos corações**”. (Uma tradução da _Synopsis of the Books of the Bible,_ Loizeaux edition, pág. 473 – nota de rodapé, de J. N. Darby.) Os profetas do Velho Testamento escreveram sobre aquele dia, mas os apóstolos o viram com os próprios olhos! Existe uma diferença; as Escrituras proféticas falam da glória terrena de Cristo naquele dia, enquanto o Monte da Transfiguração fala da glória celestial de Cristo. Esses dois testemunhos não se contradizem; ao contrário, eles se complementam, pois Cristo terá glória em ambas as esferas. A versão King James do versículo 19 sugere que a Palavra profética foi tornada “mais certa” pela experiência que os apóstolos tiveram no monte, mas aquelas Escrituras proféticas não poderiam se tornar mais certas do que eram; elas são a Palavra inspirada de Deus! O que Pedro está dizendo é simplesmente que a cena no monte coincide e confirma o que as Escrituras do Velho Testamento têm afirmado.
Ele diz que “bem fazeis” em “estar atentos” a tais passagens da Escritura. Esta foi uma exortação necessária para esses judeus crentes, porque eles podem ter sido tentados a negligenciar as Escrituras do Velho Testamento depois que se converteram ao Cristianismo. Em suas mentes, essas coisas pertenciam à sua antiga vida como judeus e, portanto, não tinham aplicação real para eles agora. Pedro aborda essa ideia equivocada e explica que aquelas profecias do Velho Testamento são de grande valor prático para os Cristãos, e faríamos bem em atentar à sua mensagem. Essas passagens da Escritura são como “uma luz que alumia em lugar escuro” – este mundo. Elas apresentam os padrões morais imutáveis de Deus para o homem; aprendemos com elas que enquanto a moral do homem muda e decai com os tempos, a moral de Deus não muda. A Palavra profética coloca diante do crente a esperança deste mundo ser endireitado quando Cristo reinar. Naquele tempo, haverá uma “regeneração” da vida moral na Terra, e tudo será ordenado de acordo com a mente e a vontade de Deus (Mt 19:28).
Assim, ocupar-se com as Escrituras proféticas faz com que o “dia” milenar “amanheça” em nossos “corações” antes do tempo, o qual amanhecerá neste mundo na Aparição de Cristo. Os santos cujos corações estão fixados na glória do reino vindouro de Cristo “amam a Sua vinda [aparição – JND]” (2 Tm 4:8), porque é o tempo em que Ele será abertamente justificado neste mundo onde foi envergonhado. E, se tivermos sido iluminados na presente verdade (v. 12), “a Estrela da Alva” surgirá em nossos corações. Isso se refere à esperança iminente da vinda do Senhor para nos levar para o céu no Arrebatamento (Ap 22:16). Ela surge em nossos corações, no sentido de que se torna uma coisa iminente para nós, porque sabemos que a estrela da Alva aparece no horizonte antes do Sol nascer e de começar um novo dia. Então, Cristo virá para Seus santos no Arrebatamento antes que Ele venha com Seus santos na Sua Aparição, para trazer o dia milenar. Se a Aparição de Cristo para endireitar o mundo está prestes a acontecer (Ap 1:1), então o Arrebatamento está ainda mais próximo! Esta é a “bem-aventurada esperança” do Cristão (Tt 2:13).
Quando estas duas coisas são percebidas em nossas almas, elas causarão um impacto em nossas vidas. O efeito imediato do “dia” amanhecendo em nossos corações nos livra deste mundo. Percebemos que não há sentido em colocar nossa energia em construir algo para nós mesmos aqui neste mundo, quando todo esse sistema está prestes a ser julgado por Deus. O efeito imediato da “Estrela da Alva” surgindo em nossos corações é o despertar em nós de afeições nupciais para com nosso Noivo celestial e o desejo de estar com Ele; e também gera em nós uma preocupação genuína de alcançar os perdidos com o evangelho (Ap 22:17). Assim, não há nada tão refrescante e espiritualmente saudável do que ter nossos corações fixados naquela futura cena de glória quando Deus publicamente exaltará Seu Filho.
Vs. 20-21 – Levando este assunto a um encerramento, Pedro dá uma palavra de cautela quanto a lidar com as Escrituras proféticas. Ele diz: “Sabendo primeiramente isto: que [o escopo de – JND] nenhuma profecia da Escritura é [obtido – JND] de particular interpretação [dela – JND]. Porque a profecia nunca foi produzida [proferida – JND] por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo [sob o poder do – JND] Espírito Santo”. Ao dizer: “nenhuma profecia da Escritura é de interpretação privada” (KJV), ele quer dizer que nenhuma passagem tem sua própria interpretação isolada. Por isso, ao interpretar a Palavra profética, devemos ter em mente que nenhuma passagem pode ser totalmente entendida sem que o restante da Escritura dê suporte a essa interpretação. Este é um grande princípio orientador para a correta interpretação da Bíblia. A nota de rodapé da tradução J. N. Darby no versículo 20 declara: “Poderíamos quase dizer ‘nenhuma profecia explica a si mesma’”. Portanto, devemos ter a luz de todas as Escrituras lançadas em qualquer passagem para entender corretamente o alcance completo de seu significado. F. B. Hole disse: “É uma advertência contra tratar-se cada enunciado profético como se fosse por si só, uma espécie de frase autônoma a ser interpretada à parte da massa do ensino profético. Toda profecia está conectada e inter-relacionada e deve ser entendida somente em conexão com o todo” (Epistles, vol. 3, pág. 131).
Essa “regra de ouro” da interpretação da Bíblia é de suma importância; ela nos libertará do erro. Apesar desta advertência, os cultos na Cristandade são notórios por isolarem passagens da Escritura na Palavra de Deus e construírem doutrinas espúrias a partir de suas ideias erradas. Pedro nos lembra de que os profetas não escreveram as Escrituras dessa maneira – isto é, “por vontade de homem”. Sendo “movidos pelo Espírito Santo” sob inspiração (2 Tm 3:16), eles escreveram as Escrituras de tal forma que tudo se encaixa como um todo harmonioso – nenhuma passagem contradiz outra (Jo 10:35). Isso é notável porque muitos daqueles homens que Deus usou viviam em lugares diferentes e suas vidas estavam separadas por centenas de anos no tempo; eles não poderiam ter consultado um ao outro para garantir consistência. Havia muitos escritores, mas apenas um Autor – o próprio Deus. Ocasionalmente, Deus usaria homens profanos para comunicar uma palavra profética – como Balaão (Nm 22-24) e Caifás (Jo 11:49-52) – mas Ele usaria apenas “homens santos” para escrever as Escrituras. Visto que as Escrituras são divinamente inspiradas por Deus, podemos esperar com a mais completa certeza, que as futuras glórias de Cristo, que aquelas profecias do Velho Testamento previram, certamente virão a acontecer.
O CARÁTER DO MAL QUE ENTRARIA NA PROFISSÃO CRISTÃ POR MEIO DE FALSOS MESTRES
Capítulo 2
Na última parte da epístola, Pedro soa uma advertência contra duas formas de mal que caracterizariam a profissão Cristã nos dias em que os apóstolos não mais estariam na Terra; um é falso ensino (cap. 2) e o outro é incredulidade (cap. 3). O propósito das exortações de Pedro nesses dois últimos capítulos é tornar os santos conscientes desses perigos, a fim de que eles evitassem esse abandono da verdade.
O Perigo dos Falsos Mestres Desencaminhando Pessoas
V. 1 – Tendo estabelecido, no capítulo 1, o caminho de Deus para ser guardado nos tempos em que a confusão e a corrupção entram no testemunho Cristão, no capítulo 2, Pedro explica como esse estado deplorável de coisas viria a existir. Ele diz: “E também houve entre o povo falsos profetas, como entre vós haverá também falsos doutores, que introduzirão encobertamente heresias de perdição [destrutivas], e negarão o Senhor que os resgatou [o Mestre que os comprou – JND], trazendo sobre si mesmos repentina perdição”. Assim, o mal entraria na profissão Cristã por meio de líderes se desviando e ensinando “coisas pervertidas” (ARA) que levariam “discípulos” após si mesmos (At 20:30; Rm 16:18; 2 Tm 2:16-18; 1 Jo 2:19).
No final do primeiro capítulo, Pedro fez referência a homens santos de Deus nos tempos do Velho Testamento, sendo movidos pelo Espírito para comunicar a verdade, mas neste capítulo, ele nos diz que nem todos os que falavam como um profeta naqueles dias eram movidos pelo Espírito Santo. Alguns eram “falsos profetas” que se disfarçavam como mensageiros de Deus e faziam a obra do inimigo “entre o povo” (1 Rs 18:19, 22:6; 2 Rs 10:19; Jr 28:10-17, 29:30-32, etc.). Pedro diz que seria exatamente o mesmo no Cristianismo; a corrupção entraria por meio de homens maus empenhados em sua trajetória para alcançar posições de influência, e então, usando sua influência para introduzir o mal. Assim, o abandono indiscriminado de Deus que caracterizaria a massa na profissão Cristã nos últimos dias, viria por meio de líderes corrompidos.
O fato de ele dizer que esses “falsos doutores” se levantariam “entre vós” mostra que essa corrupção não viria dos que estão de fora da profissão Cristã, que rejeitam o evangelho, mas daqueles que estão dentro do testemunho Cristão, que receberam o evangelho de forma professa! Ele diz que esses homens fariam seu trabalho “encobertamente” – ou “secretamente”, como muitas traduções o fazem. Isso significa que eles usariam dissimulação e engano para alcançar seus objetivos. Pedro não nos ocupa com os detalhes de suas más doutrinas – tal ocupação seria inútil e contaminante –, mas adverte os santos de que isso estava chegando. Em retrospecto, sabemos que isso é exatamente o que aconteceu.
Pedro diz que esses obreiros malignos conduziriam seus seguidores a “heresias destrutivas”. A heresia é uma divisão exterior no testemunho Cristão, onde uma parte se separa de outra como uma companhia distinta. Esses grupos geralmente adotam um nome religioso para se distinguirem e terão suas próprias regras e regulamentos para governar as pessoas envolvidas neles. Assim, “heresia” é a criação de uma “seita” entre os Cristãos, e é traduzida como tal em 1 Coríntios 11:19 na tradução J. N. Darby. É um mal que emana da carne – a natureza caída pecaminosa (Gl 5:20). Na Escritura, isso é aplicado às divisões que se desenvolveram na religião dos judeus (At 5:17, 15:5, 24:5, 26:5) e divisões que se desenvolveriam no Cristianismo (1 Co 11:19; Gl 5:20; 2 Pe 2:1). Uma pessoa que cria uma divisão exterior desse tipo entre os Cristãos, é um “herege” (Tt 3:10).
Heresia é comumente vista como uma má doutrina e foi popularizada como tal pela igreja católica romana. Historicamente, esse sistema rotulou como hereges todos que não guardavam suas doutrinas. Os que ensinam sobre a Bíblia às vezes usam o termo dessa maneira, em referência a erro doutrinário, mas estão falando convencionalmente. Heresia, quanto ao seu significado e uso bíblico, não necessariamente envolve má doutrina. G. V. Wigram nos diz que o pior e mais difícil tipo de heresia a ser tratado não é aquele que envolve má doutrina, mas o espírito de partidarismo e de divisão, está lá (Memorials of the Ministry of G. V. Wigram, vol. 2, pág. 91). A heresia tornou-se sinônimo de má doutrina na mente da maioria dos Cristãos, porque os hereges geralmente formam sua seita em torno de má doutrina.
Pedro diz que esses homens hereges “negarão o Senhor [Mestre] que os resgatou [comprou], trazendo sobre si mesmos repentina perdição”. Alguns pensam que isso significa que esses homens foram uma vez salvos, mas porque negaram o Senhor, perderam a salvação de sua alma, e, como tal, serão julgados juntamente com todo o resto do mundo que rejeitar o evangelho. No entanto, isso não é o que Pedro está dizendo; tal noção nega a segurança eterna do crente – uma doutrina a qual a Escritura ensina claramente (Lc 15:3-6; Jo 6:37-40, 10:28-29; Rm 8:30-39; 1 Co 1:7-8; Fp 1:6; Hb 13:5; 1 Pe 1:5, etc.). Mesmo que esses homens assumam um papel de liderança entre o povo de Deus como doutores, eles não serão verdadeiros crentes (Mt 7:21-23). Sendo impostores, eles dizem que Cristo é seu “Mestre”, mas não o seu Senhor e Salvador (Veja também Judas 4). Tal classe de homens são as pessoas mais responsáveis na Terra, porque conhecem o evangelho e professam ter nele crido, mas não são verdadeiros. Visto que esses homens se apresentarão como doutores e transitarão entre a verdade Cristã (a maior luz que Deus já deu ao homem) com um propósito de promover suas próprias ambições carnais, seu juízo será o maior de todos (Lc 12:47-48).
Pensar que este versículo está ensinando que esses homens perderam a salvação da alma denuncia uma ignorância da diferença bíblica entre “comprado” e “redimido”. Comprado se refere ao que Cristo fez na cruz para comprar todas as pessoas e todas as coisas no mundo. Ele provou a morte por “todas as coisas” e assim pagou o preço para ser o Mestre de tudo (Hb 2:9 – JND). Como o Senhor indicou em uma parábola em Mateus 13, Ele comprou “o campo”, que, como Ele explica, é o mundo todo e todos os que nele existem (Mt 13:38, 44). Isso não significa que todos os homens são salvos, mas que todos pertencem a Ele. Comprado indica que houve uma mudança de propriedade (uma mudança de senhores), mas não necessariamente uma mudança na condição perdida de uma pessoa. Redimido vai além do comprado para incluir ser libertado. Esta é uma bênção que é introduzida “pela fé no seu sangue” (Rm 3:24-25). Isto é, todos os que em fé confirmam que Cristo na cruz os comprou, são consequentemente redimidos e, como tais, são libertados da pena e do julgamento de seus pecados (Ef 1:7; 1 Pe 1:18-19). Esses falsos doutores de que Pedro fala aqui, foram “comprados”, mas não diz que foram “redimidos” porque negaram aqu’Ele que fez a compra.
Seus Maus Caminhos
Vs. 2-3 – Pedro então nos informa de seus maus caminhos. Ele diz: “E muitos seguirão as suas dissoluções, pelos quais será blasfemado o caminho da verdade. E por avareza farão de vós negócio com palavras fingidas [bem moldadas – JND]”. O fato de que “muitos” seguirão esses falsos doutores mostra que esses movimentos heréticos não seriam esforços em baixa escala; eles atrairão muitos seguidores. Ao dizer que a “avareza” vai desempenhar um papel nesses movimentos religiosos, mostra que esses doutores estarão no “ministério” para ganhos pessoais, embora ocultem inteligentemente seus motivos. Eles usarão “palavras bem moldadas” para minar a verdade e disseminar seu erro. Seu truque favorito é redefinir os termos e expressões bíblicas, colocando suas próprias falsas interpretações sobre eles. Esses falsos doutores farão “negócio” de pessoas pobres que se juntam às suas heresias destrutivas. Isso mostra que o dinheiro terá uma grande parte nisso. Pedro nos garante que o “juízo” está esperando por eles e é bem merecido.
Sua Condenação
Vs. 4-9 – O Apóstolo traz três exemplos da história que provam que esse tipo de iniquidade será justamente recompensado com uma intervenção do julgamento divino.
Em primeiro lugar, há os “anjos” que pecaram na época do dilúvio. Eles tentaram coabitar com as filhas dos homens e criar uma espécie de raça superior (Gn 6:2-4), mas Deus interveio e os lançou no “abismo mais profundo da escuridão” (JND) (Tártaro) onde eles aguardam o grande dia do julgamento (Jd 6). Naquele dia, eles – junto com o diabo e todos os outros anjos caídos – serão lançados no “lago de fogo”, que é o inferno (Mt 25:41; Ap 20:10). Este versículo 4 não está se referindo à queda de Satanás e de seus anjos, quando eles foram expulsos da morada de Deus (Ez 28:11-19). Está se referindo a alguns dentre aqueles anjos caídos se engajando nesta grande iniquidade na época do dilúvio e, consequentemente, sendo levados e confinados no abismo. O restante dos anjos caídos ainda está solto e fazendo o seu trabalho maligno. Eles também serão capturados e lançados no abismo quando Cristo aparecer (Is 24:21-22; Ap 20:1-3). Eles permanecerão lá durante do Milênio até o grande dia do julgamento no final dos tempos, quando serão lançados no lago de fogo (Ap 20:10).
Em segundo lugar, há os incrédulos que viveram na época do dilúvio que foram julgados por Deus quando as águas fizeram transbordar “o mundo de então” (cap. 3:6). O juízo veio sobre eles porque recusaram a mensagem de Noé, “pregoeiro [arauto] da justiça”. Quando o juízo chegou, Noé e sua família foram livrados pela misericórdia de Deus no abrigo da arca (v. 5).
Em terceiro lugar, há os homens de Sodoma e Gomorra, que foram julgados por Deus, lançando fogo e enxofre sobre eles (vs. 6-8). Assim como a família de Noé foi poupada, também foi “Ló”. Ele escapou da cidade antes do juízo cair (Gn 19). Pedro não chama Ló de piedoso, mas ele diz que ele era “justo”, porque era um homem que tinha fé em Deus. Ele tinha uma alma salva, mas, infelizmente, uma vida perdida, porque ele escolheu viver para as coisas do mundo e não para as coisas de Deus. Consequentemente, ele perdeu tudo pelo que ele viveu! O versículo 8 nos diz que Ló viveu uma vida infeliz em Sodoma; sua alma era “afligida” diariamente pela corrupção que o rodeava. Sua vida é um aviso para todos os Cristãos que buscam o mundo e que vivem para ele (1 Co 3:15), e sua esposa é um aviso para todos os crentes meramente professos (Lc 17:32).
V. 9 – Pedro conforta nossos corações lembrando-nos de que “Assim, sabe o Senhor livrar da tentação os piedosos, e reservar os injustos para o dia de juízo, para serem castigados”. Isso mostra que o Senhor fará separação na desordem e confusão no testemunho Cristão, pois Ele sabe quem é verdadeiro e quem não é (2 Tm 2:19). Se formos verdadeiramente exercitados sobre sermos preservados em um dia mau, independentemente de quão tenebrosos e difíceis possam ser os tempos, podemos contar com Deus para fazê-lo.
Seu Caráter
Vs. 10-17 – Nesta próxima série de versículos, Pedro mostra que a má doutrina leva à má prática. É um fato que a má doutrina afeta os caminhos morais da pessoa (2 Tm 2:16). Pedro despoja esses falsos mestres de suas túnicas, mostrando-nos como é sua verdadeira condição moral diante de Deus. O propósito de sua exposição não é ocupar os santos com o fracasso e o mal – pois aqueles que estão ocupados com o fracasso se tornam um fracasso – mas simplesmente nos mostrar a seriedade de sustentar uma doutrina errônea e ao que ela leva.
Sendo caracterizados pela insubmissão, esses homens se levantam contra toda autoridade – humana, angelical ou divina (vs. 10-11). Eles atacam a “verdade” (v. 2) e “falando mal daquilo em que são ignorantes” (v. 12 – ARA). Consequentemente, eles receberão “o galardão da injustiça” em um dia vindouro de juízo (vs. 13). Tendo “olhos cheios de adultério” e coração “exercitado na avareza”, eles são “filhos de maldição” (v. 14). Tendo “deixado o caminho direito”, eles “erraram” seguindo o “caminho de Balaão”, que é buscar riquezas e honra neste mundo (v. 15). Balaão foi repreendido, e esses falsos mestres serão repreendidos também por meio do julgamento de Deus (v. 16). Eles são “fontes sem água”, prometendo grandes coisas ao seu público, quando eles realmente não têm nada para oferecer espiritualmente (v. 17).
Ao dizer que esses maus mestres estariam “entre vós” (v. 1) e “convosco” (v. 13), poderíamos nos perguntar por que Pedro não teria instruído os santos a “julgar” seu ministério pelo que é, e excomungá-los (1 Co 10:15, 14:29), pois certamente nenhuma assembleia que é biblicamente reunida deve permitir que tal maldade exista em seu meio (1 Co 5:11-13; Gl 5:7-12 ). No entanto, Pedro não estava usando as palavras “entre” e “com” para indicar a comunhão dos santos à Mesa do Senhor, mas para indicar a associação externa dos santos com tudo o que existe sob a bandeira Cristã. Esses homens não estarão em comunhão à mesa do Senhor; sendo hereges, eles sairão da comunhão dos santos e iniciarão suas próprias seitas na Cristandade.
Seus Convertidos
Vs. 18-22 – Uma mudança no uso dos pronomes que ocorrem nos últimos versículos do capítulo indica que Pedro se voltou para falar das vítimas desses falsos doutores. Ele vinha usando as palavras “estes” e “eles” para se referir aos doutores, mas agora nesses versículos ele fala de “aqueles” e “lhes” que engolem seus maus ensinamentos. Ele diz: “Porque, falando coisas mui arrogantes de vaidades, engodam com as concupiscências da carne, e com dissoluções, aqueles **que se estavam afastando dos que andam em erro; Prometendo-**lhes liberdade, sendo eles mesmos servos da corrupção. Porque de quem alguém é vencido, do tal faz-se também servo [escravo]”. Isso mostra que há certo tipo de pessoas que se inclinam para esses maus ensinamentos. Estas são “almas inconstantes [não-estabelecidas – JND]” (v. 14) que são caracterizadas pelas “concupiscências da carne” e “dissoluções [libertinagem – KJV]” (v. 18). Insatisfeitos com as coisas que eles perseguiram no mundo, se voltam para a religião, e sendo de tal caráter como Pedro descreve, serão atraídos para o que esses homens ensinam (2 Tm 4:3-4). Os falsos doutores encorajarão essas pobres almas a se entregarem à “liberdade” a que eles mesmos se entregam – que não é a verdadeira liberdade Cristã (Gl 5:1), mas a liberdade pela carne (Gl 5:13). Ao fazê-lo, eles são levados para a mesma escravidão em que estão os doutores (v. 19).
Vs. 20-21 – Pedro continua nos mostrando o quanto essas pessoas são responsáveis. Elas entrarão na profissão Cristã e, assim, momentaneamente “escaparão das corrupções do mundo”. Ao assumir essa posição, elas serão iluminadas “pelo conhecimento do Senhor e Salvador Jesus Cristo”. Isso não significa que elas serão salvas, pois o conhecimento de Cristo e a fé em Cristo são duas coisas diferentes: o conhecimento traz iluminação (Hb 6:4), mas a fé traz salvação (Ef 2:8). Não estando satisfeitos com este conhecimento de Cristo, e não tendo fé, eles se desviarão d’Ele e apostatarão. Como resultado, eles se tornarão “envolvidos” nos erros desses falsos doutores e serão “vencidos”.
Pedro diz que “o último estado [se tornou] pior do que o primeiro”. Isso ocorre porque no seu “primeiro” estado – antes de se identificarem com o Cristianismo – eles eram menos responsáveis. Mas tendo assumido um lugar no testemunho Cristão em que há grandes privilégios e muita luz espiritual, eles se tornaram mais responsáveis, pois quanto maior a luz que alguém recebeu, maior se torna sua responsabilidade (Lc 12:47-48). Desviar-se da luz que alguém professou ter recebido apenas traz maior juízo em seu “fim”. Pedro, portanto, argumenta que seria “melhor lhes fora não conhecerem o caminho da justiça, do que, conhecendo-o, desviarem-se do santo mandamento que lhes fora dado”.
V. 22 – Ele aponta para dois animais impuros, de acordo com a ordem levítica, que ilustram a verdadeira condição desses Cristãos meramente professos. Ser iluminado com o conhecimento de Cristo não os mudou. Como um “cão” que “voltou ao seu próprio vômito, e a porca lavada ao espoja douro de lama”, essas pessoas provam que nada mudou nelas ao voltarem para seu antigo modo de pecar (Pv 26:11). A lavagem de que Pedro fala aqui é algo superficial – a limpeza da vida exterior – não é uma limpeza interior da alma resultante do novo nascimento (Jo 3:5, 13:10; 1 Co 6:11) e salvação (1 Jo 1:7; Ap 1:5). Assim, essas pessoas passarão por uma reforma externa, mas não durará muito, porque não houve uma reforma interna de Deus em suas almas em conversão (Lc 8:13).
Resumindo o capítulo 2, Pedro previu a ascensão de falsos doutores dentro do testemunho Cristão que ensinarão coisas pervertidas e, como resultado, trarão heresias destrutivas pelas quais a massa de Cristãos professos, cairia em mundanismo, iniquidade e corrupção. Vivendo em nossos dias, vemos que isso é exatamente o que aconteceu na Cristandade.
O FIM DA CRISTANDADE, DO MUNDO, E DA CRIAÇÃO
Capítulo 3
Neste último capítulo, Pedro mostra que o governo de Deus levará tudo na Cristandade e no mundo ao seu fim apropriado. No dia do Senhor, todo mal será julgado, e todos nos céus e na Terra serão reorganizados de acordo com a vontade de Deus, para a glória de Deus e para a bênção eterna do homem.
A Importância de se ter a Palavra de Deus Sempre na Lembrança
Vs. 1-2 – Tendo, no capítulo 2, estabelecido o caráter do mal que entraria no testemunho Cristão por meio de falso ensino, neste capítulo 3, Pedro menciona outra coisa que marcaria a Cristandade nos últimos dias – incredulidade. Com isto em vista, Pedro ocupa-se em preparar os santos para os tempos tenebrosos à frente. Ele diz: “Amados, escrevo-vos agora esta segunda carta em ambas as quais desperto com exortação [por lembranças – KJV] o vosso ânimo sincero [a vossa mente pura – JND]; Para que vos lembreis das palavras que primeiramente foram ditas pelos santos profetas, e do mandamento do Senhor e Salvador, mediante os vossos apóstolos”. Todo crente, por meio do novo nascimento, tem uma mente “pura”, mas Deus quer que sejamos exercitados sobre manter nossas mentes puras em um sentido prático. Este é realmente um desafio considerável, e especialmente para aqueles que vivem nos últimos dias, quando a corrupção se intensificará de todos os lados. Pedro indica aqui que isso é feito com base no princípio da substituição. Devemos ter nossas mentes cheias da verdade que Deus nos deu – tanto nos escritos dos “santos profetas” (o Velho Testamento) quanto no “mandamento do Senhor e Salvador, mediante os vossos apóstolos” (o Novo Testamento). Quando nossos corações e mentes estão cheios da Palavra de Deus, não há espaço para a corrupção entrar. Isso significa que precisamos estar ocupados com o que é positivo e animador, não com o que é negativo e corrompedor. E onde mais podemos ir para isso, senão para as Sagradas Escrituras? Não há nada tão santificador para a alma do crente do que ter sua mente saturada com a Palavra de Deus (Jo 17:17).
Pedro não nos diz para procurarmos alguma nova revelação da verdade, mas para estarmos mais intimamente familiarizados com a verdade que Deus deu em ambos os Testamentos. Devemos mantê-la “na lembrança”, repetindo-a várias vezes, porque tão facilmente nos esquecemos. Isso mostra que há valor na repetição. Estando equipados com tal conhecimento, seremos capazes de discernir os falsos ensinos dos homens. Assim, o caminho para enfrentar os perigos do dia é conhecendo e andando na verdade; isso é nossa maior defesa contra os erros da Cristandade.
Vs. 3-4 – Pedro então explica porque é importante ter a verdade sempre na lembrança – haveria um ataque à verdade por aqueles que professam ser Cristãos! Pedro nos dá um exemplo: “Sabendo primeiro isto: que nos últimos dias virão escarnecedores, andando segundo as suas próprias concupiscências, E dizendo: Onde está a promessa da Sua vinda? porque desde que os pais dormiram todas as coisas permanecem como desde o princípio da criação”. Assim, o falso ensino na Cristandade produzirá uma geração de crentes meramente professos, que negarão abertamente e zombarão da verdade – especialmente a verdade da vinda de Cristo.
Parece difícil acreditar que aqueles que professam ser Cristãos se oporiam às declarações claras da Escritura sobre a segunda vinda de Cristo. Mas vivendo nos “últimos dias”, como estamos hoje, podemos ver em retrospecto como isso aconteceu. Um grande setor da profissão Cristã (protestantismo neo-ortodoxo, unitarismo, etc.) se entregou à chamada “Alta Crítica”, que levou estudiosos a concluírem que muitas partes da Bíblia não são divinamente inspiradas – tais como os primeiros dez capítulos de Gênesis, a história de Jonas, etc. Isso enfraqueceu a confiança das massas da Cristandade quanto à confiabilidade da Escritura, e dessa infidelidade saiu quem zomba da Palavra de Deus. Pedro diz que a razão pela qual eles zombam do pensamento da vinda do Senhor é porque (dizem eles) “todas as coisas permanecem como desde o princípio da criação”.
Três Intervenções Catastróficas de Juízo
Vs. 5-7 – Pedro expõe a loucura do raciocínio deles ao afirmar que todas as coisas não permaneceram desde o princípio sem intervenções divinas de juízo. Ele aponta para dois desses juízos catastróficos na história e nos diz que há um terceiro juízo que ultrapassará em muito as proporções dos outros dois. Ele diz: “Eles voluntariamente ignoram isto: que pela Palavra de Deus já desde a antiguidade existiram os céus, e a Terra, que foi tirada da água e no meio da água subsiste. Pelas quais coisas pereceu o mundo de então, coberto com as águas do dilúvio. Mas os céus e a Terra que agora existem pela mesma Palavra se reservam como tesouro, e se guardam para o fogo, até o dia do juízo, e da perdição dos homens ímpios”.
O versículo 5 é uma referência a uma intervenção primitiva do juízo de Deus que deixou a Terra no estado caótico “tendo sua subsistência fora da água e na água” (JND). Essa cena lacustre3 é descrita em Gênesis 1:2. Alguns pensam que este versículo 5 se refere ao dilúvio nos dias de Noé, mas se fosse esse o caso, isso contradiria o relato de Gênesis sobre o dilúvio. Gênesis 7:19-20 afirma que as águas do dilúvio cobriram completamente a Terra; não havia pedaços de Terra “subsistindo fora da água e na água”, como diz o versículo 5. Este versículo, portanto, deve estar se referindo a algo diferente do dilúvio. Como Pedro fala disso antes de descrever o dilúvio no versículo 6, ele deve estar falando de algo que aconteceu antes do dilúvio. O que mais poderia ser senão Gênesis 1:2? Muitos que ensinam sobre a Bíblia relacionam isso com Gênesis 1.
A descrição da Terra no versículo 5 pode não se parecer com a descrição dada em Gênesis 1:2 quando comparada, mas realmente não há dificuldade em reconciliar as duas passagens quando lembramos que a Bíblia é uma revelação progressiva da verdade. Isto é, o que é dado no Velho Testamento é frequentemente expandido no Novo, onde mais detalhes são dados. Este, acreditamos, é o caso de 2 Pedro 3:5. A partir da leitura de Gênesis 1:2, poderíamos ter pensado que as águas cobriram a Terra, mas olhando mais de perto a passagem, vemos que ela não diz isso. Pode-se argumentar que não foi até o terceiro dia que a terra emergiu das águas. Novamente, a Escritura não diz isso; diz que a Terra ficou “seca” no terceiro dia. (A palavra “terra” em Gênesis 1:9-10 está em itálico, indicando que não está no texto hebraico.) Colocando as duas passagens juntas, nos damos conta de que a condição da Terra quando era “sem forma e vazia”, era de um terreno vazio parcialmente submerso.
No versículo 6, Pedro fala de uma segunda intervenção do juízo divino, que é inquestionavelmente o dilúvio nos dias de Noé. W. Kelly comentou: “A passagem diante de nós [vs. 5-6] é aplicada por alguns apenas à constituição primitiva da Terra, por outros, é aplicada ao dilúvio. Está bem claro que o apóstolo olha de forma sucessiva para cada um” (The Second Epistles of Peter, pág. 165). Uma vez que a “Alta Crítica” nega a inspiração divina dos dez primeiros capítulos do Gênesis, podemos ver por que esses chamados estudiosos diriam que nada mudou desde o início da criação; Os dois juízos que Pedro cita nos versículos 5-6 são ambos registrados nos primeiros capítulos de Gênesis, os quais eles não aceitam!
No versículo 7, Pedro aponta para uma terceira intervenção do juízo que ainda está por vir. Ele nos diz que o instrumento que Deus usará neste juízo vindouro não será a água como no dilúvio, mas o “fogo”. Além disso, este juízo tocará tudo em “os céus e a Terra”, ao contrário do dilúvio que afetou apenas a Terra. Assim, tudo o que colocamos nossos olhos nesta criação está “guardado para o fogo”. Este terceiro juízo não ocorrerá na segunda vinda de Cristo; no entanto, a vinda de Cristo, que esses homens negam, é tão certa quanto a própria Palavra de Deus. De fato, a vinda de Cristo é declarada em 23 dos 27 livros do Novo Testamento! – Gálatas, Filemom, 2 e 3 João são as exceções. Negar que Cristo virá novamente, como fazem os zombadores, é uma prova clara da ofensiva infidelidade que existe nestes últimos dias.
Vs. 8-9 – Quanto ao tempo em que Cristo virá, Pedro explica que Deus não conta o tempo como os homens. Ele diz: “Mas, amados, não ignoreis uma coisa: que um dia para o Senhor é como mil anos, e mil anos como um dia”. (Veja também Salmo 90:4.) Assim, enquanto os infiéis deste mundo “voluntariamente ignoram” (v. 5), que os santos não sejam “ignorantes” em relação a estas coisas (v. 8). No cálculo de Deus, o tempo da ausência de Cristo deste mundo tem sido de apenas dois dias, o que não é tão longo! Pedro nos diz que a razão para a pequena demora é que Deus é misericordioso! Está claro na Escritura que quando Cristo vier (Sua Aparição), será para executar julgamento sobre os pecadores ímpios deste mundo (Jd 14-15) – pois Deus não permitirá que as coisas continuem em seu estado atual indefinidamente. Ele diz: “O Senhor não retarda a Sua promessa, ainda que alguns a têm por tardia; mas é Longânimo para convosco, não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se”. Assim, o lapso de tempo em relação à vinda de Cristo é uma prova da longânime misericórdia de Deus, e não Sua incapacidade de fazê-la acontecer. Se os ímpios pecadores deste mundo estivessem em sã consciência e entendessem isso, estariam agradecendo a Deus que a vinda de Cristo tem sido adiada.
O Dia do Senhor
V. 10 – Estejamos seguros. Cristo voltará e o juízo será executado no dia do Senhor. Naquele dia, haverá um encerramento de tudo relacionado com esta presente criação e um início de uma nova ordem de coisas nos novos céus e na nova Terra. Pedro diz: “Mas o dia do Senhor virá como o ladrão de noite; no qual os céus passarão com grande estrondo, e os elementos, ardendo, se desfarão, e a Terra e as obras que nela há, se queimarão”. Nesta declaração, ele fala de dois eventos futuros que acontecem no “Dia do Senhor” – a vinda do Senhor como “o ladrão de noite”, que é a Sua Aparição (Mt 24:43-44; Lc 12:39-40; 1 Ts 5:2; Ap 3:5 16:15) e a dissolução dos “elementos” da criação material, que acontece, no cálculo de tempo do homem, mil anos depois (Ap 20:4-21:8). Assim, Pedro nos mostra que “o Dia do Senhor” não é um dia de 24 horas, mas um período de mil anos, quando Cristo exercerá a autoridade do Seu Senhorio sobre o mundo. Isso, como ele explicou no versículo 8, é apenas “um dia” para o Senhor. Ele não fala do Milênio aqui, que virá entre esses dois eventos, mas passa por cima disso para se concentrar no momento em que Deus cumprirá Sua Palavra na dissolução de todas as coisas. Portanto, Cristo aparecerá no início do Dia do Senhor, e no final daquele dia que Ele efetuará uma dissolução de tudo na criação material (Mt 24:35; Hb 1:11-12; 2 Pe 3:7, 10-12; Ap 20:11b, 21:1).
O Efeito Prático Que Essas Coisas Deveriam Ter Sobre Nós
Vs. 11-16 – Tendo nos informado sobre as coisas que estão por vir, na última parte do capítulo, Pedro se volta para falar do efeito prático que essas coisas devem ter em nossas vidas, e nos exorta para esse fim. Assim, seu propósito em mencionar eventos futuros é intensamente prático.
Vs. 11 – Ele pergunta retoricamente: “Havendo pois de perecer todas estas coisas, que pessoas vos convém ser em santo trato [maneira de vida], e piedade?” O primeiro efeito que essas coisas devem ter sobre nós é para produzir um exercício para viver piedosamente no pouco que nos resta. Assim, o conhecimento da profecia nos foi dado não meramente para construirmos um calendário de eventos futuros em nossas mentes, mas também para construir um sólido caráter Cristão em nossas vidas.
O Dia de Deus
Vs. 12-13 – Pedro continua: “Aguardando, e apressando-vos para a vinda do dia de Deus, em que os céus, em fogo se desfarão, e os elementos, ardendo, se fundirão? Mas nós, segundo a Sua promessa, aguardamos novos céus e nova Terra, em que habita a justiça”. Saber que estas coisas estão vindo, não deveria produzir prostração em nós, mas uma ardente expectativa por essas coisas. Sua lógica é simples e pungente; se vai haver uma destruição de tudo o que é material, devemos estar vivendo para coisas espirituais que são eternas, em vez de coisas presentes que vão passar.
“O Dia de Deus” é o Estado Eterno, que segue o Milênio. Existem apenas três lugares na Escritura onde o Estado Eterno é descrito – 1 Co 15:24-28; 2 Pe 3:12-13; Ap 21:1-8. Além de ser chamado de Dia de Deus, também é chamado de “Dia da Eternidade” (v. 18) e “séculos dos séculos” (Gl 1:5 – TB; Ef 3:21; Fp 4:20; 1 Tm 1:17, 2 Tm 4:18, Hb 1:8, 13:21; 1 Pe 4:11, 5:11; Ap 1:6, 18, 4:9-10, 5:13, 7:12, 10:6, 11:15, 15:7, 19:3, 20:10, 22:5). Este dia eterno é uma das três coisas futuras pelas quais devemos estar “aguardando”:
- A “bem aventurada esperança” – o Arrebatamento (Tt 2:13a). - O “aparecimento da glória” de Cristo (Tt 2:13b). - O “dia de Deus” (2 Pe 3:12).
Pedro diz que não devemos estar apenas “aguardando” por aquele dia eterno com ardente expectativa, mas também devemos estar “apressando a vinda do Dia de Deus”!(ARA) O que isto significa? De que maneira podemos apressar a vinda daquele dia? Teólogos Reformados (Pacto) nos dizem que isso significa que precisamos nos ocupar com o trabalho evangelístico e converter o mundo a Deus, pois o Senhor não virá até que isso seja feito. Ao sermos tão engajados, “aceleramos” (NIV) a Sua vinda e a realização de Seus propósitos. Mas isso não é verdade; o tempo de Sua chegada está definido no horário perfeito de Deus, não podemos apressá-la. Além disso, os versículos 12-13 não estão falando da promessa da vinda do Senhor como esses teólogos imaginam, mas da “promessa” da vinda do Dia de Deus – o Estado Eterno. Não é que podemos fazer sua hora chegar mais depressa do que Deus ordenou, mas se vivêssemos moral e espiritualmente como se estivéssemos agora naquele dia, quanto à nossa experiência, o traríamos para mais perto de nós pessoalmente.
A frase “novos céus e nova Terra” é emprestada de Isaías 65:17, 66:23, mas aqui está se referindo ao reino milenar de Cristo. Isso pode ser visto no fato de que o pecado e a morte são vistos naquelas passagens como estando ainda presentes. Em Isaías, a expressão é usada figurativamente para descrever a nova ordem moral da vida que se fará cumprir por meio da justiça reinando naquele dia (Is 32:1, 61:11). O Senhor Se referiu a ela como “a regeneração” (Mt 19:28). Aqui, em 2 Pedro 3, o termo envolve não apenas uma nova ordem moral (que deveria ser exibida pelos Cristãos agora – Tt 3:5), mas também uma nova criação física dos céus e da Terra.
Pedro acrescenta: “em que habita a justiça”. Hoje, no tempo da ausência de Cristo, a justiça sofre porque o pecado é abundante em toda parte. A graça reina por meio da justiça no coração do crente (Rm 5:21), mas publicamente, em todos os aspectos da vida no mundo, a justiça sofre. Mas quando Cristo aparecer e julgar este mundo em justiça (At 17:31), Ele estabelecerá Seu reino milenar onde reinará a justiça (Is 32:1). O pecado ainda existirá na criação, mas será subjugado. Se e quando o pecado for manifestado, será julgado (Sl 101). Quando o Dia de Deus (o Estado Eterno) for introduzido, a justiça habitará em perfeito repouso, pois o pecado e a morte serão erradicados (1 Co 15:26; Ap 21:4). Não haverá necessidade de impor justiça naquele dia porque tudo será ordenado de acordo com a mente de Deus.
Vs. 14-15a – Pedro então se dirige à nossa vida exterior diante do mundo em vista de compartilhar o evangelho com os perdidos. Ele diz: “Pelo que, amados, aguardando estas coisas, procurai que d’Ele sejais achados imaculados e irrepreensíveis em paz. E tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor”. Nós vemos desta declaração que é importante que nossas vidas estejam corretamente ordenadas diante do mundo, se esperamos que eles recebam o que dizemos a respeito de sermos salvos. A obra do evangelho sem uma vida que apoie o que dizemos perderá poder e sinceridade. Devemos, portanto, primeiro viver em “paz” com nosso próximo (sem comprometer os princípios Cristãos) e “sermos achados imaculados e irrepreensíveis” diante deles. Quando esse é o caso, podemos usar nosso tempo proveitosamente ao compartilharmos o evangelho, e isso pode resultar na “salvação” deles. Assim, a demora da vinda do Senhor e da vinda do Dia de Deus, se corretamente entendidas, não torna os crentes descuidados, mas os motiva para a vida piedosa (v. 11), a expectativa sincera (vs. 12-13) e o serviço diligente (vs. 14-15a).
Três Céus e a Terra
Revisando, Pedro falou de três diferentes “céus e a Terra” neste capítulo:
- Os céus e a Terra que eram “da antiguidade” (v. 5). Esta é a criação original que passou pelo caos por meio do juízo de Deus (Gn 1:1-2). - Os céus e a Terra que “agora existem”, que é a Terra reconstruída e os céus descritos em Gênesis 1:3-2:3. Isto está atualmente esperando para ser dissolvido com fogo no final dos tempos (vs. 6-7). - “Novos céus” e Terra no Estado Eterno que ainda está para ser criado (vs. 13; Ap 21:1-8).
A Importância das Epístolas de Paulo
Vs. 15b-16 – Ao encerrar a epístola, Pedro aproveita a oportunidade para endossar as epístolas de Paulo e encorajar os santos a recebê-las. Ele diz: “Como também o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada; Falando disto, como em todas as suas epístolas, entre as quais há pontos difíceis de entender, que os indoutos [ignorantes – JND] e inconstantes [mal estabelecidos – JND] torcem e igualmente as outras Escrituras, para sua própria perdição”. É afável ver Pedro chamando carinhosamente Paulo de “amado”. Depois da repreensão pública de Paulo a Pedro em Antioquia (Gl 2:11-21), Pedro poderia muito bem nutrir sentimentos de ressentimento em relação a ele, mas isso mostra que esse não era o caso. Pedro então diz aos santos que as coisas que ele lhes ensinou foram “também” ensinadas por Paulo em “suas epístolas”. Isso mostra que o ministério deles é complementar. Assim, as coisas que Pedro havia escrito em suas epístolas não eram uma opinião particular sua.
Pedro também faz referência a Paulo ter “escrito” uma epístola aos santos judeus. A maioria, se não todos, dos que ensinam sobre a Bíblia de forma confiável dizem que isso é uma alusão à epístola aos Hebreus. Pode ser perguntado se já que Paulo é o escritor dessa epístola, por que ele não se apresentou em sua forma normal como um apóstolo, como faz em suas outras epístolas? Há pelo menos três razões pelas quais não o fez: Primeiro, porque o apostolado de Paulo era exclusivamente para o seu trabalho entre os gentios (Rm 11:13, 15:16; Gl 2:8). Ele não tinha autoridade para se dirigir a seus compatriotas como apóstolo. Isso não significa que Paulo não pudesse se dirigir a seus irmãos judeus; é apenas que ele não poderia fazê-lo com autoridade apostólica; portanto, seu apostolado não é mencionado. Uma segunda razão pela qual ele não mencionou seu apostolado foi porque o encargo do Espírito de Deus em Hebreus é apresentar a Cristo como o Grande “Apóstolo” de nossa confissão (Hb 3:1). Paulo mencionar seu apostolado poderia tê-los distraído a esse respeito. Ele queria que seus leitores entendessem que a mensagem na epístola vinha de Alguém que era um Apóstolo muito maior do que ele próprio (caps. 1:2, 12:24-25). Paulo, portanto, alegremente permanece em segundo plano, a fim de trazer Cristo para o primeiro plano de uma forma mais notória. Uma terceira razão é que, se a epístola, que foi escrita aos judeus crentes, caísse nas mãos de judeus incrédulos, e esses soubessem que seu autor era Paulo, eles nunca a teriam recebido. Eles teriam descartado tudo imediatamente porque o viam como um renegado do judaísmo.
Pedro reconhece que para uma pessoa vinda de um contexto judaico, a doutrina de Paulo (especialmente seu ensinamento dispensacionalista) seria “difícil de entender” – não no sentido de abraçar intelectualmente o que ensinava, mas de aceitar que ela vinha verdadeiramente de Deus. A verdade a respeito de Deus colocar Israel temporariamente de lado por causa da rejeição do Messias por parte dos judeus (Mi 5:1-3, etc.), e, um consequente alcance para com os gentios por meio do evangelho, para levá-los a uma bênção maior na Igreja, do que jamais fora oferecido a Israel (At 15:14, etc.) era algo difícil de eles acreditarem. Pedro também reconhece que houve um ataque presente à doutrina de Paulo por homens que eram “indoutos [ignorantes – JND] e inconstantes [mal estabelecidos – JND]”. Esses ataques só se intensificaram em nossos dias.
Ao falar sobre isso, Pedro coloca as epístolas de Paulo entre “as outras Escrituras”. Isso significa que ele as viu como sendo divinamente inspiradas, e as endossou como tais. Sendo Escritura, os santos devem receber a doutrina de Paulo da mesma maneira que os Bereanos – “de bom grado” (At 17:10-12).
Duas Admoestações Finais
Vs. 17-18 – Encerrando a epístola, Pedro faz duas admoestações finais: Uma é uma advertência contra tornar-se afetado pela apostasia que caracterizaria os últimos dias. Ele diz: “guardai-vos de que, pelo engano dos homens abomináveis, sejais juntamente arrebatados, e descaiais da vossa firmeza”. Não é que os verdadeiros crentes possam apostatar (abandonar a fé Cristã), mas eles podem ser levados “juntamente” com a corrente da apostasia e abandonar certos princípios e práticas bíblicos que um dia sustentaram. Essa era a preocupação de Pedro. A outra é uma palavra de encorajamento para continuar na verdade e assim “crescei na graça e conhecimento de nosso Senhor e Salvador, Jesus Cristo”. Ele merece toda a glória e louvor, “assim agora, como no dia da eternidade. Amém”
.
CONTRACAPA
Desde os primórdios do Cristianismo, quando as coisas nos caminhos de Deus estavam em transição (dispensacionalmente) do judaísmo ao Cristianismo, havia uma necessidade de que os judeus crentes em Cristo fossem instruídos neste novo início de Deus. É por isso que as epístolas hebraico-Cristãs (Hebreus, Tiago, 1 e 2 Pedro) foram escritas e incluídas no cânon das Escrituras.
Várias coisas ligadas ao judaísmo tinham formado as consciências daqueles criados naquela religião dada por Deus, que não eram fáceis de serem abandonadas, embora tivessem se tornado Cristãos. Esses escrúpulos se apegaram a esses queridos santos de Deus (compreensivelmente) e levaram a impedi-los que andassem na liberdade do Cristianismo.
Portanto, havia uma necessidade real da verdade nas epístolas hebraico-Cristãs nos primórdios do Cristianismo, quando a maioria dos santos da Igreja era de origem judaica. Como os judeus têm vindo continuamente a Cristo para salvação desde aqueles primeiros dias até hoje, essas epístolas são uma importante parte da verdade que foi uma vez entregue aos santos (Judas 3).
Em suas duas epístolas, Pedro trabalha para estabelecer os crentes judeus no novo modo de vida no Cristianismo e nos exercícios que são próprios de um crente andar na senda da fé. Por essa razão, seu ministério tem aplicação prática também para os crentes gentios, pois todos os Cristãos podem obter ganho por meio das exortações práticas em relação ao viver Cristão.
Notas
[←1]
N. do T.: Provém do grego doxologia, (doxa “glória” + logia “palavra” se referindo à expressão oral ou escrita. Portanto, “doxologia” é uma expressão oral ou escrita de louvor e glorificação.
[←2]
N. do T.: O Novo Testamento usa três palavras gregas para identificar a pessoa que faz essa obra de cuidado: ancião (presbuteroi), bispo (episkopoi) e pastores ou guias (hegoumenos). Não são três posições diferentes na assembleia, mas sim três aspectos de um mesmo trabalho que esses homens fazem.
[←3]
N. do T.: A palavra lacustre provém do latim “lacus” e descreve tudo aquilo que pertence a um lago.