Bruce Anstey

A Epístola de Paulo aos ROMANOS

A JUSTIÇA DE DEUS
Declarada no Evangelho,
Desvendada em Seus Caminhos Dispensacionais e
Demonstrada na Vida Prática

Bruce Anstey

A EPÍSTOLA DE PAULO AOS ROMANOS - A JUSTIÇA DE DEUS Declarada no Evangelho, Desvendada em Seus Caminhos Dispensacionais e Demonstrada na Vida Prática

Bruce Anstey

Originalmente publicado por:

CHRISTIAN TRUTH PUBLISHING

12048 – 59th Ave.

Surrey, BC V3X 3L3

CANADÁ

Título do original em inglês: THE EPISTLE OF PAUL TO THE ROMANS – God’s Righteousness Declared in the Gospel, Displayed in His Dispensational Ways, and Demonstrated in Practical Living

Primeira edição – junho 2015

Version 1.5

Traduzido, publicado e distribuído no Brasil com autorização do autor por:

ASSOCIAÇÃO VERDADES VIVAS, uma associação sem fins lucrativos, cujo objetivo é divulgar o evangelho e a sã doutrina de nosso Senhor Jesus Cristo.

atendimento@verdadesvivas.com.br

Primeira edição em português – Fevereiro 2019

E-book v.1.1

Abreviaturas utilizadas:

ARC – João Ferreira de Almeida – Revista e Corrigida – SBB 1969

ARA – João Ferreira de Almeida – Revista e Atualizada – SBB 1993

TB – Tradução Brasileira – 1917

ACF – João Ferreira de Almeida – Corrigida Fiel – SBTB 1994

AIBB – João Ferreira de Almeida – Imprensa Bíblica Brasileira – 1967

JND – Tradução inglesa de John Nelson Darby

KJV – Tradução inglesa King James

Todas as citações das Escrituras são da versão ARC, a não ser que outra esteja indicada.

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Nota Introdutória

O evangelho, para muitos Cristãos, não é muito mais do que uma “rota de fuga” do inferno – eles o veem predominantemente como uma forma de escapar de irem a uma eternidade perdida no inferno. Este lado do evangelho concentra-se meramente naquilo de que fomos salvos, e é uma visão muito limitada do que o evangelho anuncia. O evangelho que Paulo pregou envolve muito mais do que o lado negativo das coisas. Ele foca naquilo para o que fomos salvos – enfatizando nossas muitas bênçãos em Cristo. Entender o evangelho completo que Paulo pregou é essencial para ter-se uma base sólida sobre a qual se cresce espiritualmente. No entanto, muitos Cristãos hoje em dia sabem muito pouco do quão ricamente foram abençoados com “as insondáveis riquezas de Cristo” (Ef 3:8 – ARA). Assim, o exercício do autor deste presente volume é expor a epístola de Paulo aos Romanos, na qual ele apresenta o evangelho em seu sentido mais pleno.

A escrita deste presente trabalho sobre Romanos tomou do autor mais de um ano até ser concluído – tendo consultado mais de 30 exposições e artigos de vários autores no processo. Este trabalho é agora divulgado como uma renovada apresentação da verdade do evangelho, conforme revelado na epístola.

Encomendamos a Deus o volume com a oração que Ele tenha prazer em usá-lo para a glória do Senhor Jesus Cristo e para a bênção de todo Cristão que o leia.

Junho de 2015

A EPÍSTOLA DE PAULO AOS

ROMANOS

DOUTRINAL

Capítulos 1-8

O propósito do apóstolo Paulo ao escrever esta epístola foi o de tornar conhecido aos santos em Roma o evangelho que pregou entre os gentios. Na época em que a escreveu, ele não havia estado em Roma e, portanto, não conhecia todos os crentes de lá – embora mencione no capítulo 16 alguns pelo nome que conhecia. Sendo assim, Paulo tinha motivos para acreditar que os santos de Roma talvez não tivessem conhecimento completo do evangelho que pregava – o qual chama de “meu evangelho” (caps. 2:16, 16:25). Portanto, nesta epístola ele os leva sistematicamente por meio dos detalhes do evangelho que ele anunciou. Seu encargo era alicerçar esses crentes na verdade fundamental do evangelho (cap. 1:11).

As Principais Divisões da Epístola

Paulo disse a Timóteo que o “obreiro” que deseja ensinar a verdade e ser “aprovado a Deus” (JND) ao fazê-lo, deve “corretamente dividir a Palavra da Verdade” (2 Tm 2:15 – KJV). Isso mostra que há divisões na Palavra de Deus que devemos conhecer se desejamos ter um entendimento adequado das Escrituras. A epístola aos Romanos tem três dessas divisões e também várias subdivisões. É nosso propósito, portanto, mencionar essas divisões e a razão de sua existência e, ao fazê-lo, instruir aqueles que estão buscando um melhor entendimento da verdade do evangelho. Essas principais divisões são:

- Capítulos 1-8 – Doutrinal. - Capítulos 9-11 – Dispensacional. - Capítulos 12-15 – Devocional.

O capítulo 16 é uma carta de recomendação que foi acrescentada à epístola como suplemento ou apêndice, e foi entregue aos santos em Roma, ao mesmo tempo da entrega da própria epístola. De certo modo, poderíamos dizer que Romanos consiste de duas epístolas.

O Desenvolvimento da Verdade nas Epístolas de Paulo

Há uma progressão distinta da verdade em conexão com nossa identificação com Cristo nas epístolas doutrinárias de Paulo. Elas são:

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Gálatas vai somente até a nossa identificação com Cristo “crucificado” e “morto” (Gl 2:19-20). Romanos vai um pouco mais além e vê o crente “sepultado” com Cristo (Rm 6:4). Colossenses vê o crente em terreno mais elevado ainda; não estamos apenas mortos e sepultados, mas também “vivificados” e “ressuscitados” com Ele (Cl 2:13). A epístola aos Efésios nem mesmo apresenta Cristo como “crucificado”, “morto” ou “sepultado”. Ela vê o crente no mais alto terreno com Cristo do outro lado da morte – como “vivificado”, “ressuscitado”, e “assentado” nos lugares celestiais em Cristo (Ef 2:6).

Duas Visões Diferentes do Homem na Carne nas Epístolas de Paulo

A condição caída do homem é vista de duas maneiras diferentes nas epístolas de Paulo:

- Em Efésios e Colossenses, o homem é visto como morto em seus pecados (Ef 2:1-3; Cl 2:13). - Em Romanos e Gálatas, o homem é visto como vivo em seus pecados (Rm 1:32; Gl 1:4).

Além disso, em Romanos, o próprio Cristo é visto como vivo na Terra, nascido da descendência de Davi segundo a carne, e declarado Filho de Deus (Rm 1:3-4). Enquanto que em Efésios e Colossenses, Cristo é visto como morto, e o poder de Deus tendo sido manifestado n’Ele, ressuscitando-O dentre os mortos e fazendo-O assentar à direita de Deus (Ef 1:19-21 –TB; Cl 1:18, 2:12).

O remédio para a dupla condição caída do homem é encontrado em Cristo de duas maneiras – em Sua morte e em Sua ressurreição. Em Romanos o homem é visto como vivendo na Terra como um pecador culpado diante de Deus. Ele está tão afetado pela desordem de seus pecados, e sob o domínio de sua natureza pecaminosa, que não tem poder para deter o curso pecaminoso de sua vida. A maneira de Deus libertá-lo de sua condição lastimável é colocá-lo na morte. Esta é a linha da verdade desenvolvida em Romanos. A morte de Cristo é introduzida (e nossa identificação com ela) como o remédio para essa condição. Cristo morreu e derramou Seu sangue (Rm 3:25, 4:25, 5:6-8) para tirar os pecados do crente, e também para judicialmente pôr fim ao pecador diante de Deus, e assim quebrar sua ligação com essa condição em que ele vive (Rm 6:1-11; Gl 2:20). Mas em Efésios, o homem é visto como morto em delitos e pecados (Ef 2:1), e o remédio para ele é encontrado no poder de Deus, que ressuscitou Cristo de entre os mortos (Ef 1:19-21), e que age para vivificá-lo juntamente com Cristo (Ef 2:5). Assim, ele é liberto do estado de morte no qual ele estava preso.

Duas Posições do Cristão em Romanos e Efésios

Os Cristãos são vistos em duas posições diferentes no presente:

- Em Romanos, o crente é visto como estando na Terra, esperando que o Senhor venha para levá-lo para o céu (Rm 8:11, 25, 13:11). - Em Efésios, o crente é visto como estando assentado em lugares celestiais em Cristo, e a vinda do Senhor (o Arrebatamento) não é mencionada (Ef 2:5-6).

SAUDAÇÕES DE ABERTURA

Capítulo 1:1-17

Cap. 1:1-7 – No momento em que escrevia esta carta, Paulo não tinha estado em Roma e, portanto, leva um pouco mais de tempo do que o de costume em suas epístolas para apresentar-se aos santos de lá.

V. 1 – Ele começa: “Paulo, servo de Cristo Jesus, chamado para ser apóstolo, separado para o Evangelho de Deus” (TB). Um “servo” de Cristo é algo mais do que ser um crente no Senhor Jesus Cristo. Refere-se a um exercício pessoal que ocorre na vida de um crente para voluntariamente se entregar à causa de Cristo neste mundo e assim, ser um servo. O Senhor não ordena que alguém seja Seu servo; todos os que se fizeram assim, o fizeram por vontade própria. Isto vem como resultado de perceber que fomos “comprados por bom preço” (1 Co 6:20, 7:22-23). Ao considerar o custo de nossa redenção – que Cristo, em amor e piedade, voluntariamente tomou nosso lugar sob o juízo de Deus para nos salvar – nosso coração fica profundamente comovido, e respondemos dando nossa vida (nosso tempo e energia) a Ele como Seus servos. Ao afirmar que era o servo do Senhor, Paulo estava indicando que havia passado por esse exercício e se colocara sem reservas sob o Senhorio de Cristo para ser usado em Seu serviço da maneira que Ele desejasse. Assim, ele se apresenta aos romanos como alguém que foi totalmente “vendido” para Cristo.

A Versão King James (KJV) diz, “servo de Jesus Cristo**”**, mas algumas traduções dizem – **“servo de** Cristo Jesus**”** (TB) – o que entendemos ser a tradução correta. Isso é significativo. Como regra, quando Paulo diz **“Jesus Cristo”** – usando Seu nome de Humanidade (**“Jesus”**) antes de Seu título (**“Cristo”**) o Ungido – está se referindo à Sua vinda ao mundo para fazer a vontade de Deus e realizar a redenção. Ao passo que, quando Paulo diz: **“Cristo Jesus”** (colocando Seu título diante de Seu nome de humanidade), refere-se a Ele como tendo completado a redenção, ressuscitado, elevado e assentado à destra de Deus como um Homem glorificado. É interessante ver que Pedro se apresenta como servo e apóstolo de **“Jesus Cristo”** (1 Pe 1:1; 2 Pe 1:1), ao passo que Paulo se vê como servo e apóstolo de **“Cristo Jesus”**. Isso é porque Pedro conheceu o Senhor e foi por Ele chamado quando veio ao mundo em Sua primeira vinda, mas Paulo foi chamado por Ele e O conheceu quando era um Homem glorificado no alto.

Acreditando que os santos de Roma deviam conhecer algo de sua história pessoal com o Senhor, Paulo menciona dois eventos no versículo 1 que ocorreram em sua vida. Primeiramente, ele foi “um apóstolo chamado” (JND). Isso aconteceu no caminho para Damasco quando se submeteu ao Senhor em fé (At 9:1-6). A versão King James (KJV) diz “chamado para ser um apóstolo”. As palavras “para ser” estão em itálico, o que indica que elas não estão no texto grego, mas foram adicionadas pelos tradutores para ajudar na leitura da passagem. Infelizmente, essas palavras, embora bem-intencionadas, induzem a erro e implicam que Paulo teve de passar por certo processo religioso depois de ter sido salvo para se tornar um apóstolo. Isso decorre da ideia clerical criada pelo homem, que tem prevalecido na Igreja por séculos, na qual uma pessoa passa por um processo de treinamento em um seminário, ao qual ele (ou ela) é ordenado a um lugar no “Ministério”. No entanto, o texto deveria dizer, “chamado apóstolo” ou “apóstolo por chamado”. Isso significa que ele recebeu seu apostolado no momento em que obedeceu ao chamado do evangelho e foi salvo.

A segunda coisa que Paulo menciona é que ele havia sido “separado para o evangelho de Deus”. Isso aconteceu em Antioquia cerca de dez anos depois, quando o Espírito de Deus disse: “Apartai-Me a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado” (At 13:2). Por isso, Paulo recebeu seu apostolado no momento em que foi salvo, mas não foi enviado pelo Senhor para fazer a obra de um apóstolo até algum tempo depois. Isso significa que, embora fosse um apóstolo e tivesse se colocado sob o Senhorio de Cristo como Seu servo, ele precisava de tempo para crescer e amadurecer nas coisas de Deus antes que pudesse ser usado naquela obra. Esse processo de crescimento espiritual e maturidade é necessário em todo convertido (2 Pe 3:18).

A palavra “evangelho” significa “boas notícias” ou “boas-novas”. Assim, a mensagem do evangelho é a boa notícia de Deus para o homem. É uma boa notícia porque torna conhecidos os movimentos de Deus em graça para com os homens, buscando sua bênção. (Graça é o favor imerecido de Deus para com o homem.) Ao dizer que o evangelho é “de Deus”, Paulo estava indicando que Deus é a fonte dessas boas notícias. Tudo emana do Seu coração de amor; Ele desenhou o plano de salvação e, em graça, o trouxe para o homem.

Existem duas partes no “evangelho de Deus” que Paulo pregou. Ele os distingue em outros lugares como:

- “O evangelho da graça de Deus” (At 20:24). - “O evangelho da glória de Deus” (2 Co 4:4; 1 Tm 1:11).

O evangelho da graça de Deus enfatiza a vinda de Cristo a este mundo para realizar a redenção; concentra-se na condescendente graça de Deus descendo para atender o homem em sua necessidade por aquilo que Cristo realizou na cruz. O evangelho da glória de Deus enfatiza a ascensão de Cristo ao céu como um Homem glorificado. Este último aspecto é o que Paulo chama de “meu evangelho”. Ele recebeu revelações especiais sobre a posição do crente e sua porção presente em Cristo, o Homem glorificado à destra de Deus (Gl 1:11-12). Paulo pregou e ensinou ambos os aspectos do evangelho de Deus. No livro de Atos, o vemos pregando o evangelho da graça de Deus aos pecadores (At 20:24), mas na epístola aos Romanos, o vemos ensinando o evangelho aos santos.

V. 2 – Num parêntese Paulo acrescenta que essa boa-nova declarada no evangelho “(prometido pelos Seus profetas nas santas Escrituras)”1. No capítulo 3:21, ele é mais específico sobre isso, afirmando que certos elementos do evangelho – como a “justiça de Deus” – são “testemunhados pela Lei e pelos profetas” (KJV). Pedro também fala disso. Ele afirma que “a salvação” das nossas “almas” (um novo tipo de salvação que os santos do Velho Testamento não conheceram) relacionada com “os sofrimentos de Cristo” tinha sido profetizada nos escritos dos profetas do Velho Testamento (1 Pe 1:9-11). Ele também menciona que aqueles profetas não entenderam o que haviam profetizado, e que isso não ocorreu até que “o Espírito Santo” fosse “enviado” do céu nesses tempos Cristãos e que agora entendemos o que essas coisas são (1 Pe 1:12). Um exemplo disso é encontrado em Isaías 56:1: “Assim diz o Senhor: Mantende o juízo e fazei justiça, porque a Minha salvação está prestes a vir, e a Minha justiça a manifestar-se”.

O fato de que a justiça de Deus e a salvação da alma foram prometidas no Velho Testamento mostra que o evangelho é algo distinto do “Mistério” (Ef 5:32). O Mistério é um segredo que Deus escondeu em Seu coração desde a eternidade passada e não tornou conhecido até esses tempos Cristãos, quando o Espírito Santo viria. Isso tem a ver com o Seu propósito de glorificar a Cristo em duas esferas – no céu e na Terra – em um dia vindouro (o Milênio) por meio de um vaso de testemunho especialmente formado – a Igreja, o corpo e a noiva de Cristo. Em Romanos 16:25, Efésios 3:3-9 e Colossenses 1:23-27, Paulo mostra a diferença entre o evangelho e o Mistério. Ele afirma naquelas passagens que o Mistério não foi profetizado no Velho Testamento, enquanto em Romanos 1:2 e Romanos 3:21, ele indica que os elementos do evangelho foram declarados no Velho Testamento.

Vs. 3-4 – Paulo disse que o evangelho diz respeito ao “Seu Filho Jesus Cristo**, nosso** Senhor**”**. Afirmando isso, ele estava indicando que essa gloriosa Pessoa é o _assunto_ do evangelho. Vamos entender isso claramente; os homens não são o assunto do evangelho. Homens e mulheres que creem são os beneficiários das bênçãos do evangelho, mas eles não são o seu assunto – o assunto do evangelho é Cristo.

Ao introduzir a Pessoa a Quem o evangelho se refere, declarando Seus nomes e títulos na ordem específica em que Paulo fez, é muito instrutivo. Eles seguem uma ordem sequencial de eternidade a eternidade e nos dizem muito sobre Quem é Cristo.

- “Seu Filho” – Como isto é mencionado antes de Jesus, Seu nome de humanidade, está se referindo ao Seu relacionamento com Deus o Pai antes de Se tornar um Homem, como o eterno Filho (Is 9:6). Assim, Sua Filiação é eterna. - “Jesus” – Este nome se refere à Sua humanidade; foi Lhe dado quando Ele Se tornou um Homem – isto aponta para Sua encarnação (Lc 1:31). - “Cristo” – Este título se refere ao Seu ofício Messiânico como o Ungido, o que Ele cumpriu em Seu ministério terreno (Jo 1:41, 4:25), mas foi rejeitado como tal e crucificado (Mc 14:61-65, 15:32). - “Nosso Senhor” – Este título se refere à Sua exaltada posição na ressurreição, como elevado à destra de Deus (At 2:32-36).

Assim, nesta declaração abrangente, temos uma introdução à Pessoa de Cristo, desde Sua Filiação na eternidade passada até Sua posição agora à direita de Deus como um Homem glorificado.

O Espírito de Deus leva Paulo a abrir outro parêntese (do versículo 3b até o final do versículo 4)2para discorrer mais acerca de Cristo sendo humano e divino “(que veio da descendência de Davi quanto à carne” (TB), de modo que não poderia haver dúvida sobre Quem Ele era. Isso se refere a Sua linhagem terrena, tendo nascido na família do rei Davi. Isso indica que o Senhor Jesus era um Homem real e enfatiza a Sua humanidade. Ele também foi “declarado [marcado – JND] Filho de Deus em poder”. Isso enfatiza Sua divindade. Nota: Paulo menciona que houve um momento no tempo em que Ele veio da “descendência de Davi” (em Sua encarnação), mas não diz que houve um momento em que Ele Se tornou “o Filho de Deus” porque Ele sempre foi, desde a eternidade, o eterno Filho de Deus.

Paulo diz que Cristo foi marcado (identificado) como o Filho de Deus “em poder”. Isto é, Ele demonstrou que era o Filho de Deus por Seus atos de poder quando andou aqui neste mundo. O poder em Seu ministério terrestre resultou do “Espírito de santidade” (JND) sendo com Ele (Lc 4:14; At 10:38). Mencionar a palavra “santidade” indica que Seu poder para fazer milagres não veio de alguma fonte corrupta (poder Satânico), mas do poder do Espírito Santo. A maior barreira para a bênção é a própria morte, mas o Senhor venceu esse grande obstáculo ressuscitando o morto – mostrando assim que Ele era o Filho de Deus, o grande Dador da vida (Jo 1:4, 5:21, 11:25). “A ressurreição dentre os mortos” (KJV) está no plural no grego e deveria dizer literalmente, “a ressurreição de mortos”. Esta é uma referência à filha de Jairo (Mt 9:18-26), do filho da viúva de Naim (Lc 7:12-17), a Lázaro (Jo 11:14-46) e à ressurreição do próprio Senhor – todos foram ressuscitados por Seu poder. Assim, a linhagem da família do Senhor provou que Ele era “a descendência de Davi”(Mt 1), mas Seus atos de poder ao ressuscitar os mortos provaram que Ele é “o Filho de Deus”.

Vs. 5-6 – Esses versículos nos levam ao escopo do evangelho. Paulo declara que lhe foi dado “graça” especial para cumprir seu “apostolado” e levar o evangelho a “todas as nações –TB**”**. Assim, o escopo da mensagem do evangelho alcança toda a raça humana. Ao acrescentar a frase: **“Para obediência da fé”**, Paulo deixou claro que as bênçãos que o evangelho promete só são recebidas por aqueles que têm fé para crer na mensagem.

V. 7 – Paulo então identifica aqueles para quem a epístola foi escrita – “A todos os que estais em Roma, amados de Deus”. Isto não está se referindo a todo o povo de Roma, mas a todos os crentes de lá. É provável que alguns deles tenham sido salvos por meio da pregação de Pedro no Pentecostes (At 2:10), e levaram o evangelho de volta para casa e o espalharam por lá. Que Paulo estava se referindo aos crentes em Roma é evidente pelo uso da palavra “amados”. Como regra, o termo é usado nas Escrituras somente para os crentes.

Outra prova de que ele estava se referindo aos crentes é o fato de chamar de “santos” aqueles a quem estava escrevendo. Um santo é um “separado” ou “santificado”. Os santos só poderiam ser crentes. Todos esses foram salvos pela graça de Deus e são (posicionalmente) santificados, sendo separados para bênção. A versão King James(e várias em português) diz: “chamado para ser santos”, mas as palavras “para ser” estão em itálico, indicando que não estão no texto grego e foram adicionados pelos tradutores para auxiliar a leitura da passagem. Infelizmente, como no caso do versículo 1, isso muda o sentido e torna a santidade uma meta a ser alcançada no futuro. Este é um erro católico. (O catolicismo romano ensina que se uma pessoa vive nobremente para esse sistema, depois que deixa este mundo pela morte, ela pode ser promovida a um lugar especial de ser santa.) As pessoas tomam essa ideia equivocada e dizem coisas como “Eu não pretendo ser um santo, mas…”. O texto deveria simplesmente dizer, “chamados santos”. A verdade é que, se somos crentes no Senhor Jesus Cristo, somos santos – e somos tais por termos sido chamados por Deus! Não é algo que esperamos ser, ou estamos esperando para ser, mas algo que a Palavra de Deus diz que somos pela Sua graça. Alguns pensam que é evidência de humildade recusar-se a ser chamado de santo agora, mas isso nega a verdade das Escrituras. Não há Escritura que nos diga para tentar alcançar santidade, mas há muitas Escrituras que nos dizem que todos os crentes são santos, mesmo enquanto ainda estão vivendo neste mundo. Não é orgulho ou presunção crer na Palavra de Deus.

Comunicações Pessoais

Cap. 1:8-15 – Tendo se apresentado formalmente, Paulo agora deixa clara sua razão para escrever. Ele também faz conhecidos seus desejos pessoais aos crentes romanos. Paulo busca ganhar sua confiança sendo o mais transparente possível com eles – até mesmo ao ponto de invocar a Deus como uma “testemunha” de sua genuinidade – manifestando assim seu sincero cuidado pelo bem-estar espiritual deles. Seu desejo era que vissem que ele não tinha em seu coração nada além que o bem-estar deles.

Paulo agradeceu a Deus pela verdade da fé deles que se espalhou por toda a comunidade Cristã em “todo o mundo”. Essa é uma expressão que se refere ao Império Romano; não é o mundo inteiro (Lc 2:1). Ele também orou intensamente pelos santos em Roma e pediu que Deus lhe permitisse ir até eles. Ele tinha duas razões principais para isso:

- Para comunicar “algum dom espiritual” a fim de que fossem firmados (vs. 10-11 – TB).

- Para que tanto ele quanto eles tivessem “mútuo conforto” (JND) na senda Cristã por meio da comunhão (vs. 12-13).

Em primeiro lugar, o desejo de Paulo de comunicar algum “dom espiritual” aos Cristãos romanos não era o que vemos nas atividades atuais do movimento pentecostal/carismático. (Este grupo Cristão promete uma “segunda bênção” para os Cristãos algum tempo depois de terem sido salvos, na qual professam ter o dom de línguas, cura, etc.) Paulo estava falando de um dom espiritual no sentido de dar alguma verdade espiritual aos santos em Roma. Como ele não havia estado em Roma, era provável que eles fossem deficientes em seu entendimento em relação a algumas coisas que ensinava, e ele simplesmente desejava preencher aquelas coisas que lhes faltavam no entendimento (compare 1 Ts 3:10). A intenção de Paulo em dar-lhes um dom espiritual era que eles fossem “firmados” na fé Cristã. Isso prova que o dom ao qual ele estava se referindo não era um dom milagroso de sinais, porque esses não edificam (estabelecem) o entendimento da verdade em alguém.

Nem a referência de Paulo a uma “jornada próspera” (v. 10 – KJV) significa que esperava ganhar dinheiro nessa viagem; ele simplesmente desejava que Deus o prosperasse de forma que tivesse condições financeiras para ir. (Veja a nota de rodapé da Tradução de J. N. Darby)3. Como se viu, a oração de Paulo foi respondida de uma maneira completamente diferente da qual havia orado; o último capítulo do livro dos Atos registra que ele chegou lá como um prisioneiro!

A outra razão de Paulo querer ir aos Cristãos romanos era, como mencionado acima, para “mútuo conforto”. Eles o encorajariam e ele os encorajaria “pela fé mútua, assim vossa como minha”. Paulo lhes explica que a razão pela qual não tinha chegado até eles até agora era porque tinha “sido impedido”. Como a porta foi fechada naquele momento, Paulo se comprometeu a escrever esta carta em um esforço para ajudá-los a entender seu evangelho mais claramente e, assim, conduzi-los num caminho onde seriam estabelecidos na fé. Ele prometeu que quando chegasse lá, lhes daria “a plenitude da bênção de Cristo” (cap. 15:29 – TB). Isso é uma alusão à verdade do Mistério, que é uma linha da verdade mais elevada que a do evangelho, e é o que realmente completa a revelação Cristã (Cl 1:25-26 – JND). Entendendo o Mistério, que conduz o crente de acordo com “o propósito” de Deus “para os séculos” (Ef 3:11 – JND) e também de acordo com Seu roteiro para a presente dispensação (1 Tm 1:4 – JND). Ambas as linhas da verdade – o evangelho e o Mistério – são necessárias para o estabelecimento do crente na fé Cristã (Rm 16:25).

V. 14 – Paulo disse que estava pronto para pregar e ensinar o evangelho a todos. Ele sentiu que tinha uma dívida a pagar ao anunciar o evangelho – afirmando: “Eu sou devedor.

Primeiramente, ele estava pronto para pregar para os vários tipos de incrédulos – “os gregos” e “os bárbaros”. Essas eram as pessoas civilizadas e incivilizadas deste mundo nos dias de Paulo. (Ao usar o termo “grego”, ele não está se referindo àqueles que são gregos apenas por nacionalidade. É um termo genérico que inclui todas as pessoas entre os gentios que foram educadas e refinadas até certo ponto sob a cultura grega. Um romano refinado, por exemplo, teria este título). Então ele diz: “tanto a sábios como a ignorantes”. Esses eram os povos instruídos e não instruídos do mundo. Assim, ao se referir a essas diferentes classes de homens perdidos, Paulo traçou uma linha sobre o globo de norte a sul, e de leste a oeste, e alcançou todo tipo de incrédulo que existe no mundo. Qualquer que seja seu status na vida – rico ou pobre, educado ou sem instrução, negro ou branco – Paulo estava pronto e disposto a lhes pregar as boas-novas, porque genuinamente se importava com eles e desejava que todos fossem salvos.

V. 15 – Em segundo lugar, Paulo estava pronto para falar aos crentes sobre o evangelho também. Ele disse: “estou pronto para também vos anunciar o evangelho, a vós que estais em Roma”. “Vos” são os crentes em Roma. Podemos nos perguntar por que ele gostaria de levar o evangelho aos crentes quando já eram salvos, mas foi porque queria que conhecessem melhor a verdade do evangelho. Sua apresentação do evangelho aos crentes, é claro, teria um caráter diferente daquele que enfatizaria aos incrédulos. Este segundo ponto mostra que há uma necessidade não apenas de pregar o evangelho aos pecadores, mas também de ensinar o evangelho aos santos. Os santos precisam aprender de forma sadia a verdade do evangelho porque isso dá à alma uma base sólida sobre a qual crescerão espiritualmente (Rm 16:25). Traz segurança, paz e gratidão, das quais vêm obediência e devoção no serviço, que os capítulos 12-15 desta epístola indicam.

Vemos dos versículos 14 e 15 que não foi por falta de vontade que Paulo não tinha ido a Roma com o evangelho (ele estava pronto para isto quando o Senhor abrisse a porta); mas que ele não tinha tido oportunidade, sendo impedido “muitas vezes” (v. 13).

Os Três Principais Elementos do Evangelho

Cap.1:16-18 – Chegamos agora a outro grande assunto a respeito do evangelho – seu conteúdo. Isso pode ser resumido em três temas – “o poder de Deus”, “a justiça de Deus” e a “ira de Deus”.

Antes de delinear essas três coisas, Paulo diz: “Porque não me envergonho do evangelho”. Embora seja verdade que nunca devemos nos envergonhar de sermos publicamente identificados com Cristo neste mundo, isso não é exatamente o que Paulo está dizendo aqui. Seu ponto é que o pregador deste grande evangelho nunca precisa se envergonhar do que anuncia, porque o Senhor Jesus Cristo é melhor do que o pregador possa declarar. Às vezes, quando uma pessoa apresenta algo que quer que os outros aceitem, ela pode entusiasticamente exagerar as qualidades da coisa, e quando a outra pessoa a aceita descobre que tal coisa não é tão boa quanto foi declarada. Mas isso nunca acontecerá ao apresentar-se o evangelho. O pregador não precisa temer que o destinatário da mensagem se desaponte, porque Cristo e as bênçãos prometidas no evangelho nunca serão exageradas.

O PODER DE DEUS (v. 16)

Primeiramente, “poder de Deus para salvação” tem a ver com o quê o evangelho pode fazer pelo pecador que crê. Aqueles que creem em sua mensagem e recebem a Cristo como seu Salvador, experimentam o poder de Deus na salvação. O evangelho que Paulo pregou era algo muito pleno e completo. Promete libertação (“salvação”) da pena dos pecados, libertação do poder do pecado operando no crente e, por fim, quando o Senhor vier, libertação da presença do pecado por completo, ao ser levado para o céu. (Salvação e libertação nos escritos de Paulo são a mesma coisa.)

Satanás não é obstáculo para o grandioso “poder de Deus” agindo para salvar os pecadores que creem. Quando o evangelho é recebido, o crente é então liberto das garras de Satanás (sendo seus cativos) e é trasladado para o reino do Filho de Deus (Lc 11:22; At 26:18; Cl 1:13). O pecado também não é obstáculo para o poder de Deus no evangelho. Uma pessoa pode ser escrava de algum vício pecaminoso, mas o poder de Deus pode livrá-la disso (Rm 8:2). Além disso, o mundo, com suas atrações e envolvimentos, não pode impedir que o poder de Deus trabalhe para libertar dele o crente (Gl 1:4). Assim, todas as barreiras à bênção do homem são destruídas pelo poder de Deus quando um pecador recebe o Senhor Jesus Cristo como seu Salvador.

“Salvos” e “Salvação”

Neste versículo (16), chegamos à primeira referência à “salvação” na epístola. Muitos Cristãos não estão cientes de que a salvação é um assunto amplo na Palavra de Deus, tendo muitos aspectos e aplicações. Eles se regozijam no fato de terem sido salvos da pena de seus pecados por meio da fé em Cristo, e em sua simplicidade imaginam que em todo lugar onde “salvos” ou “salvação” são mencionados nas Escrituras, está se referindo a esse aspecto eterno. No entanto, isso é um engano que certamente levará à várias ideias erradas. O Sr. Kelly, de fato, aponta que o aspecto eterno da salvação da pena de nossos pecados geralmente não é o que está em vista na maioria das passagens que falam da salvação! (Lectures on Philippians, pág. 43; Lectures Introductory to the Study of the Minor Prophets, pág. 379) Faríamos bem em deixar que essa afirmação penetrasse profundamente em nossas mentes. Isso significa que quando nos deparamos com as palavras “salvo” e “salvação” em nossas Bíblias, provavelmente não está se referindo à libertação da pena de nossos pecados! Dito isto, a salvação neste versículo 16 é o aspecto eterno da salvação da pena de nossos pecados.

Paulo acrescenta que o evangelho é para “todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego”. Isso mostra que o evangelho não tem fronteiras raciais; é para “todos”. Não importa se uma pessoa é – como as crianças da Escola Dominical cantam – “Vermelho ou amarelo, negro ou branco, todos são preciosos à Sua vista”. A única condição ligada ao evangelho é que a pessoa tem de crer nele. O evangelho não tem poder para aqueles que confiam na circuncisão para a salvação, ou para aqueles que estão tentando guardar a Lei para a salvação, ou para aqueles que confiam no batismo e na frequência à igreja para a salvação, etc. – seu poder é somente para aqueles que creem em sua mensagem a respeito do Senhor Jesus Cristo.

A Bíblia indica que as bênçãos do evangelho não serão possuídas por todas as pessoas na raça humana, porque “a fé não é de todos” (2 Ts 3:2). É triste dizer que há muitos que, depois de ouvirem o evangelho, escolhem não crer nele. Nós só podemos orar por tais para que mudem de ideia antes que seja tarde demais. O comentário de Paulo: “primeiro do judeu, e também do grego” é uma referência à ordem histórica por onde se iniciou o evangelho; não é uma prioridade das pessoas (Veja At 15:11).

Note também: Paulo não diz que esta mensagem de boas-novas é enviada aos anjos. O evangelho, que promete a salvação, não é para essa classe de seres. O anjo que veio aos pastores em Belém para lhes contar sobre o nascimento do Senhor Jesus fez referência a esse fato. Ele disse: “Pois, na cidade de Davi, vos nasceu hoje o Salvador, que é Cristo, o Senhor” (Lc 2:11). Ele não disse: “Nos nasceu hoje…”. Os anjos eleitos não pecaram e, portanto, não precisam da graça redentora, e não há misericórdia para os anjos que caíram (Mt 25:41).

A mensagem do evangelho não é para anjos, nem é levada por anjos. Deus não enviou anjos para pregar o evangelho da Sua graça. Ele queria apenas que homens redimidos levassem essa mensagem a outros – isto é, pessoas que experimentaram pessoalmente seu poder, amor e graça. Assim, ela seria comunicada a outros, não apenas como fatos e conhecimento, mas como algo que teve um efeito pessoal sobre o portador das boas-novas, em relação à bênção de sua própria alma. O velho ditado é: “O que vem do coração (de uma pessoa) vai para o coração (de outra pessoa)”. Um anjo não pode transmitir isso, pois ele nunca experimentou essa graça.

Este fato é visto no relato da salvação de Cornélio (At 10). Ele precisava ouvir as palavras pelas quais ele e sua casa poderiam ser “salvos” (At 11:14). Um anjo apareceu e disse-lhe o que fazer; ele deveria mandar chamar um homem de nome Pedro, que lhe diria como ser salvo. Deus poderia ter mandado o anjo falar-lhe do evangelho e, assim, poupar os homens que iam encontrar Pedro, do problema de fazer a viagem de 64 quilômetros de Cesareia até Jope. Além disso, teria poupado Pedro do trabalho de ir até Cesareia. Mas o anjo não faria isso, porque levar a mensagem da graça redentora não é para os anjos.

A JUSTIÇA DE DEUS (v. 17)

Em segundo lugar, o evangelho revela “a justiça de Deus”. Isso tem a ver com como Deus é capaz de salvar os pecadores sem comprometer o que Ele é em Si mesmo. A justiça de Deus diz respeito a Deus agindo em amor para salvar pecadores e, ao mesmo tempo, não abrindo mão do que Ele é como um Deus santo e justo.

O pecado do homem aparentemente colocou Deus em um dilema. Visto que “Deus é amor” (1 Jo 4:9), Sua própria natureza reivindica a bênção do homem, pois Ele ama todos os homens (Jo 3:16). Mas, ao mesmo tempo, “Deus é luz” (1 Jo 1:5), e assim Sua natureza santa exige, com justiça, que o homem seja julgado por seus pecados (Hb 2:2). Se Deus agisse de acordo com Seu coração de amor e trouxesse homens para a bênção sem tratar dos seus pecados, Ele deixaria de ser santo e justo. Por outro lado, se Deus agisse de acordo com Sua natureza santa e julgasse os homens de acordo com as reivindicações da justiça divina, todos os homens seriam, com justiça, enviados para o inferno, e ninguém seria salvo – e o amor de Deus permaneceria desconhecido. Como então Deus pode salvar os homens e ainda permanecer justo? É isso que o evangelho anuncia. Ele declara a justiça de Deus e revela as boas-novas de que Ele encontrou uma maneira de satisfazer Suas santas reivindicações contra o pecado, e também de alcançar em amor para salvar os pecadores que creem. Assim, Deus é apresentado no evangelho como sendo “Justo e Justificador daquele que tem fé em Jesus” (cap. 3:26). (A justiça de Deus será explicada com mais detalhes em nossos comentários do capítulo 3:21-31).

Paulo diz que as bênçãos do evangelho são possuídas “no princípio de fé, para a fé” (JND). Isto é, a salvação do começo ao fim é algo que só é recebido por fé. Isso exclui completamente o princípio de obras. O capítulo 4:5 confirma isso. Ele diz que “àquele que não pratica, mas crê naqu’Ele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada como justiça”. Também, Efésios 2:8-9 diz: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie”. Paulo cita Habacuque 2:4 para mostrar que bênção pelo princípio de fé não é algo novo. Os “justos” em todas as épocas anteriores foram abençoados apenas sob esse princípio. Hebreus 11 atesta esse fato.

A IRA DE DEUS (v. 18)

Em terceiro lugar, o evangelho revela a verdade sobre “a ira de Deus”. Isso tem a ver com o porquê de os homens precisarem crer nas boas-novas de Deus. A resposta simples é que se uma pessoa não receber o Senhor Jesus Cristo (o divino Emissário do pecado) como seu Salvador, então terá de suportar o juízo de seus próprios pecados, porque os pecados devem ser tratados com justiça. Para Deus, passar indefinidamente sobre o pecado, seria uma negação do que Ele é na essência do Seu ser como um Deus santo e justo. A ira de Deus, portanto, será manifestada “sobre toda a impiedade e injustiça dos homens, que detêm a verdade em injustiça”. Esse fato agora é “revelado do céu” (JND) no evangelho. A pena eterna não foi anunciada no Velho Testamento. O Senhor Jesus anunciou isto a primeira vez em Seu ministério público (Mt 5:22, etc.), e este fato solene é anunciado no evangelho.

Embora a ira de Deus tenha sido “revelada”, ela ainda não foi executada. Enquanto isso, antes que o juízo seja derramado, Deus está agindo em paciente misericórdia para com os pecadores, chamando-os para virem a Cristo para a salvação. Assim, a misericórdia, de um modo geral, foi mostrada a toda a humanidade (Rm 11:32), mas a pessoa que recebe a Cristo como seu Salvador experimenta a misericórdia especial de Deus (1 Tm 1:13; Tt 3:5).

Misericórdia é não receber o que merecemos. Certamente merecemos ser julgados por nossos pecados, mas Deus graciosamente exerce Sua misericórdia sobre aqueles que creem e os livra do julgamento, porque Ele tem um resgate (um pagamento integral) na obra consumada de Cristo na cruz (Jó 33:24; Mt 20:28, 1 Tm 2:6). Graça, por outro lado, é receber o que não merecemos. O crente recebe a salvação e as muitas bênçãos espirituais que certamente não merece, mas tal é o coração doador de Deus (Ef 1:3).

Por isso, as proclamações de avisos sobre o juízo vindouro são tornadas conhecidas no evangelho. É dito às pessoas que a cruz não mudou a mente de Deus sobre o pecado; ele tem que ser julgado. Desse modo, o evangelho revela o fato solene da ira de Deus contra o pecado.

Assim, nesses versículos introdutórios (1-17), Paulo apresentou uma cadeia de importantes fatos sobre o evangelho que todos precisamos entender. Ele mencionou:

- A fonte do evangelho – Ele é “de Deus” (v. 1). - O assunto do evangelho – Diz respeito a “Seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor” (v. 3 – KJV). - O alcance do evangelho – Ele é para todas as pessoas de “todas as nações” (v. 5 – TB). - O conteúdo do evangelho – Ele anuncia “o poder de Deus”, que tem a ver com o que Deus pode fazer pelos pecadores que creem; “a justiça de Deus”, que tem a ver com como Deus é capaz de salvar os pecadores sem comprometer Sua santidade; e “a ira de Deus”, que explica porque os pecadores precisam crer no evangelho – a justiça divina exige que o pecado seja julgado (vs. 16-18).

A Responsabilidade do Homem e a Soberania de Deus

Para alguém crer no evangelho e ser abençoado por Deus, deve haver uma obra de Deus em tal pessoa. Um homem deve ser “nascido de novo” (Jo 3:3-8; Tg 1:18; 1 Pe 1:23) ou “vivificado” (Ef 2:1-5; Cl 2:12-13). Ambos têm a ver com Deus comunicando vida divina a uma alma, pela qual as faculdades espirituais de uma pessoa começam a funcionar, e isso resulta na sua busca por Deus. Mas o lado daquilo que tem a ver com a ação soberana de Deus nas almas não é ensinado nos capítulos 1 a 8 de Romanos, porque o que está em vista nesses capítulos é a responsabilidade do homem. É por isso que não lemos sobre novo nascimento ou sobre vivificação nesta parte da epístola. A soberania de Deus surgirá nos capítulos 9-11, onde o novo nascimento é mencionado nos capítulos 9:16 e 10:17.

A INJUSTIÇA DO HOMEM

Capítulos 1:18–3:20

Os capítulos 1:18-3:20 formam a primeira subdivisão da epístola. O propósito do ensino nesta seção é provar que todos os homens estão irremediavelmente perdidos e precisam de um Salvador. Assim, ocupa-se em revelar a injustiça do homem da maneira mais convincente. O apóstolo explica cuidadosamente em detalhes por que os homens precisam das boas-novas apresentadas no evangelho – que serão reveladas nos capítulos 3:21-5:11. Essa subdivisão é importante porque, se os homens não virem sua verdadeira condição e o perigo em que se encontram, não verão a necessidade de receber o remédio de Deus em Cristo, o Salvador.

Roma era onde estava o trono de César e onde ficava a corte suprema do império. Era considerado direito de todo cidadão romano que, se estivesse sob alguma acusação, pudesse apelar para César, e assim ter seu caso julgado perante a mais alta corte do império (At 25:11-12). Como as pessoas em Roma estavam familiarizadas com todo esse procedimento, Paulo usa-o como pano de fundo para a apresentação do evangelho que pregava. Nos capítulos seguintes, ele mostra que todos os homens estão sob uma acusação de terem pecado e que foram convocados à corte de Deus em relação a como viveram neste mundo. De uma maneira magistral, Paulo traz o mundo todo diante do tribunal de Deus e mostra que todos são culpados e estão sob a sentença do juízo divino porque “todos pecaram e destituídos estão [e estão aquém – JND] da glória de Deus” (cap. 3:23).

Como mencionado, o apóstolo não começa com as boas-novas do evangelho, que declara o que Deus pode fazer para a bênção do homem, mas começa enfatizando a necessidade do homem das boas-novas. Nesses capítulos, Paulo mostra que o homem não tem justiça em si mesmo. Ele não só se arruinou por meio do pecado, mas também, não há nada que possa fazer para se salvar de sua condição arruinada. Portanto, se alguém vai ser salvo, deve ser pelo que Deus faz pelo homem – não pelo que o homem pode fazer por si mesmo ou para Deus. Esta parte da epístola, portanto, estabelece os alicerces para a recepção das boas-novas do evangelho por uma pessoa.

Uma vez que sempre o caminho de Deus é produzir um sentimento de necessidade nas almas antes de encontrá-la em graça, Paulo passa a nos dar as más notícias sobre a raça humana antes de vir com as boas-novas do evangelho. Assim, os capítulos 1:18-3:20 revelam a injustiça do homem e, em seguida, os capítulos 3:21–5:11 declaram a justiça de Deus.

AS TRÊS GRANDES ESFERAS DA RAÇA HUMANA ESTÃO SOB A SENTENÇA DO JULGAMENTO DIVINO

O capítulo 1:18 figura como um título para essa subdivisão em relação à injustiça do homem. Ele menciona três aspectos da depravação do homem, que se correlacionam com as três esferas de toda a raça humana em que Paulo está prestes a dividir a humanidade. Ele mostra que a ira de Deus é contra:

- “Toda a impiedade” – É uma referência aos pagãos moralmente degradados – isto é, o mundo pagão. Isso será retomado no capítulo 1:19-32.

- “A injustiça dos homens” – Esta é uma referência ao grego civilizado – isto é, o mundo educado e culto. Isso será retomado no capítulo 2:1-16. - Aqueles “que detêm a verdade em injustiça” – Esta é uma referência ao judeu iluminado. Isso será retomado nos capítulos 2:17-3:8.

Assim, Paulo divide a raça humana em categorias principais que correspondem ao grau de luz que cada um recebeu de Deus. Ao fazê-lo, responde indiretamente à frequente pergunta: “E aqueles que nunca ouviram – eles perecerão em uma eternidade perdida?” A resposta é que não existe essa classe de pessoas no mundo que nunca ouviu falar. Todos tiveram alguma luz (testemunho) de Deus, independentemente de quando ou onde viveram na Terra. Portanto, todos os homens devem saber que existe um Deus e que são responsáveis para com Ele. Portanto, todos são “inescusáveis”. É verdade que nem todos tiveram o privilégio de ouvir “o evangelho da graça de Deus” que apresenta a Cristo, o Salvador e Sua obra expiatória na cruz (At 20:24), mas todos tiveram algum testemunho de Deus, e isso os tornam responsáveis perante Ele (cap. 14:12).

Como mencionado, as pessoas nestas três grandes esferas da raça humana têm graus variados de luz e, portanto, variados graus de responsabilidade. Ele mostra que:

- Os “pagãos” têm o testemunho da criação (cap. 1:20).

- O “grego” tem o testemunho da criação e o testemunho de uma consciência iluminada (cap. 2:15). - O “judeu” tem o testemunho da criação, o testemunho de consciência e o testemunho dos oráculos de Deus – as Escrituras do Velho Testamento (cap. 3:2).

(Não queremos dizer que os pagãos degradados estão sem consciência, mas porque vivem em tal escuridão moral e espiritual, suas consciências não funcionam em grau significativo. A função da consciência de um homem é semelhante à função de seus olhos – ambos precisam de luz. Uma pessoa pode ter visão 100%, mas se ela entrar em um lugar onde não há luz, seus olhos não funcionarão. Da mesma forma, uma vez que os pagãos degradados vivem em trevas morais e espirituais, suas consciências não funcionam corretamente.)

Nos capítulos seguintes, Paulo empilha prova sobre prova, evidência sobre evidência e Escritura sobre Escritura para demonstrar o fato solene de que tanto por natureza como por prática toda a raça humana está totalmente arruinada e depravada e, consequentemente, sob a sentença do justo juízo de Deus. Se os homens não responderem aos vários testemunhos que Deus deu de Si mesmo – seja na criação ou na plena luz do evangelho de Cristo – serão julgados de acordo com o grau de luz que tiveram. Mesmo dentro de cada uma dessas três grandes esferas, os homens tiveram diferentes graus de luz. Por exemplo, alguém que leu muito da Palavra de Deus (as Sagradas Escrituras), mas a rejeitou, é mais responsável do que alguém que leu apenas uma quantidade limitada da Palavra, mas também a rejeitou. Da mesma forma, alguém na profissão Cristã que ouviu o evangelho muitas vezes, mas o rejeitou, é certamente mais responsável do que alguém que o ouviu e rejeitou apenas algumas vezes (Lc 12:47-48). Este princípio é encontrado em toda a Escritura e mostra que Deus é justo.

OS GENTIOS NÃO CIVILIZADOS

Capítulo 1:19-32

Os Pagãos Estão Sob a Sentença do Julgamento Divino

Como Deus não julga injustamente, Paulo prossegue dando a razão pela qual os pagãos (o mundo pagão) estão sob a sentença do julgamento divino. Simplificando, eles ignoraram a revelação de Deus na criação.

Cap. 1:19-20 – O mundo pagão está sob juízo “Porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou. Porque as Suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o Seu eterno poder, como a Sua divindade, se entendem, e claramente se veem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis”. O contexto aqui mostra que Paulo está se referindo àqueles que não são alcançados pelo evangelho de Cristo e, portanto, nada sabem sobre a obra consumada de Cristo na cruz. Deus seria injusto em responsabilizar essas pessoas por não crerem no evangelho de Sua graça quando elas nunca o ouviram! Eles estão sob juízo por uma razão diferente – eles ignoraram a revelação que Deus lhes deu de Si mesmo na criação.

O uso de Paulo da palavra “mundo” no versículo 20 é “cosmos” no grego. Literalmente significa “ordem”. Isso indica que a criação tem um desenho ordenado (que vemos por toda parte) e, portanto, atesta a existência de um Desenhista ordenado. Como a criação prova a existência de um Criador, Deus revelou-Se claramente aos homens. O Salmo 19:1 declara: “Os céus manifestam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das Suas mãos; Um dia faz declaração a outro dia, e uma noite mostra sabedoria à outra noite”. Isto mostra que a criação tem uma voz; ela está nos falando da glória de Deus. Ao olhar para a criação (não apenas os céus, mas também a Terra), todo homem e mulher honestos saberão que Deus existe. É uma revelação limitada de Deus; no entanto, é o suficiente para fazer os homens responsáveis para com Ele “com Quem temos de tratar” (Hb 4:13). Há três coisas principais que a criação nos ensina sobre Deus:

- Ele é todo-poderoso (Rm 1:20 – “Seu eterno poder, como a Sua divindade”). Olhando para o universo, toda pessoa sóbria concluirá que somente Alguém com enorme poder poderia trazer à existência algo tão vasto. - Ele é infinitamente sábio e inteligente (Sl 147:4-5 – “Seu entendimento é infinito”). Olhando para o universo, toda pessoa sóbria concluirá que apenas alguém com conhecimento surpreendente poderia projetar algo tão intrincado e fazê-lo funcionar tão perfeitamente. - Ele é bom (At 14:17 – “E, contudo, não Se deixou a Si mesmo sem testemunho, beneficiando-vos lá do céu, dando-vos chuvas e tempos frutíferos, enchendo de mantimento e de alegria os vossos corações”). Olhando para o cuidado que Deus tem para com Suas criaturas, podemos concluir corretamente que Ele é um bom Deus. (Ocasionalmente Ele permite que catástrofes naturais, fomes, doenças, etc., ocorram em lugares específicos por razões específicas, mas no quadro geral, tal não é a atividade normal de Deus para com Suas criaturas).

A criação, no entanto, não nos diz que “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigênito” (Jo 3:16), o que somente é conhecido pelo evangelho da graça de Deus. Mas há na criação revelação de Deus o suficiente para fazer com que os homens O temam e se afastem das injustiças deles. Pedro afirma esse fato em Atos 10:35. Falando dos gentios não evangelizados, ele disse: “Mas que Lhe é agradável [aceito – TB] aquele que, em qualquer nação, o teme e obra o que é justo”. Assim, os homens podem e serão livrados do juízo eterno de seus pecados, se em fé eles simplesmente temerem a Deus e praticarem a justiça. Todos esses estarão seguros entre os redimidos no céu, mesmo que não tenham ouvido falar da obra consumada de Cristo na cruz. Isso não quer dizer que as pessoas possam chegar ao céu fazendo boas obras, mas que, se uma pessoa tiver verdadeira fé, sua fé se evidenciará em obras. Esses crentes não seriam parte da Igreja de Deus, que é uma companhia especial de pessoas abençoadas que creram no evangelho e foram seladas com o Espírito Santo e, portanto, fazem parte do corpo e da noiva de Cristo. Mas todos os que creem pelo simples testemunho da criação são parte da vasta “família” de Deus (Ef 3:15). Eles têm um lugar em sendo amigos do Noivo (Jo 3:29 – JND).

A Divindade refere-Se ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. A revelação limitada de Deus na criação não revela as três Pessoas na Divindade; tal requereria a vinda do Filho de Deus ao mundo para tornar conhecida esta verdade (Jo 1:18).

O argumento de Paulo aqui, no entanto, é que os pagãos não responderam em fé a essa revelação de Deus, e estão, portanto, sob a sentença de juízo. Eles são “inescusáveis” porque tiveram o testemunho da criação.

As Consequências de Ignorar-se a Revelação de Deus na Criação

Paulo prossegue mostrando que há sérias consequências morais e espirituais que resultam quando os homens ignoram intencionalmente a revelação que Deus deu de Si mesmo na criação. Ele menciona três coisas devastadoras que surgem entre os homens que deram as costas a Deus. Essas coisas explicam como os pagãos ingressaram em sua condição depravada.

1) O HOMEM SE VOLTA À IDOLATRIA (cap. 1:21-23)

Como o coração humano não pode existir em um estado de vácuo (ele deve ter um objeto), Paulo mostra que, historicamente, quando os homens deram as costas à revelação de Deus na criação, eles se voltaram para ídolos (falsos deuses) para preencher o vazio. Paulo diz: “Porquanto, tendo conhecido a Deus, não O glorificaram como Deus, nem Lhe deram graças, antes em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato [sem entendimento] se obscureceu. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos. E mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, e de aves, e de quadrúpedes, e de répteis”.

O homem começou com certo grau de conhecimento de Deus e certo grau de proximidade com Deus, mas deu as costas a isso e uma decadência se iniciou afastando-o de Deus, moral e espiritualmente. “Conhecido” (v. 21) é traduzido de “ginosko” no grego; refere-se ao conhecimento exterior e objetivo.4 (Não é “oida” – a outra palavra usada no Novo Testamento traduzida como “conhecer” – que é um conhecimento interior consciente adquirido por ter experiência pessoal com a coisa em questão). Portanto, o conhecimento que esses pagãos tinham de Deus era uma coisa apenas superficial. E, porque não foi misturado com fé, eles abriram mão do que conheciam de Deus, e a decadência em relação a Ele começou.

Os homens gostam de pensar que a raça humana evoluiu de formas inferiores de vida, mas Paulo mostra aqui que o homem não evoluiu, mas, ao contrário, regrediu – pelo menos moral e espiritualmente. O homem não começou em um estado depravado; isto foi o resultado de um processo. Os pagãos entraram em sua condição atual, longe de Deus, porque suas vontades prevaleciam. Eles não queriam ver a verdade (sobre Deus) e, consequentemente, perderam a capacidade de enxergá-la. Isso nos ensina que não podemos virar as costas a Deus e à luz que Ele nos deu, sem sérias consequências – a mente fica obscurecida e começa a decadência em direção à ignorância que resulta em idolatria.

O apóstolo traça a progressão da decadência em que os pagãos ingressaram ao abandonarem Deus.

- Eles se recusaram a honrar a Deus como Deus – “não O glorificaram como Deus” (v. 21). - Eles foram ingratos à bondade de Deus – “nem Lhe deram graças” (v. 21). - Eles começaram a especular sobre Deus – “antes em seus discursos se desvaneceram” (v. 21). - Eles perderam o pouco conhecimento que tinham de Deus – “seu coração insensato [sem entendimento] se obscureceu” (v. 21). - Eles se exaltaram em orgulho – “dizendo-se sábios” (v. 22). - Eles se tornaram insensíveis – “tornaram-se loucos” (v. 22). - Eles se voltaram para os ídolos – “mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem…” (v. 23).

Mesmo depois que o mundo pagão se voltou aos ídolos, o declínio continuou. Em seu estado confuso, seus pensamentos sobre Deus continuamente diminuíram. Primeiro, eles O adoraram como um “homem”, depois como “aves”, depois como “quadrúpedes” e, por fim, como “répteis”. O Salmo 115:4-8 diz que uma pessoa que adora ídolos mudos se torna tão sem sentido quanto seus ídolos; ela perde sua sensibilidade moral e espiritual. Isso é exatamente o que aconteceu com o mundo pagão. Assim, eles se tornaram “separados da vida de Deus pela ignorância que há neles, pela dureza do seu coração” (Ef 4:18). A gravidade do pecado da idolatria é que, na realidade ele consiste em adorar aos demônios (Lv 17:7; Sl 106:37; 1 Co 10:20).

Não há registro na Escritura de idolatria sendo praticada antes do dilúvio. A primeira menção dela está registrada em Jó 31:26-27, onde ele diz que não adoraria o Sol nem a Lua, como outros homens estavam fazendo. Josué 24:2 refere-se aproximadamente a esse mesmo tempo. Menciona que Terá adorava outros deuses nos dias anteriores à chamada de Abraão. A primeira menção de ídolos reais nas Escrituras é quando Raquel roubou as imagens de seu pai (Gn 31:30-35).

2) O HOMEM SE VOLTA PARA A IMORALIDADE (cap. 1:24-27)

Em um ato de julgamento governamental, como uma consequência direta de se afastar do conhecimento de Deus na criação, “também Deus os entregou às concupiscências de seus corações, à imundícia, para desonrarem seus corpos entre siPorque até as suas mulheres mudaram o uso natural, no contrário à natureza. E, semelhantemente, também os varões, deixando o uso natural da mulher, se inflamaram em sua sensualidade uns para com os outros, varão com varão, cometendo torpeza…”. Isso se refere ao pecado da homossexualidade. Deixar o homem ir a tal degradação foi a resposta de Deus ao abandono voluntário do homem do conhecimento de Deus. Ele deixou suas naturezas caídas pecaminosas terem controle sobre eles, e os mesmos se degradaram.

Isso mostra que se as pessoas tentarem transformar a verdade de Deus em mentira, e adorarem e servirem “mais a criatura do que o Criador” (isto é, a idolatria), toda a ordem da natureza é violada, e resulta em queda moral. Ensina-nos que, além do temor de Deus, não há nada que possa conter os maus desejos do coração humano. Em geral, quando os homens dão as costas à luz que receberam de Deus, sua moral degenera. Isto é o que aconteceu com o mundo pagão, e explica como entraram em seu estado desprezível.

Nestes versículos, Paulo menciona que Deus “os abandonou” de três maneiras:

- Em seus “corpos” (v. 24, 27; 1 Co 6:18). - Em suas “paixões” – suas almas (v. 26). - Na sua “mente” (v. 28 – KJV).

Assim, o homem – um ser tripartido – foi entregue para corromper seu corpo, sua alma e seu espírito. Deus o deixou provar do fruto de seus pecados que trouxe sobre si mesmo – “recebendo em si mesmos a recompensa que convinha ao seu erro” (v. 27).

3) O HOMEM SE VOLTA À VIOLÊNCIA E À INJUSTIÇA SOCIAL (cap. 1:28-32)

Uma terceira consequência dos homens dando as costas ao conhecimento de Deus na criação é que começaram a cometer todos os tipos de pecados antissociais contra seus semelhantes – violência e injustiça, etc. Paulo continua a dar uma lista definitiva de mais de 20 desses pecados. (“Fornicação” está nesta lista na KJV, mas não está no texto grego porque a série anterior de versículos já abordou isso. Estes versículos estão tratando de pecados antissociais – por exemplo, malícia, raiva, violência, engano, etc.). O comportamento em que o mundo pagão se degenerou mostra que a justiça prática não será encontrada entre os homens que não “se importaram de ter conhecimento de Deus”.

Os Pagãos Abandonaram Deus de Três Maneiras

- Em sua teologia (pecado contra Deus) – idolatria (vs. 21-23). - Em sua moralidade (pecado contra seus próprios corpos) – homossexualidade (vs. 24-27). - Em sua vida social (pecado contra seus semelhantes) – violência e corrupção (vs. 28-32).

Assim, no capítulo 1, o apóstolo mostrou conclusivamente que os pagãos são culpados e precisam ser salvos da pena de seus pecados. A beleza da mensagem do evangelho – a qual veremos – é que, embora os pagãos tenham se colocado em uma condição aparentemente sem esperança, não estão além do alcance da graça de Deus. “Deus os entregou” para fazerem aquelas coisas vis, como um julgamento governamental (que tem a ver apenas com o tempo), mas Ele não desistiu deles no que diz respeito à eternidade – eles ainda podem ser salvos. Paulo passa a mostrar (nos capítulos 3:21 a 5:11) que Deus ama todos os pecadores e que Ele pode e salva pessoas dessa classe de homens. Alguns dos Coríntios foram uma vez desse caráter, e Deus em graça os salvou (1 Co 6:9-11). Mesmo que o evangelho não os tenha alcançado em suas vidas, os pagãos receberam um testemunho suficiente de Deus na criação para fazer com que qualquer um que tenha fé se desvie de seus pecados e tema “a Deus” e faça “o que é justo” – e assim Lhe seriam “agradáveis [aceitos – TB] e salvos do eterno juízo (At 10:34-35).

OS GENTIOS CULTOS

Capítulo 2:1-16

Os Gentios Civilizados Estão Sob a Sentença do Julgamento Divino

Tomando uma visão em corte transversal dos gentios, podemos ver que nem todos eles são incivilizados, como descritos no capítulo 1. Uma grande parte do mundo gentio é bastante civilizada, educada e de aparência moralmente correta. Para que nenhum destes pense que estão isentos de julgamento, porque aparentemente parecem melhores do que os do capítulo 1, Paulo convoca essa classe de homens para o tribunal de Deus. Agora é a vez de eles serem examinados sob os olhos de Deus que tudo vê.

Cap. 2:1-16 – Essa classe civilizada de pessoas olha com indignação e repúdio à obscenidade do ignorante mundo pagão e aparentemente se distancia dele. Entretanto, suas vidas privadas (e maneira de pensar) não são realmente mais santas ou mais limpas do que as de quem condenam. Paulo, portanto, repreende esses gentios por acharem que são melhores do que os gentios degradados do capítulo 1. Ele diz: “Portanto, és inescusável quando julgas, ó homem, quem quer que sejas, porque te condenas a ti mesmo naquilo em que julgas a outro; pois tu, que julgas, fazes o mesmo” (v. 1). Essas pessoas estavam fazendo as mesmas coisas que as do capítulo 1, mas em um contexto de refinamento e respeitabilidade externa! Mostra-nos que educação e cultura não preservam a pessoa dos deleites da carne. Reconhecer o mal e julgá-lo nos outros não dá à pessoa o poder de superar o mal em sua própria vida.

O fato de essas pessoas serem capazes de julgar os pagãos no capítulo 1 mostra que sabem a diferença entre certo e errado. Isso significa que suas consciências (que dá à pessoa o conhecimento do bem e do mal – Gn 3:5) estão funcionando. Assim, Paulo mostra que esta classe de homens é realmente mais culpada do que os pagãos do capítulo 1, porque eles não apenas têm o testemunho da criação, mas também o testemunho de “sua consciência” (v. 15). Eles são mais responsáveis porque tiveram mais luz e, portanto, correm risco de maior juízo se não responderem em fé a esses testemunhos.

A grande consequência desses testemunhos de Deus (criação e consciência) serem ignorados é que o homem não apenas faz as coisas mencionadas no capítulo 1, mas também se torna crítico e hipócrita. Ele pode criticar os outros por fazerem coisas más, sem levar em consideração que ele mesmo tem feito “as mesmas coisas” (vs. 1 e 3).

É importante ver nesses capítulos que Paulo não está dividindo o mundo gentio de acordo com os tipos de pecados que os homens cometem, porque ambos os grupos de gentios cometem os mesmos pecados. De fato, alguns dos judeus (a próxima classe de homens que Paulo considera) também estavam fazendo essas coisas (1 Rs 14:24, 15:12, 22:46). Antes, Paulo está dividindo a humanidade de acordo com o grau de luz que os homens receberam. Os pecadores do capítulo 2 cometem os mesmos pecados que os pecadores no capítulo 1 – a única diferença é que eles os fazem de maneira aparentemente civilizada. Aqueles no capítulo 1, por outro lado, fazem essas coisas em franca vergonha e muitas vezes misturadas com as superstições ignorantes da idolatria. (Assim, não colocaríamos a comunidade homossexual da América no capítulo 1, mas no capítulo 2. Essas pessoas vivem no contexto de terem sido educadas e civilizadas, e são bem capazes de externamente se comportarem em sociedade de maneira aparentemente correta). É também importante entender que Paulo não está dizendo que cada pessoa nessas categorias comete todos os pecados que menciona; ele está falando do que caracteriza essas classes de pessoas em geral. Mesmo dentro dessas classes, algumas têm mais luz do que outras.

Sete Fatos Sobre o Julgamento de Deus

Uma vez que esses gentios hipócritas (farisaicos) e civilizados têm ideias erradas sobre justiça e juízo, Paulo prossegue explicando alguns dos grandes princípios do julgamento de Deus.

V. 2a – Primeiramente, o juízo de Deus é “segundo a verdade”. Isto é, o padrão no qual Deus mede o mal e encontra o juízo correspondente é de acordo com a verdade do que Ele é em Seu santo Ser. Os homens medem o mal pelos padrões que estabelecem (que estão em constante declínio), mas Deus mede o mal pela santidade de Sua natureza.

V. 3 – Em segundo lugar, ninguém escapa ao julgamento de Deus. Paulo diz: “E tu, ó homem… cuidas que… escaparás ao juízo de Deus?” A não ser que uma pessoa se volte para Deus em arrependimento, não há como escapar do juízo. A justiça divina exige que todo o pecado seja tratado com “a justa retribuição” (Hb 2:2), porque “justiça e juízo” são a base de Seu trono (Sl 89:14).

V. 4 – Em terceiro lugar, o julgamento de Deus é retardado para dar tempo aos homens de se arrependerem. Deus age em “paciência e longanimidade” em conexão com o exercício do Seu julgamento, e isso prova que Ele ama os pecadores e deseja que Sua “benignidade” os leve ao “arrependimento”. O apóstolo Pedro confirma isso, declarando que Deus “não quer que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se” (2 Pe 3:9). O retardamento do julgamento não deve ser considerado como um sinal de que Deus é indiferente ao mal, mas sim como sinal de Sua longânime paciência.

O arrependimento literalmente significa repensar a respeito de uma conduta errada que estávamos tendo, e por ter feito nosso julgamento sobre isso. Assim, o arrependimento em um pecador é a mudança de mentalidade sobre o curso de pecado e exercício de julgamento pessoal sobre ele. A realidade do arrependimento de uma pessoa será vista em uma mudança de comportamento em sua vida. Isso é chamado de “frutos dignos de arrependimento” (Mt 3:8).

Cap. 2:5-10a – Em quarto lugar, o julgamento de Deus é entesourado (acumulado) para todo incrédulo não arrependido “segundo as suas obras”. Isso nos mostra que Deus não trata indiscriminadamente em julgamento; é de acordo com coisas específicas que cada pessoa fez. O ponto aqui é que o juízo será adequado ao crime. Os pecadores perdidos não sofrerão pena por coisas que não fizeram; o juízo será aplicado “segundo as suas obras” (Ap 20:12).

Nos versículos 7-10, Paulo coloca diante de nós dois estilos de vida e seus respectivos destinos entre as pessoas não evangelizadas do mundo. Um estilo de vida, que é vivido com a simples fé de Deus, leva à “vida eterna”; o outro estilo de vida, vivido sem fé, termina em “indignação e a ira, tribulação e angústia”. Visto que a fé se evidencia nas obras (Tg 2:17-18), Paulo mostra que os feitos de um homem evidenciarão se ele tem fé ou não. Mesmo que ele não tenha sido alcançado com o evangelho da graça de Deus, ele manifestará sua fé pela “perseverança em fazer bem”. Se os tais “buscam – TB**”** (ou vivem para) **“glória, e honra e incorrupção”**, a eles será concedida **“vida eterna”**. O aspecto da vida eterna aqui é o que o crente terá quando alcançar o céu no estado glorificado. Como regra, o apóstolo Paulo fala da **“vida eterna”** como algo que o crente vai obter no final de sua senda (Rm 2:7, 5:21, 6:23; 1Tm 6:12, 19; Tt 1:2, 3:7). O apóstolo João, por outro lado, fala da **“vida eterna”**, que é a presente possessão de vida no Filho de Deus (1 Jo 5:11-13), a qual é manifestamente uma bênção Cristã. É um caráter especial da vida divina, que os Cristãos têm pela fé (Jo 3:15-16, 36) pela habitação do Espírito (Jo 4:14), pela qual desfrutam da comunhão com o Pai e o Filho (Jo 17:3).

Ao mencionar “perseverança”, Paulo está indicando que essas “boas obras” não é algo ocasional (o que até mesmo um incrédulo pode fazer), mas o caráter geral de suas vidas, como evidência de sua fé. Paulo não está ensinando que uma pessoa pode chegar ao céu fazendo boas obras; seria contrário a todo o teor de seus ensinamentos (ver Rm 4:4-5; Ef 2:8-9; Tt 3:5). Essas não são obras que um pecador pode tentar fazer para ser aceito por Deus, mas obras que uma pessoa que tem fé faz, porque nasceu de novo, e isso evidencia que tem fé. Nota: Paulo não diz que essas pessoas (que têm fé) esperam por uma vida junto com o Senhor Jesus Cristo no céu por terem crido que Ele morreu por eles na cruz, pois está considerando aqui aqueles que não são alcançados pelo evangelho da graça de Deus. Todos esses não conhecem as boas-novas a respeito de Cristo, mas o fim deles será a vida eterna (v. 7).

Ele diz que aqueles entre os gentios não evangelizados, que são “contenciosos” e “desobedientes à verdade e obedientes à iniquidade” terão “indignação e ira, tribulação e angústia” executadas por Deus sobre eles em seu final. Isso, ele diz, será a porção de “toda a alma do homem que obra o mal” e não se arrepende. Novamente, a “verdade” a qual Paulo está se referindo aqui (que essas pessoas rejeitam) não é a verdade do evangelho da graça de Deus, mas a verdade sobre Deus como revelada na criação e nas consciências dos homens. Vemos disto que há evidências suficientes no testemunho da criação e no testemunho da consciência do homem para condenar justamente os homens a uma eternidade perdida, se rejeitarem essa verdade.

Cap. 2:10b-11 – Em quinto lugar, o julgamento de Deus é sem parcialidade. Paulo diz: “Porque, para com Deus, não há acepção de pessoas” (v. 11). Quer a pessoa seja um “judeu” ou um “gentio [grego], o juízo recairá sobre todos os que fazem o mal. O judeu não vai escapar porque é uma pessoa privilegiada (Dt 7:6-7, 14:2), nem o gentio será capaz de alegar que é uma pessoa pobre e ignorante que não tinha conhecimento, e que, portanto, deveria ser desculpada. Essas coisas não influenciarão a Deus em Seu justo julgamento dos pecadores.

Cap. 2:12-15 – Em sexto lugar, o julgamento de Deus será de acordo com a medida de luz que uma pessoa recebeu. Paulo disse: “Porque todos os que sem lei pecaram sem lei também perecerão; e todos os que sob a lei pecaram pela lei serão julgados”. Obviamente que aqueles que tiveram a Lei de Deus (as Escrituras do Velho Testamento) tiveram mais luz do que aqueles que nunca leram ou ouviram a Palavra de Deus. Essa diferença será levada em consideração no dia do julgamento, e aqueles que tiveram a Lei serão julgados por seu padrão mais elevado. O Senhor disse: “E o servo que soube a vontade do seu senhor, e não se aprontou, nem fez conforme a sua vontade, será castigado com muitos açoites. Mas o que a não soube, e fez coisas dignas de açoites, com poucos açoites será castigado” (Lc 12:47-48). Assim, na linguagem mais clara, o Senhor ensinou que o juízo dos pecadores será graduado de acordo com o grau de culpa de cada pessoa.

Então, em um parêntese nos versículos 13-15 (KJV e JND), Paulo explica que mesmo que os gentios não tenham tido a Lei, não significa que estão desculpados. Ele diz que quando os gentios “fazem naturalmente as coisas que são da Lei”, demonstram a obra da Lei escrita em seus corações. Esse testemunho interior, em certo sentido “para si mesmos são lei”. Não que a Lei de Moisés esteja escrita em seus corações, mas que “a obra da Lei” lá está, porque suas consciências lhes deram o conhecimento do bem e do mal. Uma pessoa, portanto, não precisa ter uma lei formal dizendo que é errado matar, roubar e cometer adultério, etc. para saber que essas coisas estão erradas. O Criador escreveu indelevelmente em seus corações como devem viver sendo seres responsáveis e morais, e suas consciências dão testemunho disso.

Assim, além de ter o testemunho da criação, todos esses gentios cultos também têm esse testemunho interior (suas consciências) trabalhando em seus “pensamentos”, capacitando-os a conhecer a retidão ou o erro de suas ações. Eles estavam “acusando e também defendendo um ao outro” (KJV), e isso provou que suas consciências lhes deram um padrão moral para julgar uns aos outros, como visto no versículo 1. Este fato provou que suas consciências estavam agindo, e os fez mais responsáveis que os pagãos do capítulo 1, cujas consciências não agiam no mesmo grau.

Cap. 2:16 – Em sétimo lugar, o Juiz não é outro senão o Senhor Jesus Cristo. Paulo disse: “Deus há de julgar os segredos dos homens, por Jesus Cristo”. O próprio Senhor disse: “O Pai a ninguém julga, mas tem dado todo o julgamento ao Filho” (Jo 5:22). Paulo também afirma que há um “dia” (um tempo) vindouro, quando todos os pecadores perdidos serão julgados por seus pecados. O julgamento não será somente para pecados públicos; “os segredos dos homens” também serão julgados de acordo com a justiça divina. Isto acontecerá no Grande Trono Branco no final do tempo (Ap 20:11-15).

Um Resumo dos Fatos Relativos ao Julgamento de Deus

- É de acordo com a verdade (v. 2). - Ninguém escapa (v. 3). - É adiado a fim de dar aos pecadores a oportunidade de se arrependerem (v. 4). - É acumulado de acordo com os atos praticados pelos pecadores (vs. 5-10). - É sem parcialidade (v. 11). - Será aplicado de acordo com a medida de luz que uma pessoa teve (vs. 12-15). - O Juiz é o Senhor Jesus Cristo (v. 16).

Assim, no capítulo 2:1-16, o apóstolo mostrou conclusivamente que os gentios cultos neste mundo (o grego) estão tão perdidos quanto os gentios incivilizados (os pagãos). Ambos estão precisando da salvação de Deus.

OS JUDEUS ILUMINADOS

Capítulos 2:17–3:8

O Homem Religioso Favorecido com a Palavra de Deus Está Sob a Sentença do Juízo Divino

Paulo prossegue e diz: “Eis que tu que tens por sobrenome judeu. Ao se voltar para falar aos judeus, fica claro que ele passou para a terceira classe de homens na raça humana. Agora é a vez dos judeus iluminados serem intimados para comparecerem ao tribunal de Deus. Até agora, no indiciamento de Paulo, os judeus teriam concordado com tudo o que ele disse sobre os gentios que mereciam estar sob a sentença do juízo de Deus. Mas agora, nessa passagem, Paulo prossegue mostrando que os judeus não deveriam pensar que estavam isentos de alguma forma. Eles também são culpados e estão sob a sentença do juízo divino porque além de terem o testemunho da criação e o testemunho de suas consciências, também têm o testemunho “da Lei” de Deus – as Escrituras do Velho Testamento.

Por terem recebido privilégios especiais de Deus, os judeus têm uma falsa sensação de segurança em relação ao julgamento. Essa falsa segurança é baseada em um mal-entendido de três coisas:

- Eles eram descendentes de Abraão (Jo 8:33). - Eles eram os guardiões da Lei (Rm 3:2). - Eles eram circuncidados (Gn 17:11).

Assim, os judeus confiavam em sua hereditariedade, em seu conhecimento e em uma ordenança. Eles achavam que essas coisas garantiam que não seriam condenados quando saíssem deste mundo. Nesta próxima série de versículos, Paulo retoma essas três coisas, uma de cada vez, e mostra que nem a “Lei”, nem a “circuncisão”, nem ser um “judeu” podem abrigar uma pessoa da pena de seus pecados. De fato, ele mostra que aqueles sinais exteriores do favor de Deus na verdade tornam os judeus mais responsáveis do que os gentios que foram menos privilegiados.

A Lei Não Pode Proteger um Judeu do Julgamento

Cap. 2:17-24 – Os judeus “repousaram” no fato de que Deus lhes havia dado a Lei – as Escrituras do Velho Testamento. Eles viram isso como um sinal de que Deus os aprovou. Assim, criam que de todos os povos, eles estariam isentos do julgamento de Deus. Isto, no entanto, não é verdade; as próprias Escrituras sobre as quais eles descansaram ensinam que Deus julgará Seu povo (Sl 50:4, Sl 135:14; Am 3:2). Paulo prossegue mostrando que a luz que a Lei derrama sobre os homens não os protege do julgamento, mas sim expõe todos os que ficam aquém de seus padrões.

V. 18 – A responsabilidade dos judeus foi ampliada pelo fato de estarem familiarizados com as exigências declaradas na Palavra escrita de Deus. Conheciam a “vontade” de Deus e, portanto, eram capazes de “aprovar as coisas excelentes”. Eles podiam avaliar com precisão questões de diferenças sutis em relação à conduta moral porque eram “instruídos por Lei”. (“Sabes a Sua vontade” não poderia estar se referindo ao Mistério da Sua vontade em Efésios 1:9-10, porque isso não fora revelado no Velho Testamento (Rm 16:25; Ef 3:5, 9). É antes o conhecimento da Sua vontade em assuntos morais e práticos da vida).

Vs. 19-20 – Tendo e conhecendo a Lei, era a mente de Deus que os judeus fossem Seu instrumento para instruir os gentios nas coisas pertencentes ao reino de Deus. Paulo fala de quatro coisas nas quais os judeus se orgulhavam, como vaso especial de testemunho de Deus para o mundo. Eles eram:

- **“**Guia dos cegos”. - **“**Luz dos que estão em trevas”. - **“**Instruidor dos néscios”. - **“**Mestre de crianças”.

Seu objetivo ao apresentar isso era mostrar que os judeus eram muito mais responsáveis que os gentios, pois aqueles que ensinam a Palavra de Deus devem praticar as coisas que ensinam.

Vs. 21-24 – Paulo então faz aos judeus uma série de perguntas retóricas5 sobre se praticavam o que ensinavam. Ele responde suas próprias perguntas com o fato condenatório que não tinham praticado o que haviam professado ensinar, e assim provou que eram hipócritas. Ele diz: “Tu, que te glorias na Lei, desonras a Deus pela transgressão da Lei?”. Em vez de atrair pessoas para Deus, a hipocrisia deles tornara “o nome de Deus” “blasfemado entre os gentios”. Paulo cita Isaías 52:5 para apoiar esta acusação.

Paulo mostra que porque conheciam e ensinavam os requisitos de Deus na Lei, mas não os praticavam, eles eram muito mais culpados que as duas classes de gentios a quem já havia se dirigido. Tiago confirma isso; ele disse que todos os que assumem lugar de mestre estão em perigo do “mais duro juízo”, se falharem (Tg 3:1). Este foi definitivamente o caso com os judeus. Assim ter a Lei (v. 17), conhecer a Lei (v. 18) e ensinar a Lei (vs. 19-20) não salva o judeu – mas essas coisas o tornam extremamente responsável. Esse fato sustenta o que Paulo já estabeleceu no capítulo 2, referente ao julgamento de Deus – que o aumento da luz traz o aumento da responsabilidade.

A Circuncisão Não Vai Proteger um Judeu do Julgamento

Cap. 2:25-29 – Paulo passa para a próxima circunstância que deu aos judeus uma falsa sensação de segurança – o rito da “circuncisão”. Os rabinos não ajudaram em nada a esse respeito; eles erroneamente ensinaram que nenhum homem circuncidado em Israel poderia estar eternamente perdido. Isto é simplesmente uma inverdade.

Deus instituiu a circuncisão como um sinal de Sua aliança com Abraão e seus descendentes (Gn 17:10-11). Os judeus entenderam que isso era uma garantia irrevogável da bênção de Deus para com eles (Gn 15:5, 17:10). Já que estavam em um relacionamento tão seguro com Deus, criam que era impossível que Deus os julgasse, porque Ele estaria voltando atrás na Sua Palavra se o fizesse. Como Deus poderia julgar aqueles a quem prometeu abençoar?

Nesses versículos, Paulo explica que a circuncisão não protegerá uma pessoa do julgamento, assim como confiar na Lei não o fará. Ele mostra que um judeu precisava ter mais do que o sinal exterior da circuncisão em seu corpo para ser um verdadeiro judeu a quem Deus aprovou. Ele diz: “Porque não é judeu o que o é exteriormente, nem é circuncisão a que o é exteriormente na carne. Mas é judeu o que o é no interior, e circuncisão a que é do coração, no espírito, não na letra: cujo louvor não provém dos homens, mas de Deus”. Os judeus tinham a circuncisão que era “exteriormente na carne”, mas eles também precisavam da circuncisão que é “do coração” o que envolvia ter fé, se era para o destino eterno deles estar seguro. A circuncisão é um sinal exterior prometendo bênção externa a Abraão e seus descendentes. Isto estava relacionado a bênçãos temporais, tais como: posse da Terra de Canaã, crescimento abundante de colheitas, boa saúde, proteção contra seus inimigos terrenos, etc. Essas coisas temporais têm a ver com a vida na Terra sob o favor de Deus; elas não têm nada a ver com o destino eterno de uma pessoa. Os judeus, no entanto, confiavam erroneamente no rito da circuncisão, que tem a ver com a bênção temporal, e imaginavam que ela lhes assegurava a bênção eterna.

Os judeus não estão sozinhos nesse mal-entendido. Muitos Cristãos professos igualmente confiam no batismo, na associação de membros da igreja, nos votos de confirmação, etc., mas essas coisas não asseguram sua bênção eterna.

Paulo se refere à circuncisão de três maneiras

- Representa os judeus em nível nacional, em oposição aos gentios que são considerados como a incircuncisão (vs. 26-27; Gl 2:8-9). - Indica o verdadeiro rito em si – o literal procedimento cirúrgico realizado no corpo (v. 28; Gn 17:11). - Representa uma vida que é separada para Deus em fé da atividade da carne (v. 29; Fp 3:3).

O Ser um Descendente de Abraão Não Protegerá um Judeu do Julgamento

Cap. 2:28-29 – Paulo se volta para a terceira circunstância na qual os judeus confiavam falsamente – que eram descendentes de Abraão. Levar o nome de “judeu” significa que a pessoa é um dos descendentes de Abraão, e todo descendente de Abraão estava por nascimento, exteriormente, em um relacionamento de aliança com Deus (Gn 17:7). Se tivessem fé ou não, não mudava esse fato.

Nestes dois últimos versículos do capítulo 2, Paulo mostra que ter a mesma linhagem sanguínea de Abraão não protegerá um judeu de julgamento. Crer que uma pessoa está isenta da pena de seus pecados porque ela é da semente de Abraão é, na verdade, uma falsa noção. Há abundante testemunho da falsidade disso nas Escrituras. Em Mateus 3:7-9, João Batista disse: “E não presumais, de vós mesmos, dizendo: Temos por pai a Abraão; porque eu vos digo que mesmo destas pedras Deus pode suscitar filhos [crianças6] a Abraão”. João usou a palavra “crianças” para assim distinguir aqueles descendentes de Abraão que verdadeiramente tinham fé, indicando que nem todos os seus descendentes eram crianças de Abraão. Seu argumento é que Deus faria com que Abraão tivesse crianças – alguns homens e mulheres da nação iriam crer.

O próprio Senhor ensinou a mesma coisa em João 8:37-39. Ele disse: “Bem sei que sois descendência [semente – KJV] de Abraão; contudo, procurais matar-Me, porque a Minha palavra não entra em vós. Eu falo do que vi junto de Meu Pai, e vós fazeis o que também vistes junto de vosso pai. Responderam, e disseram-Lhe: Nosso pai é Abraão. Jesus disse-lhes: Se fôsseis filhos [crianças – KJV] de Abraão, faríeis as obras de Abraão”. Aqui, o Senhor faz distinção entre “a semente de Abraão – KJV**”** e **“as crianças de Abraão** – KJV**”**. Sua **“semente”** eram seus descendentes naturais, e suas **“crianças”** eram seus descendentes espirituais, que não apenas têm seu sangue, mas também sua fé.

Paulo também ensina isso mais tarde nesta mesma epístola. Ele disse: “Porque nem todos os que são de Israel são israelitas; nem por serem descendência [semente] de Abraão são todos filhos [crianças] (cap. 9:7-8).

Assim, ser um descendente natural de Abraão não significa que uma pessoa é automaticamente um filho espiritual de Abraão. Um verdadeiro judeu deve ser judeu tanto “interiormente” como “exteriormente”. Esse algo interior seria uma obra de fé “do coração”. De fato, Paulo mostra que o que é interior é infinitamente maior em importância do que o exterior, quando se trata dessas coisas vitais que têm a ver com o destino eterno de uma pessoa. Todas as vantagens dadas ao judeu não o protegerão do julgamento – esses privilégios só o tornam mais responsável. A séria conclusão de toda essa acusação contra a raça humana é que os judeus são, na verdade, os mais culpados dessas três classes de homens que Paulo examinou.

Cristãos Meramente Professos

Com o evangelho propagado por quase 2.000 anos, há agora uma grande porção da população do mundo que é ainda mais responsável do que os judeus! Esses são meramente Cristãos professos. (Nós os distinguimos daqueles que são Cristãos professos sinceros – verdadeiros crentes.) Esses professam crer na Palavra de Deus, incluindo o Novo Testamento (não como os judeus que aceitam somente o Velho Testamento), e foram iluminados pela revelação superior da verdade Cristã, mas não têm veracidade interior. Se, ao final, provarem não ter fé, eles receberão o maior juízo de todos, porque tiveram um maior grau de luz, “E, a qualquer que muito for dado, muito se lhe pedirá” (Lc 12:48).

Cristãos Não São Judeus Espirituais

Esta passagem em Romanos 2 foi erroneamente tomada para dizer que os Cristãos são “judeus espirituais” porque teria havido uma obra interior de fé em suas almas. Essa ideia vem de se colocar esses versículos fora do contexto. É um exemplo clássico de não “dividir corretamente a Palavra da verdade” (2 Tm 2:15 – KJV). Entender a linha básica da epístola aos Romanos, com suas várias seções e subseções, corrigiria rapidamente esse equívoco. Isso mostraria que Paulo não está aqui falando dos Cristãos, mas dos judeus em seu ambiente natural como judeus na economia judaica. O evangelho e suas bênçãos, pelas quais uma pessoa se torna Cristã, nem sequer entra na discussão até que Paulo atinja o capítulo 3:21. Até esse ponto da epístola, ele está mostrando a necessidade de salvação do homem – tanto entre os gentios quanto entre os judeus.

As pessoas pensam que esta passagem está ensinando que todo Cristão é judeu, mas o que ela realmente está ensinando é que nem todo judeu é judeu! Como mencionado, um verdadeiro judeu na religião dos judeus deve ter uma obra interior de fé no coração. Romanos 2:28-29 não está falando de Cristãos.

Quatro Objeções Que os Judeus Naturalmente Fariam em Defesa Própria

Chegamos agora àquela que talvez seja a passagem mais difícil de se entender de todos os escritos de Paulo – alguns dizem que é de toda a Bíblia!

Os judeus se opuseram veementemente ao ensino de Paulo de que eles estavam sob a sentença de juízo junto com o resto do mundo. Serem vistos como estando no mesmo nível que os gentios, lhes ofendia, no que diz respeito à necessidade de serem salvos. Em um esforço para provar que Paulo estava errado e desacreditar o evangelho que pregava, eles levantaram inúmeras objeções e críticas. Estando bem familiarizado com essas objeções, Paulo reitera quatro dos principais argumentos deles e as responde com sabedoria e lógica dadas pelo Espírito.

Cap. 3:1 – Depois de ler o que Paulo disse no capítulo anterior a respeito da falsa segurança dos judeus nas coisas religiosas, sua indagação natural seria: “Qual é logo a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão?” Em outras palavras, eles diriam: “Paulo, você está denegrindo os favores e privilégios que Deus nos concedeu, Seu povo escolhido. Certamente, se essas coisas foram dadas por Deus, elas devem ser certas e boas. E se elas são preciosas para Ele, não deveríamos tratá-las como se fossem inúteis”. Assim, eles acusavam Paulo de ensinar que os privilégios que Deus deu a Israel no judaísmo eram sem sentido. Ele foi acusado de desmerecer as coisas sagradas do judaísmo e para eles isso era semelhante à blasfêmia.

V. 2 – Paulo responde dizendo: “Muita, em toda a maneira, porque, primeiramente, as palavras de Deus lhe foram confiadas”. “Muita, em toda a maneira” significa que ele concordou que havia muitas vantagens em ser judeu – o mais importante, é que eles receberam “as palavras de Deus”. Esta é a voz profética de Deus nas Escrituras do Velho Testamento sobre a vinda de Cristo, o Messias. As palavras de Deus iluminaram os judeus em relação aos padrões morais de Deus, aos caminhos de Deus e às profecias referentes a Cristo. Mas essas coisas não seriam de vantagem para os judeus, a menos que fossem acompanhadas por uma obra interior de fé no coração. Esse era o problema deles; eles não haviam respondido em fé ao que as palavras de Deus haviam anunciado a respeito de Cristo. Assim, sua grande vantagem tornou-se naquilo que os condenou, porque, como nação, eles não receberam o Messias quando Ele veio.

V. 3 – Os judeus responderiam a isso com uma segunda objeção: “Pois quê? Se alguns foram incrédulos, a sua incredulidade aniquilará a fidelidade de Deus?” Eles sabiam que a nação não havia crido nas palavras de Deus em relação a Cristo e responderam dizendo: “Paulo, você está dizendo que a incredulidade dos judeus anula a fidelidade de Deus!”

V. 4 – Paulo responde dizendo: “De maneira nenhuma”. Essa é a primeira das dez ocorrências dessa frase na epístola7. Significa “certamente não”. Assim, Paulo concordou que a incredulidade dos judeus não poderia anular a fidelidade de Deus em relação as Suas promessas à nação. Ele então declara um princípio que todos devemos usar ao lidar com as Escrituras: “Sempre seja Deus verdadeiro, e todo o homem mentiroso [falso – JND]. Isto é: sempre que nos depararmos com um enigma nos caminhos de Deus, e o caso se apresente quanto a se é o homem ou Deus que está errado, sigamos sempre o princípio de que Deus é verdadeiro (certo), e todo homem falso (errado). Tomar o caminho inverso seria encontrar falhas em Deus e acusá-Lo de injustiça – que é do que judeus estavam acusando Paulo.

Paulo insistiu que Deus mantém a Sua Palavra e dá um exemplo em Davi. Ele o cita no Salmo 51:4: “Como está escrito: Para que sejas justificado em Tuas palavras, e venças quando fores julgado”. Davi desconsiderou as advertências na Palavra de Deus a respeito do juízo de Deus contra o pecado do adultério, e descobriu da maneira mais difícil que Deus mantém a Sua Palavra. Ele experimentou o julgamento (governamental) de Deus em relação ao seu pecado. Os pecados de Davi apenas confirmaram a veracidade da Palavra de Deus em conexão ao julgamento do pecado. Por isso, a incredulidade dos judeus não anulou as promessas de Deus – apenas desimpediu Deus de julgá-los por não terem crido.

V. 5 – Os judeus neste ponto distorceriam o que Paulo estava dizendo e o acusariam de minar a impecabilidade do caráter de Deus. Paulo sabia disso e declara sua terceira objeção: “E, se a nossa injustiça for causa da justiça de Deus, que diremos? Porventura será Deus injusto, trazendo ira sobre nós?” Em outras palavras, eles estavam dizendo: “Paulo, se você ensinar que Deus é glorificado pelos pecados dos judeus, então você está dizendo que o pecado glorifica a Deus! Dizer que Deus precisa dos nossos pecados para o louvor da Sua justiça é apresentar a Deus como tolerante ao pecado! Você está acusando Deus com injustiça!” Assim, os judeus o acusaram de desvirtuar o caráter de Deus. Para o caso de alguém ter pensado que Paulo realmente acreditava nessa ideia absurda, ele acrescenta em um parêntese: “Falo como homem”. Isto é, ele estava meramente apresentando o argumento pervertido deles.

V. 6 – Paulo responde a isso dizendo: “De maneira nenhuma: doutro modo, como julgará Deus o mundo?” Na verdade, ele estava dizendo: “Tal argumento é indigno de séria consideração, pois se fosse verdade, então Deus não teria base para julgar o mundo. Ele não poderia corretamente vingar o pecado e julgar os pecadores”. Isto não poderia ser verdade, porque as palavras de Deus claramente afirmam que Deus “julgará o mundo com justiça” por meio daqu’Ele a Quem a nação rejeitou (Sl 9:8, 96:13, 98:9, etc.).

V. 7 – Os judeus antagonistas continuariam forçando sua objeção anterior, acrescentando uma quarta objeção: “Mas, se pela minha mentira abundou mais a verdade de Deus para glória Sua, por que sou eu ainda julgado também como pecador?” Em outras palavras, eles disseram: “Se nossos pecados ajudam a glorificar a Deus, por que seríamos julgados por eles? Se o meu pecado vindica a verdade e glorifica a Deus, então como Deus pode encontrar falha em mim como pecador? Como Ele pode infligir juízo sobre nós por fazermos algo que resulta em Sua glória?”

V. 8 – Paulo responde a essa objeção dizendo: “E por que não dizemos (como somos blasfemados, e como alguns dizem que dizemos): Façamos males, para que venham bens?” Ele diz: “Não, isso não poderia estar certo, porque se você levar esse argumento à sua conclusão lógica, ele conduz à falsa filosofia de que o fim justifica os meios”. Paulo interrompeu o fluxo do argumento para dizer, em outro parêntese, que é exatamente isso que as pessoas estavam dizendo que ele e seus cooperadores estavam pregando – mas era calúnia. Paulo conclui o argumento com uma resposta curta: “A condenação desses é justa”. Assim, ele conclui que qualquer um que defenda sua justificação nesta linha receberá seu justo juízo.

Assim, nos capítulos 2:17-3:8, Paulo mostrou que todos esses argumentos humanos são falsos e não isentam os judeus de suas responsabilidades diante de Deus, nem da sentença de juízo que está sobre eles. Seus argumentos não os livraram de suas responsabilidades. O judeu erudito, portanto, com todas as suas vantagens religiosas também está sob juízo, assim como os gentios, e todos eles precisam de um Salvador.

Um Resumo das Objeções dos Judeus

- Paulo atacou os privilégios de Deus no judaísmo. - Paulo menosprezou as promessas de Deus. - Paulo blasfemou o caráter de Deus. - Paulo contestou os caminhos de Deus.

Observando essas três esferas nas quais Paulo dividiu a raça humana, vemos que:

- Ignorar o testemunho de Deus na criação torna os homens insensíveis (Eles vão adorar paus, pedras e répteis e se reduzir a coisas que são moralmente desprezíveis). - Ignorar o testemunho de Deus na consciência torna os homens críticos. - Ignorar o testemunho de Deus nas Escrituras, enquanto professa nelas crer, torna os homens hipócritas.

A CONCLUSÃO:

Todo o Mundo é Culpado Diante de Deus

Cap. 3:9-20 – Paulo agora chega a uma conclusão do acima exposto. Ele pergunta: “Pois quê? Somos nós(judeus) mais excelentes (que os gentios)?” Ele responde sua própria pergunta: “De maneira nenhuma” (v. 9a). Nesta declaração, ele reduz as três esferas da raça humana a um denominador comum – todos são pecadores. Deste ponto em diante em sua acusação, ele não vê mais a raça em três partes, mas a raça como um todo, e como tal a ela se dirige nos versículos 9-20.

A Acusação

V. 9b – Paulo continua a usar as imagens de uma cena de tribunal e apresenta uma acusação formal contra toda a raça humana – “Todos estão debaixo do pecado”. Ele diz: “Nós antes já provamos…”, mas a palavra “provamos”(KJV) não é exatamente a tradução correta aqui. A palavra no grego significa “lançar acusação contra”, e deveria ser traduzida, “já temos antes acusado…”. “Antes” está se referindo à soma do que declarou nos primeiros dois capítulos da epístola. “Debaixo do pecado” não se refere apenas a estar sob a culpa do pecado, mas também sob o domínio do pecado e o justo juízo do pecado.

O Indiciamento

Nos versículos 10-18, vemos o homem pecador no banco do Tribunal de Justiça divina sendo acusado por 14 denúncias.

- “Não há um justo, nem um sequer” (v. 10). Isso mostra que o homem em seu estado natural não tem justiça própria. - “Não há ninguém que entenda” (v. 11a). Isso mostra que a mente do homem está danificada pelo pecado e agora é incapaz de apreender os assuntos divinos (1 Co 2:14). - “Não há ninguém que busque a Deus” (v. 11b). Isso mostra que a vontade do homem é má; ele não quer uma relação com Deus. - “Todos se extraviaram” (v. 12a). Isso mostra que o homem se desviou do caminho de Deus e está longe d’Ele. - “E juntamente se fizeram inúteis” (v. 12b). Isso mostra que os homens em seu estado decaído não podem ser usados para o propósito para o qual foram criados. - “Não há quem faça o bem, não há nem um só”(v. 12c). Isso está falando do curso geral da vida humana; não está falando de atos isolados de bondade que os homens possam fazer ocasionalmente. - “A sua garganta é um sepulcro aberto” (v. 13a). Esta declaração tem a ver com a má linguagem do homem; a corrupção e a contaminação saem da sua boca como o fedor que sai de uma sepultura aberta (sepulcro). - “Com as suas línguas tratam enganosamente” (v. 13b). Motivos corruptos estão por trás de muito do que dizem os homens. - “Peçonha de áspides está debaixo de seus lábios” (v. 13c). As palavras do homem também podem ser vingativas. - “Cuja boca está cheia de maldição e amargura” (v. 14). As palavras do homem podem estar cheias de ódio. - “Os seus pés são ligeiros para derramar sangue” (v. 15). A tendência da vida humana tem sido em direção à violência – guerras e conflitos civis abundaram ao longo da história. - “Em seus caminhos há destruição e miséria” (v. 16). Muitos dos problemas e tristezas deste mundo vieram sobre os homens por causa de seus próprios maus caminhos. - “E não conheceram o caminho da paz” (v. 17). Como resultado do pecado do homem, o mundo nunca conheceu a paz real. - “Não há temor [respeito] de Deus diante de seus olhos” (v. 18). A raça humana como um todo vive sem referência a Deus e sem temor reverente a Ele.

Resumo Tríplice do Indiciamento

- Vs. 10-12 O que o homem é – depravado em caráter (seu caminho). - Vs. 13-14 O que o homem diz – depravado na conversação (suas palavras). - Vs. 15-18 O que o homem faz – depravado na conduta (suas obras).

Assim, Paulo não apenas colocou acusações diante de Deus contra toda a raça humana em relação à sua culpa, mas também provou – com 14 denúncias – que as acusações são verdadeiras! (Esses pontos sobre a depravação do homem são citações de sete escrituras do Velho Testamento – Sl 14:1-3, 5:9, 140:3, 50:19, 10:7; Is 59:7-8; Sl 36:1).

Cap. 3:19 – Paulo conclui dizendo: “Ora, nós sabemos que tudo o que a Lei diz aos que estão debaixo da Lei o diz, para que toda a boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus”. Seu ponto aqui é que quando Deus deu a Lei a Israel, estava usando Israel como uma amostra de toda a raça humana. Quando a Lei provou que Israel estava em completo fracasso, Deus corretamente concluiu que todos (judeus e gentios) ficaram aquém de Seus santos padrões. Isso se baseia no uso de Paulo da expressão “para que”. As coisas que a Lei disse a Israel sobre o fracasso deles, implicaram o mundo inteiro como culpado. W. Macdonald ilustrou este ponto dizendo: “É o mesmo quando um inspetor de saúde pega um tubo de ensaio de água de um poço e testa a água e a encontra poluída; ele então declara o poço todo poluído”. Se a Lei provou que Israel ficou aquém, provou que toda a raça humana ficou aquém.

O Veredito

Assim, seguindo as imagens do tribunal que Paulo tem usado, a oportunidade, por assim dizer, é dada para aqueles sob acusação, fazerem sua defesa. No entanto, a evidência é tão esmagadora contra toda a humanidade que “toda a boca” é “fechada” e todo o mundo permanece “condenável diante de Deus”.

Cap. 3:20 – Tendo sido provado como culpado, o acusado pode pensar que pode apelar da sentença com base em suas (supostas) boas obras por guardar a Lei. Mas Paulo contrapõe isso mostrando que não há chance de se apelar com base nisso, porque “nenhuma carne será justificada diante d’Ele pelas obras da Lei”. Jó também condena qualquer tentativa de justificação própria diante de Deus. Ele diz: “Se eu me justificar, a minha boca me condenará; se reto me disser, então me declarará perverso” (Jó 9:20).

Isso leva Paulo a fazer uma última observação sobre o propósito da Lei. Ele diz: “porque pela Lei vem o conhecimento do pecado”. Para esclarecer qualquer mal-entendido, ele afirma que a Lei não foi dada aos homens para que pudessem se justificar, mas para que tivessem “o conhecimento do pecado”. Quando a Lei é aplicada aos homens como o padrão santo de Deus, ela testemunha o fato de que todos os homens são pecadores totalmente arruinados. Da mesma forma, um carpinteiro usará um nível para estabelecer uma linha reta, a partir da qual irá construir um projeto. Ao estabelecer um plano nivelado, poderá determinar se os outros componentes com os quais está trabalhando são adequados, comparando-os com essa linha reta. Novamente, um espelho é útil para ver se nossos rostos estão sujos, mas não os pode lavar; não foi feito para esse propósito. Logo, a Lei foi dada para convencer os homens de seus pecados e ajudá-los a ver sua pecaminosidade mais claramente (cap. 5:20). Ela não pode e nunca pretendeu salvar homens do julgamento de seus pecados.

A JUSTIÇA DE DEUS

DECLARADA NO EVANGELHO
Capítulos 3:21-8:39

Nos capítulos 1:18-3:20, Paulo mostrou conclusivamente que todos os homens são pecadores e, como consequência, estão, com justiça, sob a sentença do juízo divino. Ele também deixou abundantemente claro que os homens não podem salvar-se do julgamento de seus pecados. Assim, se alguém vai ser salvo, isso deve vir de alguma outra fonte e por outros meios que não os do homem. A boa notícia é que Deus ama todos os homens e está grandemente interessado em sua bênção (Jo 3:16-17), e Ele assegurou um meio de salvar os homens sem comprometer Sua santidade. É, portanto, com uma sensação de alívio que nos voltamos da triste história do pecado do homem para encontrar nos capítulos 3:21-8:39 que Deus tem um caminho por meio da graça para salvar e abençoar os homens. Nos próximos capítulos, Paulo responde à pergunta feita no livro de Jó: “Como se justificaria o homem para com Deus?” (Jó 9:2; 25:4)

A Necessidade Universal do Homem Satisfeita Pela Graça de Deus de Três Maneiras

Antes de prosseguirmos com o remédio de Deus para a condição pecaminosa do homem, permita-nos resumir a grande necessidade do homem de três maneiras, pois é uma sequência natural para a próxima seção da epístola.

- Em primeiro lugar, o homem está arruinado externamente. O pecado rompeu as relações felizes que uma vez existiram entre Deus e o homem, e há agora um afastamento da parte do homem em relação a Deus. - Em segundo lugar, o homem está arruinado internamente. O pecado causou estragos no coração e na vontade do homem. Em vez de ser o dono de si mesmo, ele se tornou escravo de sua natureza caída pecaminosa. É cativo de seus hábitos e pecados que o controlam e isso é evidente em sua vida. - Em terceiro lugar, o homem está arruinado fisicamente. O pecado também produziu a ruína de toda a criação inferior. Como resultado, os corpos dos homens (e todos os seres vivos) ficaram sujeitos a doenças e morte. Assim, a morte marcou toda a criação.

Nesta próxima série de capítulos, Paulo traz as boas-novas do evangelho e explica que Deus tem um triplo remédio para a tríplice condição do homem. Isso é desenvolvido em três subdivisões nesta seção da epístola.

Nos capítulos 3:21-5:11, Paulo explica que a justiça de Deus satisfez a necessidade do homem quanto à sua alienação de Deus, assegurando redenção, perdão, justificação e reconciliação para aqueles que creem. Nesta seção da epístola, Paulo trata com a questão dos pecados do homem (as más ações que fizemos). Ele mostra como Deus pode justamente colocar de lado os pecados do crente e livrá-lo do justo castigo, por meio da fé no sangue de Cristo.

Nos capítulos 5:12-8:17, Paulo explica que Deus também atendeu às necessidades internas do homem, proporcionando um meio de libertação da obra interior de sua natureza caída pecaminosa. Nessa seção da epístola, Paulo trata com a questão do pecado (a natureza caída em nós, chamada “a carne”) e mostra como Deus pode libertar o crente de seu poder por meio da nossa identificação com a morte de Cristo.

No capítulo 8:18-30, Paulo explica ainda que Deus tem libertação para o homem da condição arruinada de seu corpo quando da vinda de Cristo – o Arrebatamento. Naquele momento, os corpos dos crentes serão transformados e glorificados e feitos como o corpo físico de glória de Cristo (1 Co 15:51-56; Fp 3:21). Animais e vegetação na criação inferior serão libertos cerca de sete anos depois, na Aparição de Cristo, quando os filhos de Deus (Cristãos) serão manifestados como tais perante o mundo (Rm 8:19-22).

Assim, os principais temas dessas três subdivisões são:

- Libertação da PENA dos pecados – por meio da justificação e reconciliação (cap. 3:21-5:11). - Libertação do PODER do pecado – que resulta em santificação prática (cap. 5:12-8:17). - Libertação da PRESENÇA do pecado na vinda do Senhor, efetuando a glorificação (cap. 8:18-30).

Nessas três coisas juntas, vemos que o evangelho apresenta uma salvação completa para o pecador que crê.

O capítulo 8:31-39 fecha esta seção da epístola com uma tese sobre a segurança do crente em Cristo.

Justificação, Libertação e Redenção

Há duas coisas que o Cristão precisa para ter paz duradoura e estabilidade espiritual – justificação e libertação. Uma tem a ver com ser considerado justo diante de Deus, e o outra tem a ver com ser feito justo diante dos homens na prática. Há uma terceira coisa de que precisamos que nos preparará para habitarmos com Deus acima no céu como seres glorificados – a redenção de nossos corpos (cap. 8:11, 23). Por isso, precisamos:

- JUSTIFICAÇÃO pelo que fizemos. Ela é efetuada pela aplicação do sangue de Cristo por fé, e é revelada nos capítulos 3:21-5:11. - LIBERTAÇÃO do que somos. Ela é efetuada pela identificação com a morte de Cristo pela fé e é revelada nos capítulos 5:12-8:17. - REDENÇÃO da corrupção física em nossos corpos, para que possamos viver em nosso destino final no céu. Ela será efetuada na vinda de Cristo (o Arrebatamento), e é revelada no capítulo 8:18-30.

LIBERTAÇÃO DA PENA DE PECADOS

Capítulos 3:21-5:11

Paulo começa esta subdivisão da epístola com: “Mas agora…”. Esta é uma expressão fundamental que indica que ele está agora se voltando para algo em contraste com o que vinha falando. Ele vinha nos dando as más notícias sobre a raça humana; agora ele vai apresentar as boas notícias que Deus tem para o homem caído. Portanto, a revelação das bênçãos do evangelho começa aqui no capítulo 3:21. Deste versículo até o capítulo 5:11, Paulo explica como Deus em justiça pode salvar os pecadores que creem em Seu Filho, por meio de Sua obra de justificação e reconciliação.

A JUSTIÇA DE DEUS

Capítulo 3:21-31

Capítulo 3:21 – Ele diz: “Mas agora se manifestou sem [separada da] a Lei a justiça de Deus”. Nesta declaração, Paulo nos leva à cruz de Cristo. A justiça de Deus foi ali “manifestada” em sua perfeição para todos verem. (No grego, esta frase está em um tempo verbal que indica que a manifestação da justiça de Deus é algo que ocorreu e agora permanece como um testemunho para todos contemplarem). A manifestação da justiça de Deus não é algo que Ele faz nas pessoas para fazê-las entender e crer no evangelho. (Essa é uma obra diferente de Deus produzida pelo poder vivificador do Espírito, que os que ensinam sobre a Bíblia chamam de “iluminação”.) Em vez disso, a manifestação da justiça de Deus aponta para algo que Deus fez na cruz e o tornou conhecido por meio do evangelho para todos entenderem e crerem. Se as pessoas olhassem para a cruz de Cristo com o entendimento que a fé dá, elas veriam a justiça de Deus manifestada em sua perfeição.

Como mencionado em nossos comentários no capítulo 1:17, “a justiça de Deus” tem a ver com a maneira pela qual Deus é capaz de salvar os pecadores sem comprometer o que Ele é em Si mesmo como um Deus santo e justo. O fato de que Paulo diz que essa justiça é “de Deus” mostra que Deus é a fonte dela. Ele criou o plano de salvação para o homem.

A necessidade da justiça de Deus é grande. O pecado do homem criou um dilema. Sendo que Deus é um Deus de amor, Sua própria natureza requer a bênção do homem, porque Ele ama todos os homens. Mas, sendo um Deus santo, Sua natureza santa justamente exige que o homem seja punido por seus pecados (Sl 89:14; Hb 2:2). Se Deus agisse de acordo com o Seu coração de amor e trouxesse homens para a bênção sem julgar seus pecados, seria à custa de Sua santidade, e assim Ele deixaria de ser justo. Ele não pode fazer isso e ainda ser justo. Por outro lado, se Deus agisse apenas de acordo com Sua natureza santa e julgasse homens de acordo com as reivindicações da justiça divina, todos os homens seriam com justiça enviados para o inferno – mas o amor de Deus nunca seria conhecido. Como então Deus pode salvar os homens e ao mesmo tempo permanecer justo? É aqui que o evangelho surge tão ternamente. Declara a justiça de Deus e anuncia as boas-novas de que Ele encontrou uma maneira de satisfazer Suas santas reivindicações contra o pecado e, ao mesmo tempo, alcançar em amor para salvar os pecadores que creem.

Tudo isso é por causa do que Ele fez na cruz de Cristo; foi lá que Deus assumiu toda a questão do pecado e a resolveu para a Sua própria glória e para a bênção do homem. Ele enviou Seu Filho para ser o Emissário do pecado, e em Sua morte sacrificial, Deus julgou o pecado de acordo com as exigências de Sua santidade. Na cruz, o Senhor Jesus tomou o lugar do crente diante de Deus e carregou o juízo dos pecados em Seu “corpo sobre o madeiro” (1 Pe 2:24). Sua obra “consumada” na cruz (Jo 19:30) rendeu uma satisfação completa às reivindicações da justiça divina e pagou o preço pelos pecados do crente, e também por toda a contaminação do pecado na criação (Hb 2:9 – “para que provasse a morte por todas as coisas” – JND). Mais do que isso, na cruz, o amor de Deus foi exibido da melhor forma, pois Ele deu Seu Filho unigênito como Emissário do pecado. Com a questão do pecado totalmente resolvida, Deus veio aos homens com as boas-novas de que Ele pode – em uma base justa – redimir, perdoar, justificar e reconciliar o pecador que crê. Assim, o evangelho apresenta Deus como sendo “Justo e Justificador daquele que tem fé em Jesus” (cap. 3:26). Nada funcionará melhor para a paz do crente do que aprender que Deus o salvou e que Ele fez isso com justiça.

É interessante notar que, ao apresentar o evangelho nesta passagem em Romanos, Paulo não começa com o amor de Deus, mas sim com a justiça de Deus. Isto é porque as reivindicações de Deus contra o pecado devem ser satisfeitas primeiro, antes que o amor de Deus possa ser proclamado ao homem.

A perfeita justiça de Deus

É testemunhada no sangue do Salvador;

É na cruz de Cristo que encontramos

Sua justiça, contudo graça maravilhosa.

Deus não poderia deixar passar o pecador,

Seu pecado exige que morra;

Mas na cruz de Cristo vemos

Como Deus pode salvar, ainda que seja justo.

O pecado pousa na cabeça de Jesus

É no Seu sangue que a dívida do pecado é paga;

Justiça severa não pode exigir mais,

E a misericórdia pode entregar sua provisão.

Hinário The Little. Flock. nº 67 Ap.

Paulo também diz que a justiça de Deus é “separada da Lei”. A Lei mosaica, como sabemos, é um sistema baseado em obras que recompensa o homem por fazer o que é certo (Lc 10:28) e condena o homem por fazer o que é errado (Tg 2:10). Ao declarar que a justiça de Deus é “sem” Lei, Paulo estava indicando que essa bênção que Deus tem para o homem lhe é assegurada em um princípio completamente diferente daquele que dependia do seu comportamento. A justiça de Deus, portanto, não é o que o homem pode fazer para se salvar; é sobre o que Deus já fez. Assim, a justiça de Deus não é Deus exigindo algo do homem (como a Lei faz), nem é o homem agindo por Deus (como as religiões feitas pelo homem tentam fazer), mas sim, é Deus agindo para o homem em amor e graça para salvar os pecadores, mas, ao mesmo tempo, não comprometendo o que Ele é como um Deus santo e justo.

Paulo também acrescenta: “tendo o testemunho da Lei e dos profetas”. Isso significa que a justiça de Deus em prover salvação para os homens foi predita em tipos e sombras da Lei, e também foi anunciada pelos profetas de Israel (ver capítulo 1:2). Existem várias referências a essas coisas no Velho Testamento. Por exemplo, no Dia da Expiação (Levítico 16), o sumo sacerdote colocava sangue de uma vítima “sobre o propiciatório”, apontando em tipo para a obra de Cristo satisfazendo as reivindicações de Deus contra o pecado. Ele também colocava um pouco do mesmo sangue no chão “diante do propiciatório”, apontando também em tipo para a obra de Cristo assegurando a base da redenção na qual o crente repousa. Outro exemplo é encontrado no Salmo 85:10. Ele diz: “A misericórdia e a verdade se encontraram: a justiça e a paz se beijaram”. Esta é uma referência à obra consumada de Cristo, atendendo às santas reivindicações de Deus contra o pecado e abrindo caminho para que Deus alcance em amor aos pecadores.

A Justiça de Deus Não é Algo Transmitido, Derramado, Transferido ou Comunicado aos Crentes

Algumas traduções modernas afirmam: “uma justiça que provém de Deus” (Rm 1:17, 3:21, 10:3 – NVI) ou “a justiça que procede de Deus” (Fp 3:9 – NVI), mas estas não são as melhores traduções. Em primeiro lugar, “uma justiça” induz ao erro. Isso soa como se Deus tivesse muitas diferentes justiças à mão e simplesmente escolheu uma para o crente. Sobre esse erro, J. N. Darby observou: “Uma justiça de Deus, já notei, é como se houvesse várias… ora isso muda todo o sentido da passagem” (Collected Writings, vol. 33, pág. 86).

Em segundo lugar, traduzir como “que provém de Deus” ou “que procede de Deus” transmite o pensamento de que a justiça de Deus é algo que é transmitido ao crente ou colocado sobre ele. Isto, no entanto, não é verdade, porque se Deus deu a Sua justiça para nós, que é o que essa frase sugere, então Ele não a teria mais! Em relação a essa ideia equivocada, W. Scott disse: “Deus não pode conceder aquilo que é essencial para Si mesmo” (Unscriptural Phraseology, pág. 10). Ele também disse: “Não é a colocação de uma quantidade de justiça em um homem” (Doctrinal Summaries, pág. 15). Sobre isso, J. N. Darby comentou: “Um homem sendo justo é sua posição aos olhos de Deus, não uma quantidade de justiça transferida para ele” (Collected Writings, vol. 23, pág. 254). F. B. Hole disse: “Não devemos ler essas palavras [‘justiça de Deus’] com uma ideia comercial em nossas mentes, como se elas significassem que viemos a Deus trazendo um tanto de fé pela qual recebemos em troca um tanto de justiça, assim como um lojista do outro lado do balcão troca bens por dinheiro” (Outlines of Truth, pág. 5). Deus deu a justiça (Rm 5:17) no sentido de tê-la assegurado para a humanidade em Cristo ressuscitado e glorificado. Assim, Cristo nos foi feito justiça (1 Co 1:30), e Ele é a nossa justiça (2 Co 5.21; compare Jeremias 23:6, 33:16).

A Justiça de Cristo – Uma Expressão Não Bíblica

“A justiça de Cristo” é outro termo que é frequentemente usado por Cristãos, mas essa expressão não é encontrada nas Escrituras. Muitos o usam em referência à perfeita vida de obediência de Cristo, e imaginam que isso foi imputado à conta do crente como justiça. Certamente é verdade que a vida de Cristo na Terra foi perfeita – Ele era santo e justo em todos os Seus pensamentos, palavras e ações – mas Sua vida perfeita não foi vigária (substitutiva). As escrituras não ensinam que os méritos da vida perfeita de Cristo são imputados ao crente como justiça. É o que Cristo realizou em Sua morte – não em Sua vida – que tornou possível a Deus salvar as pessoas que creem. É isso que anunciamos no evangelho. Se a vida justa de Cristo pudesse ser imputada ao crente como justiça, e o crente pudesse assim ser salvo e abençoado por Sua vida, por que Deus quereria Cristo passando pela agonia da cruz com todo os sofrimentos dela?

Fé em Jesus Cristo

Cap. 3:22-23 – Paulo passa a falar sobre os meios pelos quais chegamos ao bem do que a justiça de Deus assegurou. É “pela fé em Jesus Cristo” (Tradução W. Kelly). Simplificando, o que a justiça de Deus assegurou ao homem (isto é, a salvação de nossas almas) é apropriada por uma pessoa que tem fé no Senhor Jesus Cristo. Este é o meio simples pelo qual as pessoas são salvas. Paulo insistiu nisso por todo lugar onde passou pregando o evangelho. Para serem salvos, os homens precisam “da conversão a Deus, e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo” (At 20:21, 16:31).

O desejo de Deus para todos os homens é que eles se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade (1 Tm 2:4). Portanto, o que foi assegurado na cruz pela justiça de Deus é “para todos e sobre todos os que creem”. (A maioria das traduções modernas omitem a frase “e sobre todos”, mas o Sr. Kelly explicou detalhadamente que a frase deveria estar no texto, como a KJV e a Tradução J. N. Darby indicam. (Veja Bible Treasure, vol. 6, págs. 376, vol. 13, pág. 350, vol. 16, 277-278, vol. N3, págs. 264-265, vol. N6, pág. 264, Notes on the Epistle to the Romans, pág. 43-44.) Essa boa notícia é “para todos” porque todos os homens precisam da salvação de Deus, mas é apenas “sobre todos” os que creem.

Nenhuma Diferença

Paulo acrescenta: “Porque não há diferença. Porque todos pecaram e destituídos estão [estão aquém – KJV] da glória de Deus”. Quando se trata da necessidade universal do homem, “não há diferença” – todos os homens precisam ser salvos. As pessoas se opõem a esta afirmação porque veem uma diferença objetiva entre os homens, no que diz respeito aos erros que cometeram; alguns claramente viveram mais pecaminosamente do que outros. Aqueles que pecaram menos não gostam de ser classificados com aqueles que pecaram mais, porque sentem que são melhores. Eles dirão: “Eu não sou tão mau quanto aquele assassino, etc.”. No entanto, não é isso o que Paulo está ensinando aqui. Ele admite plenamente que há uma diferença entre os pecadores e estabeleceu esse fato nos capítulos 1:18-3:20. O “não há diferença” de que Paulo está falando neste versículo é em relação aos homens que estão aquém da glória de Deus e dos padrões de santidade de Deus. Sem exceção, todos estão aquém. “Não há diferença”todos estão perdidos e todos estão se dirigindo para a eternidade no inferno, onde pagarão a pena pelos pecados que cometeram – se não aceitarem a Cristo como seu Salvador.

O Sr. Albert Hayhoe costumava ilustrar isso nos pedindo para imaginarmos uma competição de natação ocorrendo no lado oeste da ilha de Vancouver. Do outro lado do Oceano Pacífico estava o objetivo – o Japão. Na beira da água ouvimos homens conversando. Um homem diz: “Eu posso nadar 20 quilômetros!” Outro homem diz: “Eu posso nadar 10 quilômetros!” Um terceiro homem diz: “Eu posso nadar um quilômetro”. Um quarto diz que ele não pode nadar nada. Se todos eles pulassem na água e rumassem ao Japão, “não haveria diferença” entre os competidores, todos fracassariam e ficariam aquém do destino. Da mesma forma, mesmo que alguns homens sejam piores pecadores que outros, não há diferença entre eles, pois todos ficaram aquém da glória de Deus.

Justificado e Redimido em Cristo Jesus

Cap. 3:24 – Visto que o grande desejo de Deus é que os homens sejam salvos do juízo de seus pecados (1 Tm 2:4), Paulo continua falando da grande libertação que Deus concede àqueles que creem no Senhor Jesus Cristo. Ele diz que eles são “justificados gratuitamente pela Sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus”. Esta declaração envolve a nova posição e condição do crente; somos justificados e redimidos em Cristo Jesus.

Justificação

“Justificado” significa que o crente foi inocentado de toda acusação de pecado que havia contra ele ao ser levado a uma nova posição diante de Deus, pela qual não é mais visto por Deus como um pecador. É um ato de Deus pelo qual um pecador ímpio é considerado justo na mente de Deus. Assim, a posição legal da pessoa no céu é alterada, e ele é “feito” justo diante de Deus (cap. 5:19).

Duas Partes para Justificação

Existem duas partes para a justificação: um lado negativo e um lado positivo.

- O lado negativo tem a ver com ser absolvido “de tudo” – ou seja, das acusações de pecado contra nós (At 13:39). - O lado positivo tem a ver com o crente estando em uma posição inteiramente nova diante de Deus em Cristo, onde nenhuma outra acusação pode ser trazida contra ele (Gl 2:17 – “justificados em Cristo”). H. E. Hayhoe observou: “A justificação no Cristianismo sempre leva o crente a uma nova posição diante de Deus. O crente é justificado como estando ‘em Cristo’ diante de Deus” (Present Truth for Christians, pág. 22). O crente não apenas está em uma nova posição diante de Deus, ele está lá com uma vida inteiramente nova e está em uma condição inteiramente nova que é sem pecado. Isso é chamado de “justificação de vida” (Rm 5:18).

Justificar os pecadores é algo que somente Deus pode fazer. A Lei pode justificar os justos (1 Rs 8:32), mas como não há nenhum justo, a Lei nunca justificou ninguém. Mas o evangelho declara que Deus, em perfeita justiça, pode justificar os ímpios que creem em Jesus (cap. 4:5).

Alguns dirão que justificado significa “como se eu nunca tivesse pecado”. Mas esta definição está longe da verdade da justificação. Colocar os homens em uma posição onde eles nunca pecaram seria colocá-los de volta no terreno da inocência, igual àquela em que Adão estava no Jardim do Éden. Adão caiu naquele terreno, e poderíamos também cair, se fôssemos colocados lá! A justificação nos coloca em um lugar muito mais alto do que o da inocência. Por isso estamos em uma nova posição diante de Deus “em Cristo” (Gl 2:17) com uma vida inteiramente nova que é sem pecado, nem pode pecar. Não podemos cair deste lugar!

Oito Expressões Que Denotam os Diferentes Aspectos de Justificação
  1. Justificado pela graça – a fonte (Rm 3:24).

  2. Justificado pela – os meios de apropriação (Rm 3:28).

  3. Justificado pelo sangue – o preço (Rm 5:9).

  4. Justificação da vida – uma nova condição (Rm 5:18).

  5. Justificado do pecado – uma exoneração do velho senhor (Rm 6:7).

  6. Justificado por Deus – Aquele que faz o acerto de contas (Rm 8:33).

  7. Justificado em Cristo – a nova posição de aceitação (Gl 2:17).

  8. Justificado pelas obras – a evidência manifestada na vida do crente sendo considerado justo diante de Deus (Tg 2:21, 24).

Redenção

Paulo disse que somos justificados “pela redenção que há em Cristo Jesus” (v. 24). Assim, o crente também é redimido. Redenção significa ser “comprado e libertado”. O crente é libertado do pecado, do juízo, do cativeiro de Satanás e do mundo. O propósito da redenção é libertar o crente para que ele possa fazer a vontade de Deus – na adoração e no serviço. Isto é ilustrado nas Escrituras nas palavras do Senhor a Faraó por meio de Moisés: “Deixa ir o Meu povo, para que Me sirva” (Êx 8:1). Como regra geral, a redenção é sempre “de” ou “para fora de” alguma coisa adversa que manteve as pessoas em cativeiro, porque a ênfase na redenção está em ser “libertado” (Êx 15:13; Sl 25:22, 49:15, 130:8; Jr 15:21; Mq 4:10; Rm 8:23; Gl 3:13; Tt 2:14). (Na KJV, Apocalipse 5:9 diz: “Nos redimiu para Deus, mas redimido não é a palavra certa lá, deve ser traduzido, “Nos compraste para Deus).

Quatro Aspectos da Redenção

A Bíblia fala de redenção em relação aos Cristãos em pelo menos quatro maneiras diferentes. Elas são:

- A redenção de nossas almas. Isso ocorre quando recebemos Cristo como nosso Salvador (Rm 3:24; Ef 1:7; Cl 1:14; Tt 2:13-14; Hb 9:12; 1 Pe 1:18). - A redenção do nosso tempo. Isso deve continuar durante toda a nossa vida como uma questão de exercício Cristão (Ef 5:15-16; Cl 4:5). - A redenção de nossos corpos. Isso ocorrerá no Arrebatamento quando seremos glorificados (Rm 8:23; Ef 4:30; 1 Co 15:51-57). - A redenção da nossa herança. Isto ocorrerá no Aparecimento de Cristo por meio dos Seus juízos sendo derramados na Terra (Ef 1:14).

“Em Cristo Jesus”

Finalmente, a justificação e a redenção do crente são ditas como “em Cristo Jesus”(v. 24). Como mencionado na introdução (cap. 1:1-17), quando Paulo usa o termo “Cristo Jesus” – o título do Senhor (Cristo) antes de Seu nome de humanidade (Jesus) – ele se refere a Ele como ressuscitado, elevado e sentado à direita de Deus como um Homem glorificado. Por isso, essas grandes bênçãos anunciadas no evangelho são asseguradas para nós no “Homem Cristo Jesus”(JND) à direita de Deus (1 Tm 2:5). De fato, todas as nossas distintas bênçãos Cristãs são ditas “em Cristo”. Observe as citações das Escrituras na Tradução de J. N. Darby na seguinte lista de bênçãos.

- Redenção em Cristo Jesus (Rm 3:24).

- Perdão dos pecados em Cristo – uma consciência purificada (Rm 4:7; Ef 4:32; Hb 9:14). - Justificação em Cristo Jesus (Rm 4:25-5:1; Gl 2:16-17). - O dom do Espírito em Cristo – ungido, selado e dado o penhor do Espírito (Rm 5:5; 2 Co 1:21-22; Ef 1:13). - Reconciliação em Cristo Jesus – “aproximados” (Rm 5:10 – ARA; Ef 2:13; Cl 1:21). - Santificação em Cristo Jesus (Rm 6:19; 1 Co 1:2). - Vida Eterna em Cristo Jesus (Rm 6:23; 2 Tm 1:1). - Libertação (salvação) em Cristo Jesus (Rm 8:1-2). - Filiação em Cristo Jesus (Rm 8:14-15; Gl 3:26, 4:5-7). - Herdeiro da herança em Cristo (Rm 8:17; Ef 1:10-11; Gl 3:29). - Membros da nova raça da criação em Cristo Jesus (Rm 8:29; Gl 6:15; 2 Co 5:17). - Membros do “um corpo” em Cristo (Rm 12:5; 1 Co 12:12-13).

A posição do crente sendo “em Cristo” não é considerada até a próxima seção da epístola (cap. 6:11, 8:1), embora seja introduzida aqui no capítulo 3:24.

Paulo acrescenta que essas coisas são dadas ao crente “gratuitamente pela Sua graça” (v. 24). A graça é o favor imerecido de Deus. Portanto, não há nada que o crente tenha de fazer para receber essas bênçãos. Elas são um dom gratuito de Deus e são nossas no momento em que cremos no evangelho e recebemos o Senhor Jesus Cristo como nosso Salvador.

A Justiça de Deus em Conexão com

Pecados Cometidos Antes e Depois da Cruz

Cap. 3:25-26 – Alguns se perguntaram como os pecados dos crentes que viveram muito antes do tempo de Cristo poderiam ter sido tratados pela Sua morte na cruz, uma vez que eles já tinham saído da cena? E também, como Cristo poderia levar os pecados dos crentes que ainda não eram nascidos? Seus pecados não tinham sequer sido cometidos quando Cristo morreu! Antecipando essas questões, Paulo prossegue nos próximos versículos para explicar como a obra de Cristo na cruz cuidou dos pecados dos crentes de uma vez por todas, independentemente de quando eles viveram. Por meio de dois atributos de Deus – Sua paciência e Sua presciência (caps. 3:25, 8:29) – Deus tem sido capaz de tratar com justiça os pecados dos crentes que viveram antes e depois da cruz, por meio do que Cristo realizou na Cruz.

Paulo diz: “Ao Qual Deus propôs para propiciação pela fé no Seu sangue, para demonstrar a Sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de Deus; Para demonstração da Sua justiça neste tempo presente, para que Ele seja justo e justificador daquele que tem fé em Jesus”. Como observado pelo sublinhado, duas vezes nesta passagem Paulo diz: “Para demonstração da Sua justiça”. Uma vez em conexão com os crentes que viveram antes da morte de Cristo, e outra vez em conexão com os crentes que viveram depois da morte Cristo.

- “Para demonstrar a Sua justiça pela remissão dos pecados dantes [da cruz] cometidos” (v. 25).

- “Para demonstração da Sua justiça neste tempo presente**”** que é depois da cruz (v. 26).

Propiciação

Em ambos os casos, a justiça de Deus foi demonstrada no único ato de Cristo de “propiciação”. Propiciação (Rm 3:25; Hb 2:17; 1 Jo 2:2; 4:10) refere-se à parte da obra de Cristo na cruz, que satisfez plenamente as reivindicações da justiça divina com respeito ao pecado. É a parte de Deus na obra de Cristo e, por meio dela, a natureza santa de Deus exigiu o que lhe era devido em relação aos nossos pecados e a toda a propagação do pecado na criação em geral. A obra consumada de Cristo inclui Seus sofrimentos expiatórios, Sua morte e Seu sangue derramado. Essas três coisas são distinguidas nas Escrituras, mas nunca inteiramente separadas umas das outras. Assim, elas devem sempre ser vistas como uma só obra. estudantes da Bíblia caíram em erro ao separar essas coisas umas das outras.

J. N. Darby afirma em sua nota de rodapé no versículo 25 que a palavra traduzida como “propiciação” na KJV também poderia ser traduzida como “propiciatório”. O argumento de Paulo aqui é que Deus estabeleceu Cristo como o propiciatório no testemunho do evangelho. Podemos nos perguntar o que isso significa, mas é bem simples. O propiciatório no sistema de sacrifício do Velho Testamento era o lugar onde Deus Se encontrava com Seu povo com base no sangue de uma vítima – um sacrifício (Êx 25:22 – “ali te encontrarei” (JND); Lv 16:14). Isso ilustra (em tipo) o que anunciamos no testemunho do evangelho. Cristo estabelecido como o “propiciatório” no evangelho é o anúncio de que Deus é agora capaz Se encontrar com o pecador e abençoá-lo pelos méritos do sacrifício de Cristo. Este é o grande resultado da propiciação ter sido feita. Cristo não poderia ser estabelecido como tal até que Sua obra na cruz fosse consumada. Mas agora, uma vez que Deus triunfou no que Cristo realizou, Cristo (com Sua obra consumada) é o divino lugar de reunião para que todos no mundo venham e sejam salvos. Alguns pregadores dizem: “Deus encontrará o pecador na cruz”. Mais precisamente, Ele encontra o pecador (que tem fé) em Cristo no alto como o Propiciatório. Cristo não está na cruz hoje; portanto, o pecador que deseja ser salvo não vem a um Salvador que está morrendo numa cruz, mas a um Salvador ressuscitado no alto em glória. Ele está lá hoje como um Objeto de testemunho para que todos possam crer. De acordo com isso, os apóstolos pregaram a Cristo como Salvador ressurreto em todo o livro de Atos (At 4:10-12, 5:29-32, 10:38-43, 13:22-39, 16:31).

Paulo acrescenta: “pela fé no Seu sangue”. O sangue de Cristo é o símbolo da obra consumada de Cristo (Jo 19:30, 34). Ter fé em Seu sangue, portanto, significa que temos fé no que Ele realizou em Sua morte sacrificial. O pecador que vem a Cristo para a salvação deve crer que o que Cristo realizou em Sua morte foi pessoalmente para ele.

Paciência

Cristo levando os pecados dos crentes que viveram em tempos antes da cruz só poderia ser possível por meio da “paciência de Deus”. A paciência tem a ver com Deus conhecer e registrar os pecados, mas não exigir um pagamento por eles imediatamente após serem cometidos. Por meio de Sua paciência, Deus reteve ou suspendeu o julgamento dos pecados daqueles que creram antes de Cristo vir para pagar o preço por eles. (Essas pessoas não tiveram conhecimento sobre como, quando ou onde o Salvador viria para pagar o preço de seus pecados, o que foi trazido à luz pelo evangelho.) Esse “passar por sobre os pecados”(JND) não poderia continuar indefinidamente; esses pecados tinham de ser tratados com justiça em algum momento – e foi isso que aconteceu na cruz. Se Deus nunca tratasse com eles, Ele provaria ser injusto, pois todo pecado e desobediência deve receber sua “justa retribuição” (Hb 2:2). Por isso, Sua paciência estava em exercício em conexão com os pecados de todos os que tiveram fé antes da morte de Cristo. Quando eles morreram, foram para o céu sob uma base de crédito, por assim dizer. O juízo de seus pecados seria armazenado por Deus até que Cristo viesse como o Emissário do pecado, e então o juízo seria derramado sobre Ele. A fé daqueles que viveram antes da época de Cristo seria contada como justiça, como foi testemunhado no caso de Abraão no capítulo 4. Quando Abraão morreu foi para o céu (Lc 16:23), apesar de Cristo, na verdade, ainda não ter pago pelos pecados dele. Assim, por meio da paciência divina, houve o “passar por sobre os pecados” por aproximadamente 4.000 anos da história do homem, até a cruz, quando foram tratados com justiça e tirados para sempre.

Há um tipo disso no Velho Testamento. Em Josué 3:14-17, os filhos de Israel atravessaram o rio Jordão e entraram na terra de Canaã. No momento em que os pés dos sacerdotes que levavam “a arca de Deus” (um tipo de Cristo) pisaram na borda do rio, um milagre ocorreu. As águas do Jordão (que falam do juízo que foi derramado sobre Cristo na cruz) que vinham rio acima, “levantaram-se num montão” e foram detidas por todo o seu curso de volta até à “cidade de Adão” (ARF) – que ficava situada no rio cerca de 30 quilômetros ao norte. Isso tipifica a eficácia da obra de Cristo no Calvário, sendo capaz de cuidar dos pecados de todos que tiveram fé por todo o curso de volta até Adão, o primeiro pecador.

A “paciência de Deus” também é ilustrada em tipo no Dia da Expiação (Lv 16). A cada ano, o sangue da vítima era colocado no propiciatório, e Deus exercitava Sua paciência em relação aos pecados de Israel por mais um ano. Na epístola aos Hebreus, Paulo explica que já que o processo tinha de ser repetido ano a ano (Hb 9:7), mostrava que aqueles pecados ainda estavam em recordação diante de Deus, e que os sacrifícios no Dia da Expiação não tinham tirado esses pecados. Eles foram cobertos (o significado de expiação na língua hebraica) por mais um ano por aqueles sacrifícios, mas eles não tinham sido tirados. Em Hebreus 10, Paulo prossegue explicando que quando Cristo veio Sua única oferta pelos pecados foi suficiente para “tirar” os pecados dos crentes, de uma vez por todas (Hb 10:1-17; 1 Jo 3:5).

O capítulo 3:25 da versão King James é um pouco enganoso. Diz: “pecados que são do passado”. Isso levou alguns a pensarem que Paulo estava se referindo aos pecados que os Cristãos cometeram em suas vidas antes de se converterem. Mas, como mostramos, não é disso que Paulo estava falando. A nota de rodapé da Tradução de J. N. Darby declara: “Deus passou por sobre os pecados, e não os trouxe a julgamento, dos crentes do Velho Testamento”. Assim, foram os pecados das pessoas que viviam no “passado” [dantes] – isto é, nos tempos do Velho Testamento.

Além disso, a versão King James diz: “a remissão dos pecados”, mas esta frase deveria ser traduzida como “o passar por sobre os pecados”. Remissão de pecados é o perdão dos pecados, e é frequentemente traduzida como tal (Lc 24:47; At 5:31, 13:38, 26:18; Ef 1:7). Conforme anunciado no evangelho, envolve a alma sabendo em sua consciência que seus pecados são eternamente perdoados, e tem a ver com o crente tendo uma consciência purificada (Hb 9:14, 10:1-17). Este aspecto eterno do perdão dos pecados, que os Cristãos têm, é algo que os santos do Velho Testamento não tinham. Seus pecados foram tratados na cruz, e os santos estão no céu agora, mas não tinham o conhecimento consciente disso em suas vidas. Não há precisão, portanto, em traduzir-se a passagem como “a remissão de pecados”. Os crentes do Velho Testamento só conheciam o perdão governamental de Deus, que tem a ver com Deus perdoar (e não punir) uma pessoa pelos seus erros enquanto vive na Terra, porque a pessoa está arrependida (Lv 4; Sl 32, etc.). O perdão oferecido pelo Senhor em Seu ministério terreno nos quatro evangelhos também foi governamental (Lc 5:20, 7:47-48, etc.). O aspecto eterno do perdão foi anunciado pela primeira vez após a redenção ser consumada, quando Cristo ressuscitou dentre os mortos (Lc 24:47; At 2:38, etc.).

Presciência

O outro grande atributo de Deus que mencionamos é “presciência”. Presciência é a capacidade de Deus de saber tudo antes que aconteça (At 2:23; Rm 8:29; 1 Pe 1:2). Visto que Deus sabe quantos pecados cada crente cometerá em sua vida – mesmo antes de a pessoa nascer – Ele poderia colocar o justo juízo desses pecados sobre Senhor Jesus Cristo na cruz antes que eles realmente acontecessem. Assim, Cristo também levou o juízo dos pecados de todos os que creriam durante este “tempo presente” – isto é, o Dia da Graça (v. 26).

Por isso, na cruz, Cristo fez propiciação, e um pagamento integral foi feito pelos pecados de todos os crentes de todos os tempos. Deus tomou os pecados de todos os que têm fé – desde o início dos tempos até o fim dos tempos – e os colocou sobre Cristo, o Emissário do pecado, e Ele suportou o justo juízo por eles.

Todos os teus pecados foram colocados sobre Ele,

Jesus os suportou no madeiro;

Deus, que os conhecia, os colocou sobre Ele,

E, crendo, tu és livre.

Hinário The Little Flock nº 35

Há uma diferença entre aqueles que viveram antes da cruz e aqueles que viveram depois dela. As pessoas do tempo do Velho Testamento que tinham fé não são ditas como tendo crido “em Jesus”, como é o caso daqueles neste tempo presente (v. 26). Isto porque os crentes do Velho Testamento não conheciam o evangelho que conta a história de Deus enviando Seu Filho, etc. Eles não podiam crer no Senhor Jesus Cristo porque eles não tinham ouvido falar d’Ele, mas foram abençoados por Deus no princípio de fé e estão a salvo no céu agora como amigos do Noivo (Jo 3:29).

V. 26 – Visto que a expiação já foi feita, podemos “declarar” (KJV) por meio do evangelho “Sua justiça (de Deus). Isso é algo que não poderia ser feito até “este tempo”. J. N. Darby disse: “A justiça nunca foi revelada sob a Lei – Deus suportou as coisas, mas não houve declaração de justiça. Agora é para ‘declarar a Sua justiça’. A justiça foi revelada quando a expiação foi feita” (Collected Writings, vol. 27, pág. 385). Nós agora podemos ir ao pecador com as boas-novas de que Deus é “justo e Justificador daquele que tem fé em Jesus”. Ele é “justo” pelo que julgou o pecado na obra consumada de Cristo na cruz, e Ele é “o Justificador” daqueles que creem.

O Princípio de Fé

Cap. 3:27-31 – Nos versículos finais do capítulo 3, Paulo explica a parte da fé na justificação do crente. Ele já mencionou “a justiça de Deus pela fé” (v. 22) e “a fé no Seu sangue” (v. 25), e deixou claro que as bênçãos do evangelho só são apropriadas “segundo o princípio de fé” (JND – cap. 1:17, 3:30, 4:16, 5:1). Assim, o evangelho é tão simples que tudo o que uma pessoa precisa fazer é crer no Senhor Jesus Cristo e será salvo e justificado (At 13:38-39, 16:31).

Contudo, mesmo neste caso, não devemos pensar que nossa fé nos fez merecer nossa justificação. Paulo deixa claro nestes versículos que é por fé, assim a jactância (vanglória) é “excluída”. Nossa fé não é um trabalho meritório. De fato, em Efésios 2:8, ele afirma que a fé “não vem de vós; é dom de Deus”. Já que vem tudo de Deus, Ele deve receber todo o crédito. Se a fé fosse uma coisa meritória, então uma pessoa teria algo para se “gloriar”. Ele poderia dizer: “Outros não tiveram fé para crer, mas eu tive, e Deus me salvou por causa da minha fé!” Isso seria atribuir a nós mesmos algum crédito por nossa salvação.

Nem devemos pensar que chorando, confessando nossos pecados, arrependendo, orações sinceras, etc., nos fará merecedores da salvação. Essas coisas podem acompanhar a conversão de uma pessoa para Cristo, mas a salvação não é obtida por elas. Sejamos claros: “fé” não é o assunto do evangelho. O assunto do evangelho é Cristo e Sua obra consumada. Assim, Paulo mostra que a justificação do crente não tem nada a ver com “obras”. Toda vanglória por parte do homem, portanto, é completamente excluída. As obras exaltam o homem, mas a fé exalta a Deus.

Nos versículos 29-30, Paulo mostra que a justificação não é apenas para os judeus (“a circuncisão”), mas para todos os que creem no evangelho – incluindo os gentios (“a incircuncisão”). Isso mostra que Deus não é parcial quando se trata de oferecer salvação aos homens e salva pessoas de todas as três esferas da raça humana.

V. 31 – Para que os judeus não pensassem que Paulo estava ignorando ou menosprezando a Lei, ele diz: “Anulamos, pois, a Lei pela fé? De maneira nenhuma, antes estabelecemos a Lei” (v. 31). O evangelho não põe de lado os santos padrões da Lei; a Lei enfatiza o fato de que os homens ficaram aquém dela. Deste modo, a Lei complementa o evangelho ao provar que os homens pecaram e estão destituídos da glória de Deus. Por isso, o evangelho sustenta as santas exigências da Lei. Isso mostra que os homens são pecadores e, portanto, precisam de salvação.

A JUSTIÇA DE FÉ

Capítulo 4

No capítulo 4, Paulo amplia a conexão da fé com a justificação. Ao fazê-lo, introduz uma nova frase – “a justiça de fé” (JND – v. 11, 13). Isso é diferente da “justiça de Deus”, que ele usou várias vezes no capítulo 3.

- A “justiça de Deus” tem a ver com Deus agindo para bênção do homem, de acordo com a Sua santidade e amor, assegurando bênçãos para os homens. Isso aconteceu na cruz, de uma vez por todas. - A “justiça de fé” tem a ver com Deus considerando como homens justos os que têm fé no que a justiça de Deus assegurou. Isto é algo que está acontecendo hoje em dia, quando as pessoas vêm a Cristo e são salvas. (De fato, Deus tem considerado homens justos desde o princípio dos tempos – onde e quando os homens tiveram fé, como Abraão, por exemplo).

A Justiça de Fé – Não Por Obras

Cap. 4:1-8 – O objeto imediato de Paulo no capítulo 4 é mostrar que o evangelho – que promete bênçãos sobre o princípio de fé “sem obras”– está em plena concordância com as Escrituras do Velho Testamento. Por isso, “a justiça de fé” não é algo novo. De fato, sempre foi o princípio sobre o qual Deus abençoou o homem. Paulo sabia que precisava estabelecer este ponto rapidamente ao desdobrar a verdade do evangelho, de modo a não perder a atenção dos judeus que naturalmente viam o evangelho como algo que minava a Lei e o que tinham no judaísmo.

Para ilustrar o fato de que “a justiça de fé” não é algo novo, Paulo seleciona dois santos conhecidos do Velho Testamento (Abraão e Davi) e examina como eles foram abençoados. Essas não eram pessoas sem importância na organização judaica; Abraão é o maior patriarca da nação e Davi é o maior rei da nação. Nesses versículos, Paulo mostra que ambos foram considerados justos por crerem na Palavra de Deus, aparte das obras.

Notemos que no capítulo 3, Paulo enfatizou a “fé em Jesus Cristo” (v. 22) e “fé no Seu sangue” (v. 25) – isto é, a Pessoa e obra de Cristo. Mas agora no capítulo 4, Paulo enfatiza a fé em Deus que “dos mortos ressuscitou a Jesus nosso Senhor” (vs. 24-25). Neste capítulo, o foco está em crer em Deus, aceitando-O por meio de Sua palavra (vs. 3, 5, 17, 24). Isso é necessário para a certeza do crente.

Abraão e Davi também ilustram (em tipo) os dois lados da justificação.

- “Abraão” ilustra o lado positivo da justificação – ele obteve uma posição justa diante de Deus (vs. 1-5). - “Davi” ilustra o lado negativo da justificação – ele foi inocentado de toda acusação de pecado contra ele (vs. 6-8).

Abraão

Vs. 1-3 – Paulo começa com Abraão como prova de que uma pessoa pode ser abençoada por Deus por fé sem trabalhar para isso. Ele diz que se Abraão tivesse sido considerado justo pelo princípio de “obras”, então haveria algo em sua bênção do qual ele poderia ter algum crédito nisso, e assim poderia se “gloriar” nela. Abraão foi considerado justo por fé ou por obras? Paulo apela às Escrituras para responder e pergunta: “Pois, que diz a Escritura?” Ao fazer isso, tirou o assunto da esfera da opinião humana e colocou-o diretamente no que Deus diz sobre isso em Sua Palavra. Paulo nos leva a Gênesis 15 e mostra que Deus deu a Abraão a promessa de Sua “palavra” (vs. 4-5) e Abraão “creu” (v. 5a), e sua fé “lhe é imputada como justiça” (v. 5b). Isso resolve a questão; Abraão não fez obras de qualquer tipo, mas foi imputado como justo simplesmente por crer na Palavra de Deus. Note que não diz que Abraão cria em Deus, o que significaria que ele acreditava na existência de Deus. Ele fez isso, é claro, mas diz que “creu Abraão a Deus” (AIBB). Isso se refere a Abraão crer no que Deus lhe havia dito – ele cria na Palavra de Deus. Foi importante para Paulo estabelecer este ponto, porque ao final do capítulo, ele vai mostrar que a segurança e a paz do crente são baseadas no crer na Palavra de Deus concernente à obra consumada de Cristo na cruz.

Vs. 4-5 – Paulo prossegue explicando que quando a bênção é pela graça (o favor imerecido de Deus), então as obras são imediatamente excluídas da cena. Ele diz: “Ora, ao que trabalha não se lhe conta a recompensa como dádiva, mas sim como dívida” (AIBB). Isto é, se o homem pudesse ganhar justificação pelas obras, então Deus seria colocado em dívida para com o homem e teria obrigação de pagar ao trabalhador bem-sucedido as bênçãos da salvação! No entanto, isso seria o oposto da graça. Paulo insiste que as bênçãos do evangelho são “ao que não trabalha**, mas crê naquele que justifica o ímpio** – AIBB**”**. Independentemente de quão boas são as intenções de uma pessoa, obras como: votos de confirmação, batismo, associação de membros e participação na igreja, tentar guardar os dez mandamentos, fazer caridade e fazer boas ações, viver corretamente como um bom vizinho, etc. não obterão justificação. As bênçãos do evangelho não são obtidas por esse princípio.

Isso enfatiza a beleza do evangelho; Deus pode em justiça justificar o pecador que simplesmente crê. Isso é algo radicalmente diferente da Lei. Ela poderia somente justificar os justos, não os ímpios (1 Rs 8:32). Abraão foi “justificado”, mas não no pleno sentido de justificação do Novo Testamento, que envolve ser levado a uma nova posição diante de Deus em Cristo (Gl 2:17 – “justificado em Cristo”). No entanto, o princípio de fé no qual os santos do Velho Testamento e os santos do Novo Testamento são abençoados é o mesmo, que é o ponto de Paulo aqui. J. N. Darby disse: “Há uma diferença entre o perdão de Deus no sentido de não imputação, segundo Romanos 4, e o perdão governamental… e a diferença é muito clara, porque o perdão que justifica, desconhecido no Velho Testamento, é completo e de uma vez por todas como Hebreus 9, 10 afirma – ‘nunca mais teriam consciência de pecado’” (Letters of J. N. Darby, vol. 2, pág. 275).

Paulo então declara que esse princípio de fé não se aplica apenas a Abraão, mas a todos os que se achegam a Deus em fé – sua “fé lhe é imputada [considerada – JND] como justiça”. Considerar [reckon em inglês] significa “achar algo ser como tal” ou “considerar algo ser como tal”. A palavra grega é “logizomai8, e é usada onze vezes nesta passagem. (Infelizmente, a KJV nem sempre traduz a palavra como “considerada”. Às vezes é traduzida como “contada” ou “imputada”). Em cada uma das onze referências encontradas no capítulo, é sempre Deus Quem considera. Isso é importante de se notar; o assunto aqui é a consideração de Deus – não do crente. Somos “feitos justos” na mente de Deus (cap. 5:19). (No capítulo 6:11, o crente será chamado para “considerar-se” em relação a certos fatos que Paulo expõe naquela passagem, mas aqui no capítulo 4, o assunto é a consideração de Deus). Assim, “a justiça de fé” é uma consideração divina em relação ao crente. Tem a ver com o que ocorre na mente de Deus em conexão com a pessoa que crê. Não tem nada a ver com os pensamentos e sentimentos do crente sobre sua justificação. Um erro comum dos crentes novos é olhar para dentro de si procurando certos sentimentos que acham que deveriam corresponder com o fato de serem salvos. O problema com esse tipo de introspecção é que, quando o crente não se sente como acha que deveria se sentir, pode ser levado à dúvida e desânimo, e às vezes temer nunca verdadeiramente foi salvo.

Ser considerado justo não significa que Deus faz do pecador ímpio uma pessoa justa e piedosa, mas que Ele tem ou considera o pecador que crê ser assim justo, em Seu pensamento ou avaliação. W. Scott disse: “É simplesmente ter ou considerar alguém como justo… um homem que em si mesmo está errado é contado corretamente” (Doctrinal Summaries pág. 15). Assim, Paulo, ao mostrar o evangelho, nos traz antes o lado de Deus da justificação do crente. Isto é importante; o crente precisa saber como Deus o vê para ter uma certeza sólida.

Davi

Cap. 4:6-8 – Nós vemos o mesmo princípio de fé no exemplo de Davi. No seu caso, foi em relação aos seus pecados. Deus disse a ele, por meio do profeta Natã: “Também o Senhor traspassou [fez passar – TB] o teu pecado” (2 Sm 12:13). Davi creu na Palavra de Deus e passou a escrever o Salmo 32, que Paulo cita: “Bem-aventurados aqueles cujas iniquidades são perdoadas, e cujos pecados são cobertos; Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputará [considerará – JND] pecado”.

Davi fala de suas “iniquidades” sendo “perdoadas” e seus “pecados” como sendo “cobertos”. Iniquidades são as más intenções por trás dos atos pecaminosos que cometemos (Sl 41:6, 66:18, 78:37-38; Is 32:6, 54:17; Mt 23:28; At 8:22-23). Assim, é maravilhoso ver que, ao abençoar o pecador que crê, Deus trata de todo o seu caso – desde a concepção de suas más intenções até os seus maus atos. Ele não apenas trata com seus pecados, Ele também perdoa suas más intenções! (Hb 10:17) Como mencionado anteriormente, uma vez que a redenção foi agora consumada e o Espírito de Deus foi enviado do céu para habitar no crente, o perdão no Cristianismo vai além do que os santos do Velho Testamento conheceram – o que para eles era algo puramente governamental. Eles viviam com medo de seus pecados serem visitados por Deus em julgamento (Sl 25:7, etc.), mas no Cristianismo, temos uma consciência purificada em conexão com nossos pecados que foram perdoados, algo que eles não tinham (Hb 9:14, 10:2).

Além disso, da perspectiva de Davi, tendo vivido antes da cruz, ele só conhecia sobre pecados sendo cobertos – ou seja, mantidos em suspenso por mais um ano, como o Dia da Expiação indica (Lv 16). Hoje, com a obra de Cristo tendo sido consumada, temos uma revelação mais completa por meio do evangelho a respeito do que Deus fez com nossos pecados. Sabemos que nossos pecados foram eternamente “perdoados” (Lc 24:47; At 2:38, 5:31, 10:43, 13:38, 26:18; Ef 1:7; Cl 1:14; Hb 9:22; 1 Jo 2:12), “aniquilados [tirados – JND] (Hb 9:26) e “tirados” (1 Jo 3:5). Paulo não está citando este Salmo para mostrar que nossos pecados estão cobertos, mas para nos ensinar o resultado de crer na Palavra de Deus. Ela não apenas nos dá certeza da justificação de alguém, mas também faz do crente uma alma “bem-aventurada” (feliz). E isso é tudo resultado de crer na Palavra de Deus. Isto é essencial para a certeza do crente de sua justificação. Ao estabelecer isto, Paulo está edificando em direção a isso, como veremos nos versículos 24-25.

Assim, o Velho Testamento afirma que Deus considera os homens justos por fé “sem obras”, mas o Novo Testamento mostra como Ele o faz – pela justiça de Deus. É importante entender o significado doutrinal do argumento que Paulo está colocando aqui. A justiça não é considerada para aqueles que tentam trabalhar por ela – por exemplo, fazendo boas obras, mas para aqueles que creem em Deus.

A Justiça de Fé – Não Por Ritos

Cap. 4:9-12 – Paulo prossegue para falar do rito da circuncisão. Tem isso algum mérito diante de Deus em relação a ser considerado justo? E os gentios incircuncisos podem ser considerados justos sem serem circuncidados? Para responder a isso, Paulo apela a Abraão novamente. Quando ele foi considerado justo? Foi quando ele era incircunciso ou quando foi circuncidado? Ele responde isso afirmando: “Não na circuncisão, mas na incircuncisão”. Assim a Escritura registra que Abraão foi considerado justo quando ainda estava em terreno gentio incircunciso. Ele “recebeu o sinal da circuncisão” em seu corpo como um **“selo da justiça de fé que teve”**13 anos antes! Isso mostra que sua circuncisão não teve nada a ver com ele ser considerado justo por Deus. Abraão é, portanto, uma prova da possibilidade de que “também a justiça lhes [aos gentios] fosse imputada” (TB). Assim, os gentios incircuncisos podem ser considerados justos pela fé, assim como os judeus circuncidados o são. Ao estabelecer este ponto, Paulo mostra que Abraão é de fato o “pai de todos os que creem, estando eles também na incircuncisão” (v. 11).

Paulo deixa claro que Abraão é de fato o “pai da circuncisão, daqueles que não somente são da circuncisão, mas que também andam nas pisadas daquela fé de nosso pai Abraão, que tivera na incircuncisão” (v. 12). Ele, é claro, não está falando da paternidade de Abraão em um sentido literal, mas em um sentido espiritual. Paulo já mostrou no capítulo 2:28-29 que aqueles que são da descendência de Abraão, e têm externamente o “sinal da circuncisão” em seus corpos, são a semente de Abraão (como descendentes), mas se não tiverem a fé de Abraão, eles não são suas crianças (espiritualmente). Por isso, todos (incluindo os gentios) que andam “nas pisadas daquela fé de nosso pai Abraão” o têm como seu pai espiritualmente.

Novamente, é importante não perdermos o ponto doutrinário que está sendo enfatizado aqui. Paulo mostrou que o rito da circuncisão não pode dar à pessoa uma posição justa diante de Deus. Mas o princípio que estabeleceu sobre o rito da circuncisão se aplica a todos os ritos e ordenanças religiosas de qualquer tipo – judaicos ou Cristãos. Seja a circuncisão, o batismo, os sacramentos, os votos de confirmação, etc. – qualquer coisa exterior que possa ser feita em nome da religião – tudo isso não fará merecer que Deus considere uma pessoa justa. O argumento de Paulo é claro e simples – uma pessoa somente é considerada justa pelo princípio de fé.

A Justiça de Fé – Não Por Guardar Lei

Cap. 4:13-16 – Paulo passa a falar da Lei. Guardá-la tem algum mérito para que Deus considere justa uma pessoa? Paulo responde a essa pergunta afirmando que “a promessa de que (Abraão)havia de ser herdeiro do mundo” não foi “pela Lei…, mas pela justiça de fé”. A prova disso é que a Lei não foi dada até cerca de 430 anos depois que Abraão foi considerado justo! A Lei, portanto, não tinha nada a ver com isso. (A exata expressão, “o herdeiro do mundo” (JND), não é encontrada no Velho Testamento, mas a verdade disso está em Gênesis 17:5). Note também, Deus não disse a Abraão: “Eu farei de ti pai de muitas nações”. Ele disse: “Te tenho posto…”. Assim, Ele declarou isso como um fato concluído e Abraão creu em Deus a esse respeito.

Paulo dá uma prova adicional de que a obediência à Lei não poderia ter nada a ver com a bênção de Abraão (e de seus filhos) como “o herdeiro do mundo”. Ele afirma que se a bênção pudesse ser herdada com base na obediência à Lei, então a “fé” seria “vã” e a “promessa” seria “anulada” (v. 14 – TB). Isto é, não haveria necessidade de fé, e também ninguém jamais herdaria a promessa, porque ninguém (exceto Cristo) pode guardar a Lei! Sobre aquela base, a bênção prometida a Abraão sobre sua posteridade nunca chegaria para eles; Os filhos de Abraão nunca receberiam a bênção. Além disso, se a bênção decorresse do princípio de obediência à Lei, uma vez que Deus sabia, mesmo antes de ter dado a Lei, que ninguém seria capaz de guardá-la, Ele poderia ser acusado de fazer uma promessa que não precisaria manter! Assim, Ele teria feito uma promessa inútil a Abraão. Isso não pode ser assim, porque coloca o nosso Deus Verdadeiro e Fiel em uma situação sombria e questiona o Seu caráter.

Paulo então fala do que a Lei faz quando não é cumprida. Ele diz: “A Lei opera a ira” (v. 15). Ou seja, amaldiçoou a pessoa que estava sob suas obrigações, que não cumpriu perfeitamente suas exigências. Ela não poderia abençoar, mas poderia amaldiçoar! Como Paulo havia dito no capítulo 3:20: “porque pela Lei vem o conhecimento do pecado”. Seu propósito é fazer com que as pessoas saibam sem dúvida alguma que são pecadoras. A Lei ampliou o pecado dando-lhe um caráter específico de “transgressão”, tornando os pecados que os homens cometem em violações intencionais da Lei. Assim, a Lei só aumentou a culpa de uma pessoa, mostrando aos homens sua verdadeira pecaminosidade.

Paulo conclui: “Portanto, (a bênção) é no princípio de fé, para que possa ser de acordo com a graça – JND**”** (v. 16). A bênção prometida foi dada sob o princípio de graça soberana, e chegará aos filhos de Abraão pela graça soberana. A bênção prometida originou-se da bondade do coração de Deus e será entregue por Sua graça – o desempenho do homem não tem nada a ver com isso. O sistema legal e o princípio de graça são na verdade totalmente opostos; a graça é por fé e é uma questão de _crer_; a obediência à Lei é uma questão de _fazer_.

Paulo, portanto, conclui que Abraão é de fato “o pai de todos nós” (v. 16). Isto é assim, não por causa da Lei, mas por causa da fé – independentemente de uma pessoa ser judia ou gentia.

Por isso, até agora no capítulo 4, Paulo mostrou que:

- O_bras_ não são o meio para uma pessoa ser considerada justa diante de Deus (vs. 1-8). - R_itos_ não são o meio para uma pessoa ser considerada justa diante de Deus (vs. 9-12). - O_bediência_ à Lei não é o meio para uma pessoa ser considerada justa diante de Deus (vs. 13-16).

O Deus de Ressurreição

Cap. 4:17-25 – O objetivo imediato de Paulo neste capítulo foi mostrar que o princípio de fé no evangelho está de acordo com os caminhos de Deus de abençoar os homens no Velho Testamento, e demonstrou isso nos apontando para Abraão e Davi. Ele também mostrou conclusivamente que ser considerado justo por Deus é por fé e somente por fé. Mas o objetivo de Paulo neste capítulo 4 é estabelecer uma base sólida de entendimento no crente, sobre a qual sua fé pode permanecer com plena certeza quanto à sua justificação. Para conseguir isso, na última parte do capítulo, Paulo apresenta Deus como o Deus de ressurreição. J. N. Darby observou isso e disse: “No capítulo 4, é fé no Deus de ressurreição” (Collected Writings, vol. 21, pág. 196).

Ressurreição – O Selo de Aprovação de Deus da Obra Consumada de Cristo

No capítulo 3, Paulo se concentrou no crer naquilo que ocorreu na cruz, mas agora na parte final do capítulo 4, ele enfatiza o crer no que Deus fez no sepulcro ressuscitando o Senhor Jesus dentre os mortos (vs. 24-25). A ressurreição é o ponto culminante do evangelho. É a aceitação e aprovação de Deus da obra consumada de Cristo – Seu selo de aprovação ou o “Amém” ao que Cristo realizou na cruz (1 Pe 1:21). Deus não estava apenas satisfeito com a obra de Cristo, Ele foi glorificado no que Cristo fez na cruz. Entender e crer neste fato estabelece a base para uma sólida segurança na alma do crente. Assim, a certeza de nossa justificação envolve não apenas crer no Senhor Jesus (cap. 3:26), mas também crer no testemunho de Deus sobre a obra consumada de Cristo (cap. 4:24-25).

Todo esse trabalho abençoado está feito,

Deus está satisfeito com o Seu Filho;

Ele O ressuscitou de entre os mortos

Colocou-O sobre tudo como Cabeça.

Hinário The Little Flock nº 121

Vida a Partir dos Corpos Amortecidos de Abraão e Sara – O Princípio de Ressurreição

Cap. 4:17-22 – Para ilustrar a necessidade de crer no testemunho de Deus sobre a grande obra de Cristo, Paulo continua a usar Abraão como exemplo. Ele mostra que, assim como Abraão creu no Deus de ressurreição, o Cristão também deve crer no Deus de ressurreição. Ele declara: que “perante aqu’Ele no Qual [Abraão] creu, a saber, Deus, o Qual vivifica os mortos. No caso de Abraão e Sara não que eles estivessem fisicamente mortos, mas que sua capacidade de procriar vida estava morta neles, por causa da avançada idade deles. Mesmo assim, Deus superou esse “amortecimento”, e deu-lhes vida fora dessa condição de morte em seus corpos, para que eles tivessem um filho (Isaque). Isso ilustra o princípio de ressurreição.

Deus chamou “as coisas que não são como se já fossem”. Isso se refere a Abraão e Sara tendo uma inumerável posteridade, que naquele momento não existia. Abraão sabia que ele e sua esposa estavam mortos nesse sentido, porém, cria em Deus. Paulo diz: “O qual, em esperança, creu contra a esperança” (v. 18). Ele não duvidou do que Deus disse – “E não enfraqueceu na fé” – mas creu na Palavra de Deus. Ele creu no que Deus disse, e “nem atentou para o seu próprio corpo já amortecido, pois era já de quase cem anos, nem tão pouco para o amortecimento do ventre de Sara. E não duvidou da promessa de Deus por incredulidade, mas foi fortificado na fé, dando glória a Deus” (vs. 19-20). Assim, a fé de Abraão deu “glória a Deus”. Isso mostra que fé honra a Deus e que Deus honra fé (1 Sm 2:30; Jo 3:33). O Deus em Quem Abraão creu é o mesmo Deus em Quem devemos crer.

É importante ver que Paulo não está enfatizando quanta fé temos, mas em Quem nossa fé é colocada. Trata-se da credibilidade da Pessoa em Quem colocamos nossa fé. O resultado prático que adveio de Abraão crer em Deus é que ele estava “certíssimo” e convencido de que o que Deus tinha “prometido”, iria “fazer” (v. 21). Este foi o fundamento de sua certeza.

A Aprovação de Deus da Obra Consumada de Cristo – O Fundamento da Certeza do Crente

Cap. 4:23-25 – Nos últimos três versículos do capítulo 4, Paulo faz uma poderosa aplicação do princípio que estabelecera em Abraão, ao que crê hoje no evangelho. É que: se fé no que Deus disse deu certeza a Abraão, então fé no que Deus disse a respeito de Sua aceitação da obra consumada de Cristo na cruz também dará ao crente certeza a respeito de sua justificação! Paulo diz: “Ora, não só por causa dele está escrito, que lhe foi imputado [considerado – JND], mas também por nós, a quem será tomado em conta, os que cremos naqu’Ele que dentre os mortos ressuscitou a Jesus nosso Senhor” (AIBB)9. Assim, devemos aprender com o que Deus registrou nas Escrituras a respeito da fé de Abraão e aplicá-lo ao nosso caso em relação ao evangelho. Existe uma diferença; O objeto da fé de Abraão era uma promessa de algo que deveria ser cumprido no futuro, mas o objeto de nossa fé é algo que já foi cumprido. Isto é, Abraão creu que Deus daria vida aos mortos (ao seu corpo e de sua esposa), ao passo que cremos que Deus deu vida dentre os mortos e justificação ao ressuscitar Cristo, o Salvador. O princípio envolvido é o mesmo.

Nossa certeza, portanto, é baseada em conhecimento e . Precisamos conhecer os pensamentos de Deus sobre a obra de Cristo na cruz em conexão com nossos pecados. Então, também precisamos crer no que Deus diz sobre isso – isto é, Seu testemunho a respeito disso. É isso que dá ao crente a certeza de sua justificação. O fundamento da certeza de nossa alma não está em nossa aceitação da obra consumada de Cristo – embora de bom grado a aceitemos – mas no entendimento de que Deus a aceitou! O sacrifício do Senhor Jesus Cristo na cruz foi uma oferta que não foi feita para nós, mas para Deus. Ele “Se ofereceu a Si mesmo imaculado a Deus” (Hb 9:14). Foi o que satisfez as reivindicações da justiça divina contra o pecado. Tudo o que temos de fazer é crer que Deus está bem satisfeito com o pagamento de Cristo pelos nossos pecados. Se Ele é suficiente para Deus, deve ser o suficiente para nós.

O Sr. G. Cutting tinha uma ilustração que enfatiza esse ponto. Ele disse que em se tratando de uma dívida qualquer, o credor é o único que tem o direito de escrever “PAGO” na conta. Não teria qualquer valor se o devedor o fizesse, porque ele não tem autoridade para declará-la liquidada. Se o devedor fizesse isso não satisfaria o credor, nem daria paz ao devedor. A certeza do devedor só pode ser em consequência de saber que o credor está satisfeito. Da mesma forma, em relação à dívida de nossos pecados, a única maneira pela qual obteremos a certeza de que ela foi paga é ver que ela foi resolvida com Deus. Temos de ver que Deus está completamente satisfeito com o pagamento que Cristo fez por nós. Assim, a maneira de obtermos certeza no fundo de nossas almas é ver que toda a questão foi resolvida completamente diante de Deus. Este é o remédio de Deus para as pessoas que têm problemas de dúvida quanto à sua salvação.

Além disso, ao chamar Cristo de “Senhor” (v. 24), Paulo inclui Sua ascensão à glória, pois foi em Sua ascensão que Ele foi feito tanto “Senhor e Cristo” (At 2:36). (O termo “Jesus Cristo, nosso Senhor” é usado dez vezes nesta epístola. Isso se refere à Sua vinda ao mundo para realizar a redenção por meio de Sua morte, Sua ressurreição e Sua ascensão à destra de Deus.) Isso é significativo; dá ao crente uma prova a mais de que seus pecados se foram. Se sobre a cruz Cristo teve nossos pecados sobre Ele(Is 53:6), mas agora Ele foi recebido de volta ao céu, nossos pecados devem ter desaparecido, porque Deus nunca permitiria que o pecado entrasse em Suas cortes de glória. Que notícia maravilhosa é essa para o crente! Quando vemos Cristo ressuscitado e elevado, também nos vemos justificados. J. N. Darby disse: “A justificação não foi completada na cruz, a obra pela qual somos justificados foi; mas eu não tenho certeza disso até ver Cristo em ressurreição” (Collected Writings, vol. 21, pág. 196).

Substituição

Cap. 4:25 – Paulo acrescenta: “O Qual por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação”. Isso enfatiza o aspecto substitutivo da obra de Cristo, que é o lado do crente do que foi realizado na cruz. Ele tomou o “nosso” lugar lá sob o julgamento de Deus e respondeu por nossas “ofensas” como nosso grande Emissário do pecado (1 Pe 3:18 – “o Justo pelos injustos, para levar-nos a Deus”). O capítulo 3:25 dá o lado de Deus da obra de Cristo na cruz; enfatiza a propiciação. O capítulo 4:25 dá o lado do crente da obra de Cristo na cruz; enfatiza a substituição. Estas são as duas partes da expiação.

A substituição não se aplica a todos no mundo; só se aplica aos “muitos” que creem (Is 53:11-12; Mt 20:28, 26:28; Jo 17:2; Rm 5:19; Hb 2:10, 9:28) Como regra, sempre que as palavras “muitos”, “nosso”, “nós” e “nos” são usadas em conexão com o que Cristo realizou em Sua morte, está se referindo ao lado substitutivo de Sua obra (Rm 4:25; 1 Co 15:3; 1 Pe 2:24; Ap 1:5, etc.). Isaías 53 menciona o trabalho substitutivo de Cristo dez vezes – ver versículos: 5 (quatro vezes), 6, 8, 10, 11, 12 (duas vezes).

Cristo Aceito Para Nós

A última parte do versículo 25 indica que a ressurreição de Cristo foi “para nossa justificação”. Isso incluiria Sua ascensão, pois a justificação não apenas tem a ver com o crente sendo inocentado de toda acusação que há contra ele (At 13:39), mas também implica ele sendo trazido a uma nova posição diante de Deus onde Cristo foi elevado. As Escrituras dizem que somos “justificados em Cristo” (Gl 2:17), “Em Cristo” refere-se a nossa nova posição que nos foi assegurada pela ascensão de Cristo como Homem à destra de Deus. J. N. Darby disse: “Deus O glorificou [Cristo] em Si mesmo imediatamente. Isto é testemunhado em Sua ressurreição, e podemos acrescentar, em Sua ascensão. Ele é ressuscitado para nossa justificação e aparece na presença de Deus por nós” (Collected Writings, vol. 10, pág. 143).

Assim, não apenas a obra de expiação de Cristo foi aceita (testemunhada em Sua ressurreição), mas o próprio Cristo foi aceito (testemunhado em Sua ascensão). Este último ponto pode ser visto no fato de que Deus O assentou no lugar mais alto no céu – à Sua própria destra (Ef 1:20-21; 1 Pe 1:21). Ele está lá agora como um Homem glorificado, com todo o favor de Deus sobre Ele. A coisa surpreendente sobre isso é que os crentes são ditos estarem “em Cristo” (Jo 14:20; Rm 8:1; 1 Co 1:30; 2 Co 5:17, etc.), o que é estar no lugar de Cristo diante de Deus! Assim, Sua aceitação é a medida de nossa aceitação!

Como no caso do holocausto em Levítico 1, que foi “aceito pelo [em favor do] ofertante, assim também o sacrifício de Cristo foi aceito diante de Deus em favor do crente. Mas mais do que isso, ao ofertante colocar a mão na cabeça do animal quando esse era morto e apresentado a Deus, ele era aceito em todo o valor da oferta. Da mesma forma, somos “aceitos no Amado” (Ef 1:6 –KJV). Este é um triunfo da graça de Deus. Homens e mulheres que creem, e que já foram vis pecadores, são agora aceitos diante de Deus como o Seu próprio Filho! O apóstolo João afirmou esse mesmo fato; ele disse: “qual Ele é (aceito diante de Deus no céu), somos nós também neste mundo” (1 Jo 4:17). Esta é uma verdade maravilhosa que deve trazer louvor de nossos corações!

Oh Deus de graça inigualável

Nós cantamos ao Teu nome!

Nós somos aceitos no lugar

Que ninguém além de Cristo poderia reivindicar.

Hinário The Little Flock nº 189

Crentes que têm falta de certeza muitas vezes questionarão se creram o suficiente ou se creram da forma correta. Isso leva a muita introspecção, insegurança e desânimo – até mesmo a questionar se são verdadeiramente salvos. No entanto, olhar para si mesmo não é onde a paz e a certeza da salvação são encontradas. Devemos olhar para Cristo onde Ele está, à destra de Deus. Se Ele foi aceito lá e estamos em Seu lugar diante de Deus, então somos aceitos também! Ele é a nossa justiça na presença de Deus (1 Co 1:30; 2 Co 5:21). A pessoa que descansa na fé nesta grande verdade não terá dúvidas quanto à salvação de sua alma.

Três Coisas a Serem Cridas que Dão Certeza

Para resumir o que foi dito, possuir uma certeza sólida de nossa justificação vem do entendimento e da crença no que Deus disse a respeito de três coisas.

- O que aconteceu na cruz. Devemos aceitar pela fé que Cristo suportou o juízo pelos nossos pecados (Is 53:6; 1 Pe 2:24). - O que aconteceu no sepulcro. Devemos aceitar pela fé que a justiça divina está plenamente satisfeita com o pagamento que Cristo fez na cruz em relação aos nossos pecados, e que Deus colocou Seu selo de aprovação naquela obra consumada, ressuscitando-O dentre os mortos (At 2:24; 1 Pe 1:21). - O que está acontecendo no céu no que diz respeito à aceitação de Cristo. Devemos aceitar pela fé que Sua aceitação diante de Deus é nossa (1 Jo 4:17; Ef 1:6).

O Que Deus Fez com os Pecados do Crente

Com vistas a dar ao crente paz sólida a respeito de seus pecados, Deus foi longe em Sua Palavra para mostrar que os pecados do crente se foram – e se foram para sempre. Ele usa várias figuras e expressões (muitas das quais serão a porção de Israel no dia de sua redenção) para descrever a bem-aventurança deste grande fato, de modo que não pudesse haver nenhuma dúvida legítima na mente do crente que aceita o testemunho da Palavra de Deus. Algumas das coisas que Deus fez com nossos pecados são:

- Ele fez purificação por nossos pecados (Hb 1:3). - Ele remove nossos pecados para tão longe quanto o oriente está do ocidente (Sl 103:12). - Ele apaga os nossos pecados (Is 44:22; Sl 51:1). - Ele lança nossos pecados para trás de Suas costas (Is 38:17). - Ele os lança nas profundezas do mar (Mq 7:19). - Ele tira nossos pecados (1 Jo 3:5). - Ele lava nossos pecados (Ap 1:5). - Ele nos purifica dos nossos pecados (1 Jo 1:7). - Ele perdoa nossos pecados (Rm 4:7; Ef 1:7). - Ele jamais Se lembra dos nossos pecados (Hb 10:17).

OS GRANDES RESULTADOS DA JUSTIFICAÇÃO E DA RECONCILIAÇÃO

Capítulo 5:1-11

Os primeiros onze versículos do capítulo 5 completam o assunto de Deus agindo em justiça para assegurar bênçãos ao pecador ímpio que crê. Fundamentando-se na palavra chave, “portanto”, Paulo delineia os grandes resultados ou benefícios concedidos ao crente por meio da justificação.

A ideia de regozijo ou exultação surge ao longo dos onze versículos. Isso é de alguma forma perdido na versão King James, que usa três palavras inglesas diferentes para indicar a palavra grega “kauchaomai”. A palavra é traduzida como “regozijar” (v. 2), “gloriar” (v. 3) e “alegrar” (v. 11) na KJV, mas a tradução J. N. Darby (e nas em português) a traz como “gloriar” nos três lugares. Outras traduções trazem “regozijar” ou “exultar”. Esta é certamente uma conclusão apropriada para todo o tema da graça de Deus ao tratar com nossos pecados para levar-nos às bênçãos.

Nesta série de versículos, Paulo toca em pelo menos sete grandes coisas que o crente tem como consequência em ser “justificado pela fé”. Essas coisas não são temporais ou condicionais, mas permanentes e eternas. Cada uma é declarada no tempo verbal presente (“temos”) indicando que elas já são uma possessão atual do crente – com a exceção dos versículos 9b e 10b que olham para o que Deus fará pelo crente no futuro. É falado sobre todas elas com a maior certeza.

Cap. 5:1-2 – As três primeiras coisas que Paulo menciona andam juntas e têm a ver com a posição atual do crente e sua perspectiva futura. Elas nos dizem o que Deus fez por nós em relação a toda a nossa história – passado, presente e futuro.

- Quanto ao nosso passado – fomos “justificados” (v. 1). - Quanto ao presente“estamos” em posição de “graça [favor – JND] com Deus (v. 2a). - Quanto ao futuro – temos uma “esperança” (uma certeza adiada) de sermos glorificados (v. 2b).

PAZ COM DEUS (cap. 5:1)

Paulo diz: “Sendo, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus”. Esta é uma “paz” externa que existe entre Deus e o crente como resultado dele ser justificado pela fé. É uma condição externa predominante de paz entre duas partes que antes eram separadas. Uma ruptura ocorreu entre Deus e o homem pelo pecado, mas essa barreira foi removida para o crente. Da mesma forma, quando duas nações estão em guerra, não há paz. Mas se a paz é estabelecida entre elas, a guerra acaba; as hostilidades cessam e os adversários são transformados em amigos. Isto é exatamente o que aconteceu com o crente por meio da fé na morte e ressurreição do Senhor Jesus Cristo. Não mais existe uma separação entre nós e Deus; uma condição de paz agora prevalece.

Algumas pessoas pensam que o pecador precisa fazer as pazes com Deus. Eles dirão: “Faça as pazes com Deus”. Mas isso não é o que a Bíblia ensina. Ela nos diz que não podemos fazer as pazes com Deus porque não somos capazes de oferecer o que é necessário para atender às reivindicações da justiça divina. Felizmente, a Bíblia ensina que esta paz já foi feita aos homens pela obra consumada de Cristo na cruz. Colossenses 1:20 afirma que foi “por Ele[Cristo]feito a paz pelo sangue da Sua cruz”. Assim, tudo o que temos que fazer é acreditar no testemunho de Deus sobre esse fato e, sendo justificados, temos “paz com Deus”.

Essa paz é uma realidade objetiva, não um sentimento subjetivo. Não é um sentimento pacífico interior na alma do crente, como alguns Cristãos imaginam. Sentimentos de paz podem ser passageiros, dependendo das circunstâncias do crente e do seu estado de alma, mas eles não têm parte em sua justificação e em sua paz com Deus. Paz com Deus é uma condição permanente na qual o crente habita com Deus. É segura e tão perfeita quanto o seu fundamento – a morte e ressurreição de Cristo. Assim, Paulo não está falando do nosso desfrutar de paz aqui, mas sim do fato de que temos paz com Deus. É uma paz que não depende do nosso estado de alma, ou seja, do nosso andar. Não pode ser perdida por nossas deficiências e fracassos no caminho da fé, porque é algo eternamente estabelecido. Está inseparavelmente conectada à nossa posição diante de Deus. Por isso, não teremos mais desta paz ao andar em comunhão com o Senhor, nem teremos menos quando não andarmos. (Um estado interior de paz e descanso da alma é mencionado no capítulo 8:6 e é resultado de o crente conhecer a libertação – mas esse não é o assunto aqui). Essa paz, portanto, pertence a todos os crentes, mesmo que alguns deles tenham sido impedidos de desfrutá-la, porque não descansam pela fé no que Deus disse sobre sua segurança em Cristo. Como resultado, podem ocasionalmente se preocupar com seus pecados. Ed. Dennett disse: “As palavras ‘temos paz’ não significam necessariamente que a desfrutamos; pois, sem dúvida, há muitos justificados diante de Deus que pouco conhecem dessa paz”.

“Paz com Deus” e a “Paz de Deus”

“Paz com Deus” (Rm 5:1) não deve ser confundida com a “paz de Deus” (Fp 4:7). “Paz com Deus” está ligada à nossa posição; enquanto a “paz de Deus” é um estado. A paz de Deus é um estado de tranquilidade no qual o próprio Deus habita. Ele quer que vivamos nessa paz diariamente, para que nossas mentes e corações não sejam perturbados por circunstâncias preocupantes pelas quais passamos neste mundo. Podemos nem sempre ter a “paz de Deus” em nossas almas, mas nunca perderemos nossa “paz com Deus”.

Três Aspectos da Nossa Posição em Paz

A. P. Cecil apontou que há três aspectos da nossa posição em paz. Temos:

- Paz com Deus (Rm 5:1) – Uma paz divina exterior.

- Paz da vida ressurreta (Rm 8:6) – Uma paz interior resultante do conhecimento e do experimentar da libertação. - Paz racial (Ef 2:14) – Uma paz exterior em relação aos irmãos crentes de diferentes nacionalidades que foram salvos e colocados juntos no um corpo de Cristo.

Todos os três aspectos da paz nos pertencem no momento em que cremos no evangelho e somos selados com o Espírito Santo.

UMA NOVA POSIÇÃO NO FAVOR DE DEUS (cap. 5:2a)

Paulo continua com outro grande resultado da justificação. Ele diz: “por Quem obtivemos também nosso acesso pela fé a esta graça [favor – JND], na qual estamos firmes” (AIBB). Isso se refere ao crente recebendo uma nova posição na presença de Deus.

A palavra grega “prosagoge” traduzida como “acesso” neste versículo (na KJV) dá a ideia de introdução de uma pessoa em alguma coisa. Aqui nesta passagem tem a ver com a introdução formal do crente em uma nova posição de “favor” diante de Deus. J. N. Darby observou que este lugar de favor em que nos encontramos é “nossa aceitação na graça, que Ele nos concedeu gratuitamente no Amado”. Assim, é a mesma posição que o próprio Cristo tem diante de Deus, pois somos “agradáveis [aceitos – JND] a Si no Amado” (Ef 1:6). Paulo diz que esta nova posição na qual estão todos os crentes, é adentrada “pela fé” no Senhor Jesus Cristo – ou seja, quando uma pessoa recebe salvação. É uma coisa de uma vez por todas resultante de ser “justificado em Cristo” (Gl 2:17).

Esse “acesso”, portanto, não é uma questão de prática Cristã – isto é, adentrando na presença de Deus por comunhão diária, oração e adoração, como declarado em Efésios 2:18 e 3:12, etc. – mas sim, a entrada inicial do crente em sua nova posição diante de Deus quando é salvo. No grego, a palavra (“acesso”) está no tempo verbal perfeito, indicando que Cristo alcançou um acesso completo e permanente para nós na presença de Deus por Sua entrada ali. Essa nova posição em favor diante de Deus, a qual Cristo acessou por nós, é perfeita, permanente e inviolável, porque ela é medida pela perfeita e permanente aceitação de Cristo. É algo posicional; não tem nada a ver com o nosso andar ou com nossa fidelidade pessoal. Quer sejamos o Cristão mais jovem ou o mais velho, um Cristão devotado ou um Cristão descuidado, todos nós igualmente temos essa posição diante de Deus. Nosso estado de alma (Fp 2:20), por outro lado, oscila dependendo se andamos de acordo com o Espírito ou conforme a carne. Por vezes nosso estado espiritual pode ser bom e outras vezes pode ser mau, mas nossa posição nunca muda.

UMA ESPERANÇA DA GLÓRIA DE DEUS (cap. 5:2b)

Paulo passa para outro resultado da justificação: “Nos gloriamos na esperança da glória de Deus”. Como mencionado anteriormente, isso tem a ver com a futura glorificação do crente. Sendo justificados pela fé, os Cristãos têm uma “esperança” de serem glorificados como Cristo (cap. 8:30). Quando isso acontecer, seremos aperfeiçoados – espírito, alma e corpo. A natureza caída pecaminosa será erradicada de nossos seres e seremos transformados fisicamente para sermos como Cristo (Fp 3:21). Isso acontecerá a todos os Cristãos, quer saibam muito ou pouco sobre seu futuro glorioso. Paulo não está falando sobre se crentes estão vivendo no gozo e antecipação deste glorioso futuro, mas simplesmente de que temos um futuro glorioso.

“Esperança”, no sentido em que é usada nas Escrituras, é uma certeza adiada. É expectativa com certeza. No uso moderno da palavra, falamos de esperança como algo que gostaríamos de ver acontecer, mas não temos garantia de que acontecerá. Não é assim que as Escrituras usam a palavra; nas Escrituras, a esperança é sempre uma coisa de convicção. “A esperança da glória de Deus” de que Paulo está falando aqui é algo que definitivamente acontecerá – nós simplesmente não sabemos quando.

A glorificação é maravilhosa culminação da obra de Deus em nós e conosco. Antes que a graça nos alcançasse, éramos pecadores “destituídos… da glória de Deus” (Rm 3:23). Agora, sendo justificados pela Sua graça, temos a esperança de sermos glorificados como Cristo. É uma certeza adiada, vista como uma coisa completada no propósito e conselho de Deus: “aos que justificou a estes também glorificou” (Rm 8:30). A glorificação ocorrerá no arrebatamento: “aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, o Qual transformará o nosso corpo de humilhação, para ser igual ao corpo da Sua glória [conforme o Seu corpo de glória – JND] (Rm 8:17; Fp 3:21). Apocalipse 21:11 vê a Igreja no final (durante o milênio) reinando com Cristo, “tendo a glória de Deus” (TB). Hoje, temos esse final glorioso como uma esperança. Quando cremos no evangelho e recebemos o Senhor Jesus Cristo como nosso Salvador, somos colocados na esperança de nossa glorificação final. Paulo se refere a isso mais tarde na epístola, afirmando que “em esperança somos salvos” (Rm 8:24). Nossa glorificação é “parte integrante” da nossa salvação, sendo a fase final dela (Rm 13:11).

Vemos disso que nosso futuro é brilhante e seguro. Em vista dessa perspectiva maravilhosa, é apropriado que os crentes se “exultem [se gloriem].

EDUCAÇÃO ESPIRITUAL NA ESCOLA DE DEUS (cap. 5:3-8)

Conforme mencionado anteriormente, as três primeiras coisas que Paulo abordou no capítulo 5 têm a ver com a posição e perspectiva dos crentes. Agora nos versículos 3-8, ele prossegue para falar de coisas que têm a ver com nossa peregrinação e o caminho.

Paulo diz: “E não somente isto, mas também nos gloriamos nas tribulações; sabendo que a tribulação produz a paciência [perseverança – ARA], E a paciência [perseverança – ARA] a experiência, e a experiência a esperança. E a esperança não traz confusão, porquanto o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado”. Nestes versículos, o crente é visto passando por provações e tribulações no caminho da fé, e tirando proveito espiritualmente dessas experiências. Isso mostra que depois de sermos justificados pela fé, Deus nos matricula em Sua escola, onde nos são ensinadas lições divinas por meio de experiências da vida. Estando intensamente interessado no desenvolvimento moral e espiritual de Seus filhos, imediatamente após sermos salvos, Deus começa uma obra em nós para nos conformar à imagem de Seu Filho (Rm 8:29). Seu amor é tal que não nos deixa no estado em que Ele nos encontra, mas Se compromete a realizar uma renovação moral de nosso ser, usando a pressão externa de provações e tribulações na vida para realizá-la. Este é outro benefício resultante de ser justificado pela fé.

O aspecto do ensino espiritual em vista aqui não é o lado intelectual da verdade – o que poderíamos chamar de “aprendizado de livros”. Embora o ministério escrito seja valioso e útil para edificar os santos na mais santíssima fé (Jd 20), essas lições espirituais não são aprendidas por esse meio. Essas lições têm a ver com o desenvolvimento do caráter Cristão, e elas só podem ser aprendidas por meio das “tribulações” (provações) da vida. J. N. Darby observou que “provações não podem por si mesmas conferir graça, mas sob a mão de Deus podem quebrar a vontade e detectar males ocultos e não suspeitados, que, se julgados, a nova vida será mais plenamente desenvolvida e Deus terá um lugar maior no coração. Além disso, pela tribulação a humilde dependência é ensinada e, como resultado, há menos confiança em si mesmo e na carne, e uma conscientização de que o mundo não é nada, e o que é eternamente verdadeiro e divino, tem um lugar maior na alma”. Assim, tribulações (provações) têm uma maneira de nos desconectar de nossos recursos materiais e posições na vida, e nos conectar mais conscientemente com o que é espiritual e eterno. Por meio de provações, aprendemos lições valiosas sobre nós mesmos e sobre nosso grande Deus; aprendemos sobre nossa própria insuficiência e sobre Sua Completa-Suficiência. E essas coisas nos levam a uma apreciação mais profunda do amor de Deus e a um relacionamento mais íntimo com o Senhor Jesus Cristo.

A jornada dos filhos (teknon) de Israel no deserto tipifica esse aspecto de nossa educação espiritual. De fato, esses versículos em Romanos 5 têm sido chamados frequentemente de “A Jornada do Cristão no Deserto”. No Mar Vermelho, o Senhor tirou Israel do Egito, mas no deserto, Ele tirou o Egito de Israel – ou pelo menos esse era Seu desejo. O primeiro é um ato; o segundo é um processo. Da mesma forma, quando o Senhor nos toma e nos salva, Ele tem muito a fazer em nós no sentido de remover coisas que são inconsistentes com Seu caráter (Sl 139:3; Pv 25:4). Frequentemente há motivos e princípios mundanos em nós que podemos não estar conscientes, os quais Ele Se compromete, com cuidado e precisão divinos, a remover por meio da pressão das provações. Deus não trouxe pecado, tristeza e problemas ao mundo, mas agora que essas coisas estão aqui, Ele as utiliza para nos ensinar lições importantes em Sua escola – lições de obediência, dependência, etc.

No deserto Deus te ensinará

Que Deus você encontrou,

Paciente, gracioso, poderoso, santo,

Toda a Sua graça abundará.

Hinário The Little. Flock. nº 76

V. 3 – Paulo, portanto, declara: “nos gloriamos [orgulhamos/regozijamos] nas tribulações”. Esta é fé falando da perspectiva do que caracteriza a experiência Cristã normal. Na realidade, nosso estado pode ser pobre, e podemos reclamar em vez de nos regozijar quando as provações surgem em nosso caminho, mas ele não está falando aqui de um estado Cristão anormal. Paulo diz: “nos gloriamos”, não porque os Cristãos gostam de provas, mas porque sabemos que tais provações e tribulações trabalham em direção ao nosso crescimento e progresso espiritual. (Rm 8:28; 2 Co 4:17; Sl 4:1). Sob Seu ensinamento divino, somos capazes de nos beneficiar das experiências pelas quais passamos na vida, e é por isso que os Cristãos podem se alegrar em tais ocasiões (Tg 1:2). Sendo assim, sabendo que estas coisas foram permitidas por Deus para o nosso proveito espiritual, quando nos deparamos com provações, em vez de dizer: “Como posso escapar disto?” deveríamos estar dizendo: “O que posso aprender disto?” Deus quer que sejamos exercitados sobre as provas que ocorrem em nossas vidas e que tiremos proveito espiritual delas.

Paulo então fala de uma cadeia de coisas positivas que resultam quando as provações são aceitas apropriadamente das mãos de Deus em fé. Ele diz: “a tribulação produz a paciência [perseverança– JND]. Perseverança traz a ideia de constância no caminho de fé – isto é, ser capaz de continuar, mesmo diante de oposição. Já que tudo do Cristianismo é contrário ao curso do mundo, o Cristão deve viver sua vida contra a correnteza, e é necessária a importante qualidade da “perseverança” ou firmeza. As provações têm uma maneira de intensificar nossas convicções naquilo em que acreditamos e, assim, preparar-nos mentalmente para resistir à oposição a elas relacionada.

V. 4 – Paulo acrescenta uma segunda coisa – “E a paciência [perseverança] a experiência**”**. Suportando uma provação com o Senhor, o crente ganha experiência prática nos caminhos de Deus. **“Experiência”** significa “_prova prática_”. Refere-se ao processo de aprendizagem no caminho de fé, por meio do qual adquirimos conhecimento prático de Deus e de Seus caminhos. Provamos por experiência que Ele é tão bom quanto a Sua Palavra. Cada experiência com Deus fortalece nossa confiança n’Ele. Aprendemos de maneira prática de Suas ternas misericórdias e cuidados, e apreciamos essas experiências e refletimos sobre elas, e um dia as levaremos conosco para o céu. Um irmão jovem certa vez perguntou a um irmão mais velho: “Como uma pessoa obtém experiência?” O irmão mais velho respondeu: “Obtemos experiência por meio de experiência; não há outra forma”.

Paulo acrescenta uma terceira coisa: “e a experiência a esperança**”**. Essas experiências com o Senhor não apenas fortalecem nossa fé e confiança em Deus; elas também dirigem nossos corações para o céu – em direção à nossa **“esperança”**. O resultado é que ela brilha mais em nossos corações e é mais real para nós, e assim vivemos mais em vista disso. A **“esperança da glória”** (v. 2) – a percepção de que nossa glorificação está muito próxima – nos dá nova energia para suportar por **“um poucochinho de tempo”** (Hb 10:37). Se perdermos de vista essa esperança, em época de provações correremos o risco de desistir, em vez de resistir. Paulo diz que o crente não fica **“envergonhado”** de sua esperança, porque – como resultado da fé do crente sendo fortalecida por meio da experiência das provações – ele sabe que está firme e seguro.

V. 5 – O quarto elo nesta cadeia de características Cristãs que Deus forma em Seu povo por meio de provações é que elas têm uma maneira de produzir uma noção mais profunda do amor de Deus na alma. Paulo diz que por meio dessas coisas **“**o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado”. Note, ele não está falando do nosso amor por Deus, mas do amor de Deus por nós. É o desejo de Deus que tenhamos uma noção mais intensa e mais profunda de Seu amor em nossas almas, e essas experiências fazem isso. Note também: Paulo não está se referindo ao crente receber Espírito Santo – chamado de selo (Ef 1:13, 4:30), ou de unção (1 Jo 2:20, 27), ou de penhor (2 Co 5:5; Ef 1:14), que ocorre quando uma pessoa crê no evangelho (2 Co 1:22) – mas de um novo sentimento de Seu amor enchendo nossos corações. É isso que motiva a vida Cristã; fazemos o que fazemos para o Senhor porque o Seu amor nos constrange (2 Co 5:14-15).

Vs. 6-8 – Tendo falado da possessão do amor de Deus em nossos corações (v. 5), Paulo continua falando da qualidade e caráter desse amor. Ele compara o poderoso amor de Deus com o amor dos homens. “Porque Cristo, estando nós ainda fracos, morreu a Seu tempo pelos ímpios. Porque apenas alguém morrerá por um justo; pois poderá ser que pelo bom alguém ouse morrer. Mas Deus prova o Seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores”. Deus demonstrou Seu surpreendente amor na entrega de Seu Filho. Seu amor é tal que Ele nos amou quando não havia nada em nós para amar. Em nosso estado perdido, éramos “ímpios” (v. 6), “pecadores” (v. 8) e até “inimigos” de Deus (v. 10), mas Deus nos amou e deu Seu Filho para nos redimir! Não poderia haver maior demonstração de amor do que essa! Ao declarar que Cristo morreu “por nós”, Paulo está focando o lado substitutivo de Sua obra na cruz – Cristo tomando nosso lugar sob o julgamento de Deus (1 Pe 3:18 – “o Justo pelos injustos”).

Comparando este grande amor de Deus com o amor dos homens, Paulo mostra que o amor dos homens precisa de um motivo para agir (Lc 6:32; Jo 15:19). No modo de pensar do homem natural, a pessoa deve mostrar-se digna de amor. Paulo dá alguns exemplos – uma pessoa deve ser um homem “justo” ou pelo menos um homem “bom”. Em raras ocasiões, os homens ousarão morrer por essas pessoas, por verem nelas algo digno de seu amor. Contudo, os homens não amarão nem morrerão por um assassino ímpio, etc. – tal é o caráter do amor humano. O amor divino, por outro lado, age quando não há nada em seu objeto que seja amável. E isso foi demonstrado no fato de que Cristo “morreu a Seu tempo pelos ímpios” (v. 6). Assim, o amor de Deus é incomparável ao amor dos homens e é infinitamente maior. Contemplar e meditar sobre esse amor produzirá uma transformação de caráter em nossa vida de impiedade para a semelhança com Cristo (2 Co 3:18).

Assim, vemos dessas coisas que nossa educação na escola de Deus é muito diferente da nossa justificação.

- A justificação é algo que Deus faz por nós (vs. 1-2).

- A educação espiritual tem a ver com a nossa conformidade com Cristo e é algo que Deus faz em nós (vs. 3-8).

UMA SALVAÇÃO FUTURA DA IRA VINDOURA (cap. 5:9)

Paulo continua falando de outro benefício da justificação – a certeza de ser salvo da ira que está vindo sobre este mundo culpado. Ele diz: “Logo muito mais agora, sendo justificados pelo [poder do] Seu sangue, seremos por Ele salvos da ira”. Este é um aspecto futuro da nossa salvação que ocorrerá quando o Senhor vier. Os Cristãos que estiverem na Terra naquele momento serão “salvos” do julgamento que virá sobre o mundo, sendo tirados dela completamente. Os que ensinam sobre a Bíblia chamam isso de “o Arrebatamento” (1 Ts 4:15-17; Fp 3:20-21). Os Cristãos que morreram antes desse momento, naturalmente, não precisarão dessa libertação, porque já estarão com o Senhor.

O capítulo 13:11 fala desse aspecto futuro da salvação como algo que está se aproximando de nós a cada dia: “porque a nossa salvação está agora mais perto de nós do que quando aceitamos a fé”. Isto é porque Deus estabeleceu um dia – que acreditamos ser em algum momento no futuro muito próximo – quando Ele enviará Seu Filho para arrebatar os Cristãos que estiverem vivendo na Terra. Ninguém sabe quando será esse dia (Mt 25:13). A “ira” vindoura será trazida pelo próprio Cristo (1 Ts 1:10; 2 Ts 1:9; Ap 6:16, etc.). Por isso, o Senhor Jesus é:

- O Salvador da ira vindoura – para os crentes.

- O Executor da ira vindoura – sobre os incrédulos.

UMA SALVAÇÃO PRESENTE POR MEIO DE CRISTO NO ALTO (cap. 5:10)

Tendo falado de uma salvação passada (v. 9a) e de uma salvação futura (v. 9b), Paulo fala agora de uma salvação presente para o crente (v. 10). Este é outro grande benefício de ser justificado pela fé. Ele diz: “Porque se, sendo inimigos, fomos reconciliados a Deus pela morte de Seu Filho, muito mais, tendo sido reconciliados, seremos salvos pelo poder da Sua vida” (JND). Andar por um mundo que se opõe a Deus e aos Seus princípios é para o crente como caminhar por um campo minado espiritual. Há perigos em toda parte, e muito para atrair e estimular nossa natureza caída pecaminosa (a carne). O Senhor entende completamente isso e está ocupado em nos salvar desses perigos de uma maneira prática, enquanto estamos a caminho para o céu.

Para produzir esta presente salvação, o Senhor não nos ajuda descendo do céu literalmente; Ele permanece em Seu lugar no alto e Se ocupa em nos salvar lá de cima. Ele foi ao alto para realizar três coisas com esta finalidade:

- Para enviar o Espírito, e assim nos dar o poder da vida ressurreta, que quando vivida, neutraliza a atividade da carne (esse assunto será tratado novamente nos capítulos 5:12-8:17). - Para ser o Objeto do coração do crente em uma esfera totalmente fora do mundo e da carne (Jo 17:19). Na medida em que somos levados com Ele e com Suas coisas para onde Ele está, o mundo, a carne e o diabo perdem seu poder de influência em nossas vidas (1 Jo 5:4-5). - Para interceder por nós em nosso caminho no deserto como nosso Sumo Sacerdote, pelo qual somos salvos dos muitos perigos espirituais no caminho da fé (Hb 7:25).

O GOZO DA RECONCILIAÇÃO (cap. 5:10-11)

Paulo menciona um último (mas não menos importante) benefício resultante de ser justificado pela fé – o gozo da reconciliação. Ele diz**: “E não somente isto, mas também nos gloriamos** [regozijamos] **em Deus por nosso Senhor Jesus Cristo, pelo Qual agora alcançamos a reconciliação”**. Houve uma mudança radical na mente do crente, pela qual ele agora tem gozo em seu relacionamento com Deus e sua proximidade com Ele.

Um dos tristes resultados da entrada do pecado neste mundo é que existem relações estranhas entre os homens e Deus. Há pensamentos e sentimentos errados no coração e “entendimento[mente]**”**do homem para com Deus (Cl 1:21). Pelo pecado, os homens em seu estado caído tornaram-se “odiadores de Deus” (Rm 1:30 – KJV), e assim eles têm grande “inimizade contra Deus”(Rm 8:7). Assim, os homens são “alienados” (TB) de Deus e são “inimigos” de Deus (Cl 1:21).

Essa condição de inimizade é totalmente da parte do homem. É o homem que pecou e se afastou de Deus. Mesmo tendo sido o coração do homem corrompido para com Deus, a disposição de Deus para com o homem não mudou. Ele ainda está favoravelmente inclinado às Suas criaturas, pois Ele é o Deus Imutável (Ml 3:6; Hb 13:8; Tg 1:17). Por isso, Deus não é inimigo do homem, embora o homem por meio da queda tenha se tornado inimigo de Deus. Há, portanto, uma grande necessidade de mudança no coração do homem, mas não no de Deus, pois Ele sempre amou o homem. Assim, não é Deus Quem precisa ser reconciliado com o homem, mas o homem a Deus.

Às vezes, quando as pessoas são despertadas para a sua necessidade de serem salvas, elas têm a ideia equivocada de que, como pecaram e estão distantes de Deus, precisam fazer alguma coisa para voltar o coração de Deus para si. Alguns pensam que precisam derramar lágrimas, enquanto outros acham que precisam limpar suas vidas e se tornar religiosos. Mas isso é mal entendimento quanto ao coração de Deus e Seu caráter imutável. A verdade é que o coração d’Ele sempre foi favorável ao homem, embora o homem tenha pecado contra Ele. Desde o dia em que o pecado entrou na criação, Deus tem procurado a libertação e a bênção do homem.

Visto que Deus não precisa ser reconciliado com o homem – mas sim o homem a Deus – a Escritura não apresenta a reconciliação como a conhecemos hoje no sentido moderno da palavra. (Ela é usada em nossos dias em conexão com duas partes que estavam afastadas, e que se aproximam uma da outra com algum grau de compromisso, para que as relações entre elas pudessem voltar a ser como eram antes.) Reconciliação, como apresentada no evangelho, nunca vê Deus e o homem se encontrando em algum ponto no meio, mas o homem (crente) sendo “levado” a Deus (1 Pe 3:18; Ef 2:13). Para evitar essa ideia equivocada, as Escrituras nunca dizem que somos reconciliados com Deus. Tal afirmação poderia transmitir a ideia de que houve algum comprometimento da parte de Deus, assim como da parte do homem. As escrituras afirmam cuidadosamente que os crentes são reconciliados “a” (JND) Deus (Rm 5:10; 2 Co 5:20; Ef 2:16; Cl 1:20). É por isso que Paulo diz que “nós” (crentes) alcançamos “a reconciliação”; não diz que Deus alcança a reconciliação (v. 11).

O apóstolo afirma que já fomos “inimigos” de Deus. Um inimigo é aquele que tem inimizade e maus sentimentos em relação àquele que odeia e, consequentemente, se mantém afastado dele. Esta é a condição do homem caído em relação a Deus. Seus maus sentimentos em relação a Deus são impulsionados pela presença de uma má consciência que o condena como pecador. Isso lhe dá a sensação de haver feito algo errado e o deixa desconfortável em encontrar-se com Deus. A inimizade no coração do homem começou com a sua queda (Gn 3:15), e tem trabalhado para manter os homens longe de Deus desde então.

Apesar de tal condição prevalecer sobre a raça humana, Deus assumiu a tarefa de removê-la e trazer os homens (crentes) de volta a Si. Neste quinto capítulo de Romanos, Paulo mostrou que Deus deu o primeiro passo em direção à reconciliação do homem, oferecendo um sacrifício pelo pecado, a fim de fazer com que o homem seja trazido de volta a Ele. Paulo diz: “Mas Deus prova o Seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores” (v. 8).

Pai, Teu soberano amor buscou

Cativos do pecado, foram para longe de Ti;

A obra que o Teu próprio Filho fez

Trouxe-nos de volta à paz e nos fez livres.

Hinário The Little. Flock. nº 331

Paulo explica como Deus remove a inimizade no coração de um pecador – é pela “morte de Seu Filho”. Isso se refere ao fato de que o amor de Deus pela humanidade era tão grande que Ele até daria Seu próprio Filho para trazer os homens de volta a Si! Note que as Escrituras não dizem “a morte de Cristo” ou algum outro título do Senhor Jesus. Elas dizem “a morte de Seu Filho**”**. Isso enfatiza o afeto que existia em Seu relacionamento com Seu Filho. Deus tinha apenas um Filho, e O amava muito, mas Ele O deu para salvar os pecadores! O custo para realizar esse sacrifício, portanto, é incalculável. Quando este grande fato – de que Deus ofereceu Seu amado Filho para levar os homens de volta para Si – atinge o coração do pecador pelo poder do Espírito, seu coração é constrangido. Então, aprender por meio do evangelho que a disposição de Deus tem sido favorável ao pecador durante toda a sua vida (mesmo que ele tenha abrigado maus pensamentos em relação a Deus) é mais do que seu coração pode suportar. O amor e a compaixão de Deus conquistam o coração do pecador de tal modo que a inimizade que uma vez ali repousou é dissipada. Todos esses maus sentimentos e ódios são afugentados da alma, e o amor de Deus inunda seu coração. Assim, seus pensamentos para com Deus são todos mudados, e Seu Filho, que voluntariamente Se entregou, torna-Se a Pessoa mais maravilhosa e atraente para ele. Ele uma vez se sentiu desconfortável com a ideia de se encontrar com Deus, mas agora como um crente, está muito confortável em Sua presença e realmente se deleita em estar aí. J. N. Darby observou em relação à reconciliação: “Eu me sinto em casa com Deus. Todos os Seus sentimentos graciosos são para mim, e eu sei disso, e meu coração é trazido de volta para Ele”. Como resultado, o crente exulta em seu novo relacionamento com Deus. **“Gloriar-se em Deus”** – que é o estado feliz que a reconciliação produz no crente – é verdadeiramente a atitude correta do crente para com Deus. Com isto, realmente chegamos a um ponto alto na epístola!

Nós nos alegramos em nosso Deus, e cantamos desse amor,

Tão soberano e livre que fez o seu coração se mover!

Quando perdemos nossa condição, todos arruinados, insatisfeitos,

Ele viu com compaixão e não poupou o Seu Filho!

Hinário The Little. Flock. nº 135

Paulo diz: “agora alcançamos a reconciliação” (v. 11). Isso indica que a reconciliação do crente é um fato consumado; não é algo que esteja esperando para quando ele chegar no céu. Na salvação do homem, é Deus Quem recebe a propiciação e o crente quem recebe a reconciliação.

Quatro Aspectos da Reconciliação

Existem quatro lugares principais onde a reconciliação é mencionada no Novo Testamento em relação aos crentes:

- Colossenses 1:20-23 apresenta o lado de Deus – sermos trazidos de volta a Ele em uma condição em que toda a Divindade pode Se deleitar em nós, sendo feitos “santos, e irrepreensíveis, e inculpáveis perante Ela”(JND). Tudo para Seu prazer e satisfação de Seu coração. - Romanos 5:10-11 apresenta o lado do crente (individualmente) – a remoção da inimizade que uma vez nos fez inimigos. Por meio de tal remoção somos feitos confortáveis em Sua presença e assim nos “gloriamos em Deus”. - Efésios 2:11-16 – apresenta o lado do crente (coletivamente) – a unidade que existe entre os membros do corpo de Cristo, quer tenham sido judeus ou gentios. - 2 Coríntios 5:19-21 – apresenta o testemunho desta grande verdade ao mundo no evangelho.

A Diferença Entre Justificação e Reconciliação

Também vemos nessas coisas que a reconciliação é diferente da justificação, embora ambas envolvam uma mudança de pensamento.

- Justificação tem a ver com uma mudança de pensamento na mente de Deus. Deus considera (“pensa ser como tal”) o crente como justo.

- Reconciliação tem a ver com uma mudança de pensamento na mente do pecador que crê. Seus pensamentos de inimizade para com Deus, resultantes de ser um inimigo de Deus, são substituídos por regozijo em Deus.

As Bênçãos do Evangelho Reveladas nos Capítulos 3:21-5:11

Assim, nesta subdivisão da epístola (caps. 3:21 a 5:11), o apóstolo Paulo revelou as bênçãos do evangelho de uma maneira ordenada, com a reconciliação sendo a culminação de tudo. Esta subseção termina com o crente em um feliz relacionamento com Deus, desfrutando de Sua companhia. Assim, a justiça, o amor e graça de Deus triunfaram sobre toda a ruína que o pecado causou no homem! O crente tem:

- Redenção (cap. 3:24) – Somos comprados e libertos do julgamento, do pecado, de Satanás e do curso deste mundo. - Perdão (cap. 4:7) – A culpa de nossos pecados foi removida de nossa consciência. - Justificação (cap. 5:1) – Fomos absolvidos de toda acusação contra nós, por sermos levados a uma nova posição diante de Deus em Cristo, onde Deus não nos vê mais como pecadores. - Reconciliação (cap. 5:10-11) – Fomos trazidos a Deus com pensamentos e sentimentos mudados em relação a Ele, e então nos deleitamos em estar em Sua presença, e Ele Se deleita em nos ter ali.

LIBERTAÇÃO DO PODER **DO PECADO

Capítulos 5:12-8:17**

Nesta próxima subdivisão da epístola, Paulo revela o segundo aspecto da libertação anunciado no evangelho – a libertação do poder do pecado. Isso tem a ver com a maneira de Deus libertar o crente das atividades da sua antiga natureza pecaminosa (“a carne” – Rm 7:5), de modo que ele seja capaz de viver uma vida santa para a glória de Deus. Esta subdivisão, portanto, poderia ser chamada de “O Caminho de Deus de Santificação Prática”, porque apresenta o caminho de Deus e o poder de Deus para a vida santa (Veja capítulo 6:19, 22 “santificação”. Os capítulos 3:21-5:11 e os capítulos 5:12-8:17 podem ser diferenciados como:

- JUSTIFICAÇÃO – torna uma pessoa judicialmente justa. - SANTIFICAÇÃO – torna uma pessoa justa na prática.

A Diferença Entre Pecados e Pecado

Até este ponto da epístola, Paulo tem falado sobre “pecados” e a libertação de Deus do justo julgamento deles. Mas agora ele muda para falar de “pecado” e da libertação de Deus de seu poder. (H. Smith aponta que a palavra “pecado” aparece apenas duas vezes nos capítulos 1-5:11, mas nesta próxima seção da epístola ocorre não menos do que 34 vezes!) Conhecer a diferença entre esses dois termos é essencial para entender este aspecto da libertação.

- “Pecados” (plural) referem-se às más ações que fizemos. O remédio de Deus para os pecados cometidos está na morte de Cristo por nós. Isto é, pela fé no sangue de Cristo, pelo qual somos redimidos (Rm 3:24; Ef 1:7), perdoados (Rm 4:7; Hb 9:22), justificados (Rm 5:9) e reconciliados (Rm 5:11; Cl 1:20-22). (Nota: o sangue de Cristo é mencionado em cada uma dessas referências.) - “Pecado” (singular) refere-se à natureza caída no homem (a carne). O remédio de Deus para a atividade do pecado na vida de um crente está em nossa morte com Cristo. Isto é, a aplicação da morte de Cristo pela fé, pela qual somos livrados de estarmos conectados ao pecado (Rm 6:7) e livrados do poder da atividade do pecado pelo Espírito de Deus (Rm 8:2).

Portanto, “pecados” são ações más e “pecado” é a natureza má. O primeiro é o que fizemos e o segundo é o que somos. Pode-se dizer que “pecados” são manifestações do “pecado”, ou que “pecados” são o produto do “pecado”, ou que “pecados” são frutos de uma árvore má e “pecado” é a raiz dessa árvore má. Lembremo-nos também de que “pecado” é mais do que apenas a velha natureza pecaminosa; é essa natureza má com uma vontade em si mesma, determinada a satisfazer suas concupiscências. Outra diferença entre esses dois termos é que “pecados” podem ser “perdoados” pela graça de Deus (cap. 4:7), mas “pecado” não é perdoado, mas sim, é “condenado” sob o julgamento de Deus (cap. 8:3).

Ao declarar essas distinções entre pecados e pecado, tenhamos em mente que o assunto nesta seção da epístola não é a libertação da presença do pecado em nós, mas a libertação do poder do pecado sobre nós. A libertação da presença do pecado em nós só acontecerá se morrermos ou se o Senhor vier – o Arrebatamento. A grande coisa que aprendemos aqui – que deve vir como boa notícia para todo crente que luta contra a natureza pecaminosa – é que a salvação de Deus anunciada no evangelho não apenas promete libertação do julgamento de nossos pecados, mas também libertação do poder do pecado trabalhando em nossas vidas.

Mediante”, “Com” e “Em” Cristo

À medida que avançamos nessa nova subdivisão, há outra diferença interessante a destacar. Nos capítulos 3:21-5:11, nos é dito o que temos “mediante” (JND) (às vezes traduzido como “por” na KJV) Cristo (cap. 5:1, 2, 9, 10, 11). Enquanto nos capítulos 5:12-8:17, Paulo nos diz o que temos “com” e “em” Cristo.

A Necessidade da Libertação do Pecado

Não muito tempo depois de ser salvo, o crente descobrirá sua natureza caída pecadora impondo-se em sua vida de alguma forma pecaminosa. Assim, ele descobrirá que ainda tem a mesma natureza carnal que tinha antes de crer no Senhor Jesus Cristo. Muitas vezes, será um choque considerável quando um novo convertido perceber que ainda é capaz de cometer todos os tipos de mal. No entanto, ele deve aprender que ser perdoado, justificado e reconciliado não significa que os Cristãos não podem mais pecar. Ao contrário do que possa ter pensado, sua natureza caída não foi removida ou melhorada por sua conversão a Deus. Ele deve aprender que, se deixar a rédea solta em sua vida, poderá cometer toda sorte de pecado imaginável.

Quando Deus nos salvou, Ele poderia nos ter glorificado imediatamente e, assim, teríamos sido libertados da natureza caída pecaminosa e nunca mais pecaríamos novamente. Ele também poderia nos ter levado direto para o céu no momento em que cremos, e seríamos poupados de muitas experiências dolorosas e humilhantes com a carne. No entanto, a sabedoria divina escolheu deixar-nos neste mundo para percorrermos o caminho de fé com a natureza caída pecaminosa em nós, porém com um meio de torná-la inativa.

Favor e Liberdade

Não é intenção de Deus deixar neste mundo aqueles a quem perdoou, justificou e reconciliou, sob o domínio de suas naturezas caídas pecaminosas, sem poder para andar retamente e em liberdade diante d’Ele. O evangelho não oferece apenas uma isenção da pena do pecado, e então deixa o crente continuar neste mundo sob o poder do pecado. Nesta próxima seção da epístola, Paulo mostra que Deus providenciou para o crente um meio de total libertação da operação da natureza pecaminosa interior, capacitando-o assim a viver uma vida santa para a glória de Deus. Isto está incluído nas boas-novas do evangelho. Portanto, como mencionado anteriormente, esta subdivisão nos apresenta o caminho de Deus para a santificação prática.

Nos capítulos 3:21–5:11, vimos o crente colocado diante de Deus em uma posição de “favor” (cap. 5:2 – JND); agora nos capítulos 5:12-8:39, nos é revelado o caminho de Deus de “libertação” do pecado (cap. 6:18). Uma coisa é estar diante de Deus em todo o favor da nova posição na qual a justificação nos coloca, e outra bem diferente é caminhar diante dos homens em libertação do pecado por meio do poder do Espírito Santo.

A verdade revelada nestas duas seções da epístola leva o crente desde a depravação do pecado à salvação de Deus – mas de diferentes perspectivas. Não é que o crente seja salvo duas vezes; a verdade desenvolvida aqui é uma. É tratada na epístola consecutivamente porque essas coisas, que dizem respeito à experiência, são geralmente aprendidas separadamente. Além disso, se Paulo as tomasse ao mesmo tempo, o leitor provavelmente ficaria confuso; o caminho de Deus é repassar isso duas vezes. W. H. Westcott declarou: “Estas duas seções da epístola, propriamente falando, correm juntas como linhas paralelas; embora o Espírito de Deus tome cada uma separadamente. A segunda seção é sempre necessária para um desfrutar contínuo da primeira. Ainda assim, elas não são frequentemente aprendidas de uma vez e ao mesmo tempo” (A Letter to Rome, pág. 10).

Perfeição sem Pecado

Alguns entenderam mal este aspecto da libertação e imaginaram que Paulo estivesse ensinando que um crente pode alcançar um estado de perfeição sem pecado enquanto estiver aqui na Terra. As Escrituras definitivamente ensinam que a perfeição sem pecado será a porção de todo Cristão, mas isso não ocorrerá até a vinda do Senhor (o Arrebatamento). Naquele momento, a natureza caída pecaminosa será erradicada e “isto que é mortal se revestirá da imortalidade” (1 Co 15:54). Portanto, vamos entender que nenhum crente poderá ter a libertação da presença do pecado, enquanto estivermos na Terra, mas a libertação do poder do pecado, todos podemos ter por meio da aplicação dos princípios que Paulo está prestes a revelar.

Um Breve Resumo da Libertação do Poder do Pecado Apresentado Nesta Subdivisão

- Capítulos 5:12-7:6 apresentam a doutrina da libertação do pecado. - Capítulo 7:7-25 – UM PARÊNTESE – ilustrando o processo experimental pelo qual uma pessoa passa ao aprender a aplicar a doutrina da libertação. - Capítulo 8:1-17 apresenta os resultados adequados que fluem da aplicação por fé dos princípios da libertação.

A DOUTRINA DA LIBERTAÇÃO DO PECADO

Capítulos 5:12-7:6

A doutrina da libertação do pecado envolve: entender algumas coisas que foram realizadas na morte de Cristo, considerar essas coisas em fé e entregar-nos a Deus na esfera da vida, onde Cristo vive para Deus, pela qual somos capacitados a viver uma vida santificada no poder do Espírito Santo.

A Origem da Natureza Pecaminosa

Cap. 5:12 – Paulo começa sua dissertação sobre a libertação do pecado voltando ao começo e explicando como que inicialmente a raça humana se tornou assolada pela natureza caída pecaminosa (a carne). Ele diz: “Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram”. Dessa forma Paulo traça a origem da natureza pecaminosa da raça humana, desde a transgressão de Adão no jardim do Éden. Ele e sua esposa (Eva) foram criados sem pecado, mas com livre arbítrio. Infelizmente, eles exerceram suas vontades e escolheram desobedecer a Deus, e assim, tornaram-se pecadores possuindo naturezas caídas pecaminosas. Assim, “o pecado (a natureza) entrou no mundo” naquele momento.

Por que Deus Permitiu que o Pecado Entrasse no Mundo?

As pessoas costumam perguntar: “Sendo Deus Todo-Poderoso e Todo-Amor, por que permitiu que o pecado entrasse no mundo?” É verdade que Ele poderia ter interferido e impedido Adão e Eva de pecarem, mas Deus sabia que Ele receberia mais glória e que os crentes receberiam mais bênçãos (por meio da morte e ressurreição de Cristo) do que se o pecado nunca tivesse entrado no mundo. Nós (crentes) estamos em uma posição supremamente mais abençoada em Cristo do que poderíamos estar em uma raça sob Adão, que não tivesse caído. Além disso, há certos aspectos e características das Pessoas da Divindade que não conheceríamos se o pecado não houvesse entrado no mundo. Por exemplo, não conheceríamos Deus como “o Deus de toda a graça” (1 Pe 5:10). Se o pecado não tivesse entrado, a graça não teria abundado sobre o pecado (Rm 5:20). Nem conheceríamos a Deus como “o Deus da minha misericórdia” porque em um estado sem pecado nunca faríamos qualquer coisa errada que demandasse a Sua misericórdia (Sl 59:17). Além disso, não O conheceríamos como “o Deus de toda a consolação”, porque nunca estaríamos em uma situação de doença, tristeza ou sofrimento, onde precisaríamos de Seus ternos confortos (2 Co 1:3-4). Provavelmente não teremos uma resposta definitiva a respeito do por que Deus permitiu que o pecado entrasse no mundo até chegarmos ao céu. Enquanto esperamos por esse dia, a fé percebe “quão inescrutáveis [são] os Seus caminhos” (Rm 11:33) e aceita que “o caminho de Deus é perfeito” (Sl 18:30). Isso nos dá a confiança para deixar estas perguntas difíceis em Suas mãos, sabendo que “o Juiz de toda a Terra” nunca faria nada além do que é “justo” (Gn 18:25).

Quem Pecou Primeiro?

Olhando para o registro da queda em Gênesis 3, concluiríamos que foi a mulher que trouxe o pecado ao mundo, mas Paulo diz aqui que foi pelo “homem” (cap. 5:12). Isso mostra que ele não poderia estar falando do que aconteceu cronologicamente. Claramente Eva pecou antes de Adão, e Satanás e seus anjos pecaram antes dela. (Este último ponto pode ser visto no fato de que Satanás já estava no jardim mentindo e enganando Eva antes que ela tivesse pecado.) É claro, portanto, que Paulo estava falando de Adão em seu papel como cabeça representante da raça humana. Deus o colocou no jardim na posição de cabeça da criação (Gn 2:15-17), e assim, ele foi considerado responsável pelo pecado entrar no mundo. (W. Reid disse: “A palavra ‘cabeça’ não é usada no capítulo [Rm 5], mas a verdade dela está ali” – The Bible Herald).

A natureza de Adão foi corrompida por sua queda e isso foi transmitido a cada geração de sua posteridade (Sl 51:5). E não apenas isso, mas a consequência da natureza pecaminosa estar na criação também foi passada para sua posteridade – a saber, a morte. Paulo diz: e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens”. (Os efeitos do pecado e da morte também foram passados para toda a criação inferior – os animais e as plantas etc. – mas esse não é seu assunto aqui. Veja o capítulo 8:20-22.)

Cabeça Federal

Paulo acrescenta: “por isso que todos pecaram”. A margem na versão King James diz: Em quem todos pecaram”. Se esta leitura alternativa puder ser usada, isso mostra que Paulo não estava enfatizando que todos os homens são culpados por pessoalmente terem pecado (o que certamente é verdade – cap. 3:23), mas que a desobediência de Adão produziu toda uma raça de pecadores (v. 19). Quando ele caiu, se tornou a cabeça de uma raça caída (Gn 5:3). Esta frase (“todos pecaram”) está no tempo verbal aoristo em grego, indicando que a desobediência de Adão teve um efeito de uma vez por todas sobre a raça que se desenvolveria sob ele. Isso mostra novamente que Paulo estava vendo Adão como a cabeça federal10 da raça humana. Subsequentemente, os homens provaram que eles têm a mesma natureza de seu “primeiro pai” porque todos pecaram como ele (Is 43:27). J. N. Darby disse: “É pela desobediência de um homem que muitos (todos os homens) foram feitos pecadores, e não pelos seus próprios pecados. Pecados, cada um tem os seus próprios: aqui é um estado de pecado comum a todos” (Synopsis of the Books of the Bible, on Romans 5:12). Assim, a presença do pecado (a natureza caída) e a morte na raça humana não são o resultado dos pecados pessoais dos homens, mas sim o resultado da ação de Adão, a cabeça federal da raça humana.

Cabeça federal tem a ver com uma pessoa em um lugar responsável como a cabeça, agindo por e em nome de quem está subordinado a ela. Poderia ser como a cabeça de um Estado, a cabeça de uma família, a cabeça de uma corporação, etc. Por exemplo, quando o presidente de um país assina uma lei, como cabeça de Estado, ele age por todos os cidadãos daquele país, e é obrigatória a todos no país. A epístola aos Hebreus dá um exemplo da cabeça federal em uma família. O escritor fala de Abraão atuando nesse papel. Ele diz que Levi pagou dízimos a Melquisedeque pelos dízimos que Abraão deu a Melquisedeque, embora naquela época Levi ainda nem tivesse nascido na posteridade de Abraão – o que aconteceu cerca de 200 anos depois (Hb 7:9-10). Não obstante, diz-se que Levi “aindaestava nos lombos de seu pai” quando Melquisedeque recebeu dízimos de Abraão, e assim, Abraão agiu por e em nome de Levi (e sua posteridade) como cabeça federal da família.

Duas Cabeças Federais

Em um parêntese (vs. 13-17), Paulo mostra que cabeça federal se aplica tanto a Adão quanto a Cristo. Cada um é a cabeça de uma raça de homens, e suas ações como tal tiveram um grande efeito sobre suas raças.

Cap. 5:13-14 – Paulo começa com Adão. Ele mostra que como cabeça da raça humana, Adão agiu para a raça (negativamente), e sua posteridade é vista como tendo agido com ele, mesmo que eles não existissem no momento de sua ação. Assim, quando Adão pecou, ele constituiu toda uma raça de pecadores (v. 19). Isso não significa que somos responsáveis pelo pecado de Adão, nem significa que somos responsáveis por termos a natureza pecaminosa.

Mesmo antes de a Lei ser dada, nos dias “desde Adão até Moisés” (cerca de 2.500 anos), quando os homens não tinham um comando direto de Deus, como Adão teve, “a morte reinou”. Os homens naqueles dias “não pecaram à semelhança da transgressão de Adão” quebrando um mandamento conhecido, ainda assim os efeitos do pecado foram sentidos por eles, na medida em que todos morreram – com exceção de Enoque (Hb 11:5). Adão recebeu um mandamento direto (verbal) de Deus (Gn 2:16-17), então sua desobediência foi uma evidente transgressão. Mas os homens naqueles primeiros dias (antes de a Lei ser dada) não tinham um código legal de Deus; seu único guia eram suas consciências. Já que não havia nenhum mandamento estabelecido por Deus durante aquele período, nenhuma transgressão poderia ser “imputada [levada em conta – ARA] contra os pecadores. O argumento de Paulo aqui é que, independentemente de haver ou não uma lei estabelecida, o pecado estava no mundo, e isso pode ser provado pelo fato de que a morte manteve seu domínio sobre toda a raça durante esse tempo – todos morreram.

Paulo então diz que Adão é uma “figura daqu’Ele que havia de vir” (v.14b). Isso se refere a Cristo e mostra que Ele também é um Adão – isto é, a cabeça de uma raça de homens. De fato, como Cabeça de Sua raça, Cristo é chamado, “o último Adão” (1 Co 15:45). Ele é o “último” Adão porque nenhuma outra raça de homens virá de Deus. Esta nova raça sob Cristo é perfeita; não há necessidade, portanto, de Deus trazer outra raça de homens à existência depois desta. A raça de Cristo é completamente nova e de caráter diferente da raça de Adão, sendo uma “nova criação” de Deus (2 Co 5:17 – TB; Ap 3:14). As cabeças das duas raças são distinguidas nas Escrituras pelas frases técnicas: “em Adão” e “em Cristo” (1 Co 15:22).

Cristo Se tornou Cabeça de Sua raça da nova criação na ressurreição, e assim Ele é “o Primogênito entre muitos irmãos” (Rm 8:29; Cl 1:18; Hb 1:6, 2:11-13; Ap 1:5). “Primogênito”, neste sentido, não se refere a ser o primeiro em ordem de nascimento de uma família, embora o Senhor fosse isso (Mt 1:25), mas em ser o primeiro em ordem e posição, tendo o lugar de preeminência entre os outros. “Primogênito” é usado em vários lugares nas Escrituras dessa maneira. (Compare Gn 25:25 com Êx 4:22; 1 Cr 2:13-15 com Sl 89:27; Gn 48:14 com Jr 31:9). Como o “Primogênito”, o Senhor “não Se envergonha” de chamar aqueles de Sua raça de Seus “irmãos”, porque são da mesma espécie que Ele e, portanto, são inteiramente adequados a Ele (Gn 1:25, 2:21-23; Hb 2:11).

Cap. 5:15 – Paulo argumenta: “Mas não será o ato de favor como a ofensa?” (JND). A resposta é “sim”. Quão certamente a “ofensa” de Adão, como cabeça federal, afetou toda a raça sob ele, o “ato de favor” de Cristo, como cabeça federal de Sua raça, afetou a todos sob Ele. Esta é uma grande semelhança entre Adão e Cristo; por um ato, cada um deixou uma marca em sua raça, embora ambas as raças não existissem no momento de suas ações. Isso é enfatizado quando Paulo usa duas vezes a palavra “muitos”. O primeiro “muitos” no versículo 15 refere-se a todos sob a cabeça de Adão que se tornaram sujeitos à morte como resultado da transgressão de Adão – toda a raça humana. O segundo “muitos” refere-se a todos os que fazem parte da nova raça da criação sob Cristo – apenas os crentes.

Contraste Entre a Ofensa e o Dom Gratuito

Cap. 5:15b – Paulo então contrasta a vasta diferença entre “a ofensa” de Adão e “o dom gratuito” de Cristo. Isso é enfatizado quando Paulo usa as palavras “Muito mais. A ofensa de Adão provocou um enorme efeito negativo na raça sob ele, ao passo que Cristo produziu um enorme efeito positivo em Sua raça. Paulo afirma “pela ofensa de um morreram muitos”, mas **“**o dom pela graça, que é de [por – JND] um só Homem, Jesus Cristo, abundou sobre muitos”. Esse contraste não poderia ser maior.

Contraste Entre Condenação e Justificação

Cap. 5:16 – Um segundo contraste que ele apresenta é que o ato de Adão trouxe “julgamentopara condenação**”** (ARA), enquanto o ato de Cristo veio de **“muitas ofensas”** dos pecadores que creem para **“**justificação [justiça judicial]**”**. Paulo usa a palavra **“mas”** para contrastar essas duas coisas.

Ao dizer “julgamento… para condenação”, ele mostra que essas duas coisas não são sinônimas: uma precede a outra. Seu uso da palavra “para” indica isso. W. Scott disse: “Julgamento e condenação não significam a mesma coisa. A condenação é futura e final. O julgamento precede a condenação”. Todos sob Adão estão atualmente sob a sentença de juízo, mas eles não estão sob condenação – pelo menos, não ainda. A condenação é uma coisa final e irrevogável que será a porção de todos os que passam deste mundo em seus pecados sem fé. Algumas versões da Bíblia traduzem “juízo” como “veredito” para indicar que é a sentença que foi proferida ao homem, não a execução real da punição. J. N. Darby afirma na nota de rodapé de sua tradução em Lucas 20:47 que a palavra “juízo” é “a sentença proferida sobre a coisa acusada de ser culpada, a acusação em si mesma como a base do julgamento; não o fato da condenação”. Ele também disse: “Todos sabemos, se é que sabemos alguma coisa, a diferença entre pecados passados (ou presentes) e a natureza má [pecado]; o fruto e a árvore. Se for perguntado, ‘Um homem é condenado por ambos?’ Eu devo dizer que ele está perdido, em vez de condenado” (Collected Writings, vol. 34, pág. 406).

É verdade que João 3:18 diz: “mas quem não crê já está condenado ; porquanto não crê no nome do Unigênito Filho de Deus”, mas é um erro de tradução nas versões King James e Almeida Corrigida e Almeida Fiel. Deveria ser “julgado” (ARA, TB e AIBB) em vez de condenado. “O mundo”, “a carne” e “o diabo” estão irrevogavelmente sob condenação (1 Co 11:32; Rm 8:3; 1 Tm 3:6), mas os homens que estão vivos hoje neste mundo não estão. Eles estão, no entanto, perdidos e sob a sentença de juízo, e se eles não se voltarem para Deus em fé, serão condenados a uma eternidade perdida. À luz dessa distinção doutrinal, podemos ver que o hino que diz: “Quando estávamos em condenação, esperando então o tormento do pecador…” (Little Flock nº 200) não está correto, porque a Escritura ensina que todos os que são sob a condenação são irrecuperáveis. A grande coisa com relação à “justificação” e estar “em Cristo” (nossa nova posição diante de Deus sob nossa nova Cabeça) é que agora é impossível entrarmos em “condenação” (cap. 8:1).

Contraste Entre o Reino do Pecado e da Morte e o Reino da Justiça em Vida

Cap. 5:17 – Um terceiro contraste que Paulo aponta é a diferença entre o reino do pecado e da morte e o reino da justiça em vida. Ele diz que em Adão “a morte reinou”, mas agora “muito mais os que recebem a abundância da graça” (isto é, os crentes) “o dom da justiça, reinarão em vida”. Novamente, ele usa as palavras “muito mais” para marcar essa distinção. Pela ofensa de Adão, desde então, o pecado e a morte reinaram sobre todos na raça de Adão. Por outro lado, como resultado do que Cristo consumou para aqueles a Ele conectados – os crentes – sob Sua cabeça, a justiça reina em “vida”. Esta é uma inversão surpreendente. Os membros da raça de Adão são vistos como escravos do pecado, morrendo sob esse senhor tirano (o pecado). Por outro lado, os membros da nova raça de Cristo são vistos como príncipes, reinando em vida e liberdade! Estes são dois estados opostos. É verdade que “a justiça reinará” em todos os sentidos no reino milenar de Cristo (Is 32:1), mas Paulo está se referindo à justiça reinando agora na vida do crente. Ele falará mais sobre isso no versículo 21.

Resumindo o conteúdo do parêntese, vemos que:

- O dom é abundante sobre a ofensa. - A justificação é abundante sobre a condenação. - A vida é abundante sobre a morte.

A Transferência Posicional do Crente – De Adão a Cristo

Cap. 5:18-19 – Tendo fechado o parêntese, nos versos finais do capítulo, Paulo mostra que os crentes foram transferidos da cabeça e da raça de Adão para a Cabeça e para a raça de Cristo. No parêntese ele faz contrastes, mas agora ele continua para fazer algumas comparações entre os dois usando as palavras “assim” ou “assim também”.

Ele diz, como “uma só ofensa” de Adão teve seu efeito “para todos os homens para condenação” (JND), assim também “um só” ato de “justiça” de Cristo foi estendido “para todos os homens para justificação de vida” (JND). Existem dois todos aqui. Ao contrário dos dois muitos no versículo 15, que estavam contrastando as duas raças de homens, esses dois todos referem-se às mesmas pessoas – toda a raça humana. O ato de Adão trouxe algo “para todos os homens” (JND) e assim também o ato de Cristo.

A versão King James e as em português infelizmente traduzem este versículo como se o dom gratuito da justiça tivesse chegado “sobre todos os homens”, e isso levou alguns a crerem que todos os homens serão salvos no final. (Rm 11:32 e 1 Co 15:22 também são usados para ensinar esse erro). Essa doutrina errônea é chamada de Universalismo. No entanto, essa frase deve ser traduzida como “para todos os homens” (JND), o que significa que ela foi disponibilizada a todos, mas não necessariamente alcançada por todos.

O “um só” ato de “justiça” de que Paulo fala aqui se refere a toda à vida e morte de Cristo como um ato contínuo de obediência. A. H. Rule disse, “Todos os atos, palavras e pensamentos do princípio ao fim foram obediência, de modo que toda a Sua vida e morte são vistas como um ato contínuo de obediência”. (Selected Ministry of A. H. Rule, vol. 1, pág. 138). Este ato de Cristo para com a raça humana é “para justificação de vida” àqueles que creem. Este termo (justificação de vida) refere-se aos crentes sendo colocados em uma nova posição diante de Deus, onde Ele não os vê mais como pecadores, mas também como tendo uma nova vida que não pecou e não pode pecar.

Ele diz: “pela desobediência de um só homem” muitos foram “feitos pecadores, assim [também] pela obediência de Um muitos serão feitos [constituídos] justos” (v. 19). Estudiosos nos dizem que “feitos [constituídos] é um termo jurídico que transmite a ideia de alguém sendo nomeado. Portanto, ao serem “constituídos justos”, aqueles que creem não se tornam instantaneamente justos em um sentido prático, mas sim que Deus os designa como justos ao colocá-los na raça de Cristo sob a Cabeça de Cristo. (No grego, o verbo “constituído” é usado no tempo verbal futuro para indicar que inclui na raça todas as gerações futuras de crentes) Assim, pelo único ato de obediência de Cristo, os crentes foram transferidos da cabeça de Adão para a de Cristo. Isso significa que as bênçãos acima mencionadas relacionadas à nova raça de Cristo são concedidas aos crentes.

Cap. 5:20 – Paulo então explica que a Lei foi introduzida para revelar o pecado como sendo extremamente mau. Aqueles sob a Lei que falharam em guardá-la podem ser acusados justamente das transgressões ali definidas, porque tiveram mandamentos específicos de Deus na Lei declarando o que deviam e não deviam fazer. Como resultado, “eles, como Adão, transgrediram” (TB) uma conhecida ordem de Deus (Os 6:7). Além disso, tanto a “ofensa” quanto a “graça” abundaram em direções opostas – com a graça abundando “muito mais”. Assim, a entrada do pecado no mundo tornou-se uma oportunidade para Deus magnificar Sua graça, elevando-a acima de tudo.

Duas Esferas de Vida

Cap. 5:21 – Paulo conclui seu tratado sobre as duas cabeças declarando que, como resultado de seus dois atos, existem agora duas esferas correspondentes de vida nas quais os homens vivem: uma sob a cabeça de Adão, que pertence à morte, e a outra sob Jesus Cristo, nosso Senhor, que pertence à vida. Isso é visto no fato de que é dito que “pecado” e “graça” “reinam”, o que implica que ambos têm uma esfera de domínio na qual exercem sua autoridade. Paulo diz: “Para que, assim como o pecado reinou na morte, também a graça reinasse pela justiça para a vida eterna, por Jesus Cristo nosso Senhor”.

Como essas duas coisas reinam, elas podem, em certo sentido, ser vistas como reis ou senhores. “Pecado” reina em uma cena de “morte”. Essencialmente, esta é o mundo e tudo o que lhe pertence. Por outro lado, “graça” reina “para a vida eterna”. A vida eterna não é somente no crente (Jo 3:15-16, 36), mas é também uma esfera de vida na qual o crente deve viver em comunhão com o Pai e o Filho (Jo 17:3; 1 Tm 6:12, 19). Quanto a este último aspecto da vida eterna, o Sr. Darby disse que é “uma condição de coisas fora deste mundo”, na qual o crente vive pelo Espírito. Paulo está se referindo ao aspecto final da vida eterna aqui, quando formos levados para o céu. É um ambiente de vida que é perfeito e inteiramente livre do pecado – onde a luz, o amor e a comunhão com o Pai e o Filho é tudo e em todos. A boa notícia é que, em virtude do Espírito de Deus habitar em nós, temos a vida eterna agora e podemos viver nessa esfera de vida enquanto estivermos aqui na Terra (Jo 4:14; 1 Jo 5:11-13). Isso é essencial para o tema da libertação do pecado diante de nós nesta seção da epístola.

Em resumo, como crentes no Senhor Jesus Cristo, fomos transferidos posicionalmente da cabeça de Adão para a de Cristo. Assim, não somos mais vistos como sob aquela velha cabeça e conectados ao seu correspondente estado; somos agora parte da nova raça de homens sob Cristo (2 Co 5:17) e assim identificados com essa nova esfera de vida sob Sua Cabeça. Portanto, para o crente, o reino do pecado e da morte foi contraposto pelo reino da vida em Cristo.

A IDENTIFICAÇÃO DO CRENTE COM A MORTE DE CRISTO

Capítulo 6

Como um meio de libertação prática do pecado, Paulo agora apresenta nos versículos 1-10 a verdade da nossa identificação com Cristo na morte. Esta é a verdade posicional – isto é, a verdade concernente à posição de todo Cristão diante de Deus. Em seguida, nos versículos 11-14, ele nos exorta a viver à luz dessa grande verdade, que resultará em libertação prática. Então, nos versículos 15-23, Paulo explica que um crente ainda pode ser escravizado pelo pecado se recusar a colocar em prática em sua vida a verdade que Paulo revela neste capítulo– mesmo que tenha sido posicionalmente libertado daquele mal que habita dentro dele. Assim, o capítulo 6 apresenta os princípios doutrinários necessários ao crente para a libertação prática do pecado.

Em Qual Esfera de Vida Devemos Viver?

Cap. 6:1 – O capítulo anterior terminou com duas cabeças sobre duas raças de homens com duas esferas de vida correspondentes nas quais os homens vivem. Com base nesses fatos, Paulo agora faz uma pergunta muito lógica: “Que diremos pois? Permaneceremos no pecado, para que a graça abunde?” “Permaneceremos no pecado” é continuar a viver naquela esfera de coisas onde o antigo senhor (o pecado) domina sobre todos os que nela vivem. O raciocínio de Paulo é simples e lógico: se fomos separados de toda aquela ordem de coisas sob Adão, pela nossa conexão com Cristo sob Sua Cabeça, por que pensaríamos em viver nossa vida Cristã naquele estado de iniquidade do qual fomos separados?

Muitos pensaram que Paulo está se referindo aos Cristãos continuando nas ações de pecar (pecados). Mas não é isso o que ele está dizendo aqui. Se fosse esse o caso, teria dito: “Continuaremos a pecar?” Ou, como a NVI traduz, infelizmente, “Continuaremos pecando…?” É certamente verdade que não devemos continuar pecando depois que somos salvos – e Paulo procura ajudar o crente para esse fim neste capítulo – mas aqui ele não está falando de atos (pecados), mas sim do estado do pecado. R. Elliot comentou: “‘Continuaremos no pecado?’ não é o mesmo que se ele dissesse: ‘Continuaremos pecando?’ É algo mais amplo que isso. Significa que o pecado não é mais o princípio de nossa vida ou a descrição de nosso estado” (The Faith and the Flock, vol. 3, p. 340). Paulo irá abordar a questão dos Cristãos que escolhem pecar nos versículos 15-23, mas aqui no versículo 1, ele está fazendo uma pergunta óbvia sobre a razão de uma pessoa, que foi liberta do senhorio do pecado, e que continua naquela esfera onde o domínio do pecado é sentido na prática.

Estudando cuidadosamente o capítulo, vemos que há duas questões similares que abordam essas duas coisas diferentes:

- A pergunta no versículo 1 (“Permaneceremos no pecado?”) tem a ver com continuar naquela esfera de vida onde o domínio do pecado prevalece. Isso é abordado nos versículos 1-14. - A pergunta no versículo 15 (“Pecaremos?”) Tem a ver com os atos de pecar – crentes continuando na prática de atos pecaminosos depois de terem sido salvos. Isso é abordado nos versículos 15-23.

Morto para o Pecado

Cap. 6:2 – Paulo repudia a ideia de continuar em pecado com a afirmação: “De modo nenhum [Longe esteja o pensamento – JND].Para mostrar quão incongruente é isso com nossa posição Cristã, ele pergunta: “Nós, que estamos mortos para o pecado, como viveremos ainda nele?” Ele aplica à nossa situação o princípio da cabeça federal (estabelecido no capítulo 5). Ou seja, o que Cristo realizou na morte pode ser aplicado a toda Sua raça. Sendo assim, uma vez que Cristo morreu para o pecado, Paulo fala de nós como estando “mortos para o pecado”.

Sete Maneiras com que a Morte é Usada nas Escrituras

Podemos nos perguntar de que maneira estamos “mortos”, porque certamente não poderia estar se referindo à morte física. Lembremo-nos, a morte é usada nas Escrituras pelo menos de sete maneiras diferentes. Em todos os casos, dá a ideia de separação, mas nunca de extinção – como pensam os homens. O contexto determinará qual aspecto está em vista. Eles são:

- Morte física – ter a alma e espírito separados do corpo (Tg 2:26). - Morte espiritual – estar espiritualmente separado de Deus por não ter vida e natureza novas (Ef 2:1; Cl 2:13). - Segunda morte – estar eternamente separado de Deus no lago de fogo (Ap 20:6, 14). - Morte apóstata – estar separado de Deus pelo abandono da profissão da fé (Jd 12; Ap 8:9). - Morte nacional – deixar de existir como nação na Terra (Is 26:19; Ez 37; Dn 12:2). - Morte judicial – estar posicionalmente separado de toda a ordem de pecado sob a cabeça de Adão, pela morte de Cristo (Rm 6:2, 7:6; Cl 2:20, 3:3). - Morte moral – estar separado da comunhão com Deus (Rm 8:13; 1 Tm 5: 6).

É solene pensar que o pecado é a causa de cada um desses aspectos da morte! Verdadeiramente, “o salário do pecado é a morte” – capítulo 6:23.

A Morte de Cristo para o Pecado e Nossa Identificação com Sua Morte

Podemos ver pela lista acima que o aspecto da morte em Romanos 6:2 tem a ver com o fato de o Cristão estar morto judicialmente, e isto, como resultado de nossa identificação com a morte de Cristo. É importante entender que o foco neste capítulo é sobre um aspecto da morte de Cristo diferente daquele que Paulo abordou na subdivisão anterior da epístola. Naquela parte inicial da epístola, foi a morte de Cristo “por” pecados (cap. 4:25, 5:6, 8, etc.); aqui é a morte de Cristo “para” o pecado (cap. 6:10). Sua morte “para” o pecado não é fazer expiação, mas romper Suas conexões com o pecado.

Pode ser uma surpresa pensar que Cristo tinha alguma conexão com o pecado, porque as Escrituras deixam claro que Ele não tinha a natureza caída pecaminosa. A Palavra de Deus protege cuidadosamente a glória de Sua Pessoa quanto a isso, afirmando que “n’Ele não há pecado” (1 Jo 3:5). De que maneira, então, o Senhor esteve conectado com o pecado? Na verdade, começou no momento em que Ele entrou nesta cena (um ambiente de pecado) em Seu nascimento. Ao viver aqui, entrou em contato imediato com o pecado e Sua natureza santa o repudiou. Assim, Ele sofreu corporalmente por estar no próprio vaso do pecado. Então, na cruz, o Senhor foi “feito pecado” (JND), e assim foi completamente identificado com ele como o Emissário do pecado – embora não tenha pessoalmente sido contaminado pelo pecado (2 Co 5:21; Hb 7:26). Ele permaneceu diante de Deus no lugar do pecado e levou a consequente condenação do julgamento do pecado (Rm 8:3). Mas, ao morrer, Ele saiu da esfera do pecado e assim Se separou dele – para nunca mais entrar em contato com ele. Cristo agora não está mais em contato com o pecado. J. A. Trench colocou desta forma: “Tendo vindo a este mundo, Ele ficou rodeado pelo pecado de todos os lados, e foi finalmente para a cruz para ser feito pecado por nós… agora Ele não tem mais nada a ver com o pecado para sempre”. (Truth For Believers, vol. 2, pág. 78).

Aplicando aos crentes o princípio da Cabeça federal de Cristo, temos o direito de nos ver como separados do pecado e não mais participantes de todo esse princípio de vida – mesmo que ainda tenhamos a natureza pecaminosa em nós. Podemos dizer que “morremos com Cristo” (v. 8) e, assim, estamos “mortos para o pecado” (v. 2). Nossa conexão com o pecado e com seu estado de iniquidade foi quebrada, pois não poderia haver uma ruptura mais completa com algo, do que aquela que morte produz.

Neste capítulo, Paulo personifica o pecado e o vê como um senhor maligno que domina e controla os homens (seus escravos) em seus pecados. Ele mostra que um senhor tem exigências sobre seu escravo, mas apenas enquanto o escravo viver. Uma vez que o escravo morre, seu senhor não tem mais poder sobre ele. Então, assim é conosco; morremos com Cristo, e o pecado agora não tem direito sobre nós.

Saber, Considerar e Apresentar

Cap. 6:3-14 – Paulo agora passa a ensinar os princípios envolvidos na verdade da libertação do pecado. Ele usa três palavras-chave para marcar o ensinamento do capítulo: saber, considerar e apresentar. Há certas coisas que precisamos “saber”, então devemos “considerar” sobre esses fatos, e então devemos nos “apresentar” à justiça como servos da justiça, ao nosso novo Senhor, e assim provar o poder da graça trabalhando em nossas vidas na libertação prática do pecado.

“Saber” o Significado do Nosso Batismo

Cap. 6:3 – O fato de Paulo nos dizer que precisamos saber certas coisas relacionadas à nossa libertação mostra que o conhecimento tem um lugar nisso. Há três coisas em particular que precisamos “saber”. Primeiramente, todo crente precisa saber o significado do seu batismo. Paulo pergunta: “Ou não sabeis que todos quantos fomos batizados em [para – JND] Jesus Cristo fomos batizados na [para a – JND] Sua morte?”. Ele apela para a ordenança do batismo porque ela significa a identificação do Cristão com a morte e sepultamento de Cristo. Paulo não está falando aqui da forma ou modo de nosso batismo – se fomos imersos em água ou aspergidos – ele está falando de seu significado. Ele está dizendo: “Você professou, pelo ato de ser batizado, que você morreu com Cristo. E, visto que a morte de Cristo O separou do pecado, então você também está separado do pecado! Continuar nesse estado, portanto, seria uma negação prática do que você professa em seu batismo! É totalmente inconsistente com a posição que você adotou, porque não podemos dizer que estamos mortos para alguma coisa e ao mesmo tempo viver nela”.

Note que a versão King James (e as versões em português também) diz que os crentes foram “batizados em Jesus Cristo”, mas deveria ser traduzido como “batizado para Cristo Jesus”. “Para” indica uma vital conexão com Cristo em vida em nossa nova posição diante de Deus, na qual a justificação nos coloca. O batismo não pode fazer isso. Se pudesse, então o batismo poderia tornar alguém adequado ao céu. A verdade é: sendo justificados, temos um novo lugar no céu diante de Deus “em Cristo” e ao sermos batizados, temos um novo lugar na Terra entre os homens, como sendo “para Cristo”. “Para” significa identificação, e esse é o ponto de Paulo aqui – estamos identificados com Cristo em Sua morte.

Cap. 6:4-5 – Paulo menciona outra coisa que o batismo significa – sepultamento. O sepultamento tem a ver com uma pessoa morta sendo tirada de cena. Portanto, no batismo, não apenas “morremos com Cristo” (v. 8), mas também fomos “sepultados com Ele” (v. 4). Ao estarmos mortos com Cristo, professamos ter rompido nossas conexões com Adão e com o pecado. Mas, sendo sepultados com Cristo, professamos ter deixado para trás toda aquela ordem de vida em que o mundo vive e onde o pecado reina. Hamilton Smith disse: “O batismo é uma figura de morte e sepultamento. É evidente que um homem morto terminou a vida de vontade própria em que uma vez viveu, e um homem sepultado saiu da vista do mundo em que uma vez viveu”. Portanto, o batismo é o modo formal de renunciarmos à nossa conexão com a antiga posição e estado de Adão. Não torna no entanto, uma pessoa mais santa. Um caso em questão é o homem sobre quem ouvimos que foi salvo e batizado e depois perdeu o contato com o homem que o batizou. Algum tempo depois, eles se encontraram e ele disse: “Fiquei totalmente desapontado com meu batismo; achei que não pecaria mais”. O outro homem disse astutamente: “Bem, se eu soubesse que era isso que você esperava do batismo, suponho que poderia tê-lo segurado debaixo d’água por mais tempo quando te batizei!”

Paulo continua falando sobre a ressurreição de Cristo, declarando que, como Cristo vive em vida ressurreta, “andemos nós também em novidade de vida. Porque, se fomos plantados [identificados – JND] juntamente com Ele na semelhança da Sua morte, também o seremos na da Sua ressurreição”. Isso significa que Deus abriu uma nova esfera de vida na ressurreição de Cristo, onde Ele e os membros de Sua raça devem “andar” em “novidade de vida”. F. B. Hole disse corretamente: “Nossa morte com Cristo é em vista de vivermos com Ele na vida do mundo em ressurreição” (Paul’s Epistles, vol. 1, pág. 21). Paulo dirá mais sobre isso nos versículos 8-10. (Nota: a epístola aos Romanos não vai tão longe a ponto de ver o crente como presentemente identificado com Cristo em ressurreição. Efésios e Colossenses nos veem em terreno mais elevado como ressuscitados com Cristo e em união com Ele – Ef 2:5-6; Cl 2:12-13).

“Saber” que o Nosso “Velho Homem” Foi Crucificado com Cristo

Cap. 6:6 – A segunda coisa que Paulo diz que precisamos saber é o significado da cruz em relação ao “velho homem”. Ele diz “sabendo isto, que o nosso velho homem foi com Ele crucificado”. O “velho homem” (Rm 6:6; Ef 4:22; Cl 3:9) é um termo abstrato que descreve a condição corrupta da raça caída de Adão – seu caráter moral depravado. O termo inclui cada horrível aspecto que marca a raça humana caída. Para ver corretamente o velho homem, devemos olhar para a raça de Adão como um todo, pois é improvável que uma pessoa seja marcada por todos os terríveis aspectos que caracterizam esse estado corrupto. Por exemplo, um dos filhos de Adão pode ser caracterizado por ser irado, mas ele não é imoral; outro filho de Adão pode ser conhecido por não perder sua paciência, mas ele é terrivelmente imoral. Mas quando as características de todos os membros da raça são reunidas, vemos o velho homem em sua totalidade.

Paulo diz que o velho homem foi “crucificado” com Cristo. Isso significa que Deus julgou aquele corrupto e velho estado de Adão. F. B. Hole disse: “Tudo o que éramos como filhos do caído Adão, foi crucificado com Cristo, e devemos saber disso. Não é uma mera noção, mas um fato real. Foi um ato de Deus concluído na cruz de Cristo, e foi tanto um ato de Deus, e tão real quanto é a aniquilação de nossos pecados” (Paul’s Epistles, vol. 1, p. 21). Portanto, não apenas fomos separados de todo o sistema do pecado (por estarmos mortos e sepultados com Cristo no batismo), mas Deus também julgou esse estado corrupto (ao crucificar o velho homem).

Nota: Paulo não diz que a crucificação do velho homem é algo que devemos fazer. Não é o exercício do julgamento próprio no crente, mas sim um julgamento que Deus executou na cruz sobre todo o estado corrupto do homem caído. A cena desse julgamento foi na cruz, não dentro do coração humano. É verdade que o crente deve julgar a si mesmo (1 Co 11:31), mas esse não é o assunto aqui. Capítulo 6:1-10 é verdade posicional; a prática do crente não está em vista aqui. Paulo está se referindo à condição ou estado caído e corrupto em que nascemos e de que fomos parte como filhos de Adão – isso foi julgado por Deus.

Uma parte integrante de nossa confissão Cristã é que fomos “despojado do velho homem” (JND). Deus não apenas julgou o velho homem na cruz, mas confessamente temos nos despojado dele quando assumimos nossa posição como Cristãos. Efésios 4:22-32 e Colossenses 3:5-9 afirmam isso claramente. (Infelizmente, a versão King James e as em português traduzem essas passagens como se fosse responsabilidade do Cristão se despojar do velho homem [vos despojeis], mas essas passagens deveriam ser traduzidas como “Tendo vos despojado…” (JND), indicando que isso é algo que já fizemos em nossa confissão de sermos Cristãos.) Como foi o caso com o julgamento do velho homem, também é o despojamento do velho homem – nenhum dos dois é realizado por um processo de exercício espiritual dentro do crente. Eles estão no tempo verbal aoristo no grego, significando que foram feitos de uma vez por todas. O argumento de Paulo em Efésios 4 e Colossenses 3 é que, se nos despojamos do velho homem ao nos tornarmos Cristãos, então, sejamos coerentes com isso e paremos de praticar as coisas que caracterizam o estado que Deus julgou e do qual professamente nos despojamos.

Muitos usam o termo “velho homem” em substituição “a carne”, como se o velho homem fosse a nossa natureza caída pecaminosa, mas isso não está correto. O velho homem e a carne não são sinônimos. J. N. Darby observou: “O velho homem tem sido habitualmente usado de forma incorreta para referir-se a carne” (Food for the Flock, vol. 2, pág. 286). As versões NASB (New American Standard Bible), NIV (New International Version) e ESV (English Standard Version) traduzem-no como “nosso velho eu”, mas isso é confundi-lo com a carne. Se o velho homem fosse a carne, então Efésios 4:22-23 e Colossenses 3:9 nos ensinariam que os Cristãos se despojaram da carne e não a têm mais em si, mas todos sabemos por experiência que isso não é verdade; a carne ainda está em nós. O “velho homem” nunca é dito como sendo algo em nós, mas a carne certamente o é. F. G. Patterson disse: “Não acho que a Escritura nos permitirá dizer que temos o velho homem em nós – porquanto ela ensina mais plenamente que temos a carne em nós” (A Chosen Vessel, pág. 51). Nem nos é dito para considerar morto o “velho homem” (como as pessoas costumam dizer). Isso novamente é confundir o velho homem com a carne e assumir que é algo vivo em nós que precisamos julgar. Outros erroneamente falam do velho homem como estando morto, o que novamente implica que é a velha vida que uma vez esteve viva no crente.

Portanto, não é doutrinariamente correto falar do “velho homem” como algo vivo em nós que tem apetites, desejos e emoções, como é o caso da “a carne” (a natureza do pecado). Os Cristãos costumam dizer coisas como: “O velho homem em nós deseja coisas pecaminosas”. Ou: “Meu velho homem quer fazer isso ou aquilo que é mau…”. Novamente, essas declarações confundem o velho homem com a carne. H. C. B. G. disse: “Eu sei o que um Cristão quer dizer quando perde sua paciência e diz que é ‘o velho homem’, mas a expressão está errada. Se ele dissesse que era ‘a carne’, teria sido mais correto” (Food for the Flock, vol. 2, pág. 287).

O “velho homem” não é Adão pessoalmente e nem o “novo homem” é Cristo pessoalmente (Ef 4:24; Cl 3:10). O novo homem é um termo que denota a nova ordem moral que caracteriza a nova raça de homens sob Cristo. G. Davison disse: “O novo homem não é Cristo pessoalmente, mas é Cristo caracteristicamente”. Toda característica moral do novo homem foi vista em Sua vida em perfeição. No entanto, assim como o velho homem foi usado erroneamente como a carne (a velha natureza), o novo homem é universalmente confundido com a nova natureza do crente. São feitos comentários como: “O novo homem em nós precisa de um objeto para o qual olhar…” ou “Precisamos nos alimentar de coisas que satisfarão o novo homem”. Essas observações estão claramente confundindo o novo homem com a nova vida em nós. Na realidade, o velho homem e o novo homem são termos abstratos que descrevem o estado das duas raças de homens sob Adão e sob Cristo.

Além disso, o “velho homem” não deve ser confundido com o “primeiro homem” (1 Co 15:47), que denota um aspecto diferente da raça humana sob Adão. O velho homem denota o estado corrupto da raça caída, enquanto o primeiro homem denota o que é natural, terreno e anímico11 na raça – eles não são termos idênticos. Nunca é dito do primeiro homem ser corrupto ou pecador, mas o velho homem não é nada além disso. O primeiro homem tem a ver com o que é humano e natural; é o que Deus fez no homem. Por esta razão nunca é dito que o primeiro homem é julgado por Deus (crucificado com Cristo), como é o velho homem.

Paulo acrescenta: “para que o corpo do pecado seja desfeito [anulado – JND]. Ele usa a palavra “corpo” aqui, não para se referir aos nossos corpos físicos (como alguns pensaram), mas para descrever “pecado” como todo um sistema de vida em sua totalidade. Da mesma forma, usamos a palavra “corpo” para expressar a totalidade de uma determinada coisa. Por exemplo, poderíamos dizer: “O corpo do conhecimento científico”, ou “o corpo do conhecimento médico”, etc. J. A. Trench explicava dessa maneira: “‘O corpo do pecado’ – ou seja, todo o seu sistema e força, como dissemos, o corpo de um rio… É todo o sistema e a totalidade dele”. (Truth for Believers, vol. 2, págs. 77, 83). J. N. Darby disse: “Ele [Paulo] toma a totalidade e o sistema de pecado em um homem como um corpo o qual é anulado pela morte” (Synopsis of the Books of the Bible). E. Dennett disse algo semelhante: “Pode estar bem dizer que ‘o corpo do pecado’ é a totalidade do pecado em sua energia dominante” (The Christian Friend, vol. 23, pág. 182).

“O corpo do pecado” não poderia estar se referindo aos nossos corpos humanos porque eles são uma criação de Deus. O corpo humano foi afetado pelo pecado – o envelhecimento e a morte provam isso – e pode estar envolvido em todo tipo de atos pecaminosos, mas o corpo humano não é caracteristicamente pecaminoso. Se nossos corpos fossem pecaminosos, Deus nunca nos diria para apresentá-los a Ele para Seu uso no serviço (Rm 12:1). (A KJV traduz Filipenses 3:21 – “nosso corpo vil”, que no inglês de hoje transmite a ideia de algo repugnante e pecaminoso. Entretanto, quando essa tradução foi feita há 400 anos, vil significava “de pouco valor.” Compare com Tg 2:2. Para evitar esse mal-entendido, traduziu-se melhor para: “Nosso corpo de humilhação” (JND). Mais tarde, em Romanos 6, Paulo faz uma referência aos corpos físicos dos crentes e para certificar-se de que não há mal-entendido sobre a que ele se refere, ele chama, nosso “corpo mortal**”** (caps. 6:12, 8:11) para distingui-lo do **“corpo do pecado”**.

Então, o que Paulo está dizendo aqui é que no julgamento do velho homem, todo o sistema do pecado em sua totalidade foi “anulado” (JND) para o crente. A versão King James traduz “desfeito” como “destruído”, mas o corpo do pecado ainda não foi destruído; vemos a evidência da presença do pecado em todo lugar no mundo. O pecado será destruído e, então, será inteiramente removido da criação no estado eterno. Esta é a força da observação de João Batista: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”. (Jo 1:29). Muitos têm pensado que João estava se referindo à obra de Cristo na cruz para tirar os pecados dos crentes, mas ele estava realmente falando de uma futura obra de Cristo quando Ele removerá todos os vestígios do pecado do universo. É só então que “o corpo do pecado” será destruído e desaparecerá. Ele foi presentemente “anulado” para os crentes. Isso não significa que a natureza pecaminosa é removida de nossos corpos, mas que todo o sistema de pecado em sua totalidade foi derrotado para nós e, consequentemente, não precisamos mais ser controlados pelo poder do pecado. Essa anulação abriu o caminho para os Cristãos serem libertados dos ditames do antigo senhor (pecado) e, assim, “doravante” (KJV) não “sirvamos mais ao pecado”.

Cap. 6:7 – Paulo conclui: “Porque aquele que está morto está justificado do pecado” (v. 7). J. N. Darby disse: “A afirmação de que ‘aquele que está morto está justificado do pecado’, eu entendo que signifique, ‘você não pode acusar de pecado, de vontade própria, de concupiscência, a um homem morto’. Isso se torna verdade de nós quando estamos mortos” (Collected Writings, vol. 7, pág. 242). Assim, estando mortos com Cristo, temos um honrosa libertação do antigo senhor – o pecado.

“Saber” o Significado da Ressurreição de Cristo

Cap. 6:8-10 – A terceira coisa que todo crente deve saber é o significado da ressurreição de Cristo. Paulo diz: “Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com Ele viveremos: Sabendo que, havendo Cristo ressuscitado dos mortos, já não morre: a morte não mais terá domínio sobre Ele. Pois, quanto a ter morrido, de uma vez morreu para o pecado, mas, quanto a viver, vive para Deus”. Por um breve momento a morte teve domínio sobre o Senhor, e isso somente porque Seu Pai O chamou para dar Sua vida, e Ele o fez em obediência (Fp 2:8; Jo 10:17-18). Como dito anteriormente, tendo morrido para o pecado, Ele deixou toda essa ordem de coisas para trás. Mas, sendo ressuscitado dentre os mortos, o Senhor entrou em uma nova esfera de vida, onde Ele vive “para Deus”. Ao declarar que “também com Ele viveremos” (v. 8), Paulo está indicando que, como a Cabeça da nova raça está vivo na esfera de vida ressurreta, essa esfera também está aberta para nós para nela vivermos pela fé. De fato, é a esfera apropriada de vida do Cristão. Entender isso é essencial para a libertação do pecado; se na prática vivemos nessa esfera de vida eterna que agora está aberta para nós, o pecado não pode impor seu poder em nossas vidas.

O “Considerar” de Fé

Cap. 6:11 – Tendo estabelecido esses fatos doutrinários referentes à libertação, Paulo prossegue para a próxima coisa – o considerar de fé. Ele diz: “Assim também vós, considerai-vos como mortos para o pecado”. Esta é a primeira exortação na epístola e, como toda a exortação, introduz a nossa responsabilidade. Deus quer que sejamos responsavelmente exercitados neste assunto. Devemos “considerar” os fatos que nossa fé abraçou. Ou seja, devemos considerar o que sabemos. É por isso que o conhecimento é importante e vem primeiro. Se não soubermos corretamente, não podemos considerar corretamente.

Como mencionado em nossos comentários no capítulo 4:1-5, “considerar” significa “pensar ou julgar que seja assim”. Em primeiro lugar, devemos aplicar essas coisas a nós mesmos em nossas mentes. Devemos considerar e crer que o que é verdade sobre Cristo é verdade também sobre nós. Uma vez que a ligação de Cristo com o pecado foi rompida por meio da morte, temos o direito, por conta de nossa identificação com Ele, de nos considerarmos como “mortos para o pecado” e, assim, também ter nossas conexões rompidas com o pecado! Isto tem sido ilustrado da seguinte forma: É como um homem que pagou a outro homem uma grande quantia para ir à guerra em seu lugar. Quando o governo lhe escreveu dizendo que aquele homem havia morrido em batalha, e que ele agora teria de ir para a guerra, ele respondeu e disse que não poderia ir porque estava morto. Ele percebeu que tinha o direito de se considerar morto porque seu substituto havia morrido.

Este considerar não deve ser confundido com o considerar do capítulo 4:5. O capítulo 4:5 refere-se a considerar que ocorre na mente de Deus quando cremos no evangelho. Aqui no capítulo 6:11 é o que ocorre na mente do crente em vista da morte de Cristo para o pecado. A história de Isaque e Ismael ilustra isso. Isaque é um tipo de Cristo e Ismael é um tipo da carne. Quando Isaque recebeu seu lugar de direito como filho na casa de Abraão, Deus não mais reconheceu Ismael como filho de Abraão (Gn 21). Depois disso, Ele chamou Isaque de “único filho” de Abraão, embora Ismael ainda estivesse vivo! (Gn 22:2, 12, 16) Isso ilustra a verdade de que Deus não mais reconhece a primeira ordem do homem segundo a carne no crente. Assim sendo, temos o direito de considerar desta forma também. Assim, devemos considerar como Deus considera esse fato.

Um crente poderia dizer: “Mas o pecado não está morto em mim”. Mas o apóstolo não diz que o pecado está morto em nós; ele diz que nós estamos mortos para o pecado. A natureza pecaminosa ainda está em nós e continuará a atrair-nos, mas devemos nos considerar mortos para o pecado. Estamos mortos e, portanto, separados dele. Isso significa que devemos nos ver como separados e dissociados do pecado (o princípio do mal), mesmo que o pecado (a natureza) ainda esteja em nós.

Alguns, tendo lido o que Paulo disse aqui, ficaram pensando: “Agora eu entendi; eu preciso morrer para o pecado para que Cristo possa viver em mim!” Mas isso não é o que Paulo está ensinando. Ele não está nos exortando a morrer para o pecado; está afirmando que estamos mortos para o pecado – que estamos separados dele. Este é um fato consumado; não é algo que precisamos fazer por um processo de autodisciplina, etc. J. N. Darby observou: “Nunca é dito nas Escrituras que temos que morrer para o pecado” (Collected Writings, vol. 34, pág. 406). Nem deveríamos pensar que a aplicação da verdade de nossa identificação com a morte de Cristo é algo para nos enganar mentalmente; Porém é acreditar em algo que é realmente verdadeiro diante de Deus. Deus julgou o pecado, e Ele não mais o reconhece como sendo nós12. Então, devemos acreditar no que Ele diz e agir de acordo com isso.

“Considerar” tem a ver com a nossa forma de pensar. Paulo está nos mostrando aqui que precisamos raciocinar a partir da perspectiva correta. Quando a tentação se apresenta e a natureza pecaminosa em nós gostaria de responder, não devemos mais raciocinar a partir da perspectiva de quem éramos sob Adão, mas de quem somos sob Cristo. Temos o direito de tratar o pecado como não sendo nós. Podemos dizer – e sinceramente dizer – “Eu não quero essa coisa má…” porque a nova natureza em nós certamente não a quer. (Se, no entanto, permitirmos que a carne aja, devemos nos apropriar do pecado e confessá-lo nosso pecado a Deus, nosso Pai, com verdadeiro arrependimento, e Ele nos restaurará à comunhão Consigo mesmo – 1 Jo 1:9).

O homem sem fé do mundo não entende este princípio. Ele nos diria que estamos apenas mentindo para nós mesmos porque realmente queremos essas coisas más, como qualquer outra pessoa. Mas isto não é um artifício mental, que Paulo está nos dizendo, para aplicarmos em nós mesmos; é simplesmente acreditar no que Deus diz sobre nós e raciocinar a partir dessa perspectiva.

Paulo também diz que estamos “vivos para Deus em Cristo Jesus”. Isso mostra que também somos privilegiados por nos considerarmos vivos com Cristo nessa nova esfera de vida onde Ele vive para Deus. Temos uma nova vida de Deus que é adequada para essa esfera de vida onde Cristo está em ressurreição. Assim, devemos viver nessa esfera em comunhão com Deus, e raciocinar a partir da perspectiva do novo “eu”. Este é um privilégio que temos por causa dessa grande verdade.

Cap. 6:12 – Paulo prossegue e diz: “Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal”. Não podemos impedir que o pecado reine no mundo onde é o senhor de todos, mas por causa do que aconteceu na morte de Cristo, não precisamos deixar que ele “reine” em nossas vidas. Nota: ele não diz: “Não habite, portanto, o pecado em vosso corpo mortal” – porque não nos livraremos da velha natureza do pecado até que o Senhor venha no Arrebatamento. Porém, ele diz: “Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal”. Isso mostra que, uma vez que Deus providenciou um meio de libertação do pecado pelos princípios que Paulo nos deu, temos a obrigação de recusar ao pecado quaisquer direitos que queira ter sobre nós. O crente é quem segura as rédeas agora; ele pode escolher em qual estado ou esfera deseja viver, e assim é responsável por não permitir que o pecado use seu corpo para suas concupiscências. Portanto, não temos desculpa para deixar o pecado ter lugar em nossas vidas. Paulo menciona que nossos corpos são “mortais”, que se refere a eles estarem sujeitos à morte, mas há um dia chegando (o Arrebatamento) quando “isto que é mortal se revista [revestirá] da imortalidade” (1 Co 15:53). Então estaremos livres da natureza do pecado e de todos os efeitos que o pecado teve em nossos corpos.

“Apresentar” – Pelo Princípio do Deslocamento

Cap. 6:13 – Poderíamos perguntar: “Como o raciocínio, a partir da perspectiva do novo ‘eu’, pode nos libertar da tentação quando ela ataca?” É bem verdade que conhecer certos pontos da doutrina e ter raciocínio correto não são suficientes; deve haver um apresentar a Deus. Paulo diz: “Nem tão pouco apresenteis os vossos membros ao pecado por instrumentos de iniquidade; mas apresentai-vos a Deus, como vivos dentre mortos, e os vossos membros a Deus, como instrumentos de justiça”. Ele introduz aqui o princípio do deslocamento13. Ele diz que já que somos “como vivos dentre mortos” e vivendo para Deus nessa nova esfera de vida que foi aberta para nós na ressurreição de Cristo, no poder dessa vida, podemos agora recusar a carne. Não precisamos mais apresentar os “membros” de nossos corpos (nossos ouvidos, olhos, mãos, pés etc.) aos desejos da carne. Vivendo nessa esfera de vida com o que temos em Cristo em comunhão com Deus, haverá o poder prático para resistir à carne. No capítulo 8, Paulo nos mostrará que esse poder não é resultado de nossos esforços pessoais para manter a carne controlada, mas por meio do Espírito Santo trabalhando em nós para neutralizá-la.

Nota: devemos nos apresentar “como vivos dentre mortos” – isto é, da perspectiva daqueles que vivem nessa nova esfera de vida com Deus. Se tentarmos nos apresentar à justiça, mas ao mesmo tempo, estivermos vivendo nossas vidas no antigo estado de Adão, falharemos miseravelmente. Recordamos de um irmão que lutava contra as concupiscências da carne que controlavam sua vida, queixando-se de que a libertação da carne prometida pelo Cristianismo não funcionava. Essencialmente, ele culpou Deus por prometer algo que não estava acontecendo em sua vida como ele achava que deveria estar. Mas quando sua vida foi examinada, descobriu-se que ele se cercava de quase todos os objetos e atividades mundanos imagináveis – livros, revistas, vídeos, músicas, jogos, companhias mundanas, etc. Ele vivia nesse ambiente todos os dias desde a manhã até a noite. É evidente que seu problema era que ainda vivia no estado do velho Adão – (ou esfera de vida) ao qual o Cristão está declaradamente morto e separado – e esperando ficar livre da influência e do domínio do pecado! Ele estava fazendo exatamente aquilo que Paulo insiste nos versículos 1-2, que não devemos fazer. Ele continuava em pecado (no estado), depois de ser salvo. Não era de se admirar por que a carne estava se impondo em sua vida e ele estava experimentando uma “falta de energia”.

No entanto, quando estamos ocupados com a bem-aventurança do que é nosso nesta nova esfera de vida em comunhão com Deus, não seremos controlados pelo pecado. Esse novo estado no qual Cristo vive para Deus é caracterizado pelas “coisas do Espírito” (cap. 8:5). Essas são coisas espirituais relacionadas aos interesses de Cristo. São coisas como: ler as Escrituras, orar, participar de reuniões Cristãs para adoração e ministério, cantar hinos e cânticos espirituais, ler literatura Cristã, ouvir ministério Cristão gravado, ensinar a verdade, compartilhar o evangelho, meditar nas coisas espirituais ao ocupar-nos de nossas responsabilidades diárias, servindo ao Senhor com boas obras, visitando, etc. Se vivemos nesta esfera, o poder do Espírito será evidente em nossas vidas mantendo a carne sob controle (cap. 8:2).

Assim, o princípio do deslocamento é o segredo do poder moral. Este princípio é encontrado em vários lugares nas Escrituras. Por exemplo, “Manteiga e mel comerá, até que ele saiba rejeitar o mal e escolher o bem” (Is 7:15). Leite e mel eram coisas boas relacionadas à herança de Israel (Êx 3:8; Dt 11:9). Eles tipificam as ricas coisas espirituais de nossa herança celestial (1 Pe 1:4). Quando estas coisas são apreciadas, o mal pode ser evitado. Gálatas 5:16 diz: “Andai em Espírito, e não cumprireis a concupiscência da carne”. Isto é, quando vivemos em nossa apropriada esfera Cristã de vida (“em Espírito”), o poder do Espírito vai manter a carne sob controle.

“Apresentar” é mencionado duas vezes no versículo 11, mas cada ocorrência tem um tempo verbal diferente no grego. Um está no tempo presente ou contínuo: “Nem tão pouco apresenteis os vossos membros ao pecado por instrumentos de iniquidade”. Isso significa que em nenhum momento devemos pensar em nos apresentar ao pecado. O outro é o tempo verbal aoristo, que se refere a algo para ser feito de uma vez por todas: “mas apresentai**-vos a Deus”**. Este deve ser um ato consumado. (**“vos”** incluiria nossos espíritos, almas e os membros de nossos corpos, etc.) Há, portanto, algo que deveríamos estar fazendo _diariamente_ – isto é, não continuar **“apresentando”** (NASB – New American Standard Bible) os membros de nossos corpos como instrumentos de injustiça. E também há algo que deveríamos ter feito _de uma vez por todas_ – que é **“apresentar”** nós mesmos e nossos membros como instrumentos de justiça.

Cap. 6:14 – Paulo conclui afirmando enfaticamente: “Porque o pecado não terá domínio sobre vós”. Isto é, literalmente, “O pecado não governará como senhor sobre você”. Isto é uma promessa. Não é o que poderia ser, ou o que esperamos ter, mas o que teremos em nossas vidas se aplicarmos esses princípios de libertação a nós mesmos. Paulo acrescenta outra coisa: “pois não estais debaixo da Lei, mas debaixo da graça”. A Lei é um sistema de demanda, mas a graça é um sistema de oferta. Deus não está demandando dos crentes poder para andarem corretamente porque Ele sabe que não o temos. Ele, portanto, oferece-nos poder!

As reivindicações da Lei supõem que temos poder para obedecer aos seus mandamentos – e podemos ter pensado (equivocadamente) que tínhamos esse poder – mas a graça supõe que não temos absolutamente nada. Isso nos ensina que, vivendo em vida ressurreta no poder do Espírito Santo – naquela esfera de coisas onde Cristo vive para Deus – obtemos Seu poder vitorioso em lugar de nossa própria completa impotência.

Corra João e viva, a Lei ordena vá,

No entanto, nem pernas ou mãos há;

Excelentes novas o evangelho traz,

Estimas-me voar e asas me dás.

A lição básica que devemos aprender com esta passagem é que a verdadeira santidade não será efetivada em nossas vidas por nossos próprios esforços, mas pelo poder da graça que opera em nós. H. Smith disse: “Estar debaixo da graça não apenas traz bênçãos para nós, mas nos sustenta e nos capacita a vencer… Uma pessoa insubmissa [que não se apresenta] está sempre em perigo de pecar, mas uma pessoa submissa [que se apresenta a Deus] será fortalecida com poder pela graça de Deus”. A libertação, portanto, só pode ser operada pelo princípio do deslocamento.

Para resumir até agora, tivemos três coisas diante de nós na primeira metade do capítulo 6:

- Aprendendo de Deus (vs. 1-11). - Considerando com Deus (v. 12). - Apresentando-se a Deus (vs. 13-14).

Servos do Pecado ou Servos da Justiça?

Cap. 6:15-23 – O pecado assumiu o domínio sobre nós em tempos passados, mas pela aplicação desses princípios, não precisa mais ser assim. No entanto, precisamos entender que a libertação do pecado não é algo automático. Como Paulo demonstrou nos versículos 11-13, Deus quer que sejamos responsavelmente exercitados no assunto. Assim sendo, a grande questão para nós é: “Em que estado ou esfera de vida estou escolhendo viver, agora que sou Cristão?” Se uma nova esfera de vida foi aberta para eu viver por meio da morte e ressurreição de Cristo (v. 11), por que então eu quereria viver na velha esfera, da qual Cristo me salvou? Não estou livre de toda essa ordem de vida no mundo que foi julgada por Deus? Como posso encontrar meu prazer naquela cena iníqua, pela qual Cristo morreu para romper minhas conexões?

Um Cristão que escolhe viver nesse velho estado e busca nele prazer e satisfação, manifesta uma ignorância (ou incredulidade) a respeito do que a Palavra de Deus diz sobre a carne. Nesta passagem, Paulo nos ensina que, embora a carne tenha sido julgada (“anulada” – Rm 6:6 – JND), ela é um inimigo que ainda não foi destruído, e se possível, o diabo buscará oportunidade por meio dela para controlar a vida do crente e levá-lo para todas as maneiras de pecados. É um fato que, se escolhermos viver nesse velho estado (esfera de vida), a carne se levantará em nós e irá se mostrar em nossas vidas. Todo Cristão, portanto, precisa aprender – e aprender bem – que “carne para nada aproveita” (Jo 6:63), e desistir de procurar algo nessa esfera para satisfazer seu coração. É uma esfera perigosa para se viver espiritualmente, e certamente não é onde Deus quer que vivamos. Ela levará ao fracasso.

Os crentes geralmente demoram a aceitar essa verdade e, portanto, precisam aprender por experiência que o que Deus diz sobre a carne é verdadeiro. Nesta próxima série de versículos, Paulo mostra que a santificação prática é algo progressivo na vida de um crente.

Cap. 6:15 – Paulo agora aborda o assunto dos crentes escolhendo pecar porque estão sob a graça. Ele faz uma pergunta similar àquela do versículo 1: “Pois quê? Pecaremos porque não estamos debaixo da Lei, mas debaixo da graça?” Ele responde da mesma maneira que respondeu à pergunta no versículo 1 – “De modo nenhum [longe esteja o pensamento – JND]. De modo algum a graça de Deus foi planejada para encorajar os Cristãos a pecar. Tal ideia é completamente ilógica. Como podemos louvar e agradecer ao Senhor por sofrer na cruz as agonias do julgamento de Deus, para pagar pelos nossos pecados e, ao mesmo tempo, continuar cometendo esses mesmos pecados? Isso deveria ser abominável para todo crente sensato. Os Cristãos podem falhar no caminho da fé e pecar, e se o fizerem, julgam a si próprios em arrependimento, se levantam e continuam (1 Jo 1:9; Pv 24:16). Mas seguir voluntariamente o curso do pecado porque estamos sob a graça não é o Cristianismo normal. Isso leva a questionar se tal pessoa realmente entende o evangelho que professa ter crido. Uma pessoa que justifique esse tipo de andar geralmente não é salva.

Podemos nos perguntar por que Paulo tomaria tempo para tratar dessa questão, quando todo Cristão de mente sóbria nem mesmo cogitaria tal ideia. No entanto, devemos lembrar de que Paulo estava enfrentando as objeções de mestres judaizantes que eram que se opunham à doutrina da justificação pela fé. Eles eram legalistas que acreditavam que pregar o evangelho que Paulo pregava (“uma vez salvo, sempre salvo”, como se diz) encorajava a frouxidão e o pecado entre os Cristãos. O remédio encontrado por eles era colocar os crentes sob a Lei e fazê-los tentar se aperfeiçoarem em santidade aderindo às exigências dela. Acreditavam que, se os Cristãos fossem mantidos com medo de perder sua salvação se pecassem, seriam mais cuidadosos e diligentes em viver de maneira correta.

Essa ideia, no entanto, manifesta uma ignorância do que é a Lei e o que a Lei pode e não pode fazer. Simplificando, a Lei pode exigir uma vida santa, mas não pode produzi-la. Não foi dada para esse propósito. Mesmo que guardar a Lei pudesse produzir uma vida santa, ainda assim erraria o alvo. O objetivo de Deus é produzir um companheirismo dedicado e afetuoso para com Cristo, naqueles que têm um relacionamento com Ele, que é motivado pelo amor (Jo 14:15, 15:9; 2 Co 5:14). O legalismo não fará isso. Sob os ditames legais, o Cristianismo se torna um conjunto mundano de regras e regulamentos, deixando intocados os corações daqueles sob tal sistema. Todos esses meios não produzem afeição por Cristo, nem encorajam um íntimo relacionamento com Ele. Nem viver nessa linha legal dá ao crente o poder de resistir às tentações de pecar.

Uma Ilustração do Poder da Graça

É claro que aqueles que têm essas ideias não entendem o poder da graça – o favor imerecido de Deus para com o homem. Quando a graça de Deus toca os corações do Seu povo, o seu grande poder efetua mudança em suas vidas. Isso resulta em serem afetuosamente ligados a Cristo, com o desejo de agradá-Lo. Uma história que G. Cutting menciona em seu livreto, “Peace; Is It Yours?” ilustra o poder da graça. Transcrevemo-la aqui textualmente. “Uma empregada doméstica está ocupada com seu trabalho diário na sala de jantar de seu patrão. Enquanto está espanando o pó da lareira, ela não percebe que seu espanador se enroscou em um vaso caro, e ao puxá-lo, derruba o vaso da lareira, quebrando-o em muitos pedaços! Ela sabe muito bem como seu patrão vai se sentir em relação a isso; além de ser uma obra de arte selecionada, o vaso vinha sendo transferido como relíquia na família desde gerações passadas. Quão amargamente ela se repreende por seu descuido, e está dizendo para si mesma: ‘Como posso encarar meu patrão a respeito disso’, quando justamente a sineta da sala de visitas à chama à presença do patrão. Com o coração pesado e tremendo, ela atende ao chamado.

Assim que ela entra, ele diz: ‘Queremos lhe dizer que sua patroa e eu acabamos de falar sobre você e decidimos dar-lhe uma semana de folga’. ‘Obrigado, senhor; mas o senhor está esquecendo que eu já tive minha folga este ano?’ ‘Não nos esquecemos disso, mas é nosso desejo dar-lhe uma semana especial’. Então, estendendo a mão, ele diz: ‘Por favor, pegue este dinheiro. Isso ajudará você a aproveitar melhor sua folga’. ‘Oh, senhor’, ela diz, rompendo em lágrimas, ‘eu não poderia aceitar nem o dinheiro nem a folga, pois tenho certeza de que senhor não me oferecerá nada quando souber o que eu fiz. Em meu descuido, eu quebrei o lindo vaso que estava em cima da lareira da sala de jantar’. ‘Eu sei’, ele diz. ‘De fato, aconteceu de eu estar passando pela janela na hora e vi você fazer isso; mas apesar de ambos sentirmos muito a perda, há muito tempo temos o desejo de lhe fazer uma mostra especial de nossa apreciação e consideramos que este é um bom momento para fazê-lo’. Será que essa nova e inesperada experiência da bondade de seu patrão a tornaria mais descuidada em relação ao seu trabalho no futuro? Não, não; exatamente o oposto”. A graça exibida para com a empregada doméstica a tornaria mais diligente e conscienciosa em seu trabalho.

Da mesma forma, se reservarmos tempo para meditar sobre a surpreendente graça que nos foi demonstrada por Deus, que nos salvou e nos abençoou mais ricamente do que a todas as outras criaturas do universo (incluindo os anjos), isto produzirá devoção a Cristo. Haverá o desejo de retribuir aqu’Ele que nos abençoou tão grandemente, e isso será expresso em querer agradá-Lo de qualquer maneira que pudermos. Nessa linha de resposta, o salmista disse: “Que darei eu ao Senhor, por todos os benefícios que me tem feito?” (Sl 116:12) Assim, a meditação diária sobre a graça de Deus produz um desejo diário de agradá-Lo. Isso é algo que nenhum sistema legal pode fazer. Paulo se refere ao poder prático da graça operando nos corações dos crentes em Tito 2:11-12: “Porque a graça de Deus se há manifestado, trazendo salvação a todos os homens. Ensinando-nos que, renunciando à impiedade e às concupiscências mundanas, vivamos neste presente século sóbria, e justa, e piamente”. A graça de Deus não apenas nos salva do julgamento de nossos pecados, mas também nos ensina a nos afastarmos da vida ímpia.

Servindo à Justiça

Cap. 6:16 – Nos próximos versículos, Paulo nos diz algo que todo Cristão precisa saber sobre o pecado e a justiça prática. Ele diz: “Não sabeis vós que a quem vos apresentardes por servos para lhe obedecer, sois servos daquele a quem obedeceis, ou do pecado para a morte, ou da obediência para a justiça?” Isso mostra que há um poder cativante tanto na prática do pecado quanto na prática da justiça. Ao apresentar-nos a qualquer um deles, ficamos sob seu poder – para o mal ou para o bem. Se nós, como Cristãos, escolhermos viver no antigo estado de Adão (esfera de vida) e apresentar-nos ao chamado da natureza pecaminosa, resultarão sérias consequências. Nós ficaremos sob o poder do pecado e nos tornaremos escravos dos pecados que permitirmos! O Senhor Jesus ensinou isso a Seus discípulos; Ele disse: “todo aquele que comete pecado é servo do pecado” (Jo 8:34). Este é um princípio universal que se aplica a toda a humanidade. É tão verdadeiro para um crente quanto para um incrédulo. Assim, ao escolher pecar, violentamos nossas próprias almas (Pv 8:36).

Todo Cristão deve aprender – e pode ter de ser por meio da correção do Senhor – que a “liberdade” apresentada no evangelho (v. 18) não é liberdade para pecar, mas sim liberdade do pecado. Deus quer nos libertar do poder do pecado para que possamos fazer a Sua vontade – não para que possamos continuar pecando! O evangelho anuncia liberdade, não permissividade. Se fomos separados de toda aquela ordem de coisas sob Adão por nossa conexão com Cristo sob Sua Cabeça, por que pensaríamos em viver nossas vidas Cristãs naquele estado iníquo, quando sabemos que isso nos levará à escravidão? Como mencionado anteriormente, quando os Cristãos escolhem pecar, isto manifesta incredulidade no fato de que “a carne para nada aproveita” (Jo 6:63). O problema é que ainda pensamos que há algo de bom nela que irá servir para nossa felicidade e satisfação. E ao ceder à carne, somos enganados por ela, e ficamos sob o poder daqueles pecados que cometemos. Deus permite que seja assim, e usa isso como uma disciplina para corrigir nossa atitude errada em relação ao pecado. Podemos dizer, felizmente, que para o crente que vai nessa direção e permite pecados em sua vida, há uma saída por meio do arrependimento e do julgamento próprio. Mas para o incrédulo, os pecados que ele permite em sua vida apenas o levam para maior escravidão.

Como mencionado, essa servidão funciona igualmente em ambas as linhas: “ou do pecado para a morte, ou da obediência para a justiça?” Ao dizer: “sois servos daquele a quem obedeceis…” Paulo personifica “pecado” e “justiça”, e os vê como dois senhores opostos com servidões opostas. A qualquer um desses que nos apresentemos, dele nos tornamos servos. Como crentes no Senhor Jesus Cristo, nos apresentando ao novo senhor (justiça), formamos novos e bons hábitos que levam à santificação prática. Paulo vai falar mais sobre isso no versículo 19. Uma coisa solene a considerar aqui é que, embora estejamos posicionalmente em um novo lugar diante de Deus – onde a graça reina por meio da justiça – o pecado ainda pode ser, na prática, nosso senhor, se escolhermos viver naquele velho estado de Adão. Todo Cristão precisa considerar isso seriamente.

Cap. 6:17-18 – Paulo estava convencido de que os santos romanos a quem estava escrevendo tinham obedecido “de coração à forma de doutrina” à qual foram “entregues [instruídos – JND]. Isto é, eles haviam crido na verdade do evangelho, e assim estavam “libertados do pecado” posicionalmente. Se eles se apresentassem como “servos da justiça”, iriam provar o poder da graça trabalhando em suas vidas, produzindo santificação prática – porque isso é Cristianismo normal. Para indicar essas duas servidões, Paulo usa oito vezes a palavra “servos” nos versículos 16-23.

Cap. 6:19-20 – Paulo então demonstra o caráter progressivo de se andar em santidade (santificação prática). Ele diz: “assim como apresentastes os vossos membros para servirem à imundícia, e à maldade, para a maldade [iniquidade para a iniquidade – JND], assim apresentai agora os vossos membros para servirem à justiça para santificação”. Os crentes romanos tinham praticado iniquidades (antes de serem salvos) e, ao fazê-lo, só se tornavam mais iníquos; eles agora deveriam praticar a justiça e isso resultaria em se tornarem progressivamente mais santos. Isso mostra que é algo progressivo em ambas as direções. Assim como um homem praticando iniquidade torna-se cada vez mais iníquo (“iniquidade para a iniquidade”), assim também quanto mais um Cristão pratica a justiça, mais santo ele se torna (“justiça para santificação”).

No lado negativo, um homem não se torna um monstro de uma só vez; pode levar anos de prática do pecado. Ele pode cometer um ato mau hoje que há cinco anos teria hesitado em cometer. Foi relatado que Nero chorou por matar uma mosca na sua juventude, mas terminou sua carreira rindo enquanto Roma era destruída em chamas! O argumento de Paulo aqui é que, assim como o pecado age progressivamente em uma pessoa, também a justiça age progressivamente na vida de um crente. Toda vez que fazemos algo certo, nos fica mais fácil o fazê-lo novamente. G. Cutting apropriadamente disse: “Toda nova vitória lhe dará novo poder”. Assim, nos é “dado crescimento para salvação” na prática (1 Pe 2:2 – ARA). O cântico das crianças enfatiza esse ponto – “Cada vitória vai ajudá-lo a obter outra”. Assim, os Cristãos estão agora em uma nova e feliz servidão como “servos [escravos – JND] da justiça”.

Uma diferença que devemos notar é que “justiça” e “santidade” não são a mesma coisa. Justiça tem a ver com fazer as coisas certas porque elas são certas. A santidade tem a ver com fazer as coisas certas porque você ama o que é certo e odeia o mal.

Cap. 6:21-23 – Paulo conclui apontando para a enorme diferença nos resultados dessas duas servidões opostas. Ele pede aos crentes romanos que considerem o fim do curso em que trilhavam antes de serem salvos – “E que fruto tínheis então das coisas de que agora vos envergonhais? Porque o fim delas é a morte”. Que proveito havia nisso? Só trouxe a morte em todos os sentidos. Mas tendo sido libertados, Paulo lhes diz para olharem os grandes e bons resultados que agora estavam sendo produzidos em suas vidas; havia “fruto para santificação, e por fim a vida eterna”. Eles estavam agora livres para fazer a vontade de Deus em comunhão com Deus, e o caminho que agora estavam trilhando terminaria em glória num dia vindouro. (Como no capítulo 5:21, Paulo vê aqui a “vida eterna” como algo que alcançaremos no fim do caminho de fé, quando chegarmos ao céu em estado glorificado. É claro que também a temos agora, que o apóstolo João chama de “vida eterna” – Jo 3:16, 36, etc., tradução J. N. Darby).

O versículo 22 é uma espécie de resumo da verdade apresentada no capítulo 6. Ele diz:

- Somos feitos “livres do pecado”. - Tornamo-nos “servos de Deus”. - Temos o nosso “fruto para a santificação”. - O “fim é a vida eterna”.

V. 23 – A conclusão de toda a questão é: “o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo Jesus nosso Senhor”. Como mencionado, um curso conduz à “morte” e o outro conduz à “vida”. “O salário do pecado” mencionado aqui é muitas vezes considerado como pecados (más ações) que os homens cometem. Os evangelistas usarão esse versículo para dizer aos pecadores que, como consequência de seus pecados, eles morrerão e irão para o inferno. Mas devemos ter em mente que esta seção da epístola não está tratando de pecados, mas sim do pecado, a natureza má e pecaminosa no crente. Paulo já mostrou no capítulo 5 que a morte na raça humana não é o resultado de pecados pessoais, mas o resultado de ser descendente de uma cabeça caída. A morte pode levar uma criança com apenas um dia de vida. É claro que a morte não a levou porque a criança é culpada de pecar, mas porque ela tem uma natureza pecaminosa e os efeitos dela em seu corpo causaram a morte. Além disso, os crentes no Senhor Jesus Cristo, cujos pecados são perdoados, ainda morrem. Se os pecados deles causassem sua morte, poderíamos erroneamente concluir que Deus não os perdoou afinal de contas! Sobre este versículo, J. N. Darby disse que “não é um apelo aos pecadores como às vezes é usado, mas àqueles já libertos” (Synopsis of the Books of the Bible on Romans 6:23).

A Lei e Cristo

Cap. 7:1-6 – Tendo sido apresentada a verdade da libertação no capítulo 6, poderíamos perguntar: “Esta libertação se aplica em relação à Lei de Moisés?” Esta seria uma preocupação especial para os crentes dentre os judeus, pois os gentios, como sabemos, nunca estiveram nesse relacionamento legal com Deus. A resposta é sim; os crentes judeus não estão mais sob a Lei. Ao abordar essa questão, Paulo se dirige especialmente a seus irmãos judeus. Isto é indicado por sua declaração: “Pois que falo aos que sabem a Lei”.

Há uma diferença óbvia entre a libertação do pecado (cap. 6) e a libertação da Lei (cap. 7). O pecado é algo mau que veio ao mundo por meio do fracasso do homem, ao passo que o mandamento é “santo, justo e bom” (v. 12) e foi dado pelo próprio Deus. É fácil entender porque precisamos ser libertos do pecado, mas podemos nos perguntar por que alguém precisaria ser liberto de algo que é bom. A resposta é que a Lei é realmente boa – boa para o propósito para o qual foi concebida – que é mostrar aos homens o que eles fizeram e o que são. No entanto, a Lei não pode produzir vida santa. J. N. Darby apontou que há três coisas que a Lei não faz (Collected Writings, vol. 31, pág. 155); estas são:

- Não dá vida. - Não dá força para realizar suas demandas. - Não nos dá um objeto para nossos corações.

Por isso, é um grande equívoco pensar que a Lei foi dada para ajudar uma pessoa a caminhar em santidade. Não é – e nunca foi – intenção de Deus produzir santidade nos homens por meio da Lei.

A ideia equivocada de pensar que os crentes gentios deveriam ser colocados sob a Lei foi resolvida com autoridade pelos apóstolos e anciãos em Jerusalém. Isso está registrado em Atos 15. Mas a pergunta permaneceu: “Os crentes no Senhor Jesus, que estão entre os judeus, ainda estão sob a Lei?” Paulo responde aqui a essa questão.

Os Dois Maridos

Nesta passagem, Paulo explica porque a Lei não tem conexão com os Cristãos – sejam eles Cristãos judeus ou Cristãos gentios. No capítulo 7:1-3, ele estabelece o princípio, dando uma ilustração hipotética da improbabilidade de uma mulher ser casada com dois maridos ao mesmo tempo. Então, no capítulo 7:4-6, ele mostra que, como os Cristãos estão mortos com Cristo, o vínculo, que uma vez reteve os crentes judeus às obrigações da Lei, foi quebrado.

Cap. 7:1-3 – Paulo vê a Lei como estando na posição de um marido e os judeus (antes de serem salvos) na posição de uma esposa. A mulher nessa situação estaria sujeita a certas obrigações para com o marido. Paulo declara: “A mulher casada está ligada pela Lei a seu marido, enquanto ele vive” (TB). F. B. Hole disse: “Todo judeu achava o velho marido – a Lei – muito severo e inflexível, na verdade um espancador de esposas, embora tivessem de admitir que francamente mereciam tudo o que recebiam” (Paul’s Epistles, vol. 1, pag. 26). Sob a Lei, eles estavam cansados e “sobrecarregados” (ARA) em seus esforços para fazer tudo o que ela ordenava, e também em cumprir coisas acessórias que os rabinos lhes acrescentavam. (Mt 11:28, 23:2-4).

Então, Paulo diz: “Mas, morto o marido, livre está da lei do marido”. Nesta declaração, Paulo não está ensinando que a Lei morreu – mesmo que ele se refira à morte do marido. O grande ponto que está estabelecendo aqui é que a morte encerra a vigência da Lei; o vínculo envolvido nesse relacionamento legal é quebrado com a chegada da morte.

Cap. 7:4 – H. Smith aponta que na ilustração o marido morre, mas na aplicação do princípio, é a esposa que morre. Paulo deixou claro no versículo 1 que aqueles nessa relação legal, que estão agora identificados com Cristo, chegaram ao fim pela morte. Ele disse: “a Lei tem domínio sobre o homem por todo o tempo que ele vive” (AIBB). Paulo não disse que a Lei tem domínio sobre um homem por todo o tempo que ela (a Lei) vive, mas “por todo o tempo que ele (o homem sob ela) vive”.

Aplicando o princípio da Cabeça federal de Cristo aos crentes judeus em seu relacionamento legal com Deus, Paulo mostra que, uma vez que Cristo morreu, eles têm o direito de também se considerarem mortos. Ele diz: “Assim, meus irmãos, também vós estais mortos para a Lei pelo corpo de Cristo” (v. 4). Assim, os crentes no Senhor Jesus Cristo não apenas estão mortos para o pecado (cap. 6); eles também estão mortos para a Lei (cap. 7). A Lei não tem mais domínio sobre aqueles que estavam nessa relação e que creem, porque são vistos como mortos e se foram – e a Lei não tem domínio sobre um homem morto. J. N. Darby disse: “Ele morre para aquilo no qual estava retido. A Lei só poderia impor sua reivindicação sobre o homem como um filho vivo de Adão. A ‘Lei tem poder sobre o homem enquanto ele viver’; mas eu estou morto para a Lei pelo corpo de Cristo; o vínculo com a Lei, de forma absoluta, total e necessária cessou, pois a pessoa está morta; e a Lei tem poder sobre ela somente enquanto viver” (Collected Writings, vol. 10, pág. 10).

“O corpo de Cristo”, do qual Paulo fala aqui, não é o corpo místico de Cristo do qual somos membros (1 Co 12:12-13), mas o corpo pessoal (físico) de Cristo que Ele tinha ao Se tornar um Homem (Hb 10:5; Cl 1:22). Foi por meio desse corpo no qual Ele morreu que Cristo levou os crentes à morte por sua identificação com Ele.

A versão King James diz: “Casado com outro…”. Isso é mencionado três vezes nesta passagem se referindo a Cristo, mas a palavra “casado” não está realmente no texto grego. Deveria dizer: “Pertencer a outro” (Tradução W. Kelly). Isso ocorre porque nosso relacionamento com Cristo atualmente é o de alguém comprometida a um marido; estamos aguardando o casamento que acontecerá no futuro (Ap 19:7-10). (É verdade que, em Efésios 5, a Igreja já é vista em união com Cristo, mas aquela epístola apresenta a verdade a partir da perspectiva do propósito eterno de Deus – como algo completo e totalmente fora do tempo.)

Paulo conclui seu pensamento dizendo: “A fim de que demos fruto para Deus” (v. 4). O “fruto” a que se refere aqui é a justiça prática manifestada no viver santo. Este é o objetivo de Deus ao libertar o crente do pecado e da Lei. Contudo, a verdadeira frutificação só pode ser produzida vivendo-se no gozo consciente da vida eterna com “aqu’Ele que ressuscitou de entre os mortos”. Quando permanecemos com Cristo nessa nova esfera de vida, o Espírito de Deus está livre para trabalhar em nós para manter a carne sob controle e produzir frutos em nossas vidas no caminho da justiça prática. Paulo falará mais disso no capítulo 8.

Cap. 7:5 – Paulo lembra aos crentes judeus de que quando estavam “na carne” sob a Lei, seus esforços em guardá-la falharam; não produziram santidade em suas vidas. De fato, em vez de a Lei controlar a carne, fez o oposto – ela provocou a carne! Paulo menciona este fato: “Pois, quando estávamos na carne, as paixões dos pecados, suscitadas (provocadas) pela Lei, operavam em nossos membros para darem fruto para a morte” (AIBB). Assim que a carne é instruída a não fazer algo, isso se torna a exata coisa que ela quer fazer. J. N. Darby disse: “Se eu dissesse a um amante do dinheiro: ‘Você não deve desejar aquele ouro’, isso apenas lhe despertaria o desejo” (Collected Writings, vol. 26, pág. 158). Aqueles que aplicam princípios legais para refrear a carne descobrirão que a carne levantará sua medonha cabeça de uma maneira mais vigorosa do que nunca! Os crentes dentre os judeus deveriam saber disso melhor do que qualquer um, tendo estado sob a Lei formalmente.

Sabemos disso por experiência, mesmo que não tenhamos formalmente estado sob a Lei. Se colocarmos alguma restrição à carne, ela imediatamente se rebela contra a restrição. Isto é porque “a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à Lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser” (cap. 8:7). Assim, colocar-se sob restrições legais em um esforço para aperfeiçoar a santidade é contraproducente, porque o guardar da Lei só produz “morte” moral naqueles que se colocam sob suas exigências. Legalistas evidentemente não sabem disso e continuam colocando seus convertidos sob a Lei. Quanto mais cedo aprendermos isso melhor; então vamos parar de procurar sucesso por meio de lei.

Paulo usa uma frase aqui (“na carne”) que é única para sua doutrina. Existem outras frases desse tipo:

- “Em Adão” é a nossa velha posição diante de Deus (1 Co 15:22). - “Em Cristo” é a nossa nova posição diante de Deus (Rm 3:24). - “Na carne” é o nosso antigo estado ou condição (Rm 7:5). - “No Espírito” é o nosso novo estado ou condição (Rm 8:9).

Deve notar-se que, embora não estejamos na carne, a carne ainda está em nós. Ela não será removida até estarmos com o Senhor.

Cap. 7:6 – Paulo resume o que precede, dizendo: “Mas agora estamos livres da Lei, pois morremos para aquilo em que estávamos retidos; para que sirvamos em novidade de espírito, e não na velhice da letra”. Nisso, ele reafirma o grande princípio contido nesses capítulos. É simplesmente que não podemos estar vivos naquilo em que morremos – seja em conexão com o pecado ou com a Lei. A Lei não foi posta de lado, invalidada ou revogada; é o crente que se foi. Ele está morto em virtude de sua identificação com a morte de Cristo. O crente judeu, portanto, não está mais sob a Lei.

Assim, o caminho de Deus para a santificação prática não é pelo guardar da Lei. O guardar da Lei para a santidade é um princípio carnal que pressupõe que há força no homem para produzir o bem. Este não é o caminho de Deus para a santificação prática. O legalista argumenta que o crente pode guardar a Lei porque ele tem uma nova natureza e o Espírito Santo que nele habita o capacita a fazê-lo. É verdade que a nova natureza (que nos dá vontades corretas) e o Espírito Santo (que dá o poder) capacitam o crente a andar em santidade, mas o crente não o faz por causa de exigências legais, mas porque Cristo é o seu objetivo. Quando ocupado com Cristo, o crente, na prática, excede em muito as exigências morais da Lei. Em Gálatas 5:22-23, Paulo lista várias coisas que são “o fruto do Espírito” no crente – “caridade [amor], gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança [controle próprio]. Ele então acrescenta: “Contra estas coisas não há lei”. Isto é, não há lei que possa ser colocada sobre o crente que produza essas coisas! No sistema da graça de Deus, o crente avança sob um princípio muito mais alto do que a obediência legal à Lei de Moisés.

Uma Ilustração do Poder do Amor

A ilustração a seguir dá a ideia desse novo princípio do viver Cristão. Um homem de relevante condição contrata uma empregada para limpar sua casa enquanto ele está em seu trabalho. As responsabilidades dela são colocadas em uma lista detalhada de dez coisas, que ele pendura na parede. Sob este acordo contratual, ela é requisitada a fazer essas coisas dando o melhor de sua capacidade, pelo que é respectivamente paga. Com o passar dos dias, o homem se interessa pela moça e eles se apaixonam e se casam. Ao voltar de sua lua de mel, ele prontamente tira a lista pendurada na parede, pois o relacionamento deles agora não está mais nos termos de um contrato. Mas quando retorna do trabalho para casa, descobre que ela fez aquelas mesmas coisas da lista, mesmo não estando sob aquele contrato! Na verdade, ela fez coisas para ele que nem mesmo estavam na lista! E tudo foi feito com mais entusiasmo e alegria do que antes! O que tinha acontecido? O poder da graça e do amor do homem que conquistara o coração da moça foi derramado sobre ela, e isso a fez querer agradá-lo – e achou um gozo fazê-lo.

Assim, pelo reinar da graça no coração do crente por meio da justiça, temos o caminho de Deus para a santificação, realizado pelo poder do Espírito Santo. Com base nesse princípio, somos capazes de servir “em novidade de espírito, e não na velhice da letra”.

Uma Breve Revisão da Doutrina da Libertação em Romanos 5:12-7:6

Ao considerar os muitos detalhes que Paulo abordou nesta parte da epístola, é bem possível que se tenha perdido a linha de seu ensino sobre a libertação; portanto, uma breve revisão deve ser feita.

No capítulo 5:12-21, Paulo nos ensinou como obtivemos a natureza do pecado, da qual tão desesperadamente precisamos libertação – foi pela queda de Adão. Ele também nos ensinou que, como crentes no Senhor Jesus Cristo, não estamos mais sob a cabeça de Adão e, portanto, não estamos mais naquela velha raça, no que diz respeito à nossa posição diante de Deus. Também explicou que agora somos “feitos justos” e somos parte de uma nova raça de homens sob a Cabeça de Cristo, onde a graça reina por meio da justiça para a vida eterna.

Em Romanos 6:1-10, ele explica como esta transferência da cabeça de Adão para a Cabeça Cristo aconteceu para o crente. Agindo como nossa Cabeça federal, Cristo, ao morrer, separou-Se de todo o sistema de pecado sob Adão, e ao fazê-lo, Ele nos separou também. Por meio de nossa identificação com a morte de Cristo, Deus nos vê como “mortos” e, portanto, desconectados da raça de Adão e do princípio do pecado que a domina (v. 7). Paulo apontou para o nosso batismo como significando este grande fato. Também apontou para a cruz como sendo o lugar onde Deus julgou toda essa ordem pecaminosa de coisas, na crucificação do “velho homem”. Além disso, sendo “ressuscitado dentre os mortos” (JND), Cristo entrou em uma nova esfera de vida onde Ele “vive para Deus”, e essa esfera agora está aberta a todos os que estão em Sua nova raça, onde “também com Ele viveremos” em liberdade do pecado (vs. 8-10). Então, nos versículos 11-12, Paulo exorta o crente a “considerar” com Deus, de que essas coisas que são verdadeiras em relação a Cristo são também verdadeiras para nós. Assim, devido à nossa identificação com a morte de Cristo, temos o direito de nos considerar “certamente mortos para o pecado”, mas “vivos para Deus” naquela nova esfera em que Cristo vive para Deus.

Então, no capítulo 6:13-14, tendo nossa ocupação com Cristo e Seus interesses, onde Ele vive para Deus em ressurreição, somos exortados a nos apresentar a Ele e a começar a praticar a justiça, um ato de cada vez. E, pela repetição de bons hábitos, nos tornamos servos da justiça. Assim, sob o princípio do deslocamento, a carne não tem a oportunidade de agir em nossas vidas.

No capítulo 6:15-23, Paulo adverte que, se escolhermos viver nossas vidas na esfera da carne, a carne ganhará o controle sobre nós, e ficaremos sob sua escravidão. É, portanto, imperativo que vivamos na prática na esfera certa de vida, onde há uma nova ordem de objetos (“as coisas do Espírito” – cap. 8:5) para ocupar nossos corações. Ele também mostra que andar em santidade é algo progressivo: quanto mais praticamos a justiça como um hábito, mais santos nos tornamos.

Por fim, no capítulo 7:1-6, o princípio da identificação do crente com a morte de Cristo é aplicado àqueles sob a Lei. Uma vez que eles estão mortos com Cristo, e a Lei não tem domínio sobre um homem morto, o crente é libertado da escravidão da Lei.

UM PARÊNTESE:

Capítulo 7:7-25
O PROCESSO EXPERIMENTAL PELO QUAL PASSA UMA ALMA AO APRENDER A APLICAR OS PRINCÍPIOS DA LIBERTAÇÃO

Neste ponto do texto, um longo parêntese é inserido para nos mostrar que a libertação do poder e da ação da natureza pecaminosa não é obtida por nossa própria força. Essa é uma lição importante para se aprender e, na maioria dos casos, é aprendida lentamente. Essa lentidão decorre de não se entender que não apenas fazíamos coisas más, mas que nós mesmos somos completamente maus. Devemos aprender que não há nada em nós, naturalmente falando, que possa nos capacitar para um viver santo e, portanto, é inútil olharmos para nosso interior para a libertação do pecado. O problema é que somos lentos em desistir de nós mesmos e admitir que somos impotentes. Achamos que ainda existe algo de bom em nós – mesmo que seja um pouco – e, consequentemente, tentamos ajudar o processo. Mas esta é uma fórmula para o fracasso. Portanto, é necessário que tenhamos alguma experiência prática quanto à verdadeira maldade de nossa carne e, assim, desistamos de nós mesmos e nos voltemos para Cristo para a libertação prática. Nesse parêntese, Paulo ilustra o processo experimental pelo qual uma pessoa passa ao aprender a desistir de si mesma e a aplicar os princípios de Deus de libertação (conforme dados no capítulo 6) – os quais levam à libertação e à santificação prática.

O Propósito da Lei

Paulo acaba de nos ensinar que os crentes no Senhor Jesus Cristo não estão debaixo da Lei porque estão mortos com Cristo (cap. 7:1-6). Muitos Cristãos aceitam esta verdade intelectualmente, mas acreditam que, embora não estejam sob a Lei formalmente, ela é uma boa regra de vida a ser seguida para uma vida santa. Com boas intenções, eles podem tentar viver pelos Dez Mandamentos, ou por algum outro conjunto de regras impostas a si mesmos. Isso é bem-intencionado, mas não é o caminho de Deus para a santificação prática.

A pessoa que pensa nessa linha não aprendeu o que Paulo nos ensina no capítulo 7:5 – a saber, que todos esses esforços são contraproducentes e apenas estimulam a carne. Como precisamos aprender esta verdade não apenas doutrinalmente, mas também praticamente, Paulo demonstra este processo neste parêntese nos versículos 7-25.

Toda essa passagem entre parênteses é escrita na primeira pessoa do singular para enfatizar o fato de que cada crente deve aprender por si mesmo que a libertação do poder do pecado não é encontrada no esforço próprio. O versículo 14a é uma exceção porque está falando do que é o conhecimento Cristão normal – “Porque [nós] bem sabemos que a Lei é espiritual”. Como regra, na epístola, quando Paulo fala do que é comum aos Cristãos – seja em nossa posição e estado ou o nosso conhecimento – ele dirá: [nós] temos” (cap. 5:1, 2, 11, etc.) ou [nós] sabemos” (cap. 7:14, 8:22). Fora essa única exceção, o apóstolo usa “eu” ao longo desta passagem para retratar as experiências pessoais de um homem que não são experiências Cristãs normais, não obstante ser ele nascido de Deus.

Quem é a Pessoa no Conflito Descrito em Romanos 7?

Muitos pensam que Paulo estava se referindo à sua experiência pessoal, porque ele fala na primeira pessoa. Mas isso não poderia ser assim porque ele diz: “E eu, nalgum tempo, vivia sem Lei” (v. 9). Paulo nunca esteve nessa posição antes de ser salvo; ele foi criado como um austero fariseu que viveu sob a Lei desde o nascimento (At 23:6, 26:5; Fp 3:5). Se não é o próprio Paulo, a quem ele se refere? É um incrédulo? Não, não poderia ser um incrédulo porque ele diz: “Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na Lei de Deus” (v. 22). Tal desejo só poderia ser o de uma pessoa com uma nova natureza – isto é, alguém que nasceu de novo. Ele está falando então de um Cristão? Não exatamente. Embora essa pessoa seja nascida de Deus e, portanto, é uma criança de Deus, o estado em que ela está não é certamente o de um Cristão. Ele diz: “mas eu sou carnal, vendido sob o pecado” (v. 14). Por estar em escravidão do pecado, como tal pessoa está, dificilmente poderia se tratar do estado de um Cristão. Um Cristão é aquele que está descansando na obra consumada de Cristo em relação aos seus pecados, e ele sabe que eles se foram. Ele é, portanto, habitado pelo Espírito Santo, e como resultado, tem paz com Deus e libertação do pecado. Este parêntese não descreve uma pessoa nessa feliz condição.

Vivificado, Mas Ainda Não Salvo

Que tipo de pessoa Paulo está descrevendo então? É uma alma vivificada (uma criança de Deus) que ainda não tem paz ou libertação, porque não está selada com o Espírito. A obra de Deus começou em sua alma, mas essa obra não está completa. Por isso, a pessoa está vivificada, mas ainda não está salva. Como já mencionado, a palavra “salvo”, no sentido quando Paulo a aplica à nossa eterna salvação da pena dos nossos pecados, tem a ver com um crente estar descansando em sua alma por confiar na obra consumada de Cristo e estar selado com o Espírito Santo. (Ef 1:13). Esta pessoa hipotética em Romanos 7 ainda não chegou lá ainda. Por mais estranho que possa parecer, ela não é nem salva nem perdida! Isso pode ser um pouco chocante para os Cristãos evangélicos que ensinam e pregam que todos os homens são salvos ou perdidos, e não há nada entre os dois. No entanto, isso é o que a Escritura ensina.

Concernente a este homem em Romanos 7, C. H. Brown disse: “Ele está meio salvo!” Ele está seguro no que diz respeito ao seu destino eterno (porque ele tem vida divina), mas ele não está salvo – no sentido que Paulo dá à palavra. Cornélio é um exemplo da vida real de uma pessoa neste estado intermediário. Antes de Pedro encontrá-lo, Cornélio não estava perdido. Ele era evidentemente nascido de Deus, sendo um homem temente a Deus, devoto, e um homem cujas orações foram consideradas diante de Deus (At 10:2-4); o Senhor disse a Pedro que Ele havia purificado esse tal homem (At 10:15, 28). Mas Cornélio não era salvo! Isso fica claro pelo fato de que Pedro deveria dizer-lhe “palavras” pelas quais ele e toda a casa dele poderiam ser “salvos” (At 11:14).

Neste estado descrito em Romanos 7, a pessoa entra em conflito para manter as exigências de lei (ou algum conjunto de regras impostas a si mesma), mas falha porque sua antiga natureza prevalece sobre ela. Seu problema é que está buscando libertação por meio de seus próprios esforços, e isso, ela tem de aprender pela experiência, que não é possível.

“Nascido de Novo” e “Salvo” Não São Sinônimos

A Escritura distingue “nascer de novo” (vivificado) de ser “salvo”. Nascido de novo tem a ver com a comunicação da vida divina para uma pessoa (Jo 3:3-5; Tg 1:18; 1 Pe 1:23); é o começo da obra de Deus em uma alma. Ao passo que a salvação é a conclusão dessa obra, e é confirmada como tal pelo crente sendo selado com o Espírito (Ef 1:13). A libertação do poder do pecado, como veremos, está conectada com uma alma estando salva no pleno sentido Cristão da palavra.

J. N. Darby disse: “Uma vivificação interior nunca é tratada nas Escrituras como salvação; a ideia de regeneração foi perdida. Cornélio foi vivificado sem qualquer dúvida, mas foi instruído a ir a Pedro para ouvir as palavras por meio das quais ele poderia ser salvo… Eu não posso dizer que um homem é salvo a menos que sua consciência seja purificada. A Igreja perdeu o sentido de ser salvo. As pessoas acham que é suficiente nascer de novo. Regeneração é confundida com possessão de vida… Um desejo por santidade seria uma evidência de uma alma vivificada. Mas não digo que ele é salvo; As Escrituras não dizem isso” (Collected Writings – J. N. Darby, vol. 28, p. 368).

W. Kelly disse: “De fato, acho que um grande erro no momento presente é tornar a salvação muito barata e uma palavra muito comum. Você encontrará muitos evangélicos dizendo constantemente que quando um homem é convertido ele é salvo: no entanto, provavelmente, é muito prematuro dizer isso. Se for verdadeiramente convertido, ele será salvo, mas não há garantia em se afirmar que toda pessoa convertida é salva, porque ela ainda pode estar com dúvidas e medos. ‘Salvo’ tira a pessoa de todo o senso de condenação – traz a pessoa para Deus conscientemente livre em Cristo, não meramente diante de Deus com sinceridade de desejo, segundo a piedade. Uma alma não é convertida a menos que seja conscientemente trazida a Deus; mas aí a pessoa pode ficar mais infeliz e desesperada nesse estado. As Escrituras nos permitem chamar tal pessoa de ‘salva’? Certamente que não. O ‘salvo’ é alguém que sendo justificado pela fé, tem paz com Deus… Por isso, é um erro considerar como salva qualquer pessoa que não tenha sido trazida para um relacionamento feliz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo” (Lectures Introductory to the Study of the Minor Prophets – W. Kelly, págs. 375-379).

A pessoa que Paulo hipoteticamente descreve nesta passagem em Romanos 7 está no estado que o Sr. Darby e o Sr. Kelly comentam. Ela está, quanto à sua experiência, entre o nascer de novo e o ser salva. Nota: não há menção aqui de que ela creia na obra consumada de Cristo ou de que tenha o selo da habitação do Espírito. De fato, você não pode ler esta passagem sem ficar impressionado com a ausência marcante dessas duas coisas. Contudo, há evidências inequívocas de que ela nasceu de Deus (por exemplo, o v. 22).

Quatro Descobertas

Como mencionado, nesta passagem, Paulo descreve o processo pelo qual uma alma vivificada passa para obter a libertação. É realmente uma série de quatro descobertas que alguém faz para ser salvo – embora não esteja completamente consciente disso. (Dizemos isso porque os que foram salvos na infância geralmente não experimentam essa luta em grau significativo, antes de confiar na obra de Cristo e, muitas vezes, passam por algo parecido algum tempo depois de serem salvos, o que é descrito em Gálatas 5:16-17. É algo semelhante, mas não exatamente a mesma coisa. Gálatas 5 descreve alguém com o Espírito Santo, enquanto que em Romanos 7 ele não tem o Espírito).

Essas descobertas estão descritas na segunda metade do capítulo 7 da seguinte maneira:

1) ELE DESCOBRE A PRESENÇA E A ATIVIDADE DA NATUREZA PECAMINOSA EM SUA ALMA (cap. 7:7-13)

Na seção anterior da epístola, que tem a ver com os pecados, Paulo explicou que a Lei ilumina a consciência dos homens e mostra-lhes que eles pecaram (Rm 3:19-20). Isto testemunha o fato de que todos pecaram e estão destituídos (aquém) da glória de Deus (cap. 3:23; 1 Tm 1:8-10; Tg 2:9-10). Agora nesta seção da epístola, que vem tratando do assunto do pecado (a natureza maligna no homem), Paulo mostra que a Lei também fará com que uma alma vivificada detecte a presença da natureza do pecado em si mesma, e assim se torne consciente do que ela é diante de Deus em seu estado pecaminoso.

Cap. 7:7-8 – Como mencionado, a primeira obra de Deus em nossas almas é a comunicação da vida divina por meio do novo nascimento (vivificação), pelo qual nos tornamos conscientes de Deus de uma nova maneira. Como resultado de ter vida divina, haverá uma genuína busca por Deus e por santidade. Se a pessoa teve uma educação na qual foi exposta à Lei – como Paulo supõe aqui – ela tentará sinceramente atender às exigências da Lei. Tendo luz limitada, irá presumir que o guardar da Lei é o caminho para obter santidade, não sabendo que esse não é o caminho de Deus para a santificação prática.

Já que o guardar da Lei não é o caminho de Deus para a santidade, poderíamos concluir que a Lei é inútil, até mesmo pecaminosa. Paulo antecipa essa suposição equivocada e diz: “Que diremos pois? É a Lei pecado? De modo nenhum [longe esteja o pensamento – JND]: mas eu não conheci o pecado [a natureza pecaminosa] senão pela Lei; porque eu não conheceria a concupiscência, se a Lei não dissesse: Não cobiçarás. Mas o pecado, tomando ocasião [um ponto para ataque – JND] pelo mandamento, obrou em mim toda a concupiscência: porquanto sem a Lei estava morto o pecado”. Isso mostra que a Lei certamente tem um uso. O décimo mandamento que Paulo cita aqui se distingue dos outros nove, pois não trata de uma ação má, mas sim de uma concupiscência no coração. Somos condenados por este mandamento, sem termos feito nenhum ato específico de pecado, e assim somos levados a perceber que temos uma natureza corrupta. Enquanto a Lei certamente trata de atos de pecado (obras más), dificilmente precisamos dela para nos dizer que fizemos algo errado porque temos consciência. Mas a consciência não nos revelará nosso estado interior de pecado. A Lei, por outro lado, faz com que a alma vivificada descubra a presença de sua natureza maligna.

J. N. Darby observou: “A Lei tem seu uso, a saber, em trazer a consciência do que somos – do nosso estado. Foi culpa da Lei, este domínio do pecado, enquanto estávamos sob ela? Não, foi culpa do pecado e da concupiscência que a Lei condenou. ‘Mas isso’, diz o apóstolo, ‘eu não conheceria, se a Lei não dissesse: Não cobiçarás’. Se ele tivesse cometido um homicídio, teria se dado conta do fato; sua consciência natural teria tomado conhecimento disso. Mas não estamos tratando dos pecados agora (como antes observado), mas do pecado. Eu não tinha conhecimento disso, a menos que a Lei tivesse lidado com seus primeiros movimentos como malignos. Muitos não cometeram crimes – nem mataram, nem roubaram nem cometeram adultério; mas quem nunca cobiçou?…. O objetivo aqui é detectar a natureza maligna por seu primeiro movimento – concupiscência. Não é, de fato, o que fizemos, mas o que somos” (Collected Writings, vol. 26, pág. 158-159). Assim, se permitirmos que o décimo mandamento da Lei nos examine, ele nos mostrará o que somos diante de Deus quanto à nossa natureza.

Paulo diz: “porquanto sem a Lei estava morto o pecado” (v. 8b). Isto é, antes que a Lei tenha ação sobre a alma de uma pessoa, ela está inconsciente quanto à presença e atividade de sua natureza pecaminosa. Nesse estado, ela não está ciente das obras do pecado em seu interior porque sua consciência não foi penetrada pela voz de autoridade das santas exigências de Deus. A pessoa vive de acordo com a energia irresistível do pecado e é levada inconscientemente por sua força. Nesse estado, não é possível que esteja sensível à presença da natureza pecaminosa, porque está “absolutamente identificada” com ela.

Cap. 7:9-10 – Ele diz (hipoteticamente): “E eu, nalgum tempo, vivia sem Lei”. Isto é, na condição de estando “morto o pecado”, ele estava vivo para a vida aqui na Terra sob os ditames do pecado, mas bastante inconsciente do seu poder e seu caráter escravizador. Mas quando Deus começou a trabalhar em sua alma vivificada, tudo mudou. Ele diz: “mas, vindo o mandamento, reviveu o pecado, e eu morri”. Quando a voz autoritária de Deus na Lei alcançou sua alma vivificada, isto colocou o pecado em ação – “reviveu o pecado”. A Lei traçou uma linha e o proibiu de passar por sobre a linha. Dizia: “Não cobiçarás”. O pecado respondeu prontamente passando por cima dela, e ele desejou em seu coração a exata coisa que a Lei proibia. E, como consequência de quebrar a Lei, a Lei o condenou à morte como um transgressor, e assim ele diz, “e eu morri”. Ele concluiu: “E o mandamento que era para vida, achei eu que me era para morte”. Isto é, a Lei coloca a vida diante de nós, dizendo: “faze isso, e viverás” (Lc 10:28), mas como ele não guardou as exigências da Lei, ela o condenou à morte.

M. C. G. disse: “Como um nadador tranquilamente flutuando na correnteza. Ele não sente a força da correnteza, enquanto nela flutua, pois está temporária e absolutamente identificado com ela. Todo movimento dessa correnteza é também seu movimento; para ele, a quantidade de energia viva da correnteza é desconhecida e sem vida. Mas, enquanto desfruta de forma indiferente dos momentos que passam, uma voz da margem o alcança com séria e autoritária advertência sobre as quedas que estão escondidas da vista, em direção às quais a correnteza traiçoeira certamente o carrega. E agora? Coloque novamente em termos das Escrituras: ‘mas, vindo o mandamento, reviveu o pecado, e eu morri’. Sendo ouvida a advertência, a indiferença é banida rapidamente. O nadador, alarmado com o perigo repentinamente descoberto, se empenha para esforçar todos os seus músculos para avançar contra a correnteza que outrora o carregava em seu seio perfeitamente sem perturbações; ele agora se tornou perfeitamente consciente da energia viva da correnteza; ela está viva com um poder invencível para ele agora, e com ela a sentença de morte, qual seja, que o esforço próprio, foi provado ser inútil, ‘eu morri’” (The Christian Friend, vol. 23, pág. 157).

Cap. 7:11-13 – Paulo diz (hipoteticamente) que o pecado o havia “enganado” totalmente, tornando-o insensível à sua condição deplorável. Também, pelo 10º mandamento, o “matou”. A questão é: “Quem é o culpado por esta morte?” Podemos pensar que, se a Lei provoca a concupiscência na alma e causa a morte, então certamente deve ser algo mau. Longe de ser mau, Paulo diz que o mandamento é “santo, justo e bom”. Assim, a Lei não tem culpa nesta morte. Ele então pergunta: “Logo tornou-se-me o bom em morte?” Isto é, foi a Lei que morreu? Ele responde**: “De modo nenhum** [**longe esteja o pensamento** – JND]**”**. A Lei não havia morrido; foi ele quem morreu! A Lei (particularmente o 10º mandamento) apenas fez com que o pecado se **“mostrasse”** como realmente é; ela traz à luz o verdadeiro caráter da natureza pecaminosa como sendo **“excessivamente maligno”**.

Assim, a Lei não só fará com que um homem descubra que pecou, mas se entendida apropriadamente, também lhe mostrará que seu estado é excessivamente pecaminoso. J. N. Darby disse: “A Lei se aplica ao homem na carne; mas nós morremos, não estamos na carne: quando estávamos, aplicava-se. Esta, aplicada à carne, provocou o pecado e condenou o pecador. Mas ele morreu quando estava sob a Lei – morreu sob ela em Cristo” (Collected Writings, vol. 10, pág. 10). Isso mostra que a Lei serve a um propósito; ao condenar a concupiscência no coração humano, manifesta o fato de que todos os homens têm uma natureza pecaminosa – quem não cobiçou? E, no fracasso de uma pessoa em manter a Lei, ela o condena à morte. Mas tendo operado a morte na pessoa, a Lei então não tem mais aplicação para ela, pois não tem nada a dizer a um homem morto. Assim, está livre dela! (cap. 6:7) Esse conhecimento é importante no processo de obtenção de libertação, pois não será por meio da Lei. Ela detecta a concupiscência, mas não pode libertar uma pessoa dela.

2) ELE DESCOBRE QUE NÃO TEM PODER EM SI MESMO PARA CONTROLAR A SUA NATUREZA PECAMINOSA (cap. 7:14-19)

Tendo descoberto a presença e atividade da natureza pecaminosa em nossas almas, frequentemente somos lentos em aceitar o verdadeiro caráter da carne – que é incorrigivelmente mau. Assim, temos de aprender esse triste fato pela experiência – e isso pode ser amargo e terrivelmente humilhante.

Sendo uma alma vivificada, a pessoa que busca a libertação terá um desejo genuíno de agradar a Deus, e responderá com um esforço honesto tentando controlar a atividade de sua natureza pecaminosa. Tendo neste estágio de sua experiência uma luz limitada quanto aos princípios envolvidos no caminho de Deus para libertação, ela pensará que é seu dever lutar contra a carne para mantê-la dominada. Assim, o conflito começa em sinceridade. Mas invariavelmente, ao combater, ela descobre – como Philip Melancthon (amigo mais próximo de Martinho Lutero) – descobriu e disse, “O velho Adão é forte demais para o jovem Filipe!” Enquanto Melancthon usa “Adão” – substituindo-o pela carne – o que não está doutrinariamente correto, entendemos bem o que ele quis dizer.

A imagem real retratada nestes versículos é a de uma pessoa (quanto à sua consciência) estando sob a Lei, e lutando na carne para guardar as exigências da Lei – mas continuamente fracassando. Em vez de encontrar libertação por combater a carne, quanto mais conflito, mais ele o leva ao cativeiro. A pessoa não encontra nenhuma libertação nessa linha. Em seu fracasso em atender as exigências da Lei, ela corretamente justifica a Lei, afirmando que ela é “espiritual” (v. 14); o problema, conclui corretamente a pessoa, é consigo mesma – porque é “carnal” e “vendida (como escravo) sob o pecado (seu senhor).

Vs. 15-18 – Paulo descreve o conflito**: “Porque o que faço não o aprovo, pois o que quero isso não faço, mas o que aborreço isso faço. E, se faço o que não quero, consinto com a Lei, que é boa. Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum: e com efeito o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem”**. (Antes de prosseguir, tenhamos em mente que este _não_ é um conflito para ser perdoado, justificado ou salvo da pena de nossos pecados. Pelo contrário, é um conflito para libertação da atividade interior da natureza pecaminosa. Portanto, ele não está buscando libertação da _pena eterna_ do pecado, mas do _poder presente_ do pecado.) Há coisas boas que ele quer fazer, mas acaba não as fazendo. E há coisas más que não quer fazer; essas ele acaba fazendo! Por repetidos fracassos, ele se torna frustrado e extremamente infeliz consigo mesmo porque continua fazendo as coisas que odeia e não consegue encontrar o poder para parar!

F. B. Hole disse: “Vamos lembrar do que aprendemos no capítulo 6, pois aí nos foi mostrado o caminho. Percebendo pela fé que somos identificados com Cristo em Sua morte, entendemos que devemos nos considerar mortos para o pecado e vivos para Deus, e consequentemente, devemos apresentar a nós mesmos e nossos membros a Deus para Sua vontade e prazer. Nossas almas concordam plenamente com isso como correto e adequado, e dizemos a nós mesmos, talvez com considerável entusiasmo: ‘Exato! Isso é o que vou fazer’. Nós tentamos fazer isso, e daí recebemos um choque muito desagradável. Nossas intenções são as melhores, mas de alguma forma estamos sem poder para colocar essas coisas em prática. Nós vemos o bem e o aprovamos em nossas mentes, mas falhamos em fazê-lo. Nós reconhecemos o mal o qual desaprovamos, e ainda assim somos enganados por ele. É um estado de coisas muito angustiante e humilhante” (Paul’s Epistles, vol. 1, pág. 28).

Vemos por isso que desejar fazer as coisas boas ordenadas na Lei não é suficiente para dar poder à pessoa para fazê-las. Seu desejo está correto, mas falta poder. Seu problema é que está tentando com sua própria força guardar a Lei e fazer o que é correto e bom. Isso é visto pelo uso repetido dos pronomes na primeira pessoa – eu, mim, meu, eu mesmo – que ocorrem mais de 40 vezes nesse parêntese! Alguém disse: “Ele teve uma overdose de vitamina Eu”. Seu erro é que está esperando algo de si mesmo para efetuar essa libertação – ou pelo menos ajudá-lo nisso. Essencialmente, ele está tentando fazer isso na sua carne natural, mas não percebe que a carne bem-intencionada ainda é a carne. Ele está tentando realizar algo que Deus declarou ser uma impossibilidade absoluta – a saber, tornar a carne “sujeita à Lei de Deus” (cap. 8:7). Isso nos mostra que uma pessoa pode ter bastante clareza em seu entendimento de que a libertação da pena de nossos pecados não pode ser assegurada por seus próprios esforços, mas de alguma forma pensar que a libertação do poder do pecado interior é algo que pode efetuar por meio de seu próprio esforço. A verdade é que todos os aspectos da salvação de Deus – passados, presentes e futuros – são por Sua graça e somente por isso.

Como mencionado, o problema é que a pessoa retratada aqui está procurando pelo poder de libertação no lugar errado. Ela precisa aprender que o remédio não está em si mesma, mas em outro. É triste dizer que esse erro está no fundo de grande parte da psicologia e aconselhamento Cristãos de hoje. Concentra-se na pessoa e em seu problema, o que não resolve a questão e, em alguns casos a intensifica. Não haverá vitória por meio de introspecção. O que a pessoa precisa é tirar os olhos de si mesma. No entanto, ela não desistirá de si mesma nem deixará de procurar a solução até entender sua verdadeira maldade. Ela precisa entender que não só fez coisas más (pecados), mas que ele mesmo (pecado) é completamente mau. Esta é uma lição importante para se aprender e muitas vezes dolorosa. J. N. Darby disse: “Esta lição de falta de força é muito mais humilhante de se aprender do que admitir o fato de que certos pecados foram cometidos em algum momento passado da minha vida”. H. Smith disse: “O fato de não termos força é, talvez, a verdade mais difícil e mais humilhante de se aprender”. Mas devemos aprendê-la.

Podemos perguntar: “Como uma pessoa descobre sua completa maldade?” A resposta é: “Tentando viver uma vida boa e santa”. Essa é na verdade a razão por que Deus permite que a pessoa, em busca de libertação, passe por esse conflito. No processo, a pessoa é permitida tentar tudo o que for humanamente possível (em sua própria força) para obter a vitória sobre a carne. Ao fazê-lo, descobrirá que não há nada em si que possa fazer isso e só então começará a buscar ajuda em outro lugar. Quanto mais diligentemente ela em sua carne natural fizer o que é certo e bom, melhor será a lição aprendida – pois, mais cedo descobrirá a verdade sobre si mesma e desistirá de olhar para dentro. Em conexão com isto, J. N. Darby disse: “Estude bem estas palavras: ‘a carne para nada aproveita’” (Jo 6:63). Quando tivermos aprendido isso em certo nível, diremos com convicção: “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum” (v. 18) e deixaremos de olhar internamente em busca da solução. Note que ele não diz: “Eu não faço nada de bom”, mas “em mim… não habita bem algum”. Isso, mais uma vez, mostra que não é uma questão do que temos feito (pecados), mas do que somos (pecado). Conhecer este grande fato sobre nós mesmos é um lugar importante para se chegar em nossas almas, porque não pode haver progresso real em santidade até que tenhamos aprendido isso. Esse conhecimento em si não é o que traz a libertação, mas é necessário no processo.

Essa verdade – de que não há bem no homem na carne – é algo que diferencia o Cristianismo de todas as outras religiões do mundo. As religiões do mundo ensinam que há algo de bom em todos os homens. Elas acham que, embora o homem faça coisas más, ele é inerentemente bom. “O evangelho de Deus” (cap. 1:1), por outro lado, anuncia que o homem na carne é tão incuravelmente mau que Deus não tenta consertar ou reabilitar a natureza caída do homem. Em vez disso, Ele começa de novo, comunicando uma nova vida e natureza por meio de um novo nascimento, e depois trabalha isso nos crentes para trazê-los à bênção. De fato, ambas as naturezas (a velha e a nova) não podem ser melhoradas! A velha natureza é tão má que não pode ser melhorada; Deus a condena(cap. 8:3), e a nova natureza que é a própria vida de Cristo, é tão boa e perfeita que também não pode ser melhorada! As falsas religiões do mundo operam na premissa errada de que o homem é inerentemente bom e ensinam que a religião e a prática religiosa são o que o homem na carne precisa – e isso (eles pensam) evidenciará o bem no homem, e como resultado, o mundo será um lugar melhor. No entanto, a Bíblia ensina que não é religião que o homem caído precisa; é uma nova vida com uma nova natureza!

Assim, o homem retratado aqui aprende que não só não há nada de bom nele – que ele é completamente pecador – mas também que ele não tem força para controlar a carne – que ele está completamente perdido.

Todo o problema com o homem descrito neste parêntese é que ele está procurando por algo bom naquilo que Deus condenou como não sendo bom (cap. 8:3). Embora ele tenha mentalmente concordado com a verdade de que não há homem justo sobre a Terra, que faça bem, e nunca peque” (cap. 3:12; Ec 7:20), ele evidentemente não aprendeu que “em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum**”** (v. 18). Isso mostra que _reconhecer_ certas verdades (e até mesmo expressá-las claramente) não é necessariamente o mesmo que _conhecê-las_. A palavra **“sei”** nesse versículo é _“oida”_ no grego, que denota um conhecimento consciente interno, em vez de um mero conhecimento superficial. Por isso, há uma diferença entre entender intelectualmente esta verdade sobre nós mesmos, e conhecê-la por uma percepção prática dela. Um caso em questão é ilustrado em um grupo de estudantes de uma escola bíblica que estava estudando a queda do homem. Quando o professor chegou, disseram-lhe: “Encontramos o pecado original na Bíblia!” Ele respondeu: “Mas vocês o encontraram em seus corações?” Esta é a lição que está sendo aprendida pelo homem neste capítulo.

3) ELE DESCOBRE QUE TEM DUAS NATUREZAS (cap. 7:20-23)

No processo deste conflito, ele faz outra descoberta – que tem duas naturezas conflitantes. Ele diz: “Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim. Acho então esta Lei em mim: que, quando quero fazer o bem, o mal está comigo. Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na Lei de Deus. Mas vejo nos meus membros outra lei que batalha contra a lei do meu entendimento, e me prende debaixo da lei do pecado que está nos meus membros”. Então, identifica dois princípios opostos em ação em sua alma, e ele é capaz de distingui-los claramente: existe o “eu” que se deleita em fazer o bem, e o “eu” que faz o mal. As pessoas chamam isso de dupla personalidade, mas a Bíblia indica que é porque os nascidos de Deus têm duas naturezas. Isso os torna a mais singular das criaturas de Deus. Anjos, homens caídos e todos os animais da criação inferior têm apenas uma natureza, mas os Cristãos têm duas! Uma de suas naturezas é mais inferior do que a de um animal, e a outra é mais superior que a de um anjo!

Como resultado dessa descoberta, o homem então se vê como separado e distanciado desse seu princípio maligno. Ele diz: “Já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim”. Não é que ele esteja se recusando a assumir responsabilidade pela pecaminosidade de sua natureza caída e se desculpando; ele está simplesmente identificando o princípio do mal que nele habita como sendo algo distinto. (Claro, se e quando a velha natureza age, devemos assumir a autoria dos pecados que cometemos e confessá-los como nossos pecados – 1 Jo 1:9). Ao fazer isso, o homem neste conflito chega a um ponto em que não mais chama a velha natureza de “eu”. Em vez disso, ele chama de “o pecado que habita em mim” (v. 20), “o mal está comigo” (V. 21), “vejo nos meus membros outra lei” (v. 23) e “a carne**”** (v. 25). Ao dizer essas coisas, continua a chamar a nova natureza de **“eu”**. Isso indica um progresso em seu entendimento que corresponde ao que Paulo ensinou no capítulo 6 em relação à nossa identificação com a morte de Cristo, nossa Cabeça federal. Em outras palavras, que temos o direito de não mais pensar sob o ponto de vista da posição de nosso velho Adão e na nossa velha natureza carnal, mas de nossa nova posição em Cristo e de nossa nova natureza.

4) ELE DESCOBRE QUE HÁ UMA PESSOA DIVINA FORA DELE QUE PODE LIVRÁ-LO (cap. 7:24-25)

Ao ver a carne como uma entidade separada de si mesmo, mas ainda estando atrelado a ela, temos uma imagem neste homem da nova vida e natureza que aborrece a velha, e desejando se livrar dela. Ele fala da velha natureza e sua corrupção como se tivesse um corpo humano em decomposição preso às costas. A nova vida nesse estado é qualquer coisa, menos feliz. Isso o leva a gritar: “Miserável homem que eu sou!”

Tendo aprendido que não pode haver ajuda vinda de dentro, ele olha para longe de si, para alguém que o livre dessa condição. Ele diz: **“**Quem me livrará do corpo desta morte?” Não é simplesmente que ele procure por libertação, mas procura por um libertador. Isto é importante, pois se simplesmente procurarmos a libertação, poderemos estar inclinados a tentar algum programa de autoajuda, ou procurar algum pensamento “chave” que achamos que nos dará uma vitória instantânea sobre a carne. Muitos crentes sinceros têm estado confusos a esse respeito, e têm buscado libertação da carne pelo ascetismo14, legalismo, etc. Mas notemos que a questão não é: “Como serei livrado?” Mas **“**Quem me livrará?”.

Quando são despedaçadas toda esperança e esforço próprios em busca de uma vida piedosa, e ele olha para “Jesus Cristo nosso Senhor” na fé, ele encontra a libertação. Consequentemente, exulta em agradecimento a Deus; “Dou graças a Deus por Jesus Cristo nosso Senhor”. Isso nos mostra que a libertação não vem de nossas orações, ou pelo nosso conhecimento das Escrituras, ou por tentar nos afastar dos maus pensamentos, repreendendo-nos a nós mesmos, etc., mas simplesmente desviando o olhar de nós mesmos para Cristo e sendo preenchidos por Ele e Seus interesses. No que diz respeito à vitória sobre este inimigo interior (a carne), precisamos entender que tudo o que precisa ser feito já foi feito pelo Senhor Jesus Cristo.

V. 25 – Tendo experimentado a libertação por olhar para Cristo, ele diz: “Assim que eu mesmo com o entendimento sirvo à Lei de Deus, mas com a carne à lei do pecado”. Esta última afirmação no parêntese é mencionada para mostrar que a alma que recebe libertação ainda tem duas naturezas, e terá estes dois princípios conflitantes em si até que o Senhor venha, ou até que morra. Alguns Cristãos (o Movimento de Santidade do Exército da Salvação, o Metodismo, etc.) pensam erroneamente que, ao receber a libertação, a natureza pecaminosa é “reduzida a cinzas” no crente. No entanto, é um erro pensar que a carne é removida de nós quando obtemos a libertação do pecado. Este aspecto da libertação não é da presença do pecado, mas do poder do pecado. Note novamente: ele usa “eu” quando fala da nova natureza, mas se recusa a usá-lo em referência à velha natureza. Ele chama a sua velha natureza de “a carne”, mas não se apossará dela como sendo “eu”.

A velha natureza pecaminosa ainda pode nos atrair, mas temos o poder de não ceder a ela. Podemos ser surdos aos seus comandos, cegos às suas tentações e insensíveis ao seu poder. Uma alegoria foi usada para ilustrar isso: uma tripulação de barco à vela está no mar com seu capitão e, por alguma razão, o capitão perde a cabeça e fica furioso. A tripulação não pode tê-lo como seu capitão naquele estado, pois ele é capaz de tirar o navio do curso e afogá-los a todos. Assim, eles o tiram de seu posto e o trancam em sua cabine, e nomeiam outro capitão. Em seu estado enlouquecido, através da janela de sua cabine, o velho capitão ainda dá ordens para sua tripulação, mas ela não escuta porque não o considera mais como seu capitão, e não se apresenta às suas ordens. Eles se apresentaram de uma vez por todas ao novo capitão.

Quando uma Pessoa Passa por Essa Experiência em Sua História com Deus?

J. N. Darby disse: “Alguns Cristãos constrangem as almas a terem a experiência do capítulo 7, para que a salvação do capítulo 5 seja verdadeira. A salvação pode vir antes. Quando isso acontece e a aceitação em Cristo é vista com simplicidade, toda a vida Cristã subsequente é de graça assegurada, salvo em casos de disciplina específica. Mas a aceitação do capítulo 5 pode ser conhecida espontaneamente primeiro (mas então a justificação e perdão aplica-se ao que fizemos e não em sermos a justiça de Deus em Cristo): mas se assim for, conhecimento próprio e nosso lugar em Cristo devem ser aprendidos depois.” (Collected Writings, vol. 26, pág. 145).

Ele também disse: “Eu não acredito que você saia de Romanos 7 até que esteja dentro dele; perfeccionistas dizem que você pode pular essa parte. O fato é que você não pode estar dentro da justificação e ser liberto do pecado até descobrir que não há esperança para você” (Collected Writings, vol. 34, pág. 407).

Três Conflitos Diferentes de Alma

Embora Romanos 7 não seja uma experiência Cristã, propriamente falando, muitos Cristãos a experimentam de maneira modificada. Muitas vezes eles estão experimentando o conflito mencionado em Gálatas 5:16-17, que é semelhante, e pensam que é a experiência de Romanos 7. Há, no entanto, uma diferença nesses dois conflitos de alma. Romanos 7 descreve um conflito entre as duas naturezas em um filho de Deus lutando uma com a outra. Isso é porque ele não tem a habitação do Espírito. Enquanto em Gálatas 5:16-17, a pessoa é vista como tendo o Espírito, e o conflito é entre a carne e o Espírito. Este conflito resulta de um crente não andar no Espírito, porque está em um mau estado de alma. Ambos os conflitos não é Cristianismo normal.

Efésios 6:10-18 descreve um terceiro conflito de alma que é normal ao Cristianismo. Retrata um crente, não apenas tendo o Espírito, mas também andando no Espírito – assim ele está em bom estado de alma e, portanto, desfrutando de sua porção celestial em Cristo. Sendo este o caso, Satanás e seus emissários estão armados contra ele em um esforço para estragar seu prazer nessas coisas.

OS RESULTADOS FELIZES QUE FLUEM DA APLICAÇÃO DA DOUTRINA DA LIBERTAÇÃO

Capítulo 8:1-17

O Espírito Santo –

O Poder para Libertação e Santificação Prática

A experiência do homem no capítulo anterior terminou com ele regozijando-se em sua libertação do pecado e dando graças a Deus por isso. Embora Paulo nos tenha dito como ele chegou a esse estado feliz – desviando o olhar de si mesmo e colocando-o no “Jesus Cristo nosso Senhor” – ele não explicou por que meio isso foi realizado. Isso é agora retomado no capítulo 8. Neste capítulo, Paulo explica que o poder de libertação vem pelo fato de o crente ter a habitação do Espírito Santo. Assim, ele agora entra em uma dissertação sobre a presença e a obra do Espírito Santo em um Cristão.

Imediatamente após entrar no capítulo, o leitor notará que os pronomes pessoais – “eu”, “me”, “meu”, “eu mesmo” – frequentemente usados no conflito descrito no capítulo 7, quase desaparecem. Isto é instrutivo e nos diz que a verdade no capítulo 8 é apresentada a partir da perspectiva de ter sido aprendida a lição do capítulo 7 – a saber, que o “eu” não é mais confiável como poder de se viver uma vida santa. Assim, o conflito com a carne é visto como encerrado neste capítulo. Há outra coisa que não podemos deixar de notar; o Espírito de Deus, que não é mencionado no capítulo 7, é mencionado muitas vezes aqui. Paulo usa várias expressões diferentes relacionadas ao Espírito para indicar vários aspectos da obra do Espírito em um crente.

A mais significativa dessas mudanças que percebemos, quando passamos do sétimo capítulo para o oitavo, é que o homem em conflito no capítulo 7 (embora tenha uma nova vida) não tem nem poder para viver essa vida, nem um objeto para seu coração. Mas no capítulo 8, temos ambos – Cristo no alto sendo o Objeto do crente e o Espírito Santo sendo o poder do crente. Essas duas coisas caracterizam o Cristianismo – um Homem glorificado (Cristo) no céu e o Espírito de Deus habitando na Terra nos crentes (Jo 7:39).

O Que Caracteriza a Posição e o Estado Normal do Cristão

O capítulo 8, portanto, esboça os traços característicos da posição e do estado do Cristão, resultantes de ele ser habitado pelo Espírito Santo e energizado por Seu poder. O crente é visto diante de Deus “em Cristo” fora da condenação, possuindo uma libertação presente do poder do pecado, e aguardando em esperança por um futuro e final livramento da presença do pecado, quando o Senhor vier e o glorificar e o levar para o céu. Assim, neste capítulo, temos uma tríplice libertação do Cristão:

- Uma libertação passada – que tem a ver com ser libertado da condenação em uma eternidade perdida (v. 1). - Uma libertação presente – que tem a ver com ser libertado da lei do pecado e da morte, o princípio do mal na carne que impede o crente de viver uma vida santa (vs. 2-17). - Uma libertação futura – que tem a ver com a natureza pecaminosa sendo erradicada do crente e seu corpo sendo glorificado no Arrebatamento (vs. 18-30).

O capítulo começa sem condenação e termina sem separação de Deus e do Seu amor. Ele vê o crente na Terra, e assim, o vê passando por dois tipos de provações – uma que decorre de ser parte da criação que geme (vs. 20-30), e outra que decorre de ser uma testemunha fiel de Cristo (vs. 31-39). Enquanto o crente aguarda em esperança pela sua libertação futura, ele é visto sob o apoio de dois intercessores divinos: Cristo no céu (v. 34) e o Espírito Santo na Terra (v. 26).

Nos versículos 1-11, Paulo delineia uma série de coisas novas que marcam a plena posição e condição Cristãs, que resultam de ele ser habitado pelo Espírito Santo. Vemos imediatamente que tudo mudou em relação ao que descrevera no capítulo 7, no que diz respeito ao estado da pessoa.

UMA NOVA POSIÇÃO DIANTE DE DEUS EM CRISTO (cap. 8:1)

A primeira coisa que marca o Cristianismo normal é que os crentes no Senhor Jesus Cristo conhecem sua aceitação diante de Deus em Cristo. Paulo indica isso em sua declaração inicial: “Portanto agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus”. O grande ponto que Paulo enfatiza aqui é que, resultante de ser justificado, o crente é colocado em uma nova posição diante de Deus, onde não é possível que entre em condenação. Ele está no mesmo lugar de aceitação em que o próprio Cristo está! Este é o significado de estar “em Cristo” – é estar no lugar de Cristo diante de Deus. Essa certeza pertence ao crente como resultado de descansar em fé na obra consumada de Cristo, e de crer no que a Palavra de Deus diz sobre isso. O versículo 1 é essencialmente a conclusão da verdade que Paulo ensinou nos capítulos 1-5:11.

Note que Paulo não diz (como alguns supõem): “Agora não há mais condenação para os que estão em Cristo Jesus”. Isto implicaria em que os crentes estavam condenados antes da sua conversão, mas escaparam por virem a Cristo em fé para salvação. No entanto, isso não está correto. Como mencionado em nossos comentários no capítulo 5:16, os incrédulos estão atualmente sob julgamento, mas não estão sob condenação – pelo menos não ainda. A condenação é algo final e irrevogável, para onde os pecadores neste mundo estão indo, e onde permanecerão (em uma eternidade perdida), se não forem salvos.

Paulo diz que temos essa certeza de nunca entrar em condenação “agora” enquanto estamos aqui na Terra. Esta é uma das principais razões pelas quais o Espírito foi enviado a este mundo; é para dar ao crente saber com certeza seu lugar de aceitação diante de Deus (Jo 14:20; Ef 1:13, 4:30). Isto é Cristianismo normal.

As últimas dez palavras do versículo 1 (na KJV [também na ARC]) não estão na maioria dos manuscritos gregos, e não deveriam estar no texto. Se essas palavras estivessem no texto, então tornaria a justificação e aceitação do crente em Cristo, em algo que resultaria do seu caminhar de acordo com o Espírito. Isso não poderia estar certo, porque então a nossa salvação seria uma consequência das nossas obras! Isso é contrário a tudo o que Paulo ensinou nos capítulos 3 a 5, onde mostra que nossa salvação não é por obras, mas somente pela graça. Esta frase (as dez últimas palavras do versículo 1) pertence realmente ao versículo 4 onde lá é repetida.

J. N. Darby observa que a linha da verdade que o apóstolo desenvolve em Romanos não chega a apresentar o que é positivamente nosso “em Cristo”; ela dá apenas seu lado negativo. É dito que não há “nenhuma condenação” para aqueles que estão em Cristo Jesus. Enquanto em Efésios, Paulo apresenta a verdade mais elevada, declarando o que temos positivamente “em Cristo”, sendo abençoados “com todas as bênçãos espirituais” n’Ele (Ef 1:3).

UMA NOVA LEI (PRINCÍPIO) QUE GOVERNA NOSSO ANDAR (cap. 8:2-4)

A segunda coisa que marca o Cristianismo normal é que os crentes têm em si uma nova lei (princípio), pela habitação do Espírito, que capacita suas vidas e lhes permite que vivam acima das propensões da carne. Paulo diz: “Porque a lei do espírito de vida, em Cristo Jesus, me livrou da lei do pecado e da morte”. Os versículos 2-4 resumem o que Paulo ensinou nos capítulos 5:12–7:25 – ou seja, libertação do poder do pecado. Por isso, no versículo 1, temos aceitação e no versículo 2, libertação. O fato de que a aceitação é mencionada antes, mostra que primeiro precisamos estar descansado na obra consumada de Cristo e conhecer nossa posição diante de Deus em Cristo (no momento em que o Espírito Santo é recebido – Ef 1:13), antes que possamos ter o poder prático de libertação em nossas vidas pelo Espírito.

É importante entender que a nova vida é dependente e precisa do poder do Espírito Santo para ser vivida de acordo com a vontade de Deus. Tendo recebido o Espírito, há agora um novo poder controlador no Cristão que é maior que aquele na natureza pecaminosa. Ele transcende a influência maligna da carne e capacita o crente a viver uma vida santa que a nova vida deseja.

A lei científica da gravidade ilustra isso. Como sabemos todo objeto está sendo puxado para baixo em direção ao centro da Terra pela força invisível da gravidade. É universal; isso acontece em toda a Terra. Se pegássemos um objeto sólido em nossas mãos – um livro, para nossa ilustração – e o segurássemos a certa altura do chão, e então o soltássemos, o livro cairia no chão. Independentemente de quantas vezes fizéssemos isso, ele sempre cairia no chão. Isto é como a nossa natureza pecaminosa; ela quer ir a uma direção – moral e espiritualmente para baixo, em direção ao pecado. Esse princípio do mal em nós é chamado de “lei do pecado e da morte”. É um princípio universal presente em todo ser humano, e seu fim é sempre a morte.

Levando nossa ilustração um pouco mais adiante, suponhamos que quiséssemos mudar as coisas para que, quando soltássemos o livro, ele não caísse no chão pela força da gravidade. Então, para conseguir isso, prendemos ao livro alguns balões cheios de gás hélio, que é mais leve que o ar. E, se tivéssemos balões o suficiente, de modo que a força de ascensão deles fosse maior que o peso do livro, quando soltássemos o livro, ele não cairia, mas subiria no ar. Todos entendemos o porquê; o princípio da gravidade não foi afastado ou desativado, mas um princípio mais poderoso e predominante foi aplicado sobre o livro.

Isso ilustra o que Deus fez com o crente ao dar-lhe o Espírito Santo. Como sabemos nossa natureza caída não foi tirada quando fomos salvos. Não estaremos livres deste inimigo até que o Senhor venha. Deus achou por bem deixar-nos aqui neste mundo com a natureza caída ainda em nós (e o estado de nossos corações é constantemente testado por ela), mas Ele fez provisão total para que vivamos acima do poder dessa coisa má, por meio de outra lei trabalhando em nós, que Paulo chama, “a lei do espírito de vida, em Cristo Jesus”.

Os versículos 3-4 indicam que, ao assegurar um meio para o crente viver uma vida santa, livre do poder do pecado, Deus não intentou fazê-lo por meio da reabilitação da carne. Este não é o caminho de santidade de Deus. O Cristianismo não é um melhoramento da carne. Desde a queda do homem até a cruz de Cristo, Deus manteve o homem na carne em provação. Isso foi por cerca de quatro mil anos, ou quarenta séculos. (Quarenta, nas Escrituras, significa provação.) Durante esse período, a carne foi testada no homem em todos os sentidos, e provou ser inútil. A provação chegou ao fim na cruz, onde Deus julgou toda a ordem de coisas que é segundo à carne (cap. 6:6). Assim, Deus “condenou o pecado na carne” e deixou-a de lado como inútil. Foi condenada porque – como alguém disse – “O que não pode ser consertado deve ser dado fim!” Assim, Deus não está mais buscando fruto do homem na carne, e a libertação do poder do pecado certamente não virá da carne, mas por meio do que Deus realizou na graça por Cristo.

Não obstante, muitos Cristãos pensam erroneamente que quando uma pessoa nasce de novo, Deus realiza um milagre nela, pelo qual sua natureza humana é renovada ou refeita. Eles erroneamente chamam isso de regeneração (Tt 3:5). Já que a palavra “regenerar” significa reiniciar algo, imaginam que o novo nascimento é uma regeneração da velha natureza, infundindo nova vida nela. Com base nessa crença equivocada, a maioria dos teólogos reformados e muitos pregadores evangélicos ensinam que os Cristãos não têm duas naturezas, mas sim uma “natureza regenerada!” No entanto, isso faz com que a regeneração e o novo nascimento sejam nada mais do que uma reabilitação da carne. A verdade é que a carne não pode ser melhorada. As Escrituras dizem que “pois não é sujeita à Lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser**”**. (Rm 8:7). O Senhor ensinou isso a Nicodemos. Ele disse: **“O que é nascido da carne é carne”** (Jo 3:6). Isto é, o que quer que os homens possam fazer para melhorar o homem na carne – seja para incutir influência da cultura, educação, religião, ou privar de comida, ou açoitar, etc. – o resultado final é que ainda nada mais é do que carne pecaminosa. Portanto, a única coisa a fazer com a carne é condená-la e colocá-la de lado, e é exatamente isso que Deus fez.

O ponto nos versículos 3-4 é que a graça teve êxito em fazer o que “o que era impossível à Lei (Mosaica) – isto é, dar ao homem (o crente) o poder de andar em santidade. Paulo diz que a Lei estava “enferma [fraca – JND] pela carne”. Isso não quer dizer que há algo errado com a Lei, mas que ela não poderia produzir nada de bom a partir da carne porque o material (a natureza pecaminosa) era completamente mau. Note que diz que Deus condenou o pecado na carne; Ele não condenou a Lei. Não há nada de errado com a Lei; o problema é com a carne.

O versículo 4 mostra que por meio do que Deus realizou em graça, o crente é agora capaz de cumprir “os justos requisitos da Lei” (JND), sem estar formalmente sob a Lei (Tradução W. Kelly). Isso significa que o Cristão faz as coisas justas descritas na Lei, não porque tenha algum compromisso legal com a Lei, mas porque, em sua ocupação normal com Cristo, o Espírito de Deus produz santidade nele.

UMA NOVA ESFERA DE VIDA EM QUE VIVEMEMOS PARA DEUS (cap. 8:5-7)

A terceira coisa que Paulo menciona que marca o Cristianismo normal é que os crentes têm uma nova esfera de vida para viver, onde o Espírito de Deus ministra as coisas de Cristo para as suas almas, ao habitarem em comunhão com Deus (Jo 16:13-15). Nós somos realmente gratos que Deus proveu tal elemento para nele vivermos, ao qual nossa nova natureza está perfeitamente adequada. Se Ele não tivesse feito isso, Cristãos seriam como “peixes fora d'água”.

V. 5 – Paulo menciona duas classes de homens: **“**os que são segundo [conforme] a carne” e **“**os que são segundo [conforme] o espírito”. Isso, é claro, seriam incrédulos e crentes. Essas duas classes de pessoas vivem em duas esferas diferentes de vida, onde buscam dois objetos de interesse diferentes. Paulo define esses diferentes interesses como: “as coisas da carne” e “as coisas do Espírito”. F. B. Hole disse: “O apóstolo [Paulo] está falando abstratamente. Ele está vendo toda a posição de acordo com a natureza interior das coisas, e não de indivíduos em particular, ou suas várias experiências” (Paul’s Epistles, vol. 1, pag. 1). As coisas da carne seriam coisas e atividades terrenas, naturais e mundanas que o homem, segundo a carne, procura e nem precisam ser enumeradas aqui. As coisas do Espírito, como mencionado em nossos comentários no capítulo 6, são coisas espirituais que têm a ver com os interesses de Cristo. São coisas como: ler as Escrituras, orar, participar de reuniões Cristãs para adoração e ministério, cantar hinos e cânticos espirituais, ler literatura Cristã, ouvir ministério Cristão gravado, ensinar a verdade, compartilhar o evangelho, meditar nas coisas espirituais ao ocupar-nos de nossas responsabilidades diárias, servindo ao Senhor com boas obras, visitando, etc.

O “corvo” e a “pomba” que foram soltos da arca de Noé ilustram o apetite das duas naturezas em um crente (Gn 8:6-12). O corvo, quando solto, não retornou à arca, mas se banqueteava com a carniça. Da mesma forma, a carne encontra seus objetos de interesse no mundo, que Deus julgou na cruz, e ela está bem à vontade nele. A pomba, quando solta, retornou à arca, pois não tinha apetite por aquelas coisas. Da mesma forma, a nova natureza, que encontra seu interesse em coisas divinas, não tem apetite pela morte moral e espiritual que marca as coisas deste mundo.

Vs. 6-7 – Paulo então nos mostra para aonde leva a ocupação com as coisas em cada uma dessas esferas – uma é para a “morte” e a outra é para a “vida e paz”. É desnecessário dizer que esses são finais muito diferentes. Paulo então explica por que o homem na carne nunca andará em santidade. Ele diz: “Porquanto a inclinação da carne é inimizade contra Deus”. A carne odeia a Deus e é incapaz de estar “sujeita à Lei de Deus”, mesmo se quisesse ser! Assim, nunca viverá “segundo o Espírito”.

UM NOVO ESTADO EM QUE CRISTO É FORMADO EM NÓS (cap. 8:8-10)

Paulo também fala de dois estados diferentes em que os homens estão, enquanto vivem e se movem nessas esferas. O primeiro estado ele denomina como: “na carne”. Ele diz: “Portanto, os que estão na carne não podem agradar a Deus. Vós, porém, não estais na carne”. Ao afirmar isso, ele deixa claro que, enquanto homens não salvos do mundo (“os que” [eles]) estão na carne, os crentes (“vós”) não estão. Tenhamos em mente que ele está falando do que é característico de incrédulos e de crentes. Ele não está levando em consideração que os crentes podem às vezes viver em um estado que é anormal ao Cristianismo. Às vezes os Cristãos podem agir na carne (de uma forma carnal), mas o que é característico deles é que não estão “na carne”. Assim, os Cristãos têm a carne neles, mas eles não estão na carne! Isso pode soar confuso, mas essas são duas coisas diferentes. Uma está se referindo à natureza pecaminosa que reside no crente (e será assim até que o Senhor venha, ou até que o crente morra), e a outra está falando de um estado ou condição carnal, a qual Paulo diz enfaticamente que o crente não está vivendo (caracteristicamente).

Continuando para completar seu pensamento, Paulo diz que os crentes estão “no Espírito” – que é o outro estado contrastante. Ele qualifica isto acrescentando, “se é que o Espírito de Deus habita em vós”, simplesmente porque não é possível viver no Espírito se a pessoa não tem o Espírito habitando nela. Assim, Paulo mostra que existe algo como o Espírito estando no crente, assim como o crente estando no Espírito. Mais uma vez, estas são duas coisas diferentes. O Espírito habitando no Cristão está ligado à nossa nova posição diante de Deus em Cristo. Todos os Cristãos têm essa habitação (Ef 1:13). Em relação a isto, Paulo diz: “se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é d’Ele”. Isso não significa que se alguém não tem o Espírito habitando nele, está perdido. Ele está simplesmente afirmando que sem o Espírito Santo habitando, o nascido de Deus não está na posição Cristã plena, da qual Paulo está dando um esboço neste capítulo. O homem em conflito no capítulo 7 seria um exemplo de alguém nesse estado anormal. Ele é nascido de Deus e, portanto, não está perdido; mas ele não tem o Espírito e, portanto, não está na posição Cristã plena. Note que Paulo não diz: “Ele não pertence a Cristo”, como algumas traduções afirmam erroneamente, pois todas as almas (salvas e perdidas) pertencem a Cristo, porque Ele as comprou na cruz (Mt 13:44 – “o campo”; Hb 2:9 – “por todos”). Esse não é o ponto que Paulo está tocando aqui. Ele está dizendo que tal pessoa, com quem Deus começou a obra do novo nascimento, não é “de” Cristo na nova ordem da criação, até que receba o Espírito Santo (Gl 3:29; Hb 2:11).

“No Espírito” refere-se a um novo estado ou condição espiritual que existe nos Cristãos, no qual o Espírito forma neles as características morais de Cristo. Paulo usa a expressão “o Espírito de Cristo” quando se refere a essa obra especial do Espírito. Assim, sendo possuídos pelo Espírito de Cristo, os Cristãos se tornam como Cristo, em seu andar e em seus caminhos. Esse poder formador do Espírito opera em nós quando nossos corações estão ocupados com Cristo e Suas coisas (2 Co 3:18), mas Paulo não está falando aqui de como isso é realizado. Ele está simplesmente afirmando que essa obra do Espírito nos crentes é uma característica do Cristianismo normal.

V. 10 – Então, resultante desta obra, Paulo diz: “E, se Cristo está em vós**, o corpo, na verdade, está morto por causa do pecado, mas o espírito vive por causa da justiça”**. Aqui, ele usa a palavra **“se”** de forma diferente da que usou no versículo anterior. No versículo 9, é um _se_ de condição; aqui é um _se_ de argumento. “Se”, usado condicionalmente, tem a ver com a questão de saber se algo é assim ou não. Ao passo que, quando “se” é usado na construção de um argumento, ele poderia ser substituído por “já que”. O ponto de Paulo aqui é que já que o Espírito de Cristo tem Sua legítima influência no crente, e o caráter de Cristo é formado nele pelo Espírito, ele não é mais governado por seus apetites carnais e concupiscência. O corpo do crente é considerado **“morto”** quando o Espírito lhe ministra o que é realmente **“vida”**, energizando-o para viver em **“justiça”** prática. Ele nos faz viver no bem da vida ressurreta em comunhão com Deus, e quando atua nessa qualidade, Ele é chamado de **“o Espírito vida”** – JND. Lembremo-nos de que Paulo está falando do que caracteriza o estado Cristão normal, e não do que certos crentes podem experimentar em suas vidas quando seu estado deixa a desejar.

UMA NOVA EXPECTATIVA DE SER GLORIFICADO (cap. 8:11)

Paulo prossegue para um ponto final que marca a vida Cristã normal. Ele diz que, uma vez que temos “o Espírito daqu’Ele que ressuscitou a Jesus” habitando em nós, Sua presença é um penhor do que nos está por vir (2 Co 5:5). O mesmo poder, que “dos mortos ressuscitou a Jesus” há muito tempo, “vivificará” nossos “corpos mortais”. Nossos corpos serão transformados para uma condição glorificada (1 Co 15:51-56; Fp 3:21). Este poder vivificador erradicará a carne de nossos seres de uma vez por todas! Note que ele não diz que nossos corpos serão ressuscitados dentre os mortos, porque a esperança Cristã normal é estar vivo na Terra quando o Senhor vier. É claro que, se morrermos antes que o Senhor venha, nossos corpos serão ressuscitados em um estado glorificado naquele momento.

Um Resumo do Estado Cristão Normal

Assim, nos primeiros onze versículos de Romanos 8, vemos o crente colocado em uma nova posição (“em Cristo”), com um novo poder (“a lei do espírito de vida”), em uma nova esfera de vida que tem uma nova série de objetivos (“as coisas do Espírito”), com as quais são formadas nele características semelhantes a Cristo (“Cristo está em vós”). Além disso, o crente é visto com uma esperança diante de sua alma, de ter seu corpo glorificado (“vivificado”) como o corpo de glória de Cristo, para que ele seja capaz de viver e reinar com Cristo no céu. Isto é o que é um Cristão!

Os Resultados Práticos que Fluem de Andar no Espírito

Cap. 8:12-17 – Tendo apresentado a posição e condição dos crentes no Cristianismo normal, Paulo continua falando do lado prático dessas coisas, trazendo nossa responsabilidade.

Cap. 8:12 – Ele nos diz que, em vista do que Deus fez por nós por meio da morte e ressurreição de Cristo, o crente não tem obrigação alguma para com a carne para viver segundo a carne. Ele diz: “De maneira que, irmãos, somos devedores, não à carne para viver segundo [conforme] a carne”. Isso, como Paulo já explicou, é porque Cristo, nossa Cabeça federal, agiu por nós ao separar-Se Ele mesmo de todo o sistema do pecado por meio da morte, e nós (sendo parte de Sua nova raça de criação) temos o direito de nos considerarmos mortos com Ele (cap. 6:10). Mas, mais do que isso, temos o poder para viver acima da má inclinação da carne por nos ter sido dada “a lei do espírito de vida, em Cristo Jesus” em nós (cap. 8:2). Portanto, não podemos ser justos ao dizer que não conseguimos deixar de viver segundo as concupiscências da carne, porque toda provisão foi feita para que vivêssemos livres dela.

Cap. 8:13 – Paulo então nos adverte do desastre que resultará em nossas vidas se escolhermos viver na esfera da carne. Ele diz: “Porque, se viverdes segundo [conforme] a carne, morrereis”. O aspecto da morte aqui é uma separação moral e espiritual de uma vida de comunhão com Deus (1 Tm 5:6). (Não poderia significar que o crente perde sua salvação, porque isso é uma impossibilidade – Jo 10:28-29, etc.). Assim, Paulo está dizendo que haverá um fracasso total em nossas vidas Cristãs. O crente que escolhe viver “segundo a carne” não somente terá rompido seu cinto de segurança da comunhão com Deus, mas também incorrerá em juízos disciplinares (governamentais) de Deus, o Pai (1 Pe 1:16-17, 3:10-12, 4:17-18). Estes são enviados para corrigir a atitude errada do crente para com o pecado (Hb 12:5-11).

Paulo então diz: “mas, se pelo Espírito mortificardes as obras do corpo, vivereis” – (TB). Isso mostra que o poder de restringir a carne vem do Espírito Santo, e que esse poder só estará ativo em nossas vidas, se vivemos na esfera correta de vida. Portanto, para vivermos vitoriosamente acima da carne, devemos viver na nova esfera de vida (não apenas visitá-la ocasionalmente) onde Cristo vive para Deus e estar ocupados com “as coisas do Espírito” que ali estão. Quando vivemos nesta esfera, o Espírito Santo estará livre para tomar as coisas de Cristo e mostrá-las para nós (Jo 16:13-15), e Ele também trabalhará para manter a carne controlada, como mencionado no versículo 2. Só então poderemos “mortificar as obras do corpo” pelo Seu poder. Este é o princípio do deslocamento que Paulo mencionou no capítulo 6. É essencialmente a mesma coisa que ele disse aos gálatas: “Andai em Espírito, e não cumprireis a concupiscência da carne” (Gl 5:16). Isso é Cristianismo normal.

Olhando para nossas vidas, podemos dizer: “Não é exatamente assim comigo. Não posso dizer que tenho conhecido a vitória sobre a carne na proporção em que Paulo descreve”. Podemos nos perguntar por que isso acontece, já que sabemos que somos salvos e, portanto, temos o Espírito habitando em nós. No entanto, uma coisa é ter o Espírito de Deus presente em nós como o poder para a libertação, e outra coisa é tê-Lo ali realmente trabalhando por nós em uma libertação diária contínua. Isso mostra que, para que o Cristão tenha o poder do Espírito em sua vida, o Espírito não deve apenas ser residente, mas também deve ser presidente. Isso equivale ao que a Bíblia se refere quando diz que devemos nos “encher do Espírito” (Ef 5:18).

O caso com muitos de nós é que o poder do Espírito é extinto porque não estamos ocupados com “as coisas do Espírito” (os interesses de Cristo). O Espírito de Deus deseja trabalhar por meio de nós, mas muitas vezes Ele é impedido em vários níveis, dependendo de um Cristão para outro. Isso nos lembra do que o servo de Abraão (que é um tipo do Espírito Santo) disse à mãe e ao irmão de Rebeca – “não me detenhais” (Gn 24:56). É triste dizer que muitas vezes impedimos a obra do Espírito “extinguindo” e “entristecendo” a Ele. Simplificando: extinguir o Espírito é não fazer algo que o Espírito está nos conduzindo a fazer (1 Ts 5:19), e entristecer o Espírito é fazer algo que Ele não nos levou a fazer (Ef 4:30).

Nosso problema é que queremos nos cercar das coisas terrenas, naturais e mundanas, e segui-las, e esperar ter o benefício da libertação prática, do poder do pecado, que o Espírito dá. Mas não podemos viver na sombra e aproveitar o Sol ao mesmo tempo. Se mimarmos a carne, vamos obstruir o Espírito! Alguém pode ler isso e dizer: “Ah, agora entendo; o que eu preciso é mais do Espírito em minha vida!” Mas isso não é o que Paulo está ensinando aqui. Nós não precisamos de mais do Espírito, porque Deus não dá o Espírito em medidas (Jo 3:34). Na verdade, é o contrário – o Espírito precisa ter mais de nós! Mas se tivermos nossas vidas cheias dessas coisas estranhas, sobrará pouco espaço na prática para o Espírito trabalhar. Isso nos lembra novamente do servo de Abraão. Ele disse a Rebeca: “há também em casa de teu pai lugar para nós pousarmos?” (Gn 24:23) Podemos ver a partir disso que a vida Cristã prática realmente só é efetiva quando vivemos vidas consagradas. Consagração significa “encher as mãos” ou “ambas as mãos cheias” (Êx 29:22-24). Em nosso caso, é ter nossas vidas cheias de Cristo e dos Seus interesses (cap. 12:6-8). Se fizermos isso, não nos faltará o poder do Espírito.

Assim, dizendo “se” neste versículo (13), Paulo mostra que o encargo está agora com o crente. Deus quer que sejamos responsavelmente exercitados quanto a termos uma vitória prática sobre a carne. Temos que fazer uma escolha consciente para viver na esfera correta de vida. Isso realmente se resume a uma questão de nossas vontades – em que esfera eu quero viver e com o que eu quero estar ocupado? F. B. Hole disse: “É possível negligenciarmos as coisas do Espírito, para nos importar com as coisas da carne. E, na medida em que o fazemos, entramos em contato com a morte ao invés de com a vida e a paz. Mas não nos enganemos sobre isso; se formos para as coisas da carne, não estaremos buscando coisas que são propriamente características do Cristão, mas sim o que é totalmente anormal e impróprio”.

Notemos também que Paulo não diz: “Mortificar o corpo”. Isso seria ascetismo. Foi o que os monges fizeram ao se flagelarem, dormindo em camas de pregos, etc., em sua tentativa de conter e controlar a carne – mas não funcionou. Toda essa atividade não é o caminho de Deus para a santificação prática. Paulo diz: “mortificardes as obras do corpo”. Não são nossos corpos que devem ser mortificados, mas as “obras” – as coisas pecaminosas que podemos estar inclinados a fazer.

Conduzido pelo Espírito

Cap. 8:14 – Paulo mostra que a vida Cristã normal de andar “segundo o Espírito” resulta em ser “guiado pelo Espírito”. Esta condução do Espírito é evidenciada de várias maneiras – em adoração, em serviço, em questões práticas de vida, etc. É triste dizer, mas os Cristãos nem sempre estão em comunhão com o Senhor, e assim, às vezes não serão guiados pelo Espírito, mas isso é uma anomalia.

Filhos de Deus

Cap. 8:15 – Uma das coisas à qual o Espírito de Deus particularmente deseja nos conduzir é o gozo de nossos privilégios como “filhos de Deus”. Paulo diz que não recebemos “o espírito de escravidão” para temer – como pode sentir-se um escravo sob o domínio de seu senhor – mas, ao contrário, recebemos “o Espírito de adoção”, que nos dá a liberdade de “filiação” (nota de margem na Bíblia JND). Assim, temos confiança e liberdade na presença de Deus para nos dirigir a Ele como “Aba, Pai”, que é um privilégio que só o Senhor tinha! (Mc 14:36). Nenhum anjo ou santo do Velho Testamento jamais teve conhecimento dessa liberdade. “Aba” sugere intimidade sem familiaridade, e “Pai” indica inteligência de comunhão.

quatro passagens principais nas Escrituras onde a filiação dos crentes é mencionada, cada uma enfatizando um aspecto diferente de sua bem-aventurança. Essas são:

- Uma posição privilegiada (Gl 4:1-7). Como filhos de Deus, os Cristãos foram colocados em um lugar de favor na família de Deus, o qual todas as outras pessoas abençoadas na família não têm; é o mesmo lugar em que está o próprio Filho, diante de Deus! Por isso, eles são chamados de “Igreja dos primogênitos” (Hb 12:23). - Liberdade especial (Rm 8:14-15). Como filhos de Deus, os Cristãos têm livre acesso à presença de Deus, pelo qual se dirigem a Ele como seu Pai; e fazem isso com uma intimidade que nenhuma outra criatura abençoada jamais conheceu, clamando: “Aba, Pai”. - Bênçãos e discernimento superiores (Ef 1:3-10). Como filhos de Deus, os Cristãos receberam bênçãos especiais e inteligência, no propósito de Deus, que até hoje fora mantido em segredo no “Mistério” (Ef 3:4-5, 9). - Dignidade. Como filhos de Deus, eles são identificados com Cristo como Seus “irmãos” na raça da nova criação de homens – Cristo sendo a Cabeça da raça como o “Primogênito” (Hb 2:10-13; Ap 3:14; Rm 8:29; Cl 1:18).

Enquanto os santos do Velho Testamento são abençoados por Deus e fazem parte de Sua família como Suas crianças, eles não estão na posição de filhos. Estas coisas relacionadas com a adoção pertencem apenas àqueles que estão neste lugar favorecido de filhos. Nem os anjos têm esse lugar grandioso! É a maior bênção concedida, que uma criatura poderia ter em relação ao Pai.

Crianças de Deus

Cap. 8:16 – O “testemunho” do Espírito também trabalha para nos tornar conscientes de nosso relacionamento com Deus como “as crianças de Deus”. Assim, somos tanto filhos como crianças. Não se trata de alguns bons sentimentos que temos em nossos corações, mas a certeza de que somos Suas crianças porque estamos em comunhão com Ele

Herdeiros de Deus

Cap. 8:17 – Visto que o Espírito testifica que somos nascidos de Deus, sabemos, portanto, que somos também “herdeiros de Deus”. Isso coloca em vista a herança, pois um herdeiro é aquele que tem a expectativa de uma herança (Ef 1:11). A herança do Cristão é tudo o que foi criado. Que vasta é esta herança! Paulo acrescenta que somos “co-herdeiros com Cristo” (ARA) sobre a herança. Nós vamos reinar com Ele sobre tudo isso no dia de Sua manifestação pública, que começará na Sua Aparição (Ef 1:14, 18).

Sofrendo com e por Cristo

Nesse meio tempo, enquanto esperamos que o Senhor venha, “com Ele padecemos”. Esse é um aspecto do sofrimento que é resultado direto de se ter o Espírito de Cristo (v. 9). Como mencionado anteriormente, essa função especial do Espírito forma Cristo em nós. E, uma das características semelhantes a Cristo que está sendo formada em nós é a dos sentimentos de Cristo. Ao Cristo olhar para a cena do pecado e seus efeitos, Ele sofre de compaixão por Suas criaturas, que sofrem sob a escravidão da corrupção (vs. 20-23). Como filhos de Deus e crianças de Deus, fomos feitos vasos das compaixões de Deus. Tendo um vínculo em nossos corpos com a criação que sofre e tendo o Espírito de Cristo em nós, em nossa pequena medida, sofremos “com” Cristo compassivamente.

Este aspecto do sofrimento não é o mesmo que sofrer “por” Cristo (Fp 1:29; At 5:41, 9:16, etc.). Sofrer por Cristo tem a ver com suportar a reprovação e perseguição por causa do testemunho do evangelho. Podemos evitar esse tipo de sofrimento recusando-nos a confessar Cristo diante dos homens. Há um exemplo deste tipo de sofrimento na história de Davi e Jônatas. Davi é um tipo de Cristo e Jônatas é um tipo do crente. Quando Jônatas se identificou publicamente com Davi, Saul e os que o seguiam se enfureceram, e Saul atirou uma lança contra Jônatas – seu próprio filho! (1 Sm 20:30-34; 2 Tm 3:12) Portanto, sofrer por Cristo é uma coisa eletiva, ao passo que o sofrimento com Cristo não é.

Paulo nos conforta com o fato de que podemos ter certeza que nosso sofrimento terminará um dia quando “com Ele seremos glorificados”. Como mencionado em nossos comentários no versículo 11, a glorificação envolve não apenas uma mudança em nossos corpos, mas também inclui a erradicação de nossas naturezas pecaminosas. Isso mostra que há algo como o Cristão alcançar a perfeição sem pecado, mas isso não ocorrerá até que o Senhor venha (o Arrebatamento).

LIBERTAÇÃO DA PRESENÇA **DO PECADO

Capítulo 8:18–39**

Até agora, na epístola, Paulo mostrou que os crentes no Senhor Jesus Cristo têm uma libertação passada da pena de seus pecados e também uma libertação presente do poder do pecado. Ele agora mostra que a plenitude da salvação de Deus para o crente também inclui uma libertação futura da própria presença do pecado em nós. Isso tem a ver com a erradicação da natureza pecaminosa do crente por ser glorificado como Cristo. Paulo referiu-se a isso no versículo 17. Esse aspecto final de libertação, que será nosso na vinda do Senhor (o Arrebatamento), é tão imenso que seus efeitos alcançarão até mesmo a própria criação – mas isso não acontecerá até a Aparição de Cristo, sete anos após o Arrebatamento. Naquele momento, homens, animais e plantas serão libertados “da servidão da corrupção”(v. 21).

Desde a queda do homem (Gn 3), toda a criação tem sido marcada pela doença do pecado, e os efeitos dela podem ser vistos em toda parte. Tudo está sofrendo pelo que o pecado trouxe ao mundo – doença, fome, tristeza, violência, morte, etc. Deus prometeu não deixar a criação neste estado indefinidamente e intervirá para reverter os efeitos do pecado na Aparição de Cristo. Embora toda a criação vá experimentar os benefícios dessa libertação, não será no mesmo nível em que os Cristãos o experimentarão. Paulo mostra nesta passagem que as almas dos crentes vão livrar-se da natureza pecaminosa e seus corpos serão glorificados! Estas são coisas que os homens na Terra e a criação inferior não experimentarão no Milênio.

O Apoio de Dois Intercessores Divinos

Enquanto o crente aguarda em esperança por esta libertação futura, ele é visto sob todo o apoio e força de dois intercessores divinos: o Espírito de Deus aqui embaixo (v. 26), e Cristo no alto (v. 34). Além disso, como o crente ainda está na Terra, ele é visto enfrentando provações vindas de duas direções: em primeiro lugar, vem de ele estar na criação que geme (vs. 20-30), e depois, vem da oposição ao testemunho do evangelho (vs. 31-39).

Paulo menciona este aspecto final da libertação da seguinte forma:

- A libertação que será trazida aos crentes e à criação inferior (cap. 8:18-23). - O conforto e encorajamento do crente no tempo presente de sofrimento, enquanto espera pela libertação prometida (cap. 8:24-28). - O propósito que Deus tem em permitir que provações que resultam do viver em uma cena afetada por aquilo que o pecado trouxe para a criação (cap. 8:29-30).

A GLÓRIA VINDOURA E A LIBERTAÇÃO QUE ELA TRAZ

Cap. 8:18-30 – Como esse aspecto final da libertação tem a ver com eventos futuros, para entendê-lo apropriadamente, precisamos ter algum conhecimento dessas coisas. As Escrituras proféticas indicam que a vinda do Senhor tem duas fases. Primeiro, Ele virá para chamar todos os Cristãos da Terra – levando-os para o céu (Jo 14:2-3; 1 Ts 1:10, 4:15-18). Os que ensinam sobre a Bíblia chamam isso de Rapto – uma palavra equivalente em latim a “arrebatamento” (At 8:39; 2 Co 12:2-4; 1 Ts 4:17; Ap 12:5). Então, haverá um tempo terrível de angústia na Terra chamado a Tribulação (Mt 24:21; 2 Ts 2:2-4; Ap 3:10), que será um período de cerca de sete anos (Dn 9:27). Depois disso, ocorrerá a segunda fase da vinda do Senhor (a Aparição) quando Ele virá do céu com Seus santos para julgar o mundo e estabelecer Seu reino milenar (Mt 24:29-30; 1 Ts 3:13, 4:14; 2 Ts 1:7-10, 2:8; Jd 14-15). Mencionamos isto porque certas partes da libertação vindoura ocorrerão no Arrebatamento e outras, na Aparição. Por exemplo, o Cristão obterá sua libertação da presença do pecado no Arrebatamento ao ser glorificado naquele momento (1 Co 15:51-56; Fp 3:20-21). A criação, no entanto, deve esperar pela Aparição de Cristo antes de ser libertada. Naquele momento será dada a libertação dos efeitos do pecado – “da servidão da corrupção”.

Cap. 8:18 – Paulo terminou a seção anterior falando de Cristãos como “herdeiros” e “co-herdeiros” com Cristo. Como tal, estamos esperando que Ele venha e tome posse de nossa herança em Sua gloriosa Aparição, quando então reinaremos com Ele sobre a herança no reino. Nesta seção, Paulo retoma de onde parou na seção anterior, mencionando “as aflições deste tempo presente”. Isso é algo que todos devemos enfrentar enquanto esperamos a libertação vindoura. Como mencionado anteriormente, nossos sofrimentos vêm de duas direções: de estarmos conectados à criação que está sob a escravidão da corrupção, e de testificarmos de Cristo em forma de testemunho. Esses sofrimentos são normais ao Cristianismo.

Como o sofrimento é inevitável, Paulo continua nos dando as razões pelas quais poderemos suportá-lo. Ele diz: “Porque para mim tenho por certo [considero – JND] que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada”. Assim, devemos pesar os sofrimentos presentes que experimentamos neste “pouquinho de tempo” (Hb 10:37 – TB) em que estamos aqui na Terra em relação à glória eterna que nos será revelada. Se “considerarmos” apropriadamente, como Paulo faz aqui, perceberemos que o que experimentamos aqui na Terra é apenas temporário e, em comparação com o que teremos, vale à pena, mesmo que fosse mil vezes mais difícil. Portanto, na medida em que mantivermos os olhos fixos na “glória que em nós há de ser revelada”, seremos capazes de suportar os sofrimentos deste tempo presente.

Cap. 8:19 – Paulo passa a nos dizer quando a libertação será promulgada na criação. Ele diz: “Porque a ardente expectação da criatura [criação – TB] espera a manifestação dos filhos de Deus”. A “criatura” refere-se à criação inteira. Inclui homens, animais e plantas – essencialmente tudo o que vemos na Terra que foi afetado pela corrupção do pecado. Paulo diz que a criação inferior busca por libertação desta escravidão da corrupção, mas isso não poderia ser por medida alguma de inteligência, pois obviamente a criação não sabe da vinda de Cristo. Mesmo assim, ela está esperando por esse momento. Paulo diz que essa libertação ocorrerá no momento da “manifestação dos filhos de Deus”. Isso acontecerá na Aparição de Cristo (2 Ts 1:10; 1 Jo 3:2). Nós somos “os filhos de Deus” agora (v. 14), mas seremos então manifestados como tais diante do mundo. Hoje, os homens estão fazendo tudo o que podem para aliviar o sofrimento na Terra. E somos gratos pela ciência médica, etc., mas o sofrimento, a doença e a morte natural que estão ao nosso redor não serão retirados até que Cristo apareça.

Assim, Paulo aborda duas coisas relacionadas ao futuro do Cristão:

- A glorificação dos filhos de Deus, que ocorrerá no Arrebatamento (vs. 17-18). - A manifestação dos filhos de Deus, que ocorrerá na Aparição de Cristo (v. 19).

Cap. 8:20-22 – Ele explica que a criação ficou “sujeita à vaidade”, não por vontade própria, mas pelo fracasso de sua cabeça federal – Adão. Mas apesar do fracasso de Adão, existe uma “esperança” de libertação diante da criação arruinada, na Aparição de Cristo.

O versículo 21, como se vê na versão King James, pode ser enganoso. Ele diz que a criação será “libertada da servidão da corrupção, para a gloriosa liberdade dos filhos de Deus”. Isso implica que a criação inferior experimentaria a mesma “gloriosa liberdade” (glorificação) que os Cristãos terão, o que não é verdade. O versículo deve ser lido: “a liberdade da glória dos filhos de Deus”. Assim, a criação participará da liberdade que será trazida aos filhos de Deus, no sentido de ter uma libertação da corrupção e do sofrimento, etc., mas ela não experimentará a glorificação que os filhos experimentarão. A criação terá libertação, mas não glorificação.

Cap. 8:23 – Nos versículos anteriores, Paulo falou da libertação futura que está vindo para a criação. Agora, ele fala o que os Cristãos experimentarão na nossa libertação da presença do pecado. Como mencionado, será de um modo muito maior do que a criação terá, recebendo “a redenção do nosso corpo” (Ef 4:30). Isso se refere ao nosso corpo sendo glorificado e transformado à semelhança do corpo de glória do Senhor. Isso, como dissemos, ocorrerá no Arrebatamento. Naquele momento, nossas naturezas pecaminosas serão erradicadas de nossos corpos e nos livraremos do pecado em nós para sempre! Também seremos raptados da Terra e assim retirados da presença (do ambiente) do pecado que está ao nosso redor agora! Assim, teremos a libertação da presença do pecado.

Os Cristãos falam em ter corpos “novos” no Arrebatamento, mas isso poderia implicar que nos seria dado outro corpo, o que não é verdade. Se os Cristãos tivessem de receber “novos” corpos neste sentido, quando o Senhor vier, que necessidade haveria de ressuscitarem os corpos dos santos dentre os mortos? Além disso, que necessidade haveria de se glorificar os corpos dos santos que estarão vivendo na Terra quando o Senhor vier, se eles fossem obter novos corpos? Para evitar a possibilidade de alguém ter esse pensamento equivocado, as Escrituras são cuidadosas em nunca dizer que obteremos corpos “novos”. Em vez disso, nos diz que nossos corpos serão “transformados” (Jó 14:14; 1 Co 15:51-52; Fp 3:21). Isso significa que teremos os mesmos corpos em que vivemos – ainda que em uma condição totalmente diferente de glória (Lc 14:14; Jo 5:28-29; 1 Co 15:51-55; 1 Ts 4:15-16, etc.). Paulo disse: todos seremos transformados” (1 Co 15:51). Isto inclui os corpos dos santos que morreram (“isto que é corruptível”) e também os corpos dos santos que ainda estiverem vivos quando o Senhor vier (“isto que é mortal”). O corruptível “se revista da incorruptibilidade” e a mortal se “revista da imortalidade” (1 Co 15:53-54).

Tendo “as primícias do Espírito”, que é a possessão de uma nova vida em Cristo, e nossas bênçãos celestiais n’Ele, temos a garantia da “redenção” final de nossos corpos. Podemos desfrutar agora, do que é nosso pelo Espírito, como uma antecipação do que está diante de nós. Isso não nos torna imunes ao sofrimento que está ao nosso redor. Ao contrário, estando em nossos corpos em seu estado atual (não glorificado), mesmo tendo o Espírito de Cristo em nós, sentimos o sofrimento e “gememos em nós mesmos”. Esse gemido é por conta do que sentimos pessoalmente ao passar esta cena, e também pelo que sentimos por compaixão, ao vermos outros sofrendo. Enquanto o Cristão geme, ele é visto neste capítulo como tendo a presente “adoção” de filiação (v. 15), e está aguardando uma futura “adoção” de seu corpo em um estado glorificado (v. 23).

Três Coisas que Sustentam o Crente Neste Momento Atual de Sofrimento

Cap. 8:24-30 – Paulo, então, dá encorajamento em vista do sofrimento pelo qual estamos passando enquanto esperamos pela nossa libertação final. Nós “gememos” (suspiramos) sob essas circunstâncias presentes, o que é compreensível (2 Co 5:4), mas não devemos resmungar (reclamar) porque Deus fez provisão para que suportemos este tempo de sofrimento. Nesta próxima série de versículos, Paulo tocará em três coisas que Deus deu para nos sustentar no caminho.

1) NOSSA ESPERANÇA (vs. 24-25)

A primeira coisa é a esperança de nossa futura redenção. Paulo diz: “em esperança somos salvos”. A versão King James diz que somos salvos “por” esperança, mas deve ser “em” esperança. “Salvo em esperança” significa que, quando cremos em Cristo como nosso Salvador, foi com vistas a termos esse aspecto final da redenção. Assim, quando fomos “salvos”, foi “em esperança” ou em vista de algo completo e final. Deus nunca pretendeu que a libertação da pena de nossos pecados fosse um fim em si mesmo – por mais maravilhoso que isso seja. Ele tinha diante d’Ele uma salvação completa para Seu povo redimido. Esta grande salvação inclui não somente do que fomos salvos, mas para que somos salvos – para sermos companhia eterna de Cristo. E, se vamos viver com Ele no céu, teremos de ser glorificados – daí a necessidade da redenção de nossos corpos. Temos este precioso conhecimento por causa de uma revelação que foi dada ao apóstolo Paulo, que por sua vez comunicou isso à Igreja (1 Co 15:51-56).

Como mencionado no capítulo 5:2, “esperança” na Bíblia não tem o mesmo significado que tem hoje. No uso moderno da palavra, uma pessoa falará de esperança como algo que gostaria de ver acontecer, mas não tem garantia de que isso acontecerá. Não é assim que as Escrituras usam a palavra. Esperança, nas Escrituras, é sempre uma coisa de certeza, mas é adiada. A coisa esperada definitivamente acontecerá; apenas não sabemos quando. Por isso, é uma certeza adiada.

Conhecer o glorioso futuro que temos pela frente nos sustenta no caminho, porque a coisa esperada é firme e segura. Na esperança, fomos salvos e, em seu poder, vivemos; e isso nos dá “paciência” para esperar por isso. Enquanto esperamos, andamos por fé e não por vista (2 Co 5:7). Paulo nos lembra disso: “Ora a esperança que se vê não é esperança; porque o que alguém vê como o esperará? Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o esperamos”. Foi dito que e esperança são bons companheiros de viagem para o Cristão em sua jornada pelo deserto, e isso é verdade. Mas na vinda do Senhor (o Arrebatamento), nos separaremos desses companheiros e entraremos no céu com o Senhor, onde o amor subsistirá sozinho. Lá não precisaremos de fé e esperança.

2) O RECURSO DA ORAÇÃO E A INTERCESSÃO DO ESPÍRITO (vs. 26-27)

A segunda coisa que Deus deu para nos sustentar até a hora da nossa redenção final é o recurso da oração e a intercessão ajudadora do Espírito. Paulo diz: “E da mesma maneira também o Espírito ajuda as nossas fraquezas; porque não sabemos o que havemos de pedir como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis”. À medida que vivemos e nos movemos nesta cena, onde a dor e o sofrimento são sentidos em vários níveis, devido aos efeitos da escravidão da corrupção, podemos nos empenhar na oração, que é uma expressão de que dependemos de Deus nessas provações. Este é o nosso refúgio. O Espírito toma nossa causa para nos “ajudar” em tempos de sofrimento, pois muitas vezes não sabemos pelo que devemos orar em certas situações, mas Ele é capaz de expressar perfeitamente a Deus o que sentimos, embora sejamos incapazes de proferir.

Muitas vezes, sem saber, temos motivos egoístas por trás de nossas orações e pedimos, sem inteligência, por coisas que não são a vontade de Deus. Talvez possamos ver alguém sofrendo, e nossa emoção e piedade humana se elevem em nós, e pedimos algo por eles que não seria o melhor. Mas o Espírito de Deus conhece a profundidade de nossas necessidades e as necessidades dos outros, e faz intercessão “segundo a vontade de Deus” (KJV). Quando Deus “examina” nossos corações, Ele encontra “a intenção do Espírito” formada ali pelo Espírito, embora não possamos expressá-la.

É verdadeiramente algo muito reconfortante saber que o Espírito intercede com “gemidos”. Isso mostra que Ele sente profundamente por nós pelo que estamos passando enquanto sofremos nesta criação gemendo.

Assim, temos três “gemidos” nesta passagem:

- A criação geme sem entendimento (v. 22). - O Cristão geme com parcial medida de entendimento (v. 23). - O Espírito geme com completo entendimento, de acordo com a mente de Deus (vs. 26-27).

3) SABER QUE A PROVIDÊNCIA DE DEUS ESTÁ TRABALHANDO POR NÓS NOS BASTIDORES (v. 28)

A terceira coisa que temos, e com que podemos contar para nos encorajar, é o conhecimento de que a providência de Deus está trabalhando por nós nos bastidores. Paulo diz: “E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados por Seu decreto”. Embora às vezes não saibamos o que orar, ainda podemos ter confiança de que Deus está no controle da situação. Podemos não conseguir entender as coisas que nos acontecem na vida, mas sabemos que Deus sabe exatamente o que está fazendo. Nossas vidas, portanto, não são governadas pelo acaso, pela sorte ou pelo destino, mas são controladas por uma Pessoa que nos ama. Que pensamento maravilhoso é este! Se tivermos fé para acreditar neste grande fato, seremos consolados em tempos de sofrimento e tristeza.

[Nós] sabemos” é uma expressão técnica usada em muitos lugares nas epístolas de Paulo. Isso denota o entendimento Cristão normal da verdade, por conta das revelações que foram dadas à Igreja por meio dos apóstolos (1 Co 2:10-12). Usando essa expressão como Paulo faz aqui, o Cristão sabe que Deus está no controle de tudo o que está acontecendo em sua vida, e que Ele está usando “para o bem” (Lm 3:37). Note que ele não diz: “Todas as coisas são boas”. Ele diz: “todas as coisas contribuem juntamente para o bem”. Isso porque algumas coisas que acontecem conosco podem ser ruins, mas Deus usa até mesmo essas coisas para produzir algo bom que levaremos conosco para a eternidade. Assim, podemos não saber o que está acontecendo conosco, mas sabemos por que isso está acontecendo – Deus está trabalhando coisas em nossas vidas que são “para” nosso bem. Essas “coisas” podem parecer-nos um emaranhado com detalhes inexplicáveis, mas quando o Senhor vier, Ele irá desvendar tudo para nós, e explicar os porquês e os para quês, e tudo fará sentido então. O Senhor não promete, nem o apóstolo diz que isso será remediado aqui e agora. Mas, mesmo assim, a fé pode louvá-Lo por isso agora.

O Objetivo Final de Deus em Nossos Sofrimentos e Provações

Cap. 8:29-30 – Isso leva Paulo a falar da intenção de Deus em permitir o sofrimento e as provações na vida do crente. Seu grande objetivo é que sejamos “conformes à imagem de Seu Filho”. Deus ama e Se deleita tanto em Seu Filho que Se propôs a encher o céu de pessoas redimidas que são exatamente como Seu Filho! No dia da nossa redenção final, seremos conformados à Sua imagem fisicamente, tendo corpos como o corpo de glória de Cristo (Fp 3:21). Mas, enquanto esperamos por aquele dia, Deus está trabalhando para nos conformar à imagem de Seu Filho moralmente, de modo que sejamos como Ele em nosso andar e nossas maneiras agora. Como “Primogênito entre muitos irmãos”, Cristo é a Cabeça de uma nova raça de homens que serão exatamente como Ele – moral e fisicamente; e eles reinarão com Ele em Seu reino milenar.

O versículo 29 afirma claramente que o propósito de Deus em relação a nossa vida está centrado em Seu Filho. Nos versículos 30-31, Paulo se refere a ele como uma cadeia de cinco elos, tendo seu início na eternidade passada e seu fim em glória futura. Ele mostra que nada pode impedir que Deus alcance Seu fim divino conosco, pois nenhum elo na cadeia pode ser quebrado! Somos conhecidos de antemão, predestinados, chamados, justificados e glorificados.

- “Dantes conheceu” – Deus sabe tudo sobre nossas vidas muito antes do mundo ser feito. - “Predestinou” – Deus ordena o destino eterno daqueles a quem Ele escolhe em graça. - “Chamou” – Em determinado momento, Deus nos faz ouvir Sua voz pelo chamado do evangelho e respondemos crendo. - “Justificou” – Ao crermos, Deus nos livra de toda acusação contra nós, colocando-nos em uma nova posição diante d’Ele em Cristo com uma nova vida que não pecou, nem pode pecar. - “Glorificou” – o trabalho final de Deus conosco pelo qual nossos corpos são transformados à semelhança do corpo de glória de Cristo.

Observe o uso frequente do pronome “Ele” (JND) durante toda essa passagem. Refere-se ao próprio Deus, cujo coração de amor e graça é por nós, ordenando todas as coisas para nossa bênção! Assim, Seu coração de amor é a fonte de todas as nossas bênçãos. Essas coisas são mencionadas no tempo verbal passado – até o último elo, que tem a ver com sermos glorificados! Como ainda não estamos realmente glorificados, é claro que Paulo não está falando do que está sendo trabalhado atualmente, mas está vendo essas coisas como estando de acordo com o propósito eterno de Deus. Dessa perspectiva, nossa glorificação é vista como algo já completo.

Resumo das Diferentes Operações do Espírito em Romanos 8

Neste capítulo, temos uma maravilhosa revelação da verdade sobre o Espírito de Deus e Suas muitas funções em um Cristão.

- Ele dá poder para nosso andar (vs. 1-4). Nesta prerrogativa, é chamado de “o Espírito de Vida” porque Ele nos leva a viver uma vida de santidade.

- Ele nos ocupa com os interesses de Cristo, que Paulo chama de “as coisas do Espírito” (vs. 5-8). Nesta prerrogativa, é chamado de “o Espírito”. - Ele forma Cristo em nós (vs. 9-10a). Nesta prerrogativa, é chamado de “o Espírito de Cristo”.

- Ele nos leva a viver a vida ressurreta em comunhão com Deus (v. 10b). Nesta prerrogativa, é chamado de “o Espírito vida” (JND).

- Ele vai vivificar nossos corpos mortais (v. 11). Nesta prerrogativa, Ele é chamado de “o Espírito daqu’Ele que ressuscitou a Jesus” (TB). - Ele nos capacita a mortificar as obras do corpo (v. 13). Nesta prerrogativa, é chamado de “o Espírito”. - Ele conduz os filhos de Deus (v. 14). Nesta prerrogativa, é chamado de “o Espírito de Deus”. - Ele nos faz conhecer nossa liberdade na presença de Deus, pelo que clamamos “Aba, Pai” (v. 15). Nesta prerrogativa, é chamado de “o Espírito de adoção”. - Ele testifica que somos filhos de Deus e, portanto, herdeiros de Deus (vs. 16-17). Nesta prerrogativa, Ele é chamado de “o próprio Espírito” (JND). - Ele é as Primícias dando garantia de que a nossa completa libertação está chegando (v. 23). Nesta prerrogativa, é chamado de “as Primícias do Espírito”. - Ele é o Ajudador das nossas fraquezas (v. 26a). Nesta prerrogativa, é chamado novamente “o próprio Espírito” (JND). - Ele é nosso Intercessor em conexão com todos os nossos cuidados (vs. 26b-27). Nesta prerrogativa, tendo o conhecimento da vontade de Deus, é “a mente do Espírito” (JND).

A SEGURANÇA DO CRENTE NO PODER E NO AMOR DE DEUS

Sete Perguntas

Cap. 8:31-39 – Como ápice de tudo o que foi exposto sobre a declaração da justiça de Deus no evangelho, Paulo mostra que, enquanto estamos a caminho de sermos glorificados, somos divinamente preservados e cuidados ao longo do caminho. Sete questões são levantadas quanto à nossa segurança, e do amor do Pai por trás de todas as Suas relações atuais conosco nas provações e tribulações pelas quais passamos. Já que nada O deteve para nos salvar – nem mesmo poupando o Seu próprio Filho – Ele vai assegurar que alcancemos tudo o que Ele propôs para nós.

A configuração do tribunal que Paulo usou nos capítulos 1 a 3 é vista aqui novamente. Só que agora uma mudança notável aconteceu. O acusado, que uma vez ficou no lugar de um pecador culpado, é visto agora justificado. Ele está em pé diante do banco de réu e uma chamada é feita para que qualquer acusador se apresente. Mas não há nenhum! Como poderia haver? Se Deus justificou o ímpio, nenhuma acusação justa pode ser trazida contra ele.

A primeira pergunta de Paulo é: “Que diremos pois a estas coisas?” Alguém pode encontrar erro neste grande plano de salvação? Deus mostrou-Se justo, correto e amoroso em todos os Seus movimentos para assegurar a salvação e a bênção para o homem.

A segunda pergunta é: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” Note que Paulo não diz: “O que será contra nós?”, Mas “Quem será contra nós?”. Ele repete isso várias vezes ao longo destas questões, indicando que não é a criação gemendo que está em vista aqui, mas as forças do mal ordenadas pelo diabo. Há algum homem ou demônio que possa impedir que Deus realize o que Ele propôs para a bênção dos homens? A resposta é que se Deus (que é um trilhão de vezes maior do que qualquer criatura no universo) é “por nós”, então não há ninguém que possa impedir o Seu plano! (1 Jo 4:4) Jó disse: “Bem sei eu que tudo podes, e nenhum dos Teus pensamentos pode ser impedido” (Jó 42:2).

A terceira pergunta é: “Aqu’Ele que nem mesmo a Seu próprio Filho poupou, antes O entregou por todos nós, como nos não dará também com Ele todas as coisas?” Se Deus foi tão longe para nos abençoar – até mesmo a ponto de não poupar o Seu próprio Filho – podemos ter certeza de que Ele virá com a nossa libertação final e nos dará “todas as coisas”, que será quando Cristo tomar a herança, em Sua Aparição (Ef 1:14).

A quarta pergunta é: “Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus Quem os justifica”. Ninguém pode trazer uma acusação de pecado contra nós porque fomos justificados pelo Próprio Deus. Deus nos tirou do lugar de um pecador e nos colocou em uma nova posição em Cristo com uma nova vida que não pecou, nem pode pecar. Assim, nenhuma acusação justa pode ser feita contra nós!

A quinta questão é: “Quem os condenará? Pois é Cristo Quem morreu, ou antes Quem ressuscitou dentre os mortos, o Qual está à direita de Deus?”. Esta questão é uma citação de Isaías 50:9, onde Cristo é visto como tendo completado a obra da expiação e Deus O tendo levantado à Sua destra. Cristo é visto desafiando Seus inimigos (particularmente o acusador dos irmãos, Satanás – Ap 12:10) a encontrarem qualquer coisa com a qual pudessem condená-Lo, visto que Deus O justificou em tudo o que Ele realizou ao fazer expiação. Paulo aplica isso a nós. Uma vez que estamos “em Cristo” – que é estar no lugar de Cristo diante de Deus – nenhuma condenação pode ser levantada contra nós! A condenação deve primeiro alcançar a Cristo antes que possa nos alcançar. Esta é uma graça maravilhosa, de fato!

O que, porém, o acusador ruge

De males que eu fiz!

Eu os conheço bem e milhares mais:

Jeová não encontra nenhum!

Hinário The Little. Flock. nº 12 Ap.

Paulo acrescenta: “e também intercede por nós”. Cristo está agora no alto intercedendo por nós, pois os ataques do inimigo de nossas almas inevitavelmente virão contra nós. Uma vez que os ataques contra nossa segurança em Cristo seriam em vão, Satanás mira seus ataques ao nosso estado de alma e nossa comunhão com Deus. Mas Paulo mostra que temos a Cristo como nosso Intercessor, que cuida em nos manter em comunhão com Deus, apesar desses ataques. Esta é uma referência ao trabalho atual de Cristo como nosso Sumo Sacerdote e nosso Advogado.

A sexta questão é: “Quem nos separará do amor de Cristo?” Paulo pergunta novamente se existe alguma força poderosa o suficiente para fazer com que o amor de Cristo se aparte de nós. Note que ele não diz: “Quem nos separará de gozar do amor de Cristo?” É triste dizer que há muito neste mundo que pode nos separar do gozo do amor de Cristo, e assim, há muitos Cristãos que não estão desfrutando de Seu amor. O amor de Cristo por nós é uma coisa e desfrutar desse amor é outra. Com a provisão que Deus fez para nós para o caminho de fé, não há razão para não estarmos vivendo no constante gozo de Seu amor (2 Pe 1:3).

Sete Formas Externas de Provações que Nada Podem Fazer para Perturbar Nossa Bênção em Cristo

Cap. 8:35 –A sétima pergunta é: “A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada?” Estas são sete formas de provações que enfrentamos neste mundo.

- “Tribulação” – as provações em geral. - “Angústia” – angústia mental, medos e fobias. - “Perseguição” – sofrimento pela causa de Cristo. - “Fome” – falta de comida. - “Nudez” – falta em relação às necessidades básicas da vida. - “Perigo” – perigos de qualquer tipo. - “Espada” – martírio.

Ele conclui que nenhuma dessas coisas pode nos separar do amor de Cristo. De fato, provações, se sofridas no espírito de submissão, na verdade nos aproximam de Cristo e O tornam mais precioso!

Paulo cita o Salmo 44:22 para mostrar que, enquanto a pressão e a provação estão por todos os nossos lados, e possa parecer que somos “reputados como ovelhas para o matadouro”, na verdade somos os que ganham das provações pelas quais passamos. Ele diz: “Mas em todas estas coisas somos mais do que vencedores, por aqu’Ele que nos amou” (v. 37). Um vencedor é aquele que fica firme e vence em situação adversa ou de provação. Ser “mais do que vencedores” é não apenas ficar firme nas provações, mas ter proveito das provas, O vencedor adquire muito despojo espiritual da situação, na forma de valiosas lições espirituais aprendidas. Assim, o Cristão que está em um estado correto se beneficia dessas circunstâncias adversas. Davi reconheceu isso e disse: “na angústia me deste largueza” (Sl 4:1). Há pelo menos dez coisas positivas que resultam das provações pelas quais o povo do Senhor passa, se forem tomadas corretamente:

- São oportunidades para Deus mostrar Seu poder e graça, sustentando Seu povo em tempos difíceis, e assim manifestar Sua glória (Jó 37:7; Jo 9:3, 11:4).

- Por meio delas somos levados a conhecer o amor de Deus de maneira mais profunda, e assim somos atraídos para mais perto do Senhor (Rm 5:3-5). - Por meio delas somos conformados moralmente à imagem de Cristo (Rm 8:28-29), e assim elas trabalham em direção à nossa perfeição moral (Tg 1:4). - Se estivermos andando em caminhos de injustiça, elas são usadas por Deus para corrigir nossos espíritos e nossos caminhos, produzindo assim em nós o fruto pacífico da justiça (Hb 12:5-11). - Por meio delas nossa fé é fortalecida (2 Ts 1:3-4). - Elas nos ensinam dependência (Sl 119:67-68, 71). - Elas nos afastam das coisas terrenas e, assim, nos fazem tornar ao céu; como resultado, a esperança celestial arde mais intensamente em nossos corações (Lc 12:22-40). - Elas tornam irmãos mais próximos um do outro (Jó 2:11, 6:14; 1 Cr 7:21-22). - As lições que aprendemos ao passar por provações nos permitem ter empatia com os outros de maneira mais eficaz (2 Co1:3-4). - Elas nos capacitam para o tema do louvor na glória vindoura (2 Co 4:15-17).

Dez Formas Invisíveis de Perigo que Nada Podem Fazer para Afetar Nossas Bênçãos em Cristo

Cap. 8:38-39 – Paulo falou de perigos externos visíveis que encontramos no caminho de fé; agora passa a enumerar os perigos invisíveis que trabalham nos bastidores. Ele menciona dez coisas invisíveis que poderiam ser feitas contra nós, e mostra que nenhuma delas pode frustrar o propósito de Deus em completar a nossa salvação, e nos “separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor”.

- “Morte” – Se a morte nos levar, não perdemos nada. Os crentes que morrem antes da vinda do Senhor continuam sendo ditos “em Cristo” (1 Ts 4:16). Assim, nossa posição perante Deus e tudo o que temos em Cristo está intacto e seguro. De fato, só ganhamos se a morte ocorrer (Fp 1:21). - “Vida” – Todas as provações e tribulações que vêm com a vida neste mundo não podem tirar de nós o que temos em Cristo. Mesmo se falharmos na provação, nada é alterado. - “Anjos” (caídos) – Os poderes satânicos do mal e das trevas, trabalhando em lugares celestiais (o reino da atividade espiritual) para trazer acusações injuriosas contra nós, nada podem fazer para impedir nosso avanço. - “Principados” (satânicos) – Os poderes satânicos do mal trabalhando na Terra para nos separar de Cristo. - “Potestades” – Homens em posições de governo humano que usam sua autoridade para condenar o crente, nada podem fazer para mudar nossa salvação em Cristo. - “O presente” – Medos diários. - “O porvir” – Medos do que pode nos advir no futuro. - “Altura” – Coisas no céu. - “Profundidade” – Coisas sobre ou sob a Terra. - “Alguma outra criatura” – Nada que Deus tenha criado pode romper nosso vínculo com Cristo.

Assim, o capítulo começa com “nenhuma condenação” (v. 1) e termina com “nenhuma separação” (v. 39); e entre elas não temos oposição (v. 31), e nenhuma acusação creditadas à nossa conta (v. 33).

F. B. Hole resumiu os oito primeiros capítulos de Romanos desta maneira: “Podemos resumir essas coisas dizendo que o Cristão – de acordo com os pensamentos de Deus – não é apenas perdoado, justificado, reconciliado, com o Espírito derramando o amor de Deus em seu coração; mas também vê a condenação divina do pecado e da carne na cruz, e descobre que seus próprios laços vitais diante de Deus não são com o caído Adão, mas com Cristo ressuscitado. Consequentemente, ele está em Cristo Jesus, com o Espírito habitando nele, para que, o controlando e o enchendo de Cristo, como um Objeto brilhante e justo perante seus olhos, ele possa andar em feliz libertação do poder do pecado e estar alegremente cumprindo a vontade de Deus. Nada menos que isso é o que o evangelho propõe. O que pensamos disso? Proclamamos que isso é magnificente!” (Paul’s Epistles, vol. 1, p. 32)

Termos Técnicos Usados na Doutrina de Paulo em Relação ao Pecado

- “Pelo pecado a morte” (Rm 5:12) – Refere-se a como o pecado entrou na criação e arruinou tudo, e assim toda a criação tem a maldição da morte sobre ela. - “Mortos para o pecado” (Rm 6:2) – Estar separado (posicionalmente), pela morte de Cristo, de toda a ordem do pecado sob a cabeça de Adão (Rm 6:2, 7:6; Cl 2:20; 3:3). - “Justificados do pecado” (Rm 6:7) – Na morte de Cristo, tivemos um desligamento (judicial) honroso de nossas relações com o antigo senhor (pecado) e, portanto, não podemos ser acusados de pecados, de vontade própria, concupiscência, etc., porque tudo isso não pode ser cobrado de um homem morto. - “Morto o pecado” (Rm 7:8) – Uma pessoa que não tem consciência da presença e atividade da sua natureza pecaminosa porque está totalmente identificada com ela e, portanto, é levada inconscientemente por sua força. - “A lei do pecado” (Rm 8:2) – Um princípio universal que opera na natureza pecaminosa de todos os homens que faz com que ele se mova de acordo com seus apetites e desejos. - “Morto por causa do pecado” (Rm 8:10) – Os membros de nossos corpos são desprovidos de poder ao colocarmos em prática os princípios da libertação. - “Morto em pecados” (Ef 2:1) – Pecadores perdidos, sem a vida divina, vivendo suas vidas em busca de seus desejos e ambições pecaminosas, separados de Deus.

Resumo dos Pares Contrastantes

- Duas cabeças de raças – Adão e Cristo (cap. 5:12-21). - Dois senhores – pecado e justiça (cap. 6:1-23). - Dois maridos – a Lei e Cristo (cap. 7:1-6). - Dois princípios de vida (cap. 8:1-17).

DISPENSACIONAL

Capítulos 9-11

A JUSTIÇA DE DEUS DESVENDADA EM SEUS CAMINHOS DISPENSACIONAIS

Capítulos 9-11

Nos capítulos 3:21 a 8:39, tivemos a justiça de Deus declarada no evangelho. Agora nos capítulos 9-11 vemos a justiça de Deus desvendada em Seus caminhos dispensacionais.

A Reconciliação do Evangelho com as Promessas de Deus para Israel

Esta parte da epístola trata da principal objeção que os judeus têm contra o evangelho que Paulo pregou. Em suas mentes, sua mensagem era que Deus tinha terminado com Israel e que as promessas que Ele fez a Abraão, Isaque e Jacó sobre as bênçãos da nação, eram agora nulas e inválidas. E isso tudo porque Deus, por um capricho, decidiu fazer um novo começo em direção aos gentios com o evangelho!

Como isso é contrário ao que é declarado nas Escrituras do Velho Testamento, que estão repletas de promessas incondicionais em relação à bênção de Israel, os judeus naturalmente rejeitaram o evangelho de Paulo. Os profetas de Israel retratam um dia vindouro quando essa nação será abençoada por Deus sob o reinado de seu Messias. Muitas bênçãos terrenas lhes serão concedidas, tais como: supremacia sobre as nações gentias, riqueza, vida longa, etc. A esperança de todo judeu temente a Deus é fazer parte dessa cena vindoura de glória terrena. Se fosse verdade que Deus tivesse rompido Seu tratamento com Israel e agora tudo estivesse acabado para eles, então Deus teria quebrado Suas promessas! Os judeus sabiam que isso era algo que Deus não poderia fazer, porque Ele estaria negando a Si mesmo (Hb 6:17-18). (E eles estão muito certos sobre isso!) Assim, eles concluíram que o evangelho que Paulo pregava era algo espúrio e herético, e o rejeitaram completamente.

Sabendo que o que ele pregava poderia ser uma pedra de tropeço para os judeus, se não fosse entendido corretamente, Paulo de imediato vai esclarecer isso corretamente. Nos próximos capítulos (9-11), ele mostra que os judeus tinham informações erradas sobre o que ensinava a respeito do evangelho e das promessas de Deus a Israel. Ele cuidadosamente explica que o evangelho da graça e da glória de Deus (que ele pregava) de maneira alguma anulava, colocava de lado, e nem mesmo tocava as promessas de Deus a Israel. De fato, Paulo ensinou que as promessas que Deus fez a Abraão, Isaque e Jacó ainda permanecem como Deus as deu, e elas serão alcançadas por Israel em um dia vindouro, em um sentido literal – o que é totalmente ortodoxo15 do ponto de vista judaico.

É importante entendermos isto, porque, infelizmente, há instrutores Cristãos (teólogos da Reforma) que erroneamente ensinam um sistema de doutrina (chamado Teologia da “Substituição” ou “Aliança”) que afirma que as esperanças de Israel são nulas e inválidas! E que as promessas que Deus fez aos patriarcas não serão cumpridas para Israel em um sentido literal! Em vez disso, nos dizem que essas promessas foram cumpridas na Igreja hoje, em algum sentido espiritual! Em vista desses sérios equívocos, o ensino de Paulo nesta parte da epístola tem um duplo propósito hoje. Primeiramente, mostra aos judeus que as promessas de Deus para Israel não foram anuladas nem invalidadas pelo evangelho e assim todas elas serão cumpridas literalmente, como Deus disse em Sua Palavra. E em segundo lugar, mostra que aqueles que absorveram a Teologia Reformada estão, infelizmente, equivocados com suas ideias sobre as promessas de Deus a Israel serem “espiritualizadas” na Igreja.

Assim, nestes próximos três capítulos, Paulo reconcilia o ensino do evangelho com as promessas de Deus a Israel. Ele cita o Velho Testamento não menos que 30 vezes nesta seção da epístola. Isso mostra que estava escrevendo predominantemente para aqueles que conheciam as Escrituras – ou seja, os judeus. Ele mostra a partir da Palavra de Deus que Ele não voltou atrás em Suas promessas a Israel.

Uma Suspensão nas Relações de Deus com Israel

Embora Deus não vá voltar atrás em Suas promessas a Israel, as Escrituras indicam que Ele temporariamente suspenderia Seus tratamentos com eles e os mesmos seriam postos de lado nacionalmente por conta de sua incredulidade e rejeição de Cristo, o Messias. Isso não deveria ser uma surpresa para o estudioso das Escrituras do Velho Testamento, pois há vários lugares que indicam isso (Sl 69:22-28; Dn 9:26-27; Mq 5:1-3; Zc 11:4-14, etc.). Há tipos que também indicam isso – em José, Moisés, Davi, etc. (Gn 37; Êx 2; 1 Sm 17). Há também profecias que indicam que depois que os judeus passarem por um tempo de angústia ainda por vir (Dn 9:27, 12:1; Jr 30:7; Mq 5:3), Deus voltará a tratar com eles, quando então um remanescente da nação irá se arrepender e receberá o Senhor Jesus como seu Messias, e depois será abençoado em Seu reino milenar. Contudo, as Escrituras não dizem que esta bênção vindoura para a nação de Israel (que será o cumprimento das promessas feitas a Abraão, Isaque e Jacó) será a porção de todo israelita. Muitos deles se mostrarão infiéis e perderão esta bênção nacional (Sl 135:14; Ez 11:9-10, 20:38; Dn 12:2; Am 9:9-10; Zc 13:8-9, etc.).

Os ensinamentos de Paulo no Novo Testamento, portanto, não interferem de modo algum nas bênçãos terrenas que Deus prometeu a Israel. Sua pregação e ensino têm a ver com o que Deus está fazendo atualmente, enquanto Israel está temporariamente posto de lado. Ele mostra que Deus está atualmente visitando os gentios em favor e privilégio, e os está chamando pelo evangelho de Sua graça (At 15:14) para serem parte de algo completamente novo que Cristo está construindo – a Igreja de Deus, que é Seu corpo (místico) (Mt 16:18; Ef 1:22-23). Esta é uma companhia celestial de crentes, separados e distintos de Israel (restaurado) e das nações gentias que serão abençoadas com Cristo na Terra em Seu reino num dia vindouro. Assim, há um futuro maravilhoso e glorioso para Israel, como seus profetas predisseram.

A razão para este presente chamado do evangelho é que é propósito de Deus que quando Cristo vier a reinar publicamente em Seu reino, Ele tenha tanto uma companhia celestial quanto uma companhia terrenal de pessoas abençoadas para reinar com Ele (Ef 1:10). O chamado atual é simplesmente a reunião daqueles que irão formar a Igreja, que fará parte da companhia celestial. Ela consistirá da Igreja (Ef 2:6; Fl 3:20; Hb 3:1, 12:22-23a; Ap 21:9-22:5), dos santos do Velho Testamento “aperfeiçoados” sendo ressuscitados e glorificados (Dn 7:18, 22, 27 – “os santos dos mais altos lugares” (JND); Jo 3:29; Hb 12:23b), e das crianças que morreram abaixo da idade do entendimento, que também serão ressuscitadas (Mt 18:10-11). O departamento terreno do reino consistirá de Israel restaurado e das nações gentias convertidas.

Aqueles que hoje respondem ao chamado do evangelho são feitos parte da Igreja. Como mencionado, ela é uma entidade celestial com bênçãos e esperanças celestiais, tendo um destino celestial. Paulo não revela os detalhes deste novo começo em direção aos gentios (chamado o Mistério), aqui na epístola aos Romanos, porque ele está ocupado principalmente com as coisas que dizem respeito a Israel. Assim, este chamado celestial interposto é como um parêntese no trato de Deus para com Israel; este chamado não altera nem anula as promessas que Ele lhes fez. O propósito de Paulo em Romanos 9-11 é mostrar aos judeus que a nação de Israel não perdeu nada do que lhe tinha sido prometido. Se eles se arrependerem e receberem Cristo – o que um remanescente deles fará em um dia vindouro – tudo o que lhes foi prometido nacionalmente será deles no sentido mais pleno. Paulo também mostra nesses capítulos que alguns judeus hoje “pré-confiaram” (JND) em Cristo crendo no evangelho da salvação que Paulo pregava (Ef 1:12-13). Ele os chama de “remanescente segundo a eleição da graça” (Rm 11:5 – JND) e “o Israel de Deus” (Gl 6:16). Como resultado de terem recebido Cristo agora, se tornaram parte da Igreja (Ef 3:6).

Chegará o dia em que terminará o alcançar de Deus às nações gentias pelo evangelho de Sua graça, e “a plenitude dos gentios” haverá “entrado” (cap. 11:25). Isso significa que o número total de gentios que crerão no evangelho segundo a eleição da graça estará completo. O Arrebatamento, então, acontecerá (1 Ts 4:15-18), e todos os que creram no evangelho (Cristãos) serão levados para o céu, quando então Deus começará a tratar novamente com Israel, para trazer à bênção um remanescente da nação, com Cristo na Terra em Seu reino milenar. Essa sequência simples nos caminhos de Deus com “os judeus” e “os gentios” e “a Igreja de Deus” é chamada de “verdade Dispensacional” (1 Co 10:32).

Uma Visão Geral dos Capítulos 9-11

- Capítulo 9 – Paulo mostra que a eleição soberana de Israel ainda permanece, e que Deus, sendo Soberano, tem todo o direito de hoje chamar os gentios à bênção. - Capítulo 10 – Paulo apresenta a responsabilidade moral do homem em crer no evangelho – seja judeu ou gentio. Ele relata que os judeus falharam nessa responsabilidade e isso abriu a porta para que a bênção fosse para os gentios, e muitos deles chegaram à bênção por fé. - Capítulo 11 – Paulo explica que o tropeço de Israel é apenas temporário; a final rejeição da graça pelos gentios preparará o caminho para a restauração de Israel, ao tempo em que, as promessas a seus pais serão cumpridas.

Esta seção da epístola (caps. 9-11) começa com um tom de tristeza (cap. 9:1-2), mas termina com uma nota de triunfo e regozijo (cap. 11:33-36). Termina em uma nota feliz, porque, como Paulo explica, Deus está no controle total de tudo, e Ele trabalhará todas as coisas para a Sua própria glória e a glória do Senhor Jesus Cristo, e também para a bênção daqueles que crerem. Saber disso dá aos Cristãos a confiança de crer em Deus nos Seus caminhos dispensacionais, e louvá-Lo mesmo agora, por Seus caminhos, antes de vermos Seus planos para a bênção do mundo se concretizar no reino de Cristo.

**A SOBERANIA DE DEUS

Eleição de Israel no** Passado**
Capítulo 9**

O Amor Genuíno de Paulo por Israel e pela Religião do Judaísmo Ordenada por Deus para Eles

Cap. 9:1-3 – Como mencionado, os judeus entenderam mal a mensagem de Paulo no evangelho. Eles o viam como um traidor e imaginavam que ele sentia ódio por Israel, desrespeitando sua religião ordenada por Deus, o judaísmo. Eles pensavam que ele estava ensinando que eles deveriam “apartarem-se de Moisés”, o que para eles era uma “apostasia” (At 21:21).

Para corrigir esse equívoco, Paulo começa afirmando seu grande amor por sua nação e seu apreço pelos privilégios que eram deles no judaísmo. Seu amor por eles era tal que ele teve grande pesar e tristeza por causa da incredulidade e rejeição do Senhor Jesus Cristo, seu Messias por eles. Chegou a ponto de dizer que “desejara” que ele próprio fosse “separado de Cristo” se isso significasse que seus compatriotas seriam salvos! Esta é uma declaração surpreendente, comparada apenas ao próprio Moisés (Êx 32:31-32). Esta foi uma prova clara de que os judeus tinham ideias equivocadas sobre Paulo; ele realmente os amava e respeitava o judaísmo.

Cap. 9:4-5 – Para provar que ele não tinha intenção de menosprezar os privilégios de Israel, Paulo lista oito coisas que fizeram de Israel a nação mais favorecida da Terra (Dt 4:7).

- “A Adoção” – A nação havia sido colocada em um lugar favorecido com Deus (Êx 4:22; Dt 7:6-8). - “A Glória” – A glória Shekinah, que foi visivelmente o sinal do favor de Deus sobre eles (Êx 13:21-22; 2 Cr 5:14). - “Aliança” – feita com os pais em nome da nação (Gn 15:18-21, 17:7, etc.). - “A Lei” – Os cinco livros de Moisés foram dados a eles. (Êx 20) - “O ministério de Deus” – A ordem divina levítica de sacrifícios instituída por Deus, pela qual se aproximavam de Deus em adoração e louvor, lhes pertencia (Lv 1-7). - “As Promessas” – Um futuro brilhante no reino milenar foi lhes assegurado (Is 30:23-26, 32:1-20, 35:1-10, etc.). - “Os Pais” – Uma grande herança de ancestrais espirituais. - “O Messias” – Eles foram favorecidos por Deus pelo Salvador e futuro Governante do mundo ter emergido da nação deles (Is 9:6-7).

Acrescentando seu “Amém” a esta lista de coisas, Paulo estava indicando que apreciava muito essas vantagens e privilégios que haviam sido dados a Israel, e os aprovava. Ele valorizava essas coisas tanto quanto qualquer judeu e não as diminuía em sua pregação e ensino, como os judeus erroneamente pensavam. De fato, ele poderia argumentar que não foi ele quem desrespeitou o judaísmo e a esperança de Israel, mas sim eles o fizeram! Pois o maior desses favores prometidos a Israel era que o Messias viria ao mundo por meio daquela nação (Mt 1). Foi em torno d’Ele que todos os privilégios do judaísmo se centraram, e por meio de Quem as promessas seriam cumpridas. Mas quando Ele veio, eles O rejeitaram! Eles “tropeçaram na pedra de tropeço” (cap. 9:32; Jo 1:11), e seu tropeço atrapalhou o cumprimento de sua “esperança” nacional (At 26:6).

O Verdadeiro “Israel de Deus” Não é Todo Descendente Natural de Abraão

Cap. 9:6-33 – Paulo então se volta para mostrar que a rejeição pelos judeus do seu Messias não fez com que Deus quebrasse Sua promessa a Israel. Ele diz: “Não que a palavra de Deus haja falhado” (AIBB). Isto é, Deus prometeu com Sua Palavra abençoar os filhos de Abraão, e essa promessa não se tornou nula ou inválida (Hb 6:13-18).

Ele prossegue mostrando que, embora essas promessas definitivamente serão cumpridas, as Escrituras não ensinam que elas serão alcançadas por todos os descendentes de Abraão. Ele diz: “porque nem todos os que são de Israel são israelitas; nem por serem descendência de Abraão são todos filhos”. Ao afirmar isso, Paulo mostra que Abraão tem dois tipos de descendentes: há aqueles que têm sua linhagem (parentesco), mas não sua fé, e há aqueles que possuem ambos. Isto significa que nem todos os que são “de Israel” por descendência natural são necessariamente o verdadeiro “Israel” que tem fé. Um verdadeiro israelita a quem Deus considera tem tanto o sangue de Abraão como a fé de Abraão. De acordo com isso, Paulo cuidadosamente distingue “descendência” de Abraão (descendência natural) e os “filhos” de Abraão (aqueles que têm o sangue e a fé de Abraão). Ele tocou nessa distinção no capítulo 2:28-29. Assim, as Escrituras fazem distinção entre um israelita e “um verdadeiro israelita” (Jo 1:47). As promessas de Deus, portanto, certamente serão cumpridas para “todo o Israel” (cap. 11:26), mas isso se refere àqueles que são verdadeiros israelitas, tendo sangue e fé de Abraão.

Quatro Exemplos da História de Israel em Relação à Soberania de Deus

Paulo então mostra que Deus opera segundo o princípio da eleição soberana, e visto que Ele é Deus, Ele pode soberanamente chamar os gentios neste tempo presente, assim como soberanamente chamou a nação de Israel há muito tempo. Os judeus eram realmente o último povo do mundo que poderia se permitir questionar a soberania divina. Seguidamente em sua história, ela foi exercida a seu favor. Paulo se volta para as Escrituras para provar este ponto.

1) ISAQUE ESCOLHIDO EM VEZ DE ISMAEL (cap. 9:7b-9)

Paulo cita a declaração do Senhor a Abraão: “em Isaque será chamada a tua semente”. (Gn 21:12). Isso lhe foi dito quando havia alguma dúvida na casa de Abraão sobre quem seria seu herdeiro – Ismael ou Isaque. Ao declarar enfaticamente que seria Isaque, o Senhor claramente descartou a descendência natural na casa de Abraão, porque tanto Ismael como Isaque eram filhos naturais de Abraão. Se os judeus insistissem em que a descendência natural fosse o suficiente para herdar a bênção, eles teriam de admitir os árabes na bênção, porque descendiam de Abraão por meio de Ismael! (Gn 25:12-18) Os judeus nunca aceitariam isso. Paulo diz, “Isto é: não são os filhos da carne que são filhos de Deus, mas os filhos da promessa são contados como descendência”. Ismael, como sabemos, era um filho da carne, mas Isaque era o filho da promessa (Gl 4:23). Por Deus ter escolhido Isaque em vez de Ismael, fica claro que a bênção na casa de Abraão não veio da linhagem natural. E será assim quando o reino de Cristo for estabelecido na Terra – nem todos os descendentes naturais de Abraão serão abençoados como sua “descendência” e nem todos herdarão as promessas.

2) JACÓ ESCOLHIDO EM VEZ DE ESAÚ (cap. 9:10-14)

Paulo vai adiante para o exemplo de Jacó e Esaú. Ele mostra novamente que a bênção não veio pela descendência natural, mas pela eleição soberana da graça de Deus. Em relação a Isaque e Ismael, os judeus poderiam argumentar que tinham duas mães diferentes, mas não poderiam usar esse argumento aqui com Jacó e Esaú. Rebeca era a mãe de ambos.

Em conexão com esses gêmeos, se a bênção fosse herdada na linha de descendência natural, então eles teriam de admitir os edomitas na bênção! Nenhum judeu aceitaria isso por um momento sequer. Antes de os meninos nascerem e não terem feito nem “bem” nem “mal”, Deus disse: “O maior servirá o menor” (Gn 25:23). Naturalmente, Esaú teria tido o lugar de privilégio na família de Isaque, mas a escolha soberana de Deus passou por Esaú e repousou sobre Jacó. Isso prova que o chamado soberano de Deus não depende de obras, boas ou más, mas apenas da graça. Mil e quinhentos anos mais tarde, o Senhor disse: “Amei Jacó, e aborreci Esaú” (v. 13; Ml 1:2-3). Isso foi escrito depois deles viverem suas vidas e provarem seu verdadeiro caráter. Assim, Paulo menciona duas declarações que o Senhor fez a respeito de Jacó e Esaú: uma feita antes dos meninos nascerem (v. 12), e a outra feita muitos anos depois de terem vivido e morrido (v. 13). Elas mostram conclusivamente que Deus escolheu um em vez do outro.

3) O SENHOR ESCOLHEU TER MISERICÓRDIA DE ISRAEL QUANDO ELES SE VOLTARAM À IDOLATRIA (cap. 9:14-16)

A pessoa que argumenta sobre a soberania divina dirá: “Se houver realmente apenas dois resultados na escolha – ser abençoado ou condenado – ir em frente e eleger um e não o outro, necessariamente condena quem não foi escolhido! Como isso pode ser justo?” O mesmo cético dirá, “Se tudo foi resolvido antes do tempo, então não há nada que alguém possa fazer sobre isso, e se isso for verdade, então Deus é injusto por condenar as pessoas, porque não é culpa delas não terem sido escolhidas!”

Paulo previu que as pessoas se oporiam ao princípio da soberania divina e responde dizendo: “Que diremos pois? que há injustiça da parte de Deus?” Ele responde sua própria pergunta: “De modo nenhum [longe seja o pensamento – JND]. Paulo prossegue defendendo a soberania de Deus, mas não como alguns teólogos Cristãos que tentam reconciliar a soberania de Deus com a responsabilidade do homem, fundindo-as em apenas uma coisa. Eles dirão que Deus, por Sua presciência, sabia quem iria acreditar e quem não iria, e escolheu aqueles que acreditariam. Esta é a essência das ideias equivocadas do Arminianismo, que enfatiza a responsabilidade do homem na salvação, excluindo a soberania de Deus.

Paulo cita um exemplo da soberania de Deus a partir do caso da idolatria de Israel – a adoração do bezerro de ouro (Êx 32). Quando as pessoas pecaram contra Deus nesta questão, Deus disse a Moisés: “Compadecer-Me-ei de quem Me compadecer, e terei misericórdia de quem Eu tiver misericórdia”. Se Deus tivesse tratado Israel de acordo apenas com o justo merecimento da justiça divina, dando-lhes o que lhes era devido, Ele teria destruído toda a nação! Mas, o fato de que Deus escolheu não julgar a nação, mostra que Ele soberanamente escolheu ter misericórdia deles. Os judeus dificilmente poderiam ousar argumentar sobre a soberania de Deus nesta ocasião, pois se essa não tivesse sido exercida favoravelmente em relação a eles, eles teriam sido exterminados! Se os judeus quisessem acusar a Deus de injustiça, eles estariam admitindo que deveriam ser condenados! E se todos os homens merecem ser condenados, então ninguém pode, corretamente, acusar Deus de injustiça se Ele não mostrar misericórdia para com alguns. Paulo, portanto, conclui: “Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que Se compadece [que usa de misericórdia – TB]. Se Deus escolhe ter misericórdia de alguns, ninguém pode achar isso errado.

4) O SENHOR ENDURECEU FARAÓ (cap. 9:17-18)

Os opositores podem não ter dificuldade em aceitar quando Deus age soberanamente em misericórdia para com alguém, mas podem não aceitar quando se trata de um ato de juízo. Paulo continua para mostrar que Deus também é soberano no juízo. Assim como Israel agiu perversamente ao adorar o bezerro de ouro, e Deus soberanamente escolheu lhes mostrar misericórdia, assim também foi com Faraó – ele agiu perversamente, mas no caso dele, Deus o endureceu, e então o julgou. Como Faraó estava colhendo o que semeara, Deus estava justificado em julgá-lo. Assim, vemos a soberania de Deus sendo exercida em mostrar misericórdia a alguns e também em endurecer a outros. Paulo diz: “Logo pois compadece-Se de quem quer, e endurece a quem quer”. (v. 18). Deus pode e exerce julgamento sobre os ímpios, e Ele é justo ao fazer isso, mas Ele pode escolher mostrar misericórdia para alguns; é Sua prerrogativa.

Quem Pode Resistir à Vontade de Deus?

Cap.9:19-23 – Os homens acusarão a Deus de injustiça, apontando para o Seu tratamento com o Faraó como um exemplo de predestinação de pessoas para o inferno. Paulo continua mostrando que isso não é verdade; Deus nunca predestinaria ninguém a uma eternidade perdida. Também aponta que é loucura da parte do homem questionar os caminhos de Deus.

Ele apresenta o argumento que os céticos e opositores usam: “Se Deus endurece o homem para que não creia, como Deus pode ‘encontrar falta’ (JND) nele por não crer?” (v. 19) Paulo responde a essa noção equivocada mostrando que, embora Deus aja em julgamento, as Escrituras não dizem que Ele escolhe pessoas para a destruição eterna. “os vasos da ira [são], preparados para perdição” (v. 22), mas eles não são preparados por Deus como tais; as pessoas se preparam por sua própria incredulidade! No caso do Faraó, Deus não o predestinou para juízo. Se lermos cuidadosamente o relato do tratamento do Senhor para com o Faraó (Êx 4-12), veremos que ele mesmo se preparou para seu juízo endurecendo-se repetidamente contra o Senhor. Mas ele não estava condenado desde o momento de seu nascimento. Em sua vida, ele provou ser ímpio, e Deus poderia justamente tê-lo cortado, mas escolheu preservá-lo vivo por um tempo para que Ele pudesse mostrar Seu poder em juízo, e por meio dele, exaltar Seu nome na Terra.

O Senhor sabia que o Faraó endureceria seu coração contra Ele (Êx 3:19) e disse a Moisés que judicialmente o endureceria ainda mais, como consequência. O Senhor disse: “mas Eu endurecerei o seu coração, para que não deixe ir o povo” (Êx 4:21, 7:3). Note que o Senhor não disse naquele momento: “Eu endureci o seu coração…”, mas sim: “Eu endurecerei o seu coração”. Era algo que o Senhor iria fazer como consequência de Faraó endurecer seu coração primeiro. Com certeza, Faraó provou ser um homem perverso e endureceu o coração contra o Senhor. A Escritura registra: “Porém o coração de Faraó se endureceu [era obstinado – JND] (Êx 7:13). (Este versículo infelizmente foi traduzido erroneamente na versão King James, dizendo: “Ele endureceu o coração de Faraó”. Isto tornaria o Senhor o Principiador do endurecimento, o que não é verdade.) Êxodo 7:13-14 é a primeira menção nas Escrituras do coração do Faraó sendo endurecido, e é claramente algo que ele mesmo fez. De fato, ele repetidamente endureceu seu coração contra o Senhor (Êx 7:22, 8:15, 19, 32, 9:7). Foi apenas após tudo isso, que a Escritura finalmente diz: “Porém o Senhor endureceu o coração de Faraó” (Êx 9:12, 10:1, 20, 27, 11:10), que é o cumprimento daquilo que Senhor disse em Êxodo 4:21 e 7:3 que iria fazer. As Escrituras dizem: “O homem que muitas vezes repreendido endurece a cerviz, será quebrantado de repente sem que haja cura” (Pv 29:1). Este foi o caso do Faraó.

Paulo mostra que questionar a soberania de Deus é entender mal Quem é Deus e quem somos. Ele diz: “Porquanto, quem resiste à Sua vontade? Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim? Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra?” Deus tem todo o poder no céu e na Terra e pode fazer o que quiser – e Ele nunca faz errado. Ele disse a Abraão: “Não faria justiça o Juiz de toda a Terra?” (Gn 18:25).

Todos os homens merecem juízo, mas se Deus escolhe mostrar misericórdia a alguns, quem somos nós para dizer que Ele está fazendo errado? O fato de alguém ser salvo é uma completa prova da soberana graça de Deus. O velho e verdadeiro ditado é: todos podem vir (Ap 22:17), mas ninguém virá (Jo 3:32); mas por causa do poder soberano de Deus agindo nos homens, alguns virão a Cristo e serão salvos (Jo 6:44). Embora Deus possa escolher alguns para bênção (como “vasos de misericórdia”), Ele nunca escolhe alguém para ir para o inferno. Todos os que se revelam “vasos de ira” são “preparados para perdição” por sua própria incredulidade (v. 22). Não existe algo como predestinação para o inferno. Paulo diz que a razão pela qual Deus escolhe alguns para serem “vasos de misericórdia” é demonstrar “as riquezas da Sua glória” (v. 23).

J. N. Darby disse: “A raiz da questão é essa; é Deus que julga o homem ou o homem a Deus? Deus pode fazer o que quiser. Ele não é o objeto de nosso julgamento” (Synopsis of the Books of the Bible – em Romanos 9). F. B. Hole disse: “Quão lentos somos em admitir que Deus tem o direito de fazer o que Ele quer, que de fato, é o Único que tem esse direito, visto que somente Ele é perfeito em presciência, sabedoria, justiça e amor. As coisas podem parecer inexplicáveis para nós, mas é porque somos imperfeitos”.

O Princípio da Soberana Eleição da Graça Aplicado aos Gentios

Cap. 9:23-26 – Paulo então mostra que o princípio da eleição soberana se aplica tanto aos gentios quanto a Israel. Ele diz que “os vasos de misericórdia” (crentes) “que para glória já dantes preparou, os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios?”. Assim, todas as bênçãos, seja para judeus ou gentios, repousa sobre a soberania de Deus.

Ele cita Oséias 1:10 e 2:23 para mostrar que Deus voltará a dedicar-Se com Israel num dia vindouro. Eles estão atualmente numa posição de não serem Seu povo – estando escrito sobre eles “Lo-ami” (“não Meu povo”). Mas então, em graça soberana, Ele os tornará Seu povo novamente. Sua atual posição de não ser o Seu povo é idêntica à posição em que os gentios estão. O raciocínio de Paulo é que, se Deus pode tratar dessa maneira com Israel, então Ele também pode fazê-lo com os gentios.

Cap. 9:27-29 – Paulo então cita o profeta Isaías para enfatizar o que já ensinou nos versículos 6-8 – que esse ato de graça para com Israel não incluirá todo israelita de descendência natural. A massa da nação se mostrará infiel e será julgada por Deus, mas “o remanescente” será salvo. Ele diz: “Ainda que o número dos filhos d’Israel seja como a areia do mar, (por descendência natural) o remanescente é que será salvo” (Is 10:22). E novamente: “Se o Senhor dos Exércitos nos não deixara descendência [um remanescente muito pequeno – KJV], teríamos sido feitos como Sodoma, e seríamos semelhantes à Gomorra” (Is 1:9). Aqueles que comporão este remanescente terão fé e, consequentemente, receberão o Senhor e serão abençoados de acordo com as promessas feitas a Abraão, Isaque e Jacó. Estes formarão o núcleo da nação no milênio.

Vs. 30-33 – Paulo então conclui afirmando que os gentios que “não buscavam a justiça” alcançaram “a justiça que é pela fé [pelo princípio de fé – JND]. Por outro lado, Israel, que buscava “a Lei” para a “justiça”, não a alcançou porque a buscava pelas “obras da Lei” e não pela fé.

Paulo pergunta: “Por quê?” Ele responde a sua pergunta, afirmando “Porque não foi pela fé”. Os judeus (nacionalmente) perderam a bênção porque entenderam mal o propósito da Lei. Eles pensaram que era uma escada na qual alguém subia para alcançar a justiça, e tentaram estabelecer sua própria justiça, guardando a Lei, e como resultado, ficaram cegos quanto ao seu verdadeiro estado. E a principal prova de seu estado de cegueira é que eles “tropeçaram na pedra de tropeço” – Cristo. Eles O rejeitaram!

Paulo cita Isaías 28 para mostrar que enquanto a nação como um todo tropeçava na “pedra de tropeço, e uma rocha de escândalo”, Deus operou soberanamente e alguns neste tempo presente (um remanescente) creram no evangelho. Ao dizer: “todo aquele que crer”, Paulo aponta para o fato de que existe responsabilidade humana em receber a bênção – uma pessoa, seja judeu ou gentio, deve crer. Isso age como uma sequência (conexão) para o assunto no próximo capítulo, que tem a ver com a responsabilidade do homem.

A RESPONSABILIDADE DO HOMEM

A Rejeição de Israel no PresenteCapítulo 10

Não seria uma apresentação equilibrada sobre esse assunto se Paulo encerrasse sua discussão nesse ponto. No capítulo 9, ele insistiu na soberania de Deus na salvação; agora, no capítulo 10, ele fala do outro lado do assunto – a responsabilidade do homem. Estas duas linhas da verdade andam lado a lado por todas as Escrituras. Elas podem parecer que se fundem em algum ponto nos caminhos de Deus, mas nunca o fazem. Elas são como os dois trilhos em uma longa e retilínea estrada de ferro. Olhando para a estrada, os trilhos parecem se juntar à distância, mas é claro que isso não ocorre. Tal é o caso com a soberania de Deus e a responsabilidade do homem. Deus quer que entendamos e desfrutemos dessas duas linhas distintas de verdade como são encontradas nas Escrituras, sem tentar uni-las.

A Responsabilidade de Israel – Crer

Paulo terminou o capítulo anterior afirmando que “todo aquele que crer n’Ele não será confundido” (cap. 9:33). Isso traz o homem à responsabilidade. Para receber a salvação, devemos crer no testemunho de Deus do evangelho sobre a obra consumada de Cristo na cruz. Paulo agora continua esse tema no capítulo 10. Frequentemente, ao longo deste capítulo, ele enfatiza o fato de que os homens devem crer no testemunho de Deus para serem abençoados por Ele.

Cap. 10:1 – Sabendo que os judeus o viam como traidor e inimigo da nação de Israel, Paulo reafirma seu amor e preocupação por Israel. Seu grande “desejo do… coração e a oração a Deus” era que os de Israel pudessem ser “salvos” (TB). O fato de que eles não foram salvos (exceto alguns indivíduos como ele próprio) mostra que ser descendentes naturais de Abraão não os salvou! Se os tivesse salvado, ele não estaria orando para esse fim. Como mencionado, a responsabilidade do homem é crer no testemunho de Deus do evangelho concernente ao Seu Filho. Mas foi exatamente isso que os judeus não conseguiram fazer. Em vez de receberem a Cristo, tropeçaram naquela “pedra de tropeço!” (Cap. 9:32)

V. 2 – Paulo declara duas razões para o fracasso deles: em primeiro lugar, eles tinham “zelo” por sua religião nacional que os levou a se agarrar às suas formas e cerimônias, e não ver que aquelas coisas realmente apontavam para Cristo. (Veja a epístola aos Hebreus.) Apegando-se às formas do judaísmo, lançam um véu sobre seus corações, e “até hoje, quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles” e eles não são capazes de “olhar firmemente para o fim daquilo que era transitório” (2 Co 3:13-15). O “fim” da aliança legal é Cristo e Sua obra consumada na cruz. Os tipos e sombras na Lei apontavam todos para Ele, mas eles não viam. Isso mostra que, embora seja “bom ser zeloso”, nosso zelo deve ser “sempre do bem” e da maneira correta (Gl 4:18). No caso dos judeus, seu zelo não era “com entendimento”. Eles não sabiam que suas Escrituras apontavam para Cristo.

V. 3 – Em segundo lugar, os judeus “não conheciam a justiça de Deus”. Eles não entendiam o significado da cruz e, consequentemente, rejeitavam o evangelho. Como mencionado em nossos comentários no capítulo 3:21-31, a justiça de Deus tem a ver com de que maneira Ele assumiu a questão do pecado na cruz e a resolveu para a Sua própria glória e para a bênção de todos os que cressem. Os judeus, infelizmente, não viram isso na morte de Cristo. Eles criam (e ainda creem) que Sua morte na cruz era a maneira de Deus tratar com Ele com justiça por Sua blasfêmia de imaginar que era o Messias – e Quem eles insistiam ser um impostor (Is 53:4). Em sua ignorância, os judeus procuravam “estabelecer a sua própria justiça” – pensando que ela poderia ser alcançada por guardarem a Lei. Assim, eles “não se sujeitaram à justiça de Deus”, e isso fez com que perdessem a bênção da salvação.

V. 4a – Para eliminar a falsa noção de que a justiça pode ser alcançada pelo desempenho do homem, Paulo declara enfaticamente: “Porque Cristo é o fim de lei para justiça” (JND). O artigo “a” não está na preposição “de” antes da palavra “lei”. Isto indica que ele não está se referindo especificamente à Lei de Moisés, mas ao princípio no qual o desempenho do homem é o caminho para alcançar a justiça. Paulo está aludindo a Deus encerrando o teste do homem na carne pela morte de Cristo. Desde a queda do homem até a morte de Cristo, Deus manteve o homem na carne em provação. Por 40 séculos de história humana, levando até a cruz, Deus testou a carne no homem de todas as maneiras possíveis (quarenta é o número que indica teste nas Escrituras), e a carne provou ser má em todas as coisas (cap. 3:12, 7:18). Todas as tentativas do homem na carne, de atingir a justiça com base no mérito e desempenho humanos, falharam. Deus, portanto, encerrou o teste, e “condenou o pecado na carne” na morte de Cristo (cap. 6:6, 8:3). A palavra “fim” aqui é “teles” no grego, que significa “conclusão” (J. N. Darby, Collected Writings, v. 10, pág. 22).

Ao dizer: “Para justiça”, Paulo não quis dizer que a justiça nos tempos do Velho Testamento foi alcançada por meio do guardar da Lei, mas agora, desde a vinda de Cristo, ela é encontrada n’Ele. A Lei nunca foi dada para esse propósito! (Gl 3:21) Se ela tivesse sido o meio de justiça nos tempos do Velho Testamento, ninguém que vivesse naqueles tempos chegaria ao céu, porque ninguém era capaz de guardá-la! Qualquer esperança de alcançar a justiça nessa linha está condenada desde o início. Ao acrescentar “de todo aquele que crê”, Paulo está indicando que a única maneira pela qual alguém pode ser considerado justo é crendo.

A Bênção do Evangelho Está ao Alcance de Todos

Cap.10:5-10 – Paulo, então, contrasta “a justiça que é pela Lei” com “justiça que é pela fé”. Ele mostra que a Lei mosaica era algo direcionado ao desempenho e cita Levítico 18:5 para provar isso: “O homem que fizer estas coisas viverá por elas”. A ênfase aqui está em fazer – isto é, no desempenho humano. Por outro lado, “a justiça que é pela fé”, nada exige que uma pessoa faça, mas que simplesmente creia na “palavra da fé”.

Vs. 6-7 – Paulo então extrai um princípio da Lei para mostrar que a bênção de Deus é realmente baseada só em fé. Ele cita Deuteronômio 30:10-14, que tem a ver com quando Israel falhasse em sua responsabilidade de guardar a Lei, e fossem perdidas todas as possibilidades de se obter mérito com Deus com base no desempenho humano. Moisés disse ao povo que, mesmo assim, se eles se voltassem para o Senhor com (“com todo o teu coração, e com toda a tua alma”), Ele ainda os abençoaria no contexto desse sistema legal. Eles não teriam que fazer nada para merecer esse favor. Eles não teriam que subir para o céu ou atravessar o mar, porque os mandamentos legais estavam bem ali na frente deles – na boca e no coração – à espera de serem obedecidos. Tudo o que eles teriam de fazer seria voltar-se para o Senhor com fé, e Ele iria começar de novo com eles.

Embora Deuteronômio 30 tenha a ver com a Lei, Paulo usa esse princípio da graça trabalhando por aqueles que reconhecem seu fracasso e se voltam para o Senhor em fé, e adapta esse princípio ao evangelho. Seu ponto é que Deus abençoa no princípio de fé, independentemente de estar no contexto da aliança legal ou no evangelho que ele pregou. Paulo então toma a liberdade de interpretar a passagem em Deuteronômio, inserindo entre parênteses os dois grandes fatos do evangelho: a encarnação de Cristo e a ressurreição de Cristo. Ele diz que uma pessoa não precisa se preocupar com quem “subirá ao céu (isto é, a trazer do alto a Cristo)”, ou quem “descerá ao abismo (isto é, para fazer subir a Cristo dentre os mortos)?” (TB) porque isso já foi feito. Cristo já desceu e Se tornou o supremo sacrifício pelo pecado, e Ele ressuscitou dentre mortos e está assentado à destra de Deus.

V. 8 – Assim, o evangelho não nos pede para fazer algo humanamente impossível, mas simplesmente crer. Assim como a Lei estava “junto” do israelita (em seu coração e boca), Paulo diz que também está “a palavra da fé, que pregamos” no evangelho. A diferença é que o antigo mandamento era uma palavra que tinha a ver com o que o homem deveria fazer, mas agora a palavra no evangelho é sobre o que Cristo fez! O evangelho fala de uma obra que foi consumada (Jo 19:30; Hb 10:12). Como a palavra da verdade está “junto de ti, na tua boca e no teu coração” (os judeus ouviam a Palavra de Deus diariamente nas suas casas e nas suas sinagogas), a salvação estava ao alcance de todos eles. Nenhum judeu, portanto, poderia dizer: “Deus tornou a salvação muito difícil para mim”.

Vs. 9-10 – Paulo prossegue mostrando que, uma vez que tudo foi feito por nós na vinda de Cristo e em Sua morte e ressurreição, tudo o que uma pessoa precisa fazer é “confessar Jesus como Senhor” (JND) e “crer” em seu coração “que Deus O ressuscitou dos mortos”, e ele será “salvo”. Creres “em teu coração”, do qual Paulo fala aqui, significa crer sinceramente; não é uma mera coisa intelectual. Isso mostra que Deus quer veracidade (Sl 51:6). Existem dois “se” neste versículo que se combinam e dão ao crente a certeza da salvação: se “confessarmos” e se “crermos” em nossos corações, “seremos” salvos. É simples assim! Essa é a grande promessa de Deus no evangelho. Deus nunca decepcionou ninguém que tenha confiado em Cristo para a salvação.

Muitos Cristãos evangélicos acreditam que esses versículos estão dizendo que, para que uma pessoa seja verdadeiramente salva, ela deve fazer uma confissão pública de sua fé em Cristo. Consequentemente, os pregadores pressionam confissões públicas em suas reuniões e cultos de evangelho. Eles fazem um “chamado ao altar” para suas audiências, para que qualquer um que queira ser salvo se apresente e faça uma declaração pública de sua fé. Contudo, se tivermos de confessar perante os homens como condição necessária para a salvação eterna da alma, da pena de seus pecados, então a bênção do evangelho não é somente baseada no princípio de fé; torna-se fé e obras! Isso é contrário aos fundamentos do evangelho (cap. 3:26-31). Além disso, isso significaria que uma pessoa não poderia ser salva se estivesse sozinha em algum lugar – porque não teria ninguém a quem fazer sua confissão! E se ela morresse antes de ter a chance de falar a alguém sobre sua fé em Cristo? Certamente não podemos pensar que uma pessoa assim não seja realmente salva e que não esteja no céu.

“Confessar” nesse versículo significa “admitir” ou “expressar concordância”. A questão é: expressar concordância a quem? A. Roach disse que, à luz de Filipenses 2:11, que diz: “E toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai” e Romanos 14:11 que diz: “toda a língua confessará a Deus”, esta confissão deve ser feita a Deus, e não aos homens. O crente reconhece para Deus que “Jesus Cristo é o Senhor”. H. A. Ironside disse: “A confissão aqui não é, obviamente, a mesma coisa que o nosso Senhor diz: ‘Qualquer que Me confessar diante dos homens, Eu o confessarei diante de Meu Pai, que está nos céus’. Esta é antes, a confissão da alma ao próprio Deus, de que ele aceita Jesus como Senhor” (Lectures on Romans, pág. 130-131).

No versículo 9, Paulo menciona a “boca” antes do “coração”, que é a ordem encontrada em Deuteronômio 30, mas no versículo 10, ele inverte a ordem. O versículo 9 enfatiza os fatos, e o versículo 10 enfatiza a ordem em que ocorrem na alma do crente. A fé no coração produz a confissão da boca; é uma prova do que é verdadeiro no coração. Assim, a aceitação interior da palavra pela fé, precede a expressão externa da confissão. Estes não são dois passos separados para a salvação, mas dois lados da mesma coisa.

No curso normal do crescimento e desenvolvimento Cristãos, a confissão diante dos homens seguirá a fé de uma pessoa em Cristo. A pessoa que realmente crê no Senhor Jesus confessará sua crença a seus semelhantes. Isso deveria acontecer naturalmente, pois o evangelho é uma notícia boa demais para guardarmos para nós mesmos! (Veja 2 Rs 7:9.) As Escrituras nos encorajam a falar sobre isso: “Digam-no os remidos do Senhor” (Sl 107:2). A confissão diante dos homens é boa, mas não é uma condição pela qual uma pessoa é salva eternamente da pena de seus pecados. O novo crente pode hesitar em confessar a Cristo a princípio, mas seu bem-estar eterno não depende disso. Paulo já ensinou que a bênção da salvação está somente no “princípio de fé” (cap. 1:17, 3:30, 4:16, 5:1 todos da tradução JND); ele estaria se contradizendo aqui se colocasse a confissão diante dos homens como condição.

A Bênção do Evangelho é Oferecida a Todos

Cap.10:11-13 – Paulo prossegue mostrando nas Escrituras que a bênção de Deus não se limita aos judeus. Ele cita Isaías: “Porque a Escritura diz: Todo aquele que n’Ele crer não será confundido” (Is 28:16). “Todo aquele que” é uma expressão bastante grande, abrangendo não apenas judeus, mas também gentios. O uso que Deus faz desta palavra em conexão com a salvação prova que Ele pretende que a bênção alcance os gentios. Assim, os gentios que creem na mensagem do evangelho também são abençoados com o mesmo princípio de fé que os judeus, porque, como Paulo diz, “não há diferença entre judeu e grego” quando se trata de ser salvo (At 15:11). Ele mostrou no capítulo 3 que “não há diferença” entre os judeus e os gentios quanto à sua ruína e necessidade de um Salvador. Agora, neste capítulo, ele mostra que “não há diferença” entre os judeus e os gentios na graça de Deus sendo-lhes mostrada. Ele cita o profeta Joel para mais uma prova disso: “todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (Jl 2:32).

Cap.10:14-15 – Paulo então pergunta como poderia ser possível para qualquer um entre os gentios invocar o nome do Senhor se eles nunca ouviram falar d’Ele. Ele mostra que há uma necessidade de proclamar Cristo entre os gentios para que eles possam invocá-Lo e serem salvos. Ele diz: “Como, pois, invocarão aqu’Ele em Quem não creram? e como crerão naqu’Ele de Quem não ouviram? e como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados?”. Ele cita Isaías 52:7 para apoiar o princípio de proclamar a verdade no evangelho: “Está escrito: Quão formosos os pés dos que anunciam a paz, dos que anunciam coisas boas!” Assim, as Escrituras judaicas na verdade encorajam a pregação do evangelho concernente a Cristo, o Messias. Isso foi exatamente o que Paulo estava fazendo entre os gentios! E ao afirmar isso, ele se justifica por ir aos gentios com as boas-novas.

O Evangelho Não Foi Crido por Todos

Cap.10:16-21 – É triste dizer que, com exceção de um remanescente, os judeus falharam em sua responsabilidade de crer no evangelho. Não só se recusaram a recebê-lo, mas também resistiram à disseminação das boas-novas aos gentios. Paulo relatou aos tessalonicenses: “Os quais [os judeus] também mataram o Senhor Jesus e os Seus próprios profetas, e nos têm perseguido, e não agradam a Deus, e são contrários a todos os homens. E nos impedem de pregar aos gentios as palavras da salvação, a fim de encherem sempre a medida de seus pecados” (1 Ts 2:14-16). O livro de Atos também atesta esse fato.

Paulo cita Isaías novamente para mostrar que as Escrituras proféticas do Velho Testamento predisseram que a nação rejeitaria seu Messias. Ele diz: “Mas nem todos obedecem ao evangelho; pois Isaías diz: Senhor, quem creu na nossa pregação?” Ao dizer “nossa pregação”, Isaías estava falando em nome de seus colegas profetas, os outros profetas do Velho Testamento que haviam profetizado sobre o Messias. Ele lamentou que a pregação sobre o Messias não tivesse sido crida pela nação de Israel, apesar de ela conter tudo o que eles precisavam saber sobre Ele. A pregação anunciou:

- O tempo da Sua vinda (Dn 9:26 com Sl 102:24).

- O local de Seu nascimento (Mq 5:2). - Seu nascimento virginal (Is 7:14). - Sua Filiação (Sl 2:6-7). - Sua Realeza como descendente direto de Davi (2 Sm 7:12-16; Jr 23:5). - Sua anunciação por um precursor (Is 40:3; Ml 3:1). - A maneira de Sua vida (Is 42:1-3). - Seu poder para trazer as bênçãos do reino (Is 33:24, 35:5-6, 61:1-3; Sl 65:6-7, 89:9, 132:15, 89:9, 132:15, 89, 146:7-8, etc.). - Sua apresentação à nação de Israel (Zc 9:9). - Sua traição (Sl 35:8, 14, 41:9, 55:12-14, 69:25, 109:6-8). - A rejeição d’Ele pelos judeus (Sl 35:11, 69:4, 109:4-5; Is 49:4, 50:5-6, 53:2-4; Dn 9:26; Mq 5:1-2). - Sua morte (Sl 16:10, 22:1-21a, 31:1-5a, 102:24; Dn 9:26a). - Sua ressurreição (Sl 16:11, 22:21b, 102:24b-28). - Seu lugar atual à destra de Deus (Sl 110:1). - A esperança de Israel de que Deus O enviaria para libertação deles (Sl 80:17). - Sua vinda novamente – a Aparição (Sl 72:6, 96:13, 98:9; Is 30:27-33; Ml 3:1, 4:2-3). - Seu reinado público em justiça como Rei sobre toda a Terra (Is 32:1, 61:11; Sl 47:7; Zc 14:9). - Ele ser buscado e adorado pelos gentios (Sl 47:9, 72:11, 86:9; Is 11:10; Zc 2:11).

Assim, a “pregação” dos profetas sobre a vida e os tempos do Messias havia sido preditas nas Sagradas Escrituras. Os judeus se orgulhavam de conhecer as Escrituras, mas eram “tardos de coração” para realmente “crer” naquelas coisas (Lc 24:25-26). Os profetas do Velho Testamento falavam do Messias – primeiro sofrendo e depois entrando na glória do Seu reino (1 Pe 1:11). Esse testemunho não foi dado apenas aos judeus, mas os gentios também o ouviam, pois, o evangelho foi pregado a ambos, judeu e gentio (cap. 1:16).

V. 17 – Paulo fala então de como a bênção do evangelho ocorre nas almas. Ele diz: “De sorte que a fé é pelo ouvir [uma pregação], e o ouvir [a pregação] pela palavra de Deus” (JND). Assim, “fé” em uma pessoa é um resultado de serem abertas suas faculdades espirituais de ouvir, e isso ocorre pelo poder da “Palavra de Deus” trabalhando em sua alma. O Espírito de Deus toma a Palavra de Deus e a aplica à alma, e assim comunica a vida espiritual à pessoa. Essa ação é chamada de novo nascimento ou vivificação (Jo 3:3-5; Ef 2:1, 5). Ao receber a vida divina, as faculdades espirituais da pessoa começam a operar, e ela é capaz de ouvir e receber comunicações divinas – isto é, a verdade do evangelho. É por isso que precisamos “pregar a Palavra” aos perdidos (2 Tm 4:2). “Porque a palavra de Deus é viva e eficaz”, e dirigida pelo Espírito de Deus quando a pregamos, ela comunica a vida divina aos homens (Hb 4:12).

V. 18 – Paulo então cita o Salmo 19, que tem a ver com o testemunho da criação, para mostrar que Deus pretende que um testemunho alcance “toda a Terra”. Isto, com certeza, incluiria gentios, pois eles estão por toda a Terra. O testemunho da criação não anuncia o evangelho da graça de Deus. Paulo não o cita por essa razão, mas para mostrar que Deus quer que todos os homens recebam um testemunho de Si mesmo. Isto, então, alicerça o esforço para anunciar as boas-novas nas regiões d’além.

Vs. 19-21 – Paulo diz: “Israel não o soube?” Como eles não sabiam que Deus desejava que a bênção fosse oferecida aos gentios, quando suas próprias Escrituras deram testemunho desse fato? Ele cita o que Moisés escreveu em Deuteronômio 32:21 para provar isso: “Eu os meterei em ciúmes com aqueles que não são povo, com gente insensata vos provocarei à ira” (v. 19). A implicação aqui é que, porque tardavam em crer, Deus envergonharia Israel no fato de Sua bênção ir para os gentios. Paulo acrescenta outra declaração de Isaías 65:1 para este fim: “Fui buscado dos que não perguntavam por Mim; fui achado daqueles que Me não buscavam” (v. 20; Rm 3:11). Mas, relativamente a Israel, Isaías 65:2 disse: “Estendi as Minhas mãos todo o dia a um povo rebelde” (v. 21). Assim, a partir de suas próprias Escrituras, Paulo mostra que haveria essa admirável inversão da bênção. Quando Israel rejeitasse a bênção, por não receber seu Messias, Deus enviaria a bênção aos gentios! O Senhor também ensinou isso em muitas de Suas parábolas (Mt 21:42-44, 22:8-10; Lc 13:28-30, 14:16-24). O resultado foi que muitos gentios entraram na bênção pela fé em Cristo, e (com exceção de um remanescente) Israel a perdeu!

Assim, Paulo mostrou neste capítulo que há uma responsabilidade moral da parte do homem em crer no testemunho de Deus do evangelho. Deus fez ampla provisão para que Israel cresse, mas o princípio se aplica a toda à humanidade. E se Israel como nação foi posta de lado, não é por culpa de Deus; é claramente pela própria culpa deles. Eles não apenas quebraram a Lei, mas também rejeitaram o Messias e o evangelho da graça de Deus.

No decorrer deste décimo capítulo, Paulo mencionou três razões principais pelas quais os judeus perderam a bênção de Deus:

- Zelo pela religião nacional (v. 2). - Ignorância da justiça de Deus (v. 3). - Incredulidade obstinada (v. 16).

O TROPEÇO DE ISRAEL
ABRINDO O CAMINHO PARA A BÊNÇÃO DOS GENTIOS

E A REJEIÇÃO DA GRAÇA PELOS GENTIOS PREPARANDO O CAMINHO PARA A RESTAURAÇÃO DE ISRAEL

A Admissão Israel no Futuro**

Capítulo 11**

Três Provas que Deus Não Rejeitou Seu Povo para Sempre

Neste capítulo, Paulo mostra que Deus voltará a ocupar-Se com Israel e os trará à bênção. Ele começa perguntando: “Digo pois: Porventura rejeitou Deus o Seu povo? De modo nenhum [longe esteja o pensamento – JND]. Foi verdadeira a acusação dos judeus, que disse que o evangelho que Paulo pregou, ignorou as promessas de Deus a Israel? Paulo responde isso da maneira mais simples – NÃO! Enquanto as Escrituras declaram que Deus “rejeitaria” Seu povo por causa da falha deles em receber o Messias (Dn 9:24-27; Mq 5:1-3; Is 61:1-3; Sl 69:22-36; Jr 31:37-40; Zc 11:1-13:6, etc.), em nenhum lugar as Escrituras afirmam que a rejeição seria completa ou final. Paulo passa a dar três provas que mostram que Deus não rejeitou completamente o Seu povo.

No Presente Há um Remanescente da Nação que Acreditou no Evangelho e Foi Abençoado

Cap.11:1-6 – A primeira prova de que Deus não rejeitou completamente o Seu povo (Israel) é que há atualmente “um remanescente” de judeus que creram no evangelho da graça de Deus. Paulo, na verdade, é um exemplo. Ele diz: “porque também eu sou israelita, da descendência d’Abraão, da tribo de Benjamim” (v. 1). Mesmo que a massa da nação tenha sido cegada pela incredulidade, ainda há um remanescente de indivíduos eleitos que creram, os quais Deus reservou para Si mesmo, como tinha nos dias de Elias. Essa “eleição da graça” são as primícias da nação e são uma promessa da restauração definitiva de Israel em um dia vindouro (Ef 1:12). Isso mostra que quando os homens falham em sua responsabilidade, Deus mantém Sua soberania e assegura um remanescente que crê. Ele não permitirá que Seu propósito de abençoar seja frustrado (Jó 42:2; Is 46:10). Assim, a eleição de judeus crentes no tempo presente é completamente uma obra de graça soberana.

Cap. 11:7-10 – Enquanto o remanescente eleito da nação entrou na bênção, a massa foi judicialmente “endurecida [cegada – JND]. Esse endurecimento não deveria ser uma surpresa para os judeus, porque suas próprias Escrituras afirmam que isso aconteceria! Paulo cita Isaías 29:10: “Como está escrito: Deus lhes deu espírito de profundo sono: olhos para não verem, e ouvidos para não ouvirem” (v. 8). Ele também cita Davi, que profeticamente proferiu a oração rogatória do Messias na cruz quando foi rejeitado pelo povo: “Torne-se-lhes a mesa diante deles [o sistema sacrificial deles] em laço; E quando estiverem seguros, sejam-lhes armadilha. Obscureçam-se-lhes os olhos, para que não vejam; E faze que os seus lombos tremam constantemente” (Sl 69:22-23 – TB). (Veja também Is 6:9-10 com Jo 12:39-41, e também 2 Co 3:14-15.) Assim, este endurecimento é um juízo governamental de Deus sobre a nação como um todo, mas indivíduos entre eles podem ainda vir a Cristo com fé e serem abençoados.

Ao Chamar os Gentios, Deus Está Provocando Ciúme nos Judeus – E Isso Prova que Ele Não Terminou Seu Tratamento com Israel

Cap.11:11-25 – A segunda prova de que Deus não terminou Seu tratamento com Israel é vista em Seu chamado aos gentios para provocar Israel ao ciúme (v. 11). Paulo diz: “Porventura tropeçaram, para que caíssem**? De modo nenhum** [**longe esteja o pensamento** – JND]**. Mas pela sua** queda [retirada] **veio a salvação aos gentios, para os incitar à emulação** [ciúme]**”**. O fato de que Deus quis incitar Israel, provocando-os ao ciúme para que voltassem a Ele, mostra que Ele ainda não terminou Seu tratamento com eles. Paulo concorda que Israel **“tropeçou”**, mas ele insiste que eles não caíram, no sentido de estar tudo acabado para eles. Lendo o versículo como encontrado na KJV pode ser confuso, porque depois de afirmar que eles não caíram, ela vai em frente e diz que eles tiveram uma queda! Este enigma é facilmente esclarecido ao entender-se que a palavra **“queda”** no décimo primeiro versículo é realmente uma palavra diferente no grego, e deveria ser traduzida como **“transgressão”** (TB). **“Caíssem”**, no sentido de que Paulo fala aqui, é uma coisa final “sem recuperação”. **“Transgressão”**, por outro lado, não carrega essa conotação. Isso ocorre novamente no versículo 12. Assim, Israel tropeçou e transgrediu, mas eles não caíram do propósito de Deus de abençoá-los.

Paulo disse que a “diminuição [perda – JND] de Israel abriu o caminho para os gentios terem grandes “riquezas”. A “riqueza dos gentios” refere-se ao favor que Deus estendeu aos gentios no evangelho, sem levar em conta se eles creram ou não. Em outras palavras, a “perda” de Israel tem sido o ganho dos gentios. Este é um princípio nos caminhos de Deus que é encontrado em muitos lugares na Escritura (Is 49:4-6; At 13:46-48, 18:5-6, 28:24-28; Rm 1:16). Ele acrescenta: “quanto mais a sua plenitude!” Isto é, se o fracasso de Israel levou a bênção para os gentios neste Dia da Graça, quanto mais será assim quando Deus restaurar Israel! Hoje, a bênção pelo evangelho foi para o mundo de uma forma limitada, mas então será uma conversão mundial dos gentios (Sl 22:27, 47:9; Is 2:2-3; Zc 2:11; Ap 7:9, etc.). Israel redimido será o canal de Deus para abençoar as nações naquele dia (Is 60-61, etc.).

Paulo diz: “Porque convosco falo, gentios, que, enquanto for apóstolo dos gentios” (v. 13). Ele sentiu sua responsabilidade para com os gentios, e do versículo 13 ao 32, se volta para falar diretamente a eles. Ao interpretar este capítulo, é importante entender que Paulo não está necessariamente falando dos gentios como crentes, mas dos gentios genericamente. Seu ponto é que tiveram o maravilhoso privilégio do evangelho estendido a eles. Enfatizamos isso porque, mais adiante no capítulo, ele fala da possibilidade desses gentios serem “cortados”. Verdadeiros crentes, como sabemos, fazem parte da Igreja, e tais nunca serão cortados. A profissão Cristã em geral, no entanto, será julgada e cortada por Deus (Ap 3:16), porque não continuou na bondade de Deus. Paulo queria “magnificar” (KJV) seu “ministério” pregando aos gentios em todo lugar que pudesse, porque, ao fazê-lo, poderia incitar alguns de seus conterrâneos à “emulação [ciúme], e eles acreditariam na salvação de suas almas (vs. 13-14).

Ele diz: “Porque, se a sua rejeição é a reconciliação do mundo, qual será a sua admissão, senão a vida dentre os mortos?” (v. 15) Tão certo como houve uma “rejeição” de Israel, também haverá “sua admissão” novamente em um dia futuro. A reconciliação aqui não é a mesma que no capítulo 5:10-11, onde tudo é vital e eterno. Aqui é dispensacional, sendo uma coisa provisória para os gentios neste tempo presente. Assim, o mundo gentio foi trazido para perto de Deus (aproximação geral), mas isso é apenas exteriormente. Ele diz que a admissão deles (Israel) será “vida dentre os mortos”. Isto não está se referindo à ressurreição literal de corpos humanos (1 Ts 4:16, etc.), nem está falando da ressurreição nacional de Israel (Is 26:19; Ez 37:1-14; Dn 12:1-3), mas do que o mundo gentio experimentará como resultado da restauração de Israel ao Senhor. O Sr. W. Kelly disse: “Seja qual for a misericórdia divina na reconciliação do mundo, a qual agora conhecemos enquanto o evangelho vai em direção à toda criatura, uma bem-aventurança completamente diferente aguarda o mundo inteiro como ‘vida dentre os mortos’, quando todo Israel for recebido de volta e salvo. Não será para todos na Terra – ‘vida dentre os mortos?’” (Notes on the Epistle to the Romans, pág. 224).

Paulo usa duas figuras para ilustrar seu ponto:

- Um pedaço de massa. - Uma oliveira.

Primeiro, quanto ao pedaço de massa, ele diz: “E, se as primícias [primeiro pedaço da massa] são santas, também a massa o é” (v. 16a). As “primícias” é o remanescente de crentes judeus no tempo presente que creram no evangelho. Eles “pré-confiaram” (os que de antemão esperaram – ARA) em Cristo (Ef 1:12 – JND) e são os primeiros frutos da nação que será salva no futuro (v. 5). Assim, se pela graça de Deus as primícias são santas, assim será santa “a massa”. A massa é a nação em um dia vindouro, quando eles crerem em Cristo (v. 26). O argumento de Paulo é que os poucos crentes judeus de hoje – “um remanescente, segundo a eleição da graça” (v. 5 – JND) – são realmente um penhor ou uma garantia de que o resto são verdadeiros israelitas que serão salvos. A existência do remanescente neste tempo presente (as primícias) é evidência de que a nação (a massa) será salva no futuro. Com isto sabemos que Deus não desistiu de Israel; há bênçãos reservadas para a nação.

Paulo então passa para a outra figura – “a oliveira” (vs. 16b-32). Ele diz: “se a raiz é santa, também os ramos o são”. A “raiz” é uma alusão a Abraão, o pai da nação, que foi colocado à parte em um lugar de associação “santa” com Deus (Is 51:2). O argumento de Paulo aqui é que se a raiz (Abraão) está em um lugar exterior de bênção, também estão “os ramos” (descendentes de Abraão). No entanto, ser ramos não significa necessariamente que todos os descendentes de Abraão são nascidos de Deus. Eles estavam em um lugar de santificação relativa. Assim, como Paulo falou da reconciliação (v. 15), ele também fala de santificação (v. 16) – ambas são relativas, não algo vital ou absoluto.

Três Aspectos da Santificação

Existem três aspectos da santificação (santidade) na Escritura que não devemos confundir:

- Há a santificação absoluta ou posicional como encontrada em At 26:18; 1 Co 1:2, 30, 6:11; 2 Ts 2:13; Hb 10:10, 14; e 1 Pe 1:2. Isso tem a ver com os crentes sendo separados para Deus, nascendo de novo e sendo salvos. - Há a santificação progressiva ou prática, como em Jo 17:17-19; Rm 6:19-22; 2 Co 7:1; Ef 5:26-27; 1 Ts 4:4-7, 5:23; Hb 12:14. Isso tem a ver com o exercício dos crentes desenvolvendo santidade em suas vidas. - Há a santificação relativa, que tem a ver com uma pessoa sendo colocada em um lugar de associação externa com algo santo.

A santificação relativa também é vista em 1 Coríntios 7:14, mas em uma conexão completamente diferente. Nesse caso, diz-se que um marido incrédulo é “santificado” por causa de sua associação com sua esposa crente. Isso não significa que ele é salvo, mas que está em um lugar de santo privilégio. A santificação relativa também é vista em Hebreus 10:29, mas em uma conexão diferente novamente. Os judeus que professavam fé em Cristo e assumiam uma posição Cristã estavam em um lugar santificado, mas isso não significa que eles eram salvos. O escritor de Hebreus os adverte que se abandonassem essa posição Cristã, eles provariam ser apóstatas e não haveria nada além de juízo para eles (Hb 10:30-31). O argumento de Paulo aqui em Romanos 11:16 é que se a “raiz” da nação (Abraão) foi colocada em um lugar santo de privilégio em relação a Deus, então os “ramos” (descendentes de Abraão – a nação de Israel) estão naquele lugar também (Dt 7:6, 14:2; 1 Rs 8:53; Am 3:3). Ele não está falando do que é vital por meio do novo nascimento, mas de estar em um lugar de favor e privilégio por meio de sua associação com Abraão.

A Oliveira

Vs. 17-22 – A ilustração da “oliveira” mostra que Deus teve um desaprovação governamental contra Israel (por causa da incredulidade deles), e assim eles foram removidos de seu lugar de favor e privilégio, que foi dado aos gentios. Isso não significa que as bênçãos de Israel tenham sido espiritualmente transferidas para a Igreja – o erro da Teologia Reformada (ou Teologia da Aliança ou da Substituição). A passagem diz respeito ao privilégio de Israel de estar em um lugar de associação externa com Deus, não às bênçãos de Israel sendo dadas à Igreja.

Israel havia ocupado aquele lugar de privilégio, assim como os ramos naturais da oliveira estavam ligados à “raiz”. Mas pela sua desobediência e, finalmente, sua rejeição de Cristo, aqueles “ramos” foram “quebrados”, e ramos de um “zambujeiro [oliveira brava] (os gentios) foram “enxertados”. Os ramos da oliveira brava se referem àqueles da profissão Cristã (que é composta em grande parte por gentios – At 15:14, 28:28). Os ramos nesta passagem não se referem a crentes, mas às pessoas (algumas reais e outras não), estando em um lugar de favor exterior com Deus. Assim, os ramos da oliveira brava não representam a Igreja, mas aqueles que professam a fé em Cristo neste Dia da Graça. (Se os ramos fossem verdadeiros crentes, então estaria sendo ensinado que é possível para um crente perder sua salvação, porque o versículo 22 declara que eles serão “cortados” se não continuarem na bondade de Deus. As Escrituras ensinam que isso é impossível; os crentes estão eternamente seguros – Jo 10:27-28, etc.).

O fato de que a passagem é escrita para aqueles que representam os ramos de oliveira brava mostra que, no tempo em que Paulo escreveu esta epístola, Israel era visto como já tendo sido colocado de lado nos caminhos de Deus. Note também que ele diz que “alguns” dos ramos naturais foram quebrados; ele não disse todos eles, porque há o remanescente de judeus que creram no evangelho (v. 5). Os ramos naturais que estão sendo “quebrados” referem-se à nação de Israel sendo separada nacionalmente nos tratamentos de Deus. Miquéias 5:3 atesta isso. Ele afirma que, em vista de o Messias ser rejeitado pelos judeus, Ele os “entregaria” até que chegasse um momento de dores de parto – que se refere à grande tribulação. Os ramos de oliveira brava que foram enxertados são advertidos de que eles também serão “cortados”, se não “permaneceres na Sua benignidade” (v. 22). Isso se refere ao privilégio que está sendo oferecido atualmente para a Cristandade sendo tirado pelo julgamento (Ap 3:16). Apocalipse 2-3 é uma evidência de que a profissão Cristã não continuou na bondade de Deus e aguarda o julgamento. Não há menção na Escritura da Cristandade sendo restaurada.

Vs. 23-24 – Paulo fala então da possibilidade e da inevitabilidade dos “ramos naturais” serem enxertados novamente. Isso obviamente se refere a Deus retomar Seus tratamentos com Israel outra vez, no âmbito nacional. A condição é simplesmente: “se não permanecerem na incredulidade”. Isto é, se desistirem de sua obstinada incredulidade – o que um remanescente da nação fará em um dia vindouro.

O Mistério do Endurecimento de Israel - Uma Coisa Temporária

V. 25 – Paulo então diz que não queria que os irmãos fossem “ignorantes” do “mistério” (TB) do endurecimento [da cegueira – JND] de Israel. É bem possível que pudéssemos crescer em orgulho (“para que não presumais de vós mesmos”), pensando que somos melhores que Israel. É apenas “endurecimento [cegueira] em parte**”** que aconteceu a Israel porque existe um remanescente que acreditou no evangelho. E, que a cegueira somente continuará **“até que a plenitude dos gentios haja entrado”**. Isto se refere ao número completo de pessoas eleitas que crerão no evangelho que está sendo pregado hoje. O Senhor então levará a Igreja para casa ao céu no Arrebatamento (Jo 14:2-3; 1 Ts 4:15-18). Depois disto, o Senhor retomará novamente com Israel e os judeus então entrarão no **“tempo de angústia para Jacó”** (Jr 30:7), também chamado de **“tempo em que a que está de parto tiver dado à luz”** (Mq 5:3) a **“grande tribulação”** (Mt 24:21). Por meio da pressão intensa desta provação, um remanescente de judeus tementes a Deus **“se converterão ao Senhor”** em arrependimento sobre o pecado nacional de tê-Lo crucificado (2 Co 3:16a). Veja também Isaías 53. Imediatamente, **“o véu”** que tem estado sobre seus olhos e corações **“se tirará”** (2 Co 3:16b). **“E olharão para Mim, a Quem traspassaram; e O prantearão”** em arrependimento (Zc 12:10), e então o Senhor abrirá uma **“fonte”** (figurativamente) para a purificação dos pecados deles; pela qual eles serão restaurados a Ele (Zc 13:1**). “E naquele dia os surdos ouvirão as palavras do livro, e dentre a escuridão e dentre as trevas as verão os olhos dos cegos”** (Is 29:18). E novamente: **“E os olhos dos que veem não olharão para trás: e os ouvidos dos que ouvem estarão atentos”** (Is 32:3).

As Escrituras Afirmam que o Senhor Virá de Sião e Salvará Israel

Cap.11:26-32 – Isto leva Paulo a uma terceira prova de que Deus não terminou com Seu tratamento com Israel – a Palavra de Deus (particularmente os Profetas do Velho Testamento) afirma claramente que o Senhor salvará “todo o Israel”. Como isso evidentemente não aconteceu ainda, é uma promessa que ainda está para ser cumprida. Se Deus prometeu com Sua Palavra que fará isso, Ele não pode voltar atrás. Se Ele fosse voltar em Sua Palavra, então Ele teria mais a perder do que Israel teria! Ele perderia Sua honra e reputação, e Se mostraria ser um Deus que não pode ser confiado! Já que Ele não pode e não negará a Si mesmo, Sua Palavra permanecerá. “Deus não é homem, para que minta; nem filho do homem, para que Se arrependa: porventura diria Ele, e não o faria? ou falaria, e não o confirmaria?” (Nm 23:19).

Ao dizer que **“**todo o Israel será salvo”, sabemos pelo que Paulo já nos ensinou no capítulo 9:6-8 que isso se refere a todos os verdadeiros israelitas. Isto é, aqueles que não têm apenas a linhagem de Abraão, mas também a fé de Abraão. O aspecto da salvação aqui não é apenas aquele da alma, mas também literalmente – salvo de seus inimigos e estabelecido como nação no futuro reino milenar de Cristo (vs. 26-27). Paulo cita Isaías 59:20-21 como um exemplo de uma profecia que ainda precisa ser cumprida em conexão com a bênção nacional de Israel.

Vs. 28-29 – Ainda falando aos gentios, Paulo mostrou que Deus tem bênção para Israel e para os gentios, mas de duas maneiras diferentes e em dois momentos diferentes. Ele diz: “quanto ao evangelho, [eles] são inimigos por causa de vós**”**. Os gentios podem agradecer a Deus por Israel ter tropeçado, porque isso lhes abriu a porta a seu favor. Mas isso não significa que está tudo acabado para Israel. Ele diz: **“Mas, quanto à eleição, amados por causa dos pais”**, e serão abençoados algum dia no futuro. Ele nos assegura isso, afirmando que **“Porque os dons e a vocação de Deus”** em conexão com Israel são **“sem arrependimento”**. Isto é, Deus não Se arrependerá (não mudará de ideia) do que prometeu a Israel. Portanto, as promessas feitas aos pais e as profecias feitas por seus profetas a respeito da bênção de Israel são certas.

Vs. 30-32 – Paulo conclui suas observações declarando que quando se trata da bênção de Deus para o homem, seja para judeus ou para gentios, tudo se resume a Sua soberana bondade e misericórdia. Enquanto os gentios “agora alcançaram misericórdia” pela “desobediência [incredulidade – JND] de Israel, “eles (Israel) também alcançarão misericórdia” da mesma maneira no futuro. Assim, “Deus encerrou a todos debaixo da desobediência [incredulidade – JND], para com todos usar de misericórdia”. Por isso, o evangelho que Paulo pregou não entrou em conflito algum com as promessas de Deus a Israel.

Três Expressões Usadas nas Escrituras em Conexão com os Gentios

- “Os tempos dos gentios” (Lc 21:24) – Refere-se ao período de tempo em que “o trono do Senhor”, que denota o Seu poder em governo (1 Cr 29:23), foi transferido para os gentios (Dn 2:37, 5:18-19), por conta do fracasso de Israel (2 Cr 36:14-21). Este período de tempo começou em 606 a.C. e se encerrará na Aparição de Cristo (Lc 21:24-28). O governo da Terra durante esse tempo passou por quatro sucessivos impérios gentios – os babilônios, os medos e persas, os gregos e os romanos. Durante o governo romano, Deus introduziu um chamado celestial da Igreja pelo evangelho interposto como um parêntese em Seus tratos com a Terra, após o qual “o trono do Senhor” será novamente dado ao Israel redimido e estabelecido em Jerusalém quando Cristo reinará como Rei sobre toda a Terra (Jr 3:17; Dn 2:35, 44; Zc 14:9; Sl 47:7). - “A plenitude dos gentios” (Rm 11:25) – Refere-se ao número completo de pessoas eleitas que crerão no evangelho da graça de Deus, pregado hoje entre os gentios. - “A riqueza dos gentios” (Rm 11:12) – Refere-se ao especial favor que Deus estendeu aos gentios, dando-lhes a oportunidade de ouvir o evangelho.

Doxologia de Paulo

Vs. 33-36 – Nesse ponto, Paulo atingiu o ápice da verdade na epístola. Como um alpinista que alcançou o pico da montanha que estava subindo e se vira para olhar para trás, para ver até onde ele chegou, Paulo olha para o rastro de misericórdia e graça que ele expôs nos capítulos anteriores, e espontaneamente irrompe em uma doxologia16 de louvor a Deus por Sua sabedoria e caminhos. Nada poderia ser mais apropriado para tal história de graça! Ela descreve o que deveria ser a reação de todo Cristão.

Nesta doxologia, vemos que o coração do apóstolo está cheio de louvor e admiração pelo grande plano de Deus para salvar e abençoar tanto judeus como gentios. Sete grandes atributos de Deus são mencionados: as “riquezas”, a “sabedoria”, a “ciência”, os “juízos”, os “caminhos”, o “intento [a mente] e o “conselho” de Deus. Todas essas coisas trabalharam juntas para garantir nossa bênção de uma maneira que está além do entendimento.

Paulo termina reconhecendo que todo bem e bênção têm sua fonte no próprio Deus; é tudo “d’Ele”. Tudo o que Ele trouxe para a bênção do homem é “por Ele” e, finalmente, retornará “para Ele” para Sua própria glória. Isso mostra que Deus é a Fonte de todo bem, o Agente de todo bem e o Objeto de todo bem. Tudo foi planejado para trazer “glória” a Ele, e trará glória a Ele no dia da manifestação de Cristo. Paulo com razão corretamente conclui a doxologia com um caloroso “Amém” (“Assim seja”).

Três Grandes Doxologias de Paulo

- Doxologia pela sabedoria de Deus (Rm 11:33-36). - Doxologia pelo amor de Deus (Ef 3:20-21). - Doxologia pela graça de Deus (1 Tm 1:17)

DEVOCIONAL

Capítulos 12-15

A JUSTIÇA DE DEUS DEMONSTRADA NA VIDA PRÁTICA

Capítulos 12-15

Nos capítulos 3:21-8:39, tivemos a justiça de Deus declarada no evangelho, assegurando libertação para o crente da pena de seus pecados, do poder do pecado e, finalmente, da presença do pecado. Então, nos capítulos 9-11, vimos a justiça de Deus desvendada em Seus caminhos dispensacionais. Agora nos capítulos 12-16, aprenderemos que Deus quer Sua justiça demonstrada praticamente na vida daqueles a quem Ele salvou.

Assim, o capítulo 12 começa uma nova divisão na epístola na qual são encontradas muitas exortações práticas baseadas na doutrina que foi exposta nos capítulos 1-11. Por necessidade, a doutrina precede a prática no Cristianismo. A estrutura das epístolas no Novo Testamento reflete isso. Por meio da doutrina, não apenas aprendemos nossa posição de favor diante de Deus, mas também de como devemos ordenar nossas vidas corretamente na Terra em relação ao chamado celestial. J. N. Darby disse que nenhum Cristão conhece seu próprio lugar diante de Deus sem doutrina, e nenhum Cristão andará corretamente sem ela. Enfatizando a importância da doutrina, C. H. Brown disse: “Devemos crer corretamente, antes que possamos andar corretamente”.

Entrando nesta parte devocional da epístola, vemos que é desejo de Deus que a verdade seja demonstrada na prática na vida Cristã. Contudo, não é Sua intenção que os crentes sejam encontrados vivendo suas vidas Cristãs com um senso de obrigação e obediência legal, mas com corações cativados por afeição a Cristo. Portanto, Ele enche nossos corações de apreço pelo que fez para nos salvar, e assim permite que Seus direitos na redenção nos movam a uma vida Cristã adequada. Antecipando este tipo de resposta nestes capítulos, Paulo retrata o crente se movendo em linhas completamente diferentes, com motivos inteiramente novos, daqueles que uma vez o controlaram nos dias anteriores à sua conversão.

SERVIÇO DEVOTADO

PARA DEUS
Capítulo 12:1-8

Nos primeiros oito versículos do capítulo 12, Paulo traça uma ordem moral das coisas que ocorrem nas vidas daqueles cujos corações foram tocados pelas compaixões de Deus e pelo amor de Cristo. Essas coisas são como uma corrente, construindo-se de um elo para o próximo – indo da apreciação do crente pela misericórdia e graça de Deus, até a sua consagração ao serviço de Deus.

APRECIAÇÃO (cap. 11:33-36)

A doxologia no final do capítulo 11 forma uma transição natural (uma ponte) para as exortações práticas deste capítulo. Como já observamos, refletir sobre tudo o que aconteceu nos onze capítulos precedentes, terá um efeito positivo sobre o crente. Isso produzirá uma apreciação sincera pelo que Deus fez para salvá-lo e será expresso em louvor e agradecimento. Esta é realmente a fonte para todo o comportamento Cristão correto. Vamos, então, reservar tempo para considerar (e meditar sobre) o que Deus fez por meio de Cristo para Sua própria glória e para nossa bênção; isso nos fará Cristãos agradecidos e dedicados.

DEDICAÇÃO (cap. 12:1)

Supondo que o coração do crente esteja cheio de apreciação pelo que Deus fez, Paulo imediatamente roga pelos direitos de Cristo na redenção. A “compaixão de Deus” ao nos alcançar e nos salvar a um grande custo para Si mesmo, não apenas requer agradecimento, mas também a entrega de nossas vidas à causa de Cristo neste mundo. Paulo, portanto, convoca a dedicação de nossas vidas como uma resposta apropriada. Ele diz: “Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável [aceitável – JND] a Deus”. Nota: ele não diz, “Ordeno-vos, pois, irmãos…” porque não é a obediência legal que Deus deseja do Cristão. Nossa resposta natural deveria ser: Devo dar algo em reconhecimento a Ele. O que posso fazer para Ele? Ou, como disse o salmista: “Que darei eu ao Senhor, por todos os benefícios que me tem feito?” (Sl 116:12).

A lógica da cruz – o que aconteceu lá – deveria levar o crente a uma entrega incondicional de sua vida a Cristo. Isso é dedicação. Dedicar significa “se entregar”. (Ver At 15:26 – JND). Nas Escrituras, tem o sentido de dedicar algo a Deus (Lv 27:21, 28; 2 Sm 8:11). “Apresenteis” está no tempo verbal aoristo no grego, significando que isto deve ser uma coisa de uma vez por todas na vida do crente. (Se uma pessoa sofrer uma queda em sua alma e se afastar de andar com o Senhor, precisará dedicar novamente sua vida, mas isso não é Cristianismo normal.) Nossos “corpos”, que antes eram usados como veículos de nossas próprias vontades, agora, como resultado da graça de Deus operando em nossos corações, devem alegremente ser colocados no altar de Deus como um sacrifício a ser usado em Seu serviço.

A dedicação está intimamente ligada ao Senhorio; as duas coisas realmente andam juntas. Reconhecer o Senhorio de Cristo envolve renunciar em favor d’Ele o comando de nossas vidas. Tendo Cristo como Senhor da nossa vida vai além de ter Cristo como nosso Salvador. Uma coisa é conhecê-Lo como nosso Salvador que morreu por nós e outra coisa é tê-Lo como o Senhor de nossas vidas. O Senhorio tem a ver com o reconhecimento de Sua autoridade de forma prática. É reconhecer que Ele é o Único que tem o direito de ordenar nossas vidas, porque na redenção Ele reivindicou tudo o que somos e tudo o que fazemos (1 Co 6:20, 7:23). Este “sacrifício” deve ser uma escolha voluntária do crente cujo coração foi tocado pelo amor de Cristo (2 Co 5:14-15). É puramente uma questão pessoal; não é um exercício em grupo.

Isso mostra que quando o coração é tomado por admiração e afeição por Cristo, haverá um motivo inteiramente novo no crente que alterará o curso de toda a sua vida. Os objetivos, metas e ambições pessoais que ele uma vez teve, serão sacrificados e trocados de bom grado pela busca do que pertence à glória de Deus em Cristo. É um sacrifício nobre que será ricamente recompensado, tanto agora como num dia vindouro. Não vamos nos arrepender por termos dado nossas vidas a Ele! Nunca foi encontrado um único crente que tenha entregado sua vida a Cristo e se arrependido de tê-lo feito! Isto é verdadeiramente o caminho para uma vida Cristã feliz e frutífera.

Existem realmente três sacrifícios no Cristianismo:

- OFERECER LOUVOR – “Portanto ofereçamos sempre por Ele a Deus sacrifício de louvor, isto é, o fruto dos lábios que confessam o Seu nome” (Hb 13:15; 1 Pe 2:5). - OFERECER MATERIALMENTE – “E não vos esqueçais da beneficência e comunicação [de seus recursos – JND], porque com tais sacrifícios Deus Se agrada” (Hb 13:16; Fp 4:18). - OFERECER NOSSAS VIDAS (tempo e energia) – “Apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável [aceitável – JND] a Deus” (Rm 12:1).

Às vezes a dedicação é confundida com a consagração, mas há uma diferença. A dedicação tem a ver com colocarmos algo na mão de Deus – nossas vidas (v. 1), ao passo que na consagração Deus coloca algo em nossas mãos – Ele enche nossas mãos com uma obra a ser feita em nome d’Ele (vs. 6-8). Note também: Romanos 12:1 diz que este sacrifício deve ser “santo”. Deus aceitará e usará nossas vidas quando nós as entregarmos a Ele, mas elas devem ser santas. Se não estivermos vivendo uma vida santa, ela não pode ser aceita e usada em Seu serviço.

Paulo acrescenta que é nosso “culto racional”. Racional deveria ser traduzido como “inteligente”. Isso significa que nosso sacrifício a Deus é algo que pode ser racionalizado de forma inteligente e lógica. O que Paulo está dizendo aqui é que, em vista do que Cristo fez por nós, a única coisa correta e lógica a fazer é responder entregando nossas vidas a Ele. Também há o pensamento aqui de que o serviço Cristão é algo que entendemos quanto ao que fazemos e porque fazemos. Isto está em contraste com o serviço de Deus do Velho Testamento. Quando os levitas naquele sistema realizavam seu serviço ao oferecer sacrifícios, havia muita coisa que eles não entendiam. Por exemplo, eles não sabiam por que deveriam cortar os sacrifícios em várias partes, etc. Mas no Cristianismo, temos um “culto racional [serviço inteligente – JND]. Quando o Senhor nos chama ao Seu serviço – ao qual todo Cristão é chamado – podemos realizá-lo inteligentemente. Nós sabemos por que pregamos o evangelho; sabemos por que batizamos aqueles que creem etc.

SEPARAÇÃO (cap. 12:2a)

Paulo então toca em algo que claramente se interpõe no caminho da entrega de nossas vidas à causa de Cristo – o mundo. Ele, portanto, exorta: “E não vos conformeis com este mundo”. A razão pela qual precisamos estar separados do mundo é porque o mundo e seus princípios são inteiramente opostos a uma pessoa que faz a vontade de Deus. O mundo nos encoraja a colocar a nós e nossos interesses em primeiro lugar. O princípio fundamental sobre o qual o mundo se move é fazer o que queremos fazer. É-nos dito para vivermos para nós mesmos – para o que nos agrada. Somos encorajados a nos tornarmos felizes na busca de qualquer objeto terrestre que escolhermos. Se tivermos algum sonho de fazer algo neste mundo ou de ser alguém neste mundo, o mundo nos encoraja a perseguir isso. Mas todas essas buscas apenas nos conformam aos seus caminhos, e não nos tornarão verdadeiramente felizes, nem nos serão adequadas ao serviço do Senhor. O Cristão de boa mente, portanto, deveria ver o sistema mundial (a sociedade dos incrédulos) como um inimigo, e separar-se dele.

O mundo nos diz para colocar o EU no centro de todas as nossas ações. Deus, no entanto, quer que coloquemos CRISTO no centro de todas as nossas ações. Quando fazemos isso e procuramos fazer coisas que farão o Senhor feliz, uma coisa estranha e inexplicável acontece – descobrimos o que realmente é a verdadeira felicidade! De fato, quanto mais tentamos fazê-Lo feliz, mais felizes nos tornamos! Este é um fenômeno que não pode ser explicado. É o segredo da verdadeira felicidade, sobre a qual os homens do mundo nada sabem. É triste dizer que muitos Cristãos também não sabem, e é por isso que vemos tantos Cristãos perseguindo prazeres mundanos em busca de satisfação e felicidade.

TRANSFORMAÇÃO (v. 2b)

Deus quer usar todo Cristão neste mundo para promover a glória do Senhor Jesus Cristo. Contudo, Ele não pode nos usar (em grau apreciável) no estado inicial em que Ele nos salva. Simplesmente há muito ego e princípios mundanos e carnais em funcionamento em nossos corações. Portanto, há necessidade de transformação.

Paulo diz: “mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento [vossa mente – ARA]. Deus tem um plano individualizado para cada um de nós, com vistas a glorificar Seu Filho. Para este fim, Ele quer que primeiro discirnamos e depois façamos a Sua vontade no serviço do Senhor. Mas, visto que os caminhos e princípios do mundo tão facilmente influenciam nosso pensamento e nos impedem de discernir Sua vontade, precisamos repetidamente renovar nossa mente redirecionando-a para Cristo e o que está relacionado aos Seus interesses e glória. C. H. Brown disse que deveríamos fazer isso 50 vezes por dia! Como resultado, somos transformados em vasos que podem ser usados para a glória do Senhor. Assim, a transformação é realizada por um pensar renovado.

É interessante notar que no texto grego há dois radicais diferentes usados para “forma” nas palavras “conformado” e “transformado”. Em conformado [suschématizó] refere-se a uma mudança superficial, mas em transformado [metamorphoó], é uma profunda mudança interna. Portanto, a transformação que Deus realiza em nós é uma renovação completa e duradoura de nossos seres. Simplificando: quanto ao nosso caráter e modos, estamos sendo conformados ou estamos sendo transformados. Estamos nos movendo na direção do mundo ou para longe dele. Podemos ter certeza de que, se as ambições mundanas se instalarem em nosso pensamento, o processo de transformação será grandemente prejudicado.

Quando se trata do serviço de Deus, não devemos nos concentrar no que podemos trazer a Ele no que diz respeito às nossas habilidades. Nem devemos ser desencorajados por nossas incapacidades. É nossa disponibilidade que Deus deseja. Se nos tornarmos disponíveis a Ele, dando-Lhe nossas vidas, Ele nos transformará em algo útil em Seu serviço.

Assim, Paulo tocou em três coisas que são necessárias para discernir a vontade de Deus para nossas vidas:

- Um corpo apresentado (v. 1). - Uma vida separada (v. 2a). - Uma mente renovada que está comprometida em fazer a vontade de Deus (v. 2b).

REALIZAÇÃO (v. 2c)

Tendo a glória do Senhor Jesus Cristo como nosso foco, esclarece muitas coisas sobre o discernimento da vontade de Deus para nossas vidas. Com pensar renovado, logo discerniremos (perceberemos) o que o Senhor quer que façamos por Ele em Seu serviço. Por isso, Paulo acrescenta: “para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus”. Como mencionado, Deus tem um plano específico para a vida de todo crente, para a glorificação do Senhor Jesus. Como não há dois Cristãos que sejam iguais, não há dois planos de vida idênticos. Isto porque todos temos um lugar diferente para ocupar no corpo de Cristo, como Paulo mostra nos versículos 4-8. O ponto principal aqui é que todos temos algo a fazer por Ele (Mc 13:34), e o objetivo é o mesmo para todas as pessoas – para glorificar o Senhor Jesus.

Notemos que Paulo não diz que devemos saber, mas sim, que devemos “experimentar” a vontade de Deus em nossas vidas. Experimentar inclui conhecer, mas vai além disso ao se engajar na experiência real de fazer a Sua vontade. E assim, provamos pela experiência que ela é de fato “boa, agradável, e perfeita”. Ao experimentá-la, descobrimos que é tão boa quanto Deus diz que ela é. De fato, é uma alegria fazer a vontade d’Ele (Sl 40:8). Parece que todo mundo quer conhecer a vontade de Deus, mas isso pode ser mera curiosidade. Deus geralmente não revela Sua vontade para tais; o conhecimento da Sua vontade é dado antes àqueles que estão comprometidos em fazer a Sua vontade. O Senhor ensinou isso a Seus discípulos: “Se alguém quiser fazer a vontade d’Ele, conhecerá a respeito da doutrina” (Jo 7:17 – ARA). Ele não disse: “Se alguém quiser conhecer a vontade d’Ele…”. Portanto, é preciso haver uma predisposição de compromisso de nossa parte. Quando Deus vê que estamos levando a sério, Ele nos mostrará Sua vontade.

HUMILHAÇÃO (v. 3)

Tendo descoberto que o que cremos é a vontade de Deus para nossas vidas no serviço do Senhor, precisamos ter cuidado com algo que pode inconscientemente nos pegar de surpresa – importância própria (orgulho). Assim, Paulo diz que “cada um” deve ser cuidadoso para “que não saiba mais do que convém saber”. Isso nos mostra que há uma real necessidade de humildade na realização do nosso serviço ao Senhor. Quando consideramos que Deus gostaria de nos usar para promover a glória de Seu Filho neste mundo, isso deveria nos humilhar – não nos exaltar com importância própria. Tal é o efeito normal da graça de Deus tocando os corações (2 Sm 9:8; Ef 3:8).

Como mencionado, a humildade é muito importante no serviço do Senhor. Se formos verdadeiramente humildes, não vamos querer servir de maneira que chame a atenção para nós mesmos. Podemos ter ideias infladas sobre nossa importância e isso estragará nossa eficiência. O orgulho pode nos enganar e nos levar a imaginar que fomos chamados a fazer algo no serviço do Senhor, para o qual não fomos chamados. Paulo, portanto, diz que precisamos pensar “com temperança [de modo a ser sábio – JND]. A lição aqui é: não tentemos ser algo que não somos. Pensamentos altivos sobre si mesmo é realmente mundanismo, dos quais somos ordenados a nos esquivar. Precisamos ter o espírito de Davi, que disse: “SENHOR, o meu coração não se elevou nem os meus olhos se levantaram: não me exercito em grandes assuntos, nem em cousas muito elevadas para mim” (Sl 131:1). Aparentemente, isso foi escrito depois que seu irmão (Eliabe) o acusou de orgulhosamente tentar se envolver na luta contra Golias e os filisteus (1 Sm 17:28).

CONSAGRAÇÃO (vs. 4-8)

Tendo discernido o que acreditamos ser a vontade de Deus em relação ao nosso serviço para o Senhor, isto deve nos levar a nos dedicar a esse trabalho. Isso é consagração. Consagração significa “encher as mãos” (Êx 32:29 – KJV margem; 1 Rs 13:33). Um Cristão consagrado é aquele que tem as mãos cheias (quem está ocupado) no serviço do Senhor.

Se nossas mãos estiverem ocupadas, não teremos espaço para outras coisas. Isto é ilustrado na consagração dos sacerdotes no Velho Testamento. Em Êxodo 29, depois que os filhos de Aarão foram lavados com “água” (v. 4), aspergidos com “sangue” (v. 20) e ungidos com “azeite” (v. 21), Moisés encheu suas mãos com dez coisas que tipificam Cristo de várias maneiras (vs. 22-24). Se pudéssemos ver aqueles sacerdotes em pé naquele dia com aquelas dez coisas em suas mãos, imediatamente entenderíamos que eles não teriam espaço para mais nada nelas. É assim que deve ser conosco no serviço do Senhor! Um Cristão consagrado simplesmente não tem espaço para coisas estranhas em sua vida.

Nos versículos 4-8, o apóstolo mostra que, como cada parte de um corpo humano tem uma “operação” diferente, assim também cada membro do corpo de Cristo. Ele diz: “Porque assim como em um corpo [humano] temos muitos membros [desse corpo humano**], e nem todos os membros têm a mesma operação. Assim nós, que somos muitos, somos um só corpo em Cristo, mas individualmente somos membros uns dos outros”**. Isso mostra que todos temos um lugar para ocupar e algo para fazer no corpo de Cristo. Deus deu uma **“graça”** especial a cada membro do corpo para ocupar o lugar em que ele foi colocado (Rm 12:6; Ef 4:7). Deus também deu **“dons”** aos membros do corpo para ajudá-los a servir em seu lugar eficazmente.

Alguns nos dirão que não têm um dom, mas isso não é verdade, porque a Bíblia ensina que todos recebemos um dom (1 Co 12:7; 1 Pe 4:10). Talvez nem todos tenhamos o dom para o ministério público da Palavra – e isso é provavelmente o que as pessoas querem dizer quando dizem que não têm um dom – mas todos temos algum tipo de dom. Muitas vezes não está aparente qual é o nosso dom, e isso pode ser porque não nos dedicamos ao Senhor como deveríamos. O Sr. Darby disse que se houvesse mais devoção (dedicação) entre os santos, haveria mais dons evidentes. Ele não estava sugerindo que dons vêm pela devoção, mas que quando uma pessoa se dedica seriamente ao Senhor, seu dom será desenvolvido e se tornará distintamente reconhecível.

Diferentes Formas de Serviço

Vs. 6-8 – Paulo prossegue dando alguns exemplos das coisas que podemos ser chamados a fazer. Ele menciona sete serviços, mas não é, de forma alguma, uma lista completa. Ele diz: “se profecia, seja segundo a proporção da fé; se ministério, dediquemo-nos ao ministério; ou o que ensina esmere-se no fazê-lo; ou o que exorta faça-o com dedicação; o que contribui, com liberalidade; o que preside, com diligência; quem exerce misericórdia, com alegria” (ARA). Nota: nem todos esses serviços pertencem ao ministério público da Palavra; alguns são de natureza privada. Os quatro primeiros têm a ver com o ministério público, enquanto os três últimos são mais privados. Isso mostra que o Senhor não chama todos para serem pregadores ou mestres. Independentemente do serviço que devemos fazer no corpo de Cristo, a exortação de Paulo a cada um é: “Ocupemo-nos no serviço” (v. 7 – JND). Deus nos deu a “fé” (v. 3) e a “graça” (v. 6) para nos capacitar a realizar o nosso serviço.

“Profecia” é ministrar a partir das Escrituras sobre certos tópicos ou questões com as quais os santos podem ser confrontados em um determinado momento. Este ministério é profético no sentido de que transmite a mente de Deus para o momento. Está revelando a mente de Deus sobre um assunto, em vez de predizer algo que acontecerá, que é o tipo de profecia que os profetas do Velho Testamento traziam. Alguns profetas do Novo Testamento também profetizaram dessa maneira (At 11:27-30, 20:29-31, 21:10-11, etc.)

A profecia da qual Paulo fala aqui poderia ser oral ou escrita e deveria ser feita, como ele diz, de acordo com a “proporção da fé” (ARA). que o indivíduo tem, não de acordo com o desejo dos outros. Isso mostra que precisamos ter cuidado ao incentivar uma pessoa para o ministério da Palavra. Ela pode não ter fé para isso, e isso pode levar ao desastre. Queremos encorajar uma pessoa que tenha esse dom, mas não a forçar para além do que ela tem fé para fazer. Paulo define esse tipo de profecia em 1 Coríntios 14:3 como “edificação, exortação e consolação”.

- Edificação dá crescimento aos santos. - Exortação desperta os santos. - Consolação anima os santos.

“Ministério [serviço]” é muito amplo em sua aplicação. Incluiria o ministério público da Palavra, mas não se limitaria a ele (At 6:4, 13:1-2, 19:22; 1 Pe 4:11). Qualquer tipo de serviço que fazemos para o Senhor em coisas naturais ou temporais pode ser incluído nele (Mt 10:41-42; At 13:5; 1 Tm 3:10). Não tem nada a ver com um homem ou uma mulher ocupando o cargo criado pelo homem, de um clérigo (chamado pastor ou ministro) em uma congregação Cristã.

“Ensinar” tem a ver com expor a Escritura em seu alcance e significado apropriados – e feito de uma maneira ordenada para que aqueles que a ouvem, ou a leiam, entendam a verdade.

“Exortação” é um ministério espiritual da Palavra de Deus que enfatiza alguma grande verdade de uma maneira prática. É mais específico que a exortação mencionada na profecia.

Contribuir tem a ver com quem está disposto a sacrificar seu tempo ou dinheiro no serviço do Senhor de alguma forma. O doador não deve dar de maneira que chame a atenção para o que está fazendo (Mt 6:1-3). Isso evita suscitar cobiça em pessoas que possam estar inclinadas a agradar ao doador (Is 1:23). É para ser feito em “liberalidade [simplicidade – ARC] – isto é, sem motivos ocultos esperando obter um retorno das pessoas a quem as ofertas são dadas (Lc 6:34-35).

Presidir é liderar e organizar as coisas em conexão com os arranjos práticos da assembleia. Um líder nesse sentido não é necessariamente dotado para pregar ou ensinar. Isso deve ser feito com “diligência”.

Exercitar misericórdia é um dom especial de expressar solidariedade e conforto. Uma pessoa com este dom pode ser vista fazendo visitas hospitalares e coisas do tipo. Todos deveríamos ter um coração para os aflitos, mas alguns têm um dom especial para confortar as pessoas que estão afligidas. Este trabalho deve ser feito com “alegria” porque é exatamente isso que as pessoas em aflição precisam, pois geralmente estão se sentindo abandonadas.

Observe também: cada dom é para servir na esfera desse dom. Se uma pessoa tem dom para ensinar, ela deve ocupar-se com o ensino. Se uma pessoa tem dom para exortar, ela deve ocupar-se com a exortação, etc. Muita confusão pode surgir por alguém tentar servir em uma função para a qual não foi preparado. Por exemplo, um evangelista – que pode não ser conhecido por sua precisão na doutrina – tentando assumir o papel de mestre, certamente trará confusão para um estudo bíblico. Podemos ser advertidos pelo que aconteceu com o rei Uzias, que se exaltou em orgulho e importância própria. Ele não estava satisfeito com seu papel em Israel como rei; ele também queria ser sacerdote! Mas isto, como sabemos, era algo para o qual ele não tinha sido chamado, nem preparado para ser – e o Senhor o atingiu com lepra quando ele tentou fazer trabalho de sacerdote (2 Cr 26:16-21).

JUSTIÇA PRÁTICA

PARA COM OS COMPANHEIROS CRENTES
Capítulo 12:9-12

A demonstração de justiça prática na vida do crente deve ser vista em suas interações com seus irmãos. Seguem-se quinze pequenos preceitos que devem regular nossas relações uns com os outros dentro da comunidade Cristã. É significativo que o amor esteja colocado em primeiro lugar, pois sua influência e atividade afetam cada uma das coisas que se seguem. Note quantas vezes o sufixo do gerúndio é usado nestes versículos – “preferindo, servindo, regozijando, perseverando, distribuindo, perseguindo, indo” (JND) etc. Isto indica que estas coisas devem ser uma prática contínua em nossas vidas Cristãs.

AMOR SEM FINGIMENTO (v. 9a) – O amor deve permear a comunhão dos santos. É triste dizer que é possível fingir amor e Paulo aqui adverte contra isso. H. Smith aponta que Judas beijou seu Mestre enquanto O traía! Veja também Ezequiel 33:31. Por isso é necessária a exortação de Paulo de que o “amor não seja fingido” (1 Pe 1:22).

ABORRECER O MAL (v. 9b) – Como essa ira pelo mal é mencionada em contraposição ao amar uns aos outros sem fingimento, parece que o aspecto do mal, a que somos exortados a aborrecer aqui, é o espírito de ódio contra nossos irmãos.

APEGAR-SE AO BEM (v. 9c) – Precisamos ter cuidado para apegar-nos às coisas boas e salutares.

AFEIÇOADOS TERNAMENTE UNS AOS OUTROS (v. 10a – TB) – Esta exortação mostra que não deve haver apenas amor divino (ágape) entre os santos (v. 9a), mas também “amor fraternal” (phileo) (2 Pe 1:7). O amor fraternal se expressa afetuosamente e com um sentimento caloroso. Não é esse tipo de amor que a Escritura nos diz para ter em relação aos perdidos. Devemos amar as pessoas do mundo com um amor ágape (1 Ts 3:12), que é um amor baseado em uma disposição estabelecida de cuidado e preocupação com o seu objeto. Isso nos levaria a alcançá-los com o evangelho. No entanto, não nos é dito que amemos os perdidos com amor fraternal (phileo), porque podemos nos envolver emocionalmente em suas vidas e, inadvertidamente, ser atraídos para o estilo de vida deles, pelo que comprometeríamos princípios.

HONRAR UNS AOS OUTROS (v. 10b) – Deveríamos ficar contentes em ver os outros honrados, em vez de desejar a honra para nós mesmos (Fp 2:3).

ZÊLO EM SERVIR AO SENHOR (v. 11) – A versão King James diz: “Não sejais preguiçosos nos negócios”, e isso levou alguns a pensarem que Paulo estava se referindo aos negócios seculares. (A palavra “negócios” na verdade não tem nada a ver com o versículo.) Deve ser traduzido: “Quanto ao zelo diligente, não preguiçoso; em espírito fervoroso, servindo ao Senhor” (JND). Esta é uma exortação para servir ao Senhor com compromisso e energia, porque é possível tornar-se negligente na obra do Senhor. Arquipo é um exemplo disso. Paulo disse: “E dizei a Arquipo: Atenta para o ministério que recebeste no Senhor: para que o cumpras” (Cl 4:17). Jeremias advertiu: “Maldito aquele que fizer a obra do Senhor fraudulentamente [negligentemente – JND] (Jr 48:10).

REGOZIJAR NA ESPERANÇA (v. 12a – ARA) – As próximas três exortações estão particularmente relacionadas com a jornada do deserto do crente. Nossa esperança (uma certeza adiada) da glória vindoura deve estar diante de nós constantemente. Ela nos elevará acima das provações e desânimos dos dias atuais, e nos fará Cristãos regozijadores.

PACIENTE NA TRIBULAÇÃO (v. 12b) – Nossa antecipação da glória vindoura também nos sustentará no caminho da fé e nos capacitará a sermos pacientes nas provações.

PERSEVERANTE NA ORAÇÃO (v. 12c) – As provações e dificuldades do caminho devem nos lançar ao Senhor em dependência. Como a tendência é desistir da oração, a exortação de Paulo é perseverar firmemente nesta função sacerdotal.

GENEROSO (v. 13a) – As próximas duas exortações dizem respeito às necessidades do povo do Senhor. Assim, somos exortados a ser liberais com nossas posses, dando aos necessitados (At 20:34). Esta é uma boa maneira de mostrar às pessoas que realmente nos importamos com elas.

HOSPITALEIRO (v. 13b) – Paulo diz: “dado [segui] a hospitalidade” (JND). A palavra para “dado” em grego pode ser traduzida como “seguir”. Isso significa que devemos procurar ativamente por oportunidades de mostrar hospitalidade a nossos irmãos. Residências pequenas às vezes são usadas como desculpa para não receber visitas em nossas casas, mas isso não deveria nos impedir de fazer esse serviço (Hb 13:2; 1 Pe 4:9).

NÃO AMALDIÇOAR (v. 14) – Temos de suportar a perseguição e retribuir toda a animosidade contra nós, com cortesia e amor (Lc 6:28). Devemos ter cuidado para não amaldiçoar. O Senhor ensinou que em todas essas circunstâncias devemos “oferecer a outra face” e ter cuidado para não amaldiçoar (Mt 5:39).

TER EMPATIA (v. 15) – Deus quer que entremos nas alegrias e tristezas de Seu povo, e sintamos o que eles sentem. Participar de um casamento seria um exemplo de “Alegrai-vos com os que se alegram”. Assistir a um funeral seria um exemplo de “chorar com os que choram”.

IMPARCIALIDADE (v. 16a) – Devemos ter o mesmo respeito por um irmão pobre, como teríamos por uma pessoa rica, distinta socialmente. Devemos estar felizes em “acomodar-se aos humildes”.

HUMILDADE (v. 16b) – Devemos julgar todas as tendências à importância própria. Paulo diz: “não sejais sábios em vós mesmos”. Portar-nos com um ar de importância própria certamente afetará negativamente a comunhão dos Cristãos. A humildade é o segredo da comunhão feliz, mas buscar um lugar alto entre os irmãos desperta a rivalidade que divide os santos.

JUSTIÇA PRÁTICA

PARA COM AQUELES DE FORA DA COMUNIDADE CRISTÃ

Cap. 12:17-21 – As exortações de Paulo se ampliam na última parte do capítulo, concentrando-se em nossas interações com os que estão fora da profissão Cristã.

V. 17 – Como Cristãos, devemos ter o cuidado em manter um bom testemunho diante dos “que estão de fora” (Mc 4:11; Cl 4:5; 1 Tm 3:7). Isso não é fácil porque o mundo se opõe ao Cristianismo e os do mundo são inclinados a criticar os Cristãos. Visto que a perseguição é inevitável (Jo 15:20; 2 Tm 3:12), o crente sentirá o peso da animosidade do mundo e poderá ser tentado a revidar. Mas Paulo diz: “A ninguém torneis mal por mal”. Se revidarmos, certamente ofenderemos de alguma maneira, e o ministério será censurado (2 Co 6:3).

Além disso, devemos ser cuidadosos em nossas questões seculares para que nossos negócios sejam “honestos, perante todos os homens”. Se o mundo encontra uma mancha em nossas roupas” por assim dizer (Ec 9:8) – isto é, algum fracasso ou falha que possam criticar, eles usarão para justificar sua incredulidade.

Vs. 18-21 – Portanto, Paulo diz: “Se for possível, quanto estiver em vós, tende paz com todos os homens”. Isso mostra que devemos prosseguir quietos em nossa vida Cristã. Devemos orar para esse fim – “para que possamos levar uma vida tranquila e pacífica” (1 Tm 2:2). Tanto quanto possível – isto é, sem comprometer princípios – devemos viver em “paz com todos” neste mundo. Se as pessoas do mundo direcionarem sua animosidade contra nós, devemos resistir à tendência de revidar. Naturalmente, gostaríamos de vingar um mal feito a nós, mas o Senhor não nos incumbiu disto. Nosso lugar é manter um espírito Cristão e esperar que o Senhor trabalhe com essa pessoa. Paulo cita o Salmo 94:1 para mostrar que a vingança pertence ao Senhor e, portanto, devemos deixar com Ele as injustiças feitas a nós, que Ele tratará delas em Seu tempo e à Sua maneira.

Em vez de revidar, devemos tentar dispersar a animosidade por meio de atos de bondade. Paulo diz: “se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer: se tiver sede, dá-lhe de beber”. Ele diz: “porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça”. Essa é uma linguagem figurativa tirada de Provérbios 25:21-22. “Fogo” é símbolo de julgamento – neste caso, julgamento próprio. A “cabeça” é o lugar dos pensamentos da pessoa. Assim, atos repetidos de bondade para com aqueles que não gostam de nós acabarão por atingir seus corações e consciências, e eles mudarão de ideia sobre nós. Isso mostra que o Cristianismo prático vai além da não resistência, à benevolência ativa.

Paulo nos adverte “Não te deixes vencer do mal”, que é nos permitirmos ser afetados por aqueles que nos maltratam e lidar com isso na carne. J. G. Bellett disse: “Se o meu mau humor te puser de mau humor, você foi vencido pelo mal” (Present Testimony, vol. 15, pág. 66; Notes from Meditations on Luke, pág. 42). Em vez disso, Paulo diz: “mas vence o mal com o bem” – com atos de bondade.

JUSTIÇA PRÁTICA

PARA COM AS AUTORIDADES CIVIS

Duas Tendências Judaicas

Nos capítulos 13-15:13, Paulo lida com duas tendências judaicas que os judeus convertidos muitas vezes trazem consigo para a comunhão dos Cristãos, que são prejudiciais ao seu testemunho.

Em primeiro lugar, os judeus, como nação, eram notórios por serem insubordinados às autoridades gentias que governavam sobre eles. Eles muitas vezes tiveram revoltas contra o Estado, o que geralmente acontecia à época de suas festas quando o sentimento nacional atingia seu pico. Esta convicção veio de certas Escrituras que prometeram que eles governariam as nações como “cabeça”. Deus prometeu a eles que eles não seriam a “cauda” (Dt 28:13; Is 60, etc.). Com isto em mente, os judeus devotos naturalmente tiveram dificuldade em se curvar aos gentios (Et 3:2) e às autoridades civis dos gentios. Paulo trata com esse problema trazendo-o sob o testemunho Cristão no capítulo 13.

Em segundo lugar, os judeus que tinham feito uma profissão de fé em Cristo tinham certos costumes em conexão com a comida e os dias santos, que eles observavam desde seus dias no judaísmo. Trazer essas coisas com eles para a comunhão dos Cristãos tendeu a criar problemas entre os santos. Paulo trata dessa questão no capítulo 14.

O Dever do Cristão em Relação ao Estado

Cap. 13:1-7 – Na religião judaica, havia justificativa bíblica para acreditar que a nação de Israel deveria governar as nações da Terra. No entanto, como se tornaram Cristãos, essas esperanças terrenas para o judeu foram suplantadas por esperanças celestiais. Sua cidadania agora estava no céu (Fp 3:20), e eles eram apenas peregrinos e forasteiros passando por este mundo (1 Pe 2:11). Portanto, não era sua posição resistir aos governos sobre eles.

Paulo diz: “Todo o homem esteja sujeito às autoridades superiores [que estão sobre si – JND]. Pois não há autoridade que não venha de Deus; e as que há, têm sido ordenadas por Deus” (TB). Esses crentes precisavam se lembrar de que os governos deste mundo foram estabelecidos por Deus e a atitude Cristã apropriada em relação ao Estado é estar sujeitos às suas ordenanças. É verdade que, se os poderes civis desafiassem a autoridade de Deus e ordenassem algo a nós que Deus proibiu, estariam ultrapassando seus limites. A resposta do apóstolo Pedro em Atos 5:29 fornece luz para nossa conduta em tais situações.

Opor-se ou resistir a um governador em particular é opor-se à autoridade estabelecida por Deus. Essas autoridades foram estabelecidas para conter o mal, embora em muitos casos haja corrupção em seu meio. Em geral eles estão em posições nos governos de vários países para proteger os cidadãos daquele Estado (vs. 3-4). Devemos, portanto, estar sujeitos às autoridades sobre nós por duas razões: não apenas para escapar da punição por agir errado – a “sentença de culpa” (v. 2 – JND), mas também “por causa da consciência” (v. 5 – TB). Aqueles em posições de autoridade são realmente “ministros de Deus” porque os governos foram estabelecidos por Deus (v. 6). Devemos pagar “tributos” (impostos), respeitar a lei (civil) e demonstrar respeito e honra àqueles em autoridade (v. 7).

Ao estarmos sujeitos às autoridades civis “superiores”, não devemos pensar que esses versículos apoiam a ideia de que os Cristãos devam se envolver na política. Por exemplo, não cabe a nós questionar como e onde o dinheiro dos impostos é gasto pelos governos. Paulo cuidadosamente evita qualquer ideia de que a Igreja e o Estado devam estar unidos, como fizeram as igrejas nacionais da Reforma. Ele também é cuidadoso para não ir ao outro extremo colocando a Igreja em oposição ao Estado, que era a tendência dos judeus.

Resumindo a responsabilidade do Cristão em relação às autoridades civis, devemos: pagar, orar e obedecer:

- Pagamos tributo – impostos (Rm 13:6-7). - Oramos por todos em autoridade (1 Tm 2:2). - Obedecemos àqueles em autoridade (Tt 3:1).

O Dever do Cristão para com os Cidadãos do Estado

Cap. 13:8-10 – Os Cristãos não devem estar apenas sujeitos às autoridades civis, mas eles também têm uma obrigação de amor para com os cidadãos do Estado, em busca de seu bem e bênção. Paulo diz: “A ninguém devais coisa alguma, a não ser o amor” Alguns tomaram esta declaração como significando que não devemos ter dívidas de nenhum tipo – por exemplo, hipotecas, empréstimos, etc., no entanto, isso provavelmente significa que não devemos ter dívidas pendentes. Algumas dívidas são inevitáveis em nossa sociedade; todos temos contas de telefone, gás, água, luz, etc. Além disso, há contas que são inevitáveis nos negócios. A questão de Paulo aqui é: entrar em atraso com essas dívidas deve ser evitado porque presta um mau testemunho diante do mundo.

Algo que sempre estaremos devendo é a nossa obrigação de demonstrar “amor”. A palavra para “amor” aqui é ágape no grego, que é amor de uma disposição estabelecida para com alguém por causa de um cuidado genuíno e preocupação por essa pessoa. Este é o tipo de amor que Deus tem para os perdidos neste mundo (João 3:16). O amor ágape é mais uma questão de vontade do que de emoções. Deus define o Seu amor sobre o homem quando não há nada a se amar no homem (Dt 7:7; Ef 2:4). Expressar isso para com os perdidos poderia levá-los a receber Cristo.

Paulo diz que, pelo amor, cumprimos os requisitos morais da Lei. Isso não poderia significar que o Cristão está sob a Lei, porque contradiria o que Paulo ensinou anteriormente na epístola. Nestes versos, ele menciona vários mandamentos da segunda tábua da Lei, que tem a ver com a responsabilidade do homem em relação a seus semelhantes. Seu ponto é que o amor cumprirá essas coisas sem estar formalmente sob a Lei. Nosso objetivo é ser como Cristo em todas as nossas ações e, ao colocar isso em prática, acabamos por cumprir aqueles requisitos morais da Lei. O Senhor resumiu a segunda tábua da Lei como: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22:36-40).

A Ocupação do Cristão em Vista da Vinda do Senhor

Cap. 13:11-14 – Enquanto os governos deste mundo se tornam mais e mais corruptos – uma coisa que marcará os últimos dias – o Cristão não deve se envolver em tentar impedir o declínio ou melhorar os padrões morais do mundo. Em vez disso, a vinda do Senhor é trazida diante de nós como um motivo para a vida santa. Assim, o Cristão não é chamado para corrigir o mundo, mas ele é responsável por se conduzir de maneira correta diante de Deus e do seu próximo, no que diz respeito ao seu comportamento pessoal. Paulo enfatiza isso nos últimos versículos do capítulo 13.

Anteriormente na epístola, Paulo usou a figura de um tribunal romano, mas aqui ele usa a figura de ações do exército romano. Os soldados são vistos como dormindo; à medida que o amanhecer se aproxima, eles são chamados a despertar do sono, a tirar suas roupas de dormir e vestir sua brilhante armadura e, assim, cumprir as responsabilidades do dia.

Ele começa dizendo: “Conhecendo o tempo”. Vemos disto que é importante para o Cristão ter um “entendimento dos tempos” (compare 1 Cr 12:32). Independentemente do tempo em que fomos chamados a viver na história da Igreja, a iminência da vinda do Senhor deve estar sempre diante de nossas almas, pois “a nossa salvação está agora mais perto de nós do que quando aceitamos a fé”. O aspecto da salvação que Paulo está se referindo aqui é o aspecto final da nossa salvação, quando o Senhor vier e formos glorificados e levados para o céu (Fp 3:20-21; 1 Ts 4:15-18). Ele explicou isso nos capítulos 5:9 e 8:18-30.

A iminência da vinda do Senhor deveria ter um efeito prático sobre o crente. Deveria nos deixar alertas e vigilantes, e nos impedir de nos estabelecer no mundo. O avançado da hora exige que toda a letargia e inatividade sejam abandonadas. Não é hora de dormirmos juntos com o mundo. Paulo diz que se esse tem sido o nosso estado espiritual, “é já hora de despertarmos do sono” e estar ocupados no serviço do Senhor.

Cristo era “a luz do mundo” (Jo 8:12, 9:5). Enquanto esteve no mundo, era “dia” (Jo 9:4, 11:9). Ele anunciou aos Seus discípulos que “a noite” estava chegando quando Ele seria rejeitado e expulso deste mundo (Jo 9:4, 11:9-10). Este é o tempo em que fomos chamados a viver. Mas a boa notícia é que a “noite” da ausência do Senhor está quase no fim (“a noite vai adiantada” – TB); Ele está prestes a voltar. Então, receberemos o aspecto final de “nossa salvação” (no Arrebatamento). Mas não apenas isso, Paulo diz: “O dia está próximo” (TB), quando Cristo reinará em glória sobre o mundo. Isso ocorrerá na Sua Aparição.

Três Breves Exortações

Em vista dos perigos da noite pela qual estamos passando e da iminência do Arrebatamento e da Aparição de Cristo, Paulo faz três breves exortações que, se postas em prática, nos preservarão até a hora da vinda do Senhor. Essas exortações são caracterizadas por estarem no imperativo.

Em primeiro lugar, ele insiste na separação do mundo. Ele diz: Rejeitemos, pois, as obras das trevas” (v. 12b). Assim, devemos nos desfazer de toda prática mundana e questionável, como um homem se despindo de uma roupa suja (2 Co 6:14-7:1).

Em segundo lugar, Paulo diz: “Vistamo-nos das armas [da armadura – JND] da luz” (v. 12c). Assim, devemos colocar a cobertura protetora de uma vida santa, que nos fará uma luz brilhante na escuridão.

Em terceiro lugar, Paulo diz: Andemos honestamente [apropriadamente – JND], como de dia” (v. 13-14). Ele nos diz como isso é feito: despojando-se das práticas da carne (exemplificadas nos seis exemplos) e revestindo-se de “o Senhor Jesus Cristo” (v. 13-14). Gálatas 3:27 fala do se revestir formalmente de Cristo pelo batismo, que tem a ver com a nossa identificação com o testemunho Cristão; aqui é a manifestação prática da vida de Cristo. Revestir-se do Senhor Jesus Cristo é ter a atitude que Ele tinha para com Deus, para com os santos e para com os governos civis – tópicos esses que Paulo tem abordado nos capítulos 12-13. Em relação a Deus, o Senhor Jesus disse: “Deleito-Me em fazer a Tua vontade, ó Deus Meu” (Sl 40:8). Para os santos, Ele disse: “a Minha bondade não chega à Tua presença [não se estende a Ti – JND], mas aos santos que estão na Terra, e aos ilustres em quem está todo o Meu prazer” (Sl 16:2-3 – ARF). Quanto aos governos, Ele disse: “Dai, pois, a César o que é de César” (Lucas 20:25).

No entanto, fazemos “provisão para a carne” (KJV) quando enfatizamos o lado físico e material da vida, ao invés do espiritual. Isso supre para a carne se levantar e se impor em nossas vidas.

JUSTIÇA PRÁTICA

PARA COM OS FRACOS NA FÉ

Cap. 14:1–15:13 – Outra particularidade judaica que os judeus convertidos tendiam trazer consigo para a comunhão dos Cristãos era a de manter certos princípios quanto às regras judaicas referentes a alimentos e à observância de dias santos que eram guardados no judaísmo. Dois exemplos são dados:

  1. Regras alimentares judaicas – alimentos kosher (vs. 2-4).

  2. A observância dos dias santos judaicos – o sábado, etc. (vs. 5-6).

Romanos 14 se refere à nossa responsabilidade para com um judeu fraco recém-convertido do judaísmo; enquanto 1 Coríntios 8 se refere à nossa responsabilidade para com um gentio fraco recém-convertido do paganismo. Essas passagens mostram que temos uma responsabilidade em relação a ambos.

V. 1 – A maioria dos judeus convertidos naqueles dias anteriores não estavam totalmente livres do judaísmo (Hb 13:13) e estavam apegados a certos costumes e práticas judaicas por uma questão de consciência (At 21:20). O que os irmãos deveriam fazer quando pessoas assim eram salvas e entravam na comunhão Cristã? Eles deveriam menosprezar suas preocupações e condená-los? Isso certamente não seria amor em ação! Pelo contrário, Paulo diz: “ao que é fraco na fé, acolhei-o” (AIBB) “não, porém, para discutir opiniões” (ARA).

“Fraco na fé” é alguém deficiente em seu entendimento quanto à posição e liberdade Cristãs (Gl 5:1) e, consequentemente, tem costumes infundados sobre assuntos de importância secundária na vida Cristã. (como regra, quando o artigo “a” é usado nas Escrituras em conexão com “fé”, está se referindo à revelação Cristã da verdade. Veja Judas 3, etc. Quando o artigo não é mencionado, está se referindo à energia interior da confiança da alma em Deus. Veja Atos 20:21; Romanos 14:22, etc.)

A resposta de Paulo a essa dificuldade é que devemos “receber” todas essas pessoas cordialmente. Isso não se refere à recepção de uma pessoa em comunhão à mesa do Senhor (recepção da assembleia), mas ao seu recebimento entre os santos na comunhão social prática. (Mencionamos isto porque este versículo tem sido frequentemente aplicado fora do seu contexto e usado indevidamente para apoiar a falsa ideia de que pelo fato de alguém ter sido recebido de Deus, sendo um crente no Senhor Jesus (v. 3), estamos obrigados a recebê-lo à Mesa do Senhor, sem levar em consideração suas associações e seu estado espiritual de alma). Assim, o irmão excessivamente escrupuloso não deve ser evitado entre os santos. Ao acrescentar: “Não, porém, para discutir opiniões” (ARA), Paulo está nos alertando para evitar envolver essas pessoas em argumentos a respeito de seus costumes. Poderia romper desnecessariamente a harmonia que deveria existir na comunhão Cristã normal. Isso não significa que eles deveriam adotar essas práticas judaicas para não as ofender. Isso faria com que os equívocos do irmão fraco governassem e ditassem como os outros deveria viver. Em vez disso, eles deveriam ter o cuidado de não fazer deliberadamente na presença do irmão fraco as coisas que poderiam causar-lhe ofensa

Vs. 2-3 – Ele diz: “Porque um crê que de tudo se pode comer, e outro, que é fraco, come legumes” Ao apontar isso, Paulo quer que percebamos que nem todos os crentes estão no mesmo nível de espiritualidade, maturidade e entendimento; alguns são “fracos” e alguns são “fortes” (cap. 15:1). Assim, devemos fazer concessões e não forçar as pessoas contra suas consciências nesses assuntos. Ele diz: “Quem come, não despreze àquele que não come; e quem não come, não julgue àquele que come, porque Deus o acolheu” (TB). Isso mostra que devemos respeitar as consciências e os exercícios pessoais uns dos outros e não passar por cima deles. Isso poderia ofendê-los. Se certos princípios relativos a estas questões não são claros a alguém, não devemos julgá-lo naquilo que ele se permite ou não se permite fazer. Cada um é responsável por andar diante do Senhor na maneira em que acredita que o Senhor queria que ele andasse (Gn 17:1). Paulo diz: “Para seu próprio Senhor ele está em pé ou cai”. Isto é, em última análise, ele é responsável perante o Senhor pelo que faz. Se ele está enganado sobre algum assunto, e se ele está fazendo isso com fé, acreditando que é a vontade de Deus, Deus honrará sua fé e o impedirá de sair do caminho – pois “poderoso é Deus para o firmar”. Assim deve haver mútua tolerância nesses assuntos.

“Um avalia um dia mais que outro dia; outro avalia todos os dias iguais” (TB). Alguns tomaram esta declaração como sendo sua liberdade de fazer o que quiserem no Dia do Senhor, mas não é isso a que Paulo está se referindo aqui. Uma vez que a passagem está tratando principalmente com judeus convertidos fracos, isso seria em relação aos dias de sábado, etc. W. Kelly observou: “Um Cristão não considerar o Dia do Senhor seria uma desonra direta atribuída ao Seu próprio encontro especial com Seus discípulos naquele dia, um desprezo aberto àquele testemunho da graça”. Paulo acrescenta: “esteja cada um plenamente convencido em sua mente”. O problema em muitos casos, é que quando uma pessoa não está realmente convicta de algum exercício que tenha sobre a vida Cristã, tentará convencer os outros a respeito disso – até mesmo impondo tal exercício sobre outros. Elas parecem pensar que, se mais pessoas as virem da maneira como o fazem, então seria um sinal de que estariam certas. Às vezes as pessoas usam seus exercícios pessoais para tentar distinguir-se entre seus irmãos como extremamente santos e piedosos, mas na realidade é a carne em ação. Esse tipo de coisa tende ao legalismo e significa um desastre entre os santos. Muitas vezes coloca os irmãos em polos opostos, separando os que “veem” tal exercício daqueles que não o “veem”. E é tudo porque as pessoas não fizeram o que Paulo recomenda no final do capítulo – “tem-na para ti mesmo perante Deus” (v. 22).

Quatro Princípios Orientadores

Caps. 14:6–15:7 – Paulo menciona quatro princípios que nos guiarão em conexão com as diferenças que os irmãos podem ter em seus exercícios pessoais. Esses princípios podem ser aplicados a todos os Cristãos, não apenas aos judeus convertidos.

Viver Sob o Senhorio de Cristo

Cap. 14:6-9 – O primeiro princípio que deve regular nossa conduta nesses assuntos é que devemos viver nossas vidas sob a direção do senhorio de Cristo. Isso é visto no fato de que em quatro pequenos versículos, Paulo menciona “o Senhor” sete ou oito vezes – dependendo de qual tradução é usada. É claro, portanto, que Paulo está enfatizando o senhorio de Cristo aqui.

O ponto de Paulo nesta passagem é que em assuntos onde não há desobediência direta à Palavra de Deus, cada um deve ser deixado livre para agir diante do Senhor como o Senhor dirigir, sem a interferência de outros. A pergunta que cada um de nós precisa fazer é: “Com relação a isso que eu permito (ou me recuso a permitir) em minha vida, o que o Senhor quer que eu faça?” Se considerarmos certo dia, ou comermos (ou nos abstermos de comer) um determinado alimento, devemos fazê-lo como “para o Senhor”. Isto é, devemos fazê-lo acreditando que Ele nos dirigiu no assunto (Cl 3:17, 21).

Paulo acrescenta: “Porque nenhum de nós vive para si, e nenhum morre para si. Porque, se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para o Senhor morremos. De sorte que, ou vivamos ou morramos, somos do Senhor”. Isso significa que a vida toda do crente não somente é aberta diante do Senhor, mas também que sua vida pertence ao Senhor. De fato, uma das razões pelas quais Cristo morreu e ressuscitou é que Ele tenha o título e o direito de ser o Senhor sobre todos (At 2:36). Assim, somos, em última instância, responsáveis perante o Senhor por tudo o que fazemos na vida e na morte.

Viver em Vista do Tribunal de Cristo

Cap. 14:10-12 – Isso leva Paulo a falar de uma segunda coisa que deve governar a forma como nos conduzimos em questões relativas à nossa consciência. Ele diz: “Mas tu, por que julgas teu irmão? Ou tu, também, por que desprezas teu irmão? Pois todos havemos de comparecer ante o tribunal de Cristo”. Assim, devemos abster-nos de julgar ou menosprezar aqueles que não veem as coisas como nós, porque se aproxima um dia em que nossas vidas serão revistas no tribunal de Cristo e todos esses exercícios pessoais serão examinados pelo Senhor. Naquele momento Ele manifestará se eles estavam de acordo com a Sua vontade ou se eram meramente da carne.

A primeira destas duas perguntas – “por que julgas teu irmão?” – é dirigida ao Cristão fraco cuja tendência é julgar aqueles que permitem certas coisas que sua consciência não lhe permite fazer. Ele provavelmente verá as liberdades que seu irmão toma como sendo permissividades e o condenará por isso. A segunda pergunta – “por que desprezas teu irmão?” – é dirigida ao Cristão forte cuja tendência é rebaixar aqueles que não têm a luz e a liberdade que ele tem. Paulo lembra a ambos o fato de que todos vamos “comparecer ante o tribunal de Cristo” algum dia e veremos essas coisas manifestadas. Paulo cita Isaías 45:23 para mostrar (em princípio) que então “cada um de nós dará conta de si mesmo a Deus”, pelas coisas que permitimos ou não permitimos em nossas vidas.

É significativo que cada vez que o tribunal de Cristo é mencionado no Novo Testamento, ele é visto de um ponto de vista diferente. Quando reunimos essas referências, aprendemos que o Senhor examinará todos os aspectos de nossas vidas. O que será revisto são:

- Nossos caminhos em geral (2 Co 5:9-10).

- Nossas palavras (Mt 12:36). - Nossas obras de serviço (1 Co 3:12-15). - Nossos pensamentos e motivos (1 Co 4:3-5). - Nossos exercícios pessoais sobre questões de consciência (Rm 14:10-12).

Assim, está chegando um dia de avaliação quando o Senhor pesará os “porquês” e os “para quês” de nossas vidas. Esse exame trará à luz a realidade das coisas que assumimos como exercícios pessoais. Algumas destas coisas podem se manifestar como sendo carnais, e outras podem provar ser exercícios que eram verdadeiramente do Senhor. O argumento de Paulo aqui é que devemos deixar essas coisas até esse dia, porque não temos a imagem completa agora e somos incapazes de fazer uma avaliação precisa dessas coisas entre nós. Mesmo se o fizéssemos, não podemos pesar os motivos do coração como o Senhor o fará (1 Sm 2:3). Portanto, devemos agora parar e desistir de fazer avaliações dos exercícios pessoais de nossos irmãos – podemos estar errados. Além disso, fazendo julgamentos desnecessários de nossos irmãos agora, corremos o risco de causar uma ruptura na comunhão dos santos.

Viver em Vista de Não Causar Tropeço a Nossos Irmãos

Cap. 14:13-23 – Paulo continua e dar uma terceira coisa que deve regular nossa conduta nessas questões de exercício pessoal. Devemos andar “conforme o amor” para com nossos irmãos e, assim, ter cuidado para não fazer nada que seja “tropeço ou escândalo” em seu caminho. Paulo, portanto, sugere que, em vez de julgar nosso irmão, devemos julgar a nós mesmos (julgamento próprio) nesse assunto e renunciar a tomar liberdades que ofendam um irmão fraco. Já que nada do que é material é “de si mesmo imunda” – mas apenas o é aquilo que é estimado como tal na consciência de cada um (v. 14) – se sabemos que algo que permitimos em nossas vidas aflige um de nossos irmãos, o princípio do “amor” por nosso irmão deve ditar que devemos renunciar a fazer tal coisa. Devemos fazer isso porque nos é dito: “Não destruas por causa da tua comida aquele por quem Cristo morreu” (v. 15). “Destruir”, no sentido de que Paulo usa a palavra aqui, não está se referindo à morte física ou ao juízo eterno. Significa simplesmente destruir a confiança de um irmão no Senhor, pela qual ele fica confuso quanto ao que é certo e o que é errado, e se afasta de segui-Lo no caminho de fé. Assim, Paulo menciona três tipos de julgamento neste capítulo:

- O julgamento de nossos irmãos de forma crítica (v. 3-4, 10a). - O justo julgamento do Senhor (vs. 10b-12). - O julgamento próprio do crente (v. 13).

O amor pensa nos outros e nos fará renunciar aos direitos legítimos que temos para promover uma feliz comunhão Cristã. A declaração “por quem Cristo morreu” não deve ser tomada levianamente. Ela aponta para o custo incalculável que Cristo pagou para salvar aquele irmão. Portanto, precisamos deixar que isso penetre profundamente em nossos corações e pensemos seriamente sobre o nosso cuidado mútuo. Se, por outro lado, eu egoisticamente exibir meus direitos Cristãos nesses assuntos, poderei muito bem causar danos irreparáveis na vida de um irmão fraco. Ostentar nossa liberdade diante daqueles que são fracos na fé manifesta um espírito não-Cristão. Estamos realmente deixando ser “censurado o nosso bem” (v. 16). No entanto, não devemos deixar que o que é bom e correto para nós se torne um objeto de crítica, mal-entendido e ofensa (v. 16).

Vs. 17-18 – Paulo declara que as coisas importantes na vida Cristã têm a ver com “o reino de Deus”. Essas são coisas morais, e não coisas que pertencem a “comida” ou “bebida” – isto é, coisas naturais externas da religião terrena. Portanto, o que realmente conta no reino de Deus não são as regras quanto aos alimentos e as observâncias religiosas de certos dias, mas as coisas concernentes à “justiça, paz e gozo no Espírito Santo”. Portanto, não é o que um homem come que é importante, mas viver uma vida santa para a glória de Deus. Se definirmos isso como uma prioridade em nossas vidas e buscarmos o bem de nossos irmãos, serviremos a Cristo de um modo que seja “agradável a Deus e aprovado pelos homens” (ARA).

Vs. 19-21 – Paulo, portanto, conclui que devemos “perseguir” (JND) “as coisas que contribuem para a paz e as que são para a edificação mútua” (TB). Já que a carne não destrói “a obra de Deus” na alma de uma pessoa, se sabemos de algo que permitimos em nossas vidas que poderia ofender nossos irmãos, então o princípio em que devemos viver é este: “Bom é não comer carne, nem beber vinho, nem fazer outras coisas em que teu irmão tropece, ou se escandalize, ou se enfraqueça”. Isso significa que não devemos atropelar a consciência de um irmão quando ele não está claro sobre um assunto. Por exemplo, não devemos convidar para jantar uma pessoa que acabou de se converter do judaísmo ou do islamismo e servir carne de porco assada.

Vs. 22-23 – O conselho de Paulo, portanto, é que se tivermos “fé” para fazer certas coisas que não são diretamente proibidas nas Escrituras – mas que são coisas que poderiam ofender e fazer tropeçar alguém – então, “Tem-na em ti mesmo diante de Deus”. Isto é, não ostente nossa liberdade, mas faça essas coisas em particular diante de Deus onde e quando não correremos o risco de ofender alguém. Paulo acrescenta: “Bem-aventurado [feliz – KJV] aquele que não se condena a si mesmo naquilo que aprova”. Em outras palavras, é bom andar no pleno gozo de nossa liberdade, não estando preso por costumes infundados.

Note que Paulo não nos diz para tentar levar aqueles que não são claros sobre essas questões além do que sua consciência dita, persuadindo-os a participar de algo que é duvidoso para eles. Ao ter uma consciência a respeito de algo “aquele que tem dúvidas, se come, está condenado” porque “tudo que não é de fé é pecado”. Ao forçar uma pessoa dessa maneira, poderíamos levá-la a pecar, e isso poderia dar início a que ela se desvie de Deus. Nós o ensinamos a ir em frente e violar sua consciência, e uma vez que tenha feito isso, poderia muito bem continuar a fazê-lo em outros assuntos mais sérios.

Devemos Seguir o Exemplo de Cristo em Tudo

Cap. 15:1-7 – Paulo dá uma quarta coisa que nos ajudará a andar corretamente nessas situações – é seguir o exemplo de Cristo em Sua vida.

Vs. 1-2 - Ele diz que aqueles que são “fortes” na fé devem “suportar as fraquezas dos fracos” e, assim, deixar de se agradar em coisas relativas à comida e bebida, e considerar a “edificação” dos irmãos, em vez de seus próprios prazeres. Ele coloca diante de nós o mais elementar princípio Cristão – o bem-estar dos outros antes do nosso! Ele diz: “Portanto cada um de nós agrade ao seu próximo (nosso irmão no Senhor), visando o que é bom para edificação” Se “cada um” na comunidade Cristã tivessem essa atitude e disposição, toda essa questão de ofender e fazer alguém tropeçar com nossas liberdades seriam resolvidas de uma só vez.

V. 3 – O modelo que ele coloca diante de nós é o próprio Cristo, que “não agradou a Si mesmo”. Se imitarmos o amor abnegado de Cristo pelos outros, estaremos contentes em renunciar coisas para agradar ao nosso próximo. O apóstolo João disse: “Nisto conhecemos o amor: que Cristo deu a Sua vida por nós; e devemos dar nossa vida pelos irmãos” (1 Jo 3:16). A atitude que diz: “Eu tenho o direito de fazer isso, e vou fazê-lo independentemente do que os outros pensam; e eles terão que me aceitar do jeito que eu sou” certamente não é semelhante à de Cristo. O Senhor Jesus era o Único na Terra que realmente tinha o direito de fazer o que quisesse, e escolheu não agradar a Si mesmo. A lição aqui é que devemos estar dispostos a nos abster do direito que legitimamente tenhamos a qualquer liberdade, em vez de arriscar fazer alguém tropeçar. Levar adiante esse direito é violar o próprio espírito do Cristianismo.

Cristo estava tão comprometido com a honra e a glória de Deus que, se alguém reprovasse a Deus, Cristo mesmo suportaria a reprovação. Ele poderia dizer a Deus: “as afrontas dos que Te afrontam caíram sobre Mim”. Esta é uma citação do Salmo 69:9. Da mesma forma, se houver alguma fraqueza no entendimento de nosso irmão concernente à liberdade Cristã, e isso o tem levado a ter restrições infundadas, e, isso trouxer censura e críticas sobre ele, deveríamos estar dispostos a nos identificar com ele no assunto, e suportar a consequente reprovação com ele.

V. 4 – Temos também a “paciência [perseverança – ARA] e consolo [encorajamento – JND] das Escrituras”, nas quais podemos aprender com as atitudes de santos de outras épocas cujas vidas manifestaram um cuidado abnegado pelos outros. As Escrituras a que Paulo se refere aqui são o Velho Testamento; o Novo Testamento ainda não havia sido escrito. Note que ele não diz que aquelas Escrituras do Velho Testamento foram escritas “para” nós, mas sim, “por” (JND) nós – isto é, por causa do nosso aprendizado. Isso mostra que a maioria das Escrituras não foram escritas para nós Cristãos, mas toda a Escritura foi escrita por causa da nossa “instrução” (2 Tm 3:16-17). O Velho Testamento é escrito para Israel; enquanto as 21 epístolas do Novo Testamento foram escritas para os Cristãos. É nelas que encontramos a doutrina e a prática Cristãs. Aqueles que querem juntar Israel e a Igreja em uma única companhia de crentes (Teologia Reformada do “Pacto”) se opõem a isso. Eles (em seu ensino equivocado) pensam que Israel é a Igreja no Velho Testamento e que a Igreja é Israel no Novo – e, portanto, acreditam que toda Escritura é escrita “para” nós. No entanto, não é isso que Paulo diz aqui. O tipo de aprendizado (“instrução”) que devemos obter do Velho Testamento tem a ver com princípios morais e práticos. O resultado é que nos é dada “esperança” que nos ajuda a seguir no caminho de fé.

Vs. 5-7 – Paulo conclui suas exortações sobre a liberdade Cristã, lembrando-nos do apoio divino que temos em Deus. Ele diz: “Ora o Deus de paciência [perseverança – ARA] e consolação [encorajamento – JND] vos conceda o mesmo sentimento uns para com os outros, segundo Cristo Jesus”. Assim, ganhamos “perseverança e encorajamento” das Escrituras (v. 4), mas também “o Deus de perseverança e encorajamento” (JND) nos ajuda no caminho (v. 5). E o objetivo divino em tudo isso é que andemos juntos em unidade prática, tendo “o mesmo sentimento uns para com os outros”. Ao acrescentar, “segundo Jesus Cristo”, Paulo está nos dando uma palavra de cautela; essa afinidade é estar de acordo com o Senhor e ao relacionamento com Ele para o qual fomos chamados. Isto porque é possível ter um mesmo pensamento de acordo com a carne. Ananias e Safira são um exemplo disso. Eles tinham o mesmo pensamento em uma coisa má (At 5:1-11).

Seu desejo é que tenhamos um testemunho único diante do mundo, glorificando a Deus “unânimes e a uma boca” (TB). Isso é bastante surpreendente; as bocas que antes estavam cheias de amargura e maldição (cap. 3:14) agora são vistas cheias de ações de graças e louvor! Se é dada atenção à esta exortação, judeus e gentios salvos seriam encontrados juntos louvando a Deus com “uma boca”. Que quadro é esse – um triunfo da graça de Deus! Assim, isso nos leva a um círculo completo de onde Paulo começou no capítulo 14:1, a saber, que devemos “receber” uns aos outros. O modelo para nós nisso é Cristo – “como também Cristo nos recebeu para glória de Deus”.

As Escrituras Ensinam que Judeus Convertidos e Gentios Serão Abençoados Juntos sob Cristo

Cap. 15:8-13 – Nos capítulos 1 a 3, vimos os judeus e gentios em posições bem diferentes – na verdade, em polos opostos, naturalmente falando. Mas tendo falhado em sua responsabilidade para com Deus, seus pecados os reduziram a um denominador comum como pecadores. Nos capítulos 3:21-8:39, vimos crentes dentre os judeus e gentios juntamente abençoados pela justiça de Deus. Então, nos capítulos 12-15:7, os judeus e gentios crentes foram exortados a caminhar juntos em unidade prática, não permitindo que preconceitos e estilos de vida antigos interferissem.

Vs. 8-12 – Para ajudá-los com isso, nos próximos cinco versículos, Paulo mostra que o ministério de “Jesus Cristo” à “circuncisão” na verdade inclui judeus e gentios. De fato, sempre foi Sua intenção “que os gentios glorifiquem a Deus por causa da Sua misericórdia” (ARA) e assim fossem abençoados em conexão com Israel. Quatro Escrituras são citadas das três partes principais do Velho Testamento – a Lei, os Salmos e os Profetas (Lucas 24:44) - para provar isso.

V. 9 – No Salmo 18:49, Davi antecipou um dia em que o Senhor “cantará” a Deus no meio de uma multidão de gentios crentes.

V. 10 – Em Deuteronômio 32:43, Moisés anuncia que chegaria o tempo em que os gentios convertidos se “alegrariam” nas bênçãos da salvação “com o seu povo” Israel.

V. 11 – No Salmo 117:1, ouvimos Israel convidando os gentios a “louvar ao Senhor” com eles.

V. 12 – Em Isaías 11:10, o profeta fala da inclusão dos gentios no reinado do Messias de Israel.

Essas Escrituras não ensinam que os crentes dentre os gentios seriam parte da Igreja – o que é revelado no Mistério. Mas elas mostram que Deus quer que judeus e gentios convertidos se regozijem juntamente ao confiarem em Cristo. Ao afirmar isso, Paulo dá a entender que nossos corações, portanto, devem ser largos o suficiente para incluir ambos (judeus e gentios) em assuntos de comunhão prática. Já que muitas das diferenças entre crentes na Igreja primitiva tinham se originado de suas vidas anteriores como judeus e gentios, ele desejava que essa verdade os encorajasse a usar a diligência para caminhar juntos em união prática. Isso encerra formalmente as exortações da epístola.

V. 13 – Paulo conclui com uma bendição recomendando os santos romanos ao “Deus de esperança” que os encheria de “gozo e paz” e “crendo” com confiança de que eles “abundariam em esperança” até o fim. Essencialmente, seu desejo por eles é que fossem encontrados em um bom estado espiritual de alma, e assim serem capazes, “pelo poder do Espírito Santo” (ARA), de colocar em prática as exortações que ele havia dado.

Resumo da Justiça Prática Demonstrada na Vida Cristã

Esta seção prática da epístola mostrou que há agora motivos e atitudes inteiramente novos no crente, e eles se manifestam:

- Cap. 12:1-8 para com Deus. - Cap. 12:9-13 para com os crentes. - Cap. 12:14-21 Para com o mundo. - Cap. 13:1-14 Para com as autoridades civis. - Caps. 14-15:13 Para com aqueles fracos na fé.

ITINERÁRIO DE PAULO

Capítulo 15:14-33

Esta última seção é suplementar à doutrina anterior na epístola. Paulo informa os santos romanos de suas circunstâncias pessoais e suas intenções no serviço em relação ao evangelho “nos lugares que estão além” (2 Co 10:16).

Assim, ele encerra a epístola declarando suas razões para escrever a eles e expressa seu grande desejo de visitá-los. Ele explica que não lhes escreveu por causa de alguma falta particular da parte deles, mas simplesmente para comunicar-lhes o evangelho que pregou entre os gentios; prometendo que quando chegasse a eles, lhes daria “a plenitude da bênção de Cristo” (v. 29 – ARA) – o que ele não expôs nesta carta. Esta é uma referência à verdade do “Mistério”, que foi uma revelação especial dada a ele e a outros apóstolos e profetas (Ef 3:5), para comunicar aos santos. Ele menciona isso no capítulo 16:25.

Vs. 14-15 – Ele disse: “Eu mesmo estou persuadido a vosso respeito, irmãos meus, que também vós mesmos estais cheios de bondade, cheios de toda a ciência e capazes de admoestar uns aos outros. Mas vos escrevo em parte mais ousadamente, como trazendo-vos isto de novo à memória, por causa da graça que me foi dada por Deus”. Vemos disto que Paulo estava convencido de que os irmãos em Roma estavam em um bom estado – “cheios de bondade” – e assim receberiam suas admoestações. Portanto, ele escreveu a eles com considerável ousadia. Ele também estava confiante de que eles eram Cristãos maduros e bem capazes de admoestarem-se mutuamente em amor, e assim orientarem-se em relação às dificuldades que pudessem surgir entre eles, sem que ele estivesse presente para fazê-lo. Este é um sinal de uma assembleia saudável. Paulo, portanto, não tinha intenção de chegar a eles como árbitro ou regulador. Os que se imaginam ser árbitros ou reguladores podem causar dano entre o povo do Senhor. Não é que uma assembleia não possa pedir ajuda e conselho, mas sob condições normais, as assembleias locais devem resolver suas próprias dificuldades no temor de Deus (Fp 2:12). Uma assembleia que habitualmente tem seus problemas resolvidos por irmãos de outras localidades pode perder a bênção prática e a educação espiritual que o Senhor pretende para eles no problema.

Note que ele menciona “cheio de bondade” antes de ser capaz de “admoestar uns aos outros”. Para admoestarmos com eficiência, primeiro precisamos ter corações cheios de bondade para com aqueles a quem procuramos ajudar, e também precisamos ter o “conhecimento” prático dos princípios bíblicos sobre a situação da pessoa. Sem essa graça e conhecimento, poderíamos causar danos à pessoa e agravar o problema.

Cap. 15:16-17 – Paulo tinha outra razão para ir até eles, e isso porque ele tinha sido “oficialmente empregado” (v. 16 – nota de rodapé JND) por Deus como um “ministro de Cristo Jesus entre os gentios” (TB). Ele tinha uma comissão especial de Deus para os gentios (At 9:15, 22:21; Gl 2:7; Ef 3:8; Cl 1:27). Como eles eram predominantemente uma assembleia de gentios – se não exclusivamente gentios, pois Cláudio César expulsara todos os judeus de Roma (At 18:2) – Paulo sentia que deveria se certificar de que “a oferta dos gentios pudesse ser aceitável” (JND) para Deus. Isto é, que eles ficariam diante de Deus em toda a verdade do evangelho e do Mistério. Ele acrescenta: “santificada pelo Espírito Santo”, porque ele entendeu plenamente que esta obra entre os gentios era realmente uma obra de Deus pelo Espírito, e ele queria dar a Deus o crédito pelo que Ele havia concebido. Paulo estava, portanto, justificado em seu desejo de ter “glória em Jesus Cristo nas coisas que pertencem a Deus”.

Vs. 18-19 – Se houvesse alguma dúvida se ele realmente tinha essa comissão, isso poderia ser facilmente resolvido pelas suas provas. Ele disse: “Porque não ousarei dizer coisa alguma, que Cristo por mim não tenha feito, para fazer obedientes os gentios, por palavra e por obras” (ARF). Isto é, ele não quis comentar sobre o que os outros estavam fazendo para o Senhor, mas daquilo que ele sabia em primeira mão pelo Senhor trabalhando por meio dele. Houve uma demonstração de “força de sinais e prodígios, pelo poder do Espírito Santo” (ARA). E isso acontecera em muitos lugares – “desde Jerusalém, e arredores, até ao Ilírico” (norte da Macedônia, no Mar Adriático). Essencialmente, isso aconteceu em todos os lugares onde ele “pregou plenamente as boas-novas de o Cristo” (JND). Este é um relato da extensão geográfica de seu ministério, não da ordem cronológica do mesmo.

Vs. 20-21 – A intenção de Paulo era continuar pressionando os gentios com o evangelho, “não onde Cristo já fora anunciado” (ARA). Seu ministério consistia mais em penetrar em novas regiões e deixar o trabalho de pastoreio e de ensinar seus convertidos a outras pessoas. Ele não tinha intenção de trabalhar onde outros haviam trabalhado e edificado sobre o “fundamento” – que é Cristo (1 Co 3:11). Ele cita Isaías 52:15 para mostrar que o princípio de alcançar os gentios dessa maneira era segundo Deus – “como está escrito: Aqueles a quem não foi anunciado, o verão, e os que não ouviram o entenderão”. O ministério de Paulo não foi o cumprimento desta profecia. Ele não diz que foi – afirmando apenas que o princípio sobre o qual ele agiu estava de acordo com o que havia sido “escrito” no Velho Testamento. (Como regra geral, quando algo do Velho Testamento é cumprido no Novo Testamento, isso é declarado. Veja Mateus 1:22, 2:23; João 19:36-37, etc.)

Vs. 22-24 – Sendo assim ocupado no serviço, Paulo, que muitas vezes procurara oportunidade para vir a eles, disse: “muitas vezes tenho sido impedido de ir ter convosco” (compare o capítulo 1:13). No entanto, tendo sido especialmente comissionado com um ministério para os gentios, Paulo esperava que uma ocasião se abrisse para que ele viesse a eles em breve. E agora, como seu ministério de apresentar o evangelho em novas áreas estava em grande parte concluído “nestas regiões” (ARA) – Ásia Menor (Turquia) e Acaia (Grécia) – ele estava livre para avançar em novas regiões, e assim chegar até eles em seu caminho para a Espanha.

Vs. 25-27 – Mas Paulo teve uma última responsabilidade para cuidar antes que ele fosse para os gentios. Ele estava indo para Jerusalém com a coleta dos irmãos da “Macedônia e Acaia” (províncias do norte e do sul da Grécia) para dar aos “pobres dentre os santos que estão em Jerusalém”. Lemos sobre isto em 2 Coríntios 8-9. Paulo e Barnabé entregaram uma oferta semelhante para os santos de Jerusalém em seus primeiros dias (At 11:29-30). Parece haver duas razões para a pobreza dos judeus na Judéia:

- Houve uma grande fome naquela terra (At 11:28). - A vida comunitária que eles haviam praticado em Jerusalém os deixou sem terras e meios para se sustentar (At 2:44-45, 4:34-35). (As escrituras não dizem que isso foi algo que o Senhor pediu para que fizessem.)

Os gentios crentes estavam “realmente bem satisfeitos” (JND) em encaminhar a seus irmãos judeus essa oferta porque eles se viam como “devedores” para com eles. Eles haviam participado de suas “coisas espirituais” (TB) (as Escrituras, a presença do Espírito de Deus, etc.) e achavam que era justo que lhes enviassem alívio em coisas temporais.

Vs. 28-29 – “E havendo-lhes consignado este fruto” (colocado a oferta em suas mãos), Paulo pretendia realmente ir aos santos romanos a caminho da Espanha. E prometeu dar-lhes “a plenitude da bênção de Cristo” (v. 29 - ARA) quando lá chegasse. As versões King James e Almeida Corrigida acrescentam a palavra “evangelho” de Cristo, mas ela não está no texto grego. Paulo havia acabado de expor a verdade do evangelho para eles nesta mesma epístola. A “plenitude” a que ele se refere aqui é a verdade do “Mistério”, para “completar” (JND) a revelação Cristã da verdade (Col. 1:25). Ele menciona isso no capítulo 16:25. É uma revelação especial da verdade sobre Cristo e a Igreja. O Sr. Darby menciona que não há registro de que Paulo tenha chegado à Espanha (Sinopse of the books of the Bible, on Romans 15).

Um Pedido Triplo de Oração

Vs. 30-33 – Por último, Paulo pede as orações dos romanos em vista deste trabalho. Isso, diz ele, seria “pela causa do Senhor Jesus Cristo” (KJV) e estaria de acordo com “o amor do Espírito”, que é a comunhão mútua dos santos. Seu pedido triplo de oração é baseado na palavra “que”.

- “Que” ele pudesse ser livre dos judeus incrédulos da Judéia que desesperadamente queriam matá-lo (1 Ts 2:14-16). - “Que” a oferta que ele estava trazendo para os crentes judeus fosse aceita em boa graça e seria vista como uma expressão verdadeira do amor de seus irmãos gentios. E, assim, eles seriam unidos como crentes em Cristo. (Paulo pediu isso porque sabia que ainda havia algum preconceito religioso nos santos judeus, e ele esperava que isso acabasse com esses sentimentos). - “Que” ele chegasse a Roma com gozo e pela vontade de Deus, e que eles fossem mutuamente renovados. Esta oração foi respondida, mas de um modo muito diferente do que Paulo imaginou; Ele chegou a Roma como prisioneiro.

Ele termina a parte principal da epístola dizendo aos santos romanos que ele desejava que “o Deus de paz” estivesse com eles, acrescentando um “Amém” de coração.

APÊNDICE

CARTA DE RECOMENDAÇÃO
Capítulo 16

Cap. 16:1-27 – Este capítulo é uma carta de recomendação para uma irmã chamada “Febe”, acompanhada de saudações a vários irmãos em Roma. Inclui uma advertência para se apartarem daqueles que causam divisões e que poderiam enganá-los, e termina com uma doxologia que liga as duas partes do ministério de Paulo como sendo o meio de estabelecer os santos em toda a verdade de Deus.

Vs. 1-2 – Paulo escreve: “Recomendo-vos a nossa irmã Febe, que está no serviço [que é ministra – JND] da igreja em Cencreia” (TB). Esta carta de recomendação apresentou formalmente Febe à assembleia em Roma. Ela estava viajando de Cencreia (o porto de Corinto, a pouco mais de três quilômetros de distância) para aquela área por alguma “coisa [assunto – JND] pessoal, e provavelmente foi a portadora da epístola.

O uso de tais cartas era prática comum entre os irmãos da Igreja primitiva (At 18:27; 2 Co 3:1). A existência delas mostra o cuidado que eles tinham na comunhão entre as assembleias. Havia perigos que ameaçavam a comunhão dos santos, e precisavam ser cuidadosos com quem recebiam – em um nível pessoal (1 Tm 5:22) e coletivamente como assembleias (At 9:26-28). Falsos irmãos estavam entrando na profissão Cristã com má doutrina e práticas ímpias, e estavam corrompendo os santos (2 Co 11:12-15; Gl 5:7-12; 2 Pe 2:1; 1 Jo 4:1-6; Jd 4). Em vista desse perigo, a comunhão dos santos não era aberta, nem era fechada – mas era guardada. Esse cuidado ainda deve ser usado entre as assembleias Cristãs que buscam estar reunidas biblicamente. De fato, como a corrupção na profissão Cristã é maior hoje do que sempre foi, esse cuidado é mais necessário do que nunca. Se uma pessoa em comunhão à Mesa do Senhor for a uma assembleia onde é conhecida, é apreciável ter uma carta, mas não necessário (2 Co 3:1-3). Mas se uma pessoa está visitando uma assembleia onde ela não é conhecida, uma carta de recomendação deve ser utilizada.

Podemos nos perguntar o que essa irmã estava fazendo agindo como “ministra da assembleia” em Cencreia, quando a Escritura ensina que as irmãs não devem ministrar publicamente a Palavra de Deus e ensinar na assembleia (1 Co 14:34-35; 1 Tm 2:11-12). No entanto, esta questão reflete um equívoco comum. O problema é que o indagador está tentando entender a passagem usando os significados convencionais (geralmente aceitos) que os homens associaram aos termos bíblicos. É triste dizer, mas a Cristandade inventou significados não escriturais para muitos termos bíblicos, e essas ideias foram popularizadas e aceitas pelas massas, e isso levou a muita confusão. Ter nossas mentes tendendo para esses pensamentos não bíblicos, torna difícil aprender o verdadeiro significado de uma passagem.

No exemplo diante de nós, é um erro pensar que um “ministro” é um clérigo (um assim-chamado pastor que lidera uma congregação de Cristãos). Como mencionado em nossos comentários sobre “ministério”, no capítulo 12:7, um ministro é uma pessoa (homem ou mulher) que realiza um serviço para o Senhor em coisas espirituais (At 6:4; 1 Pe 4:11) ou em coisas temporais. (Mt 10:41-42; At 6:2-3, 13:5, 19:22; 1 Tm 3:10). Como uma irmã, de acordo com a ordem nas Escrituras, não deve ministrar a Palavra de Deus na assembleia (publicamente), o que Febe ministrou à assembleia tinha que ter sido nas coisas temporais. J. N. Darby afirma em nota de rodapé em sua tradução que a palavra pode ser traduzida como “diaconisa”, que é uma serva que serve em coisas temporais. Ele disse que ela pode ter varrido o chão do local de reunião onde os santos se reuniam em Cencreia, ou algo assim (Notes and Jottings of J. N. Darby, pág. 284). Ela não teria estado oficialmente no encargo de um diácono porque isto deveria ser preenchido por homens (1 Tm 3:8-13). Como Paulo declara que ela era “o amparo de muitos” (AIBB), ela pode ter tido o dom de “socorros [ajudas – JND] (1 Co 12:28).

Várias Saudações

Cap. 16:3-16 – Paulo, então, aproveita a oportunidade para enviar suas saudações a vários irmãos que ele conhecia de Roma – alguns eram de contato pessoal e outros de que ele havia ouvido falar por meio de outros. Ele dedica mais tempo a saudar os santos aqui do que em qualquer outra epístola. Isto foi devido ao fato de que ele ainda não tinha estado em Roma e desejou transmitir seu amor a eles em um nível pessoal e, assim, abrir caminho para sua visita que se aproximava. Vemos nessas saudações delicados toques de afeição e algumas ternas lembranças daqueles que ele conhecia desde os primeiros dias. Isso nos dá percepção quanto à genuinidade do amor que fluía entre a comunhão dos santos naqueles dias. (Paulo menciona 26 nomes e refere-se a muitos outros que não são nomeados. Há nove mulheres mencionadas no capítulo.)

Vs. 3-5a – “Priscila e Áquila” são mencionados primeiro. Seus nomes são encontrados em nada menos que seis lugares nas Escrituras; três vezes o nome de Priscila é mencionado primeiramente (At 18:18; Rm 16:3; 2 Tm 4:19) e três vezes o de Áquila (At 18:2, 26; 1 Co 16:19). Mencionando o nome dela em primeiro lugar não significa que ela era uma mulher arrojada que assumiu a liderança em seu casamento. Um olhar atento para estas seis passagens mostrará que ela é mencionada em primeiro lugar porque a ênfase na passagem está no lado doméstico das coisas, onde a mulher deve “governar a casa” (1 Tm 5:14). Mas quando a ênfase está no ensino ou nos assuntos da assembleia, Áquila é mencionado em primeiro lugar – uma esfera na qual os irmãos devem liderar. Assim, eles eram um casal Cristão modelo. Eles, como Febe, são considerados “cooperadores” na obra do Senhor. Talvez eles também tivessem o dom de “socorros”.

Em uma ocasião, eles “arriscaram” (ARA) suas vidas para ajudar Paulo. Não nos é dito onde ou quando isso aconteceu, mas certamente mostra seu compromisso com a causa do evangelho e seu profundo amor pelo apóstolo. O fato de Paulo dizer que eles “arriscaram a sua própria cabeça [o seu próprio pescoço – JND] (singular), mostra que eles eram um em seu propósito em servir ao Senhor. Paulo e os irmãos em toda parte agradeceram ao Senhor por eles. Esta é uma tremenda recomendação.

Além disso, descobrimos que sua casa estava aberta aos santos e que eles estavam dispostos a ter reuniões de assembleia “em sua casa”. Dos versículos 14 e 15, assumimos que os santos em Roma não necessariamente se reuniam em um único local. Parece que havia mais de um lugar de reunião, mas a assembleia era uma. Conforme 1 Coríntios 14:23, vemos que este foi o caso em Corinto também. Em grandes metrópoles com dificuldades de locomoção, não era prático para todos em uma assembleia em uma determinada localidade se reunirem em um só lugar.

V. 5b – Paulo saúda “Epêneto” em seguida. Ele observa que ele era “as primícias da Acaia” (KJV), o que significa que ele foi o primeiro convertido naquela região. No entanto, isso conflita com 1 Coríntios 16:15, que afirma que Estéfanas e sua casa foram os primeiros a serem salvos naquela região. Mas realmente não há dificuldade. “Acaia” aqui em Romanos 16:5 (KJV) é um erro de tradução; deveria ler “Ásia” (em português está correto). Assim, Epêneto foi o primeiro a ser salvo na Ásia Menor (sudoeste da Turquia) e Stephanas foi o primeiro a ser salvo na Acaia (sul da Grécia).

Vs. 6-7 – “Maria” é saudada; ela é lembrada por seu muito trabalho feito para o apóstolo. Então “Andrônico e Júnias” são mencionados, sendo parentes (homens da família – JND) de Paulo. Alguns têm pensado que esta era uma equipe de marido e mulher, porque “Júnias” (ARA) pode ser masculino ou feminino. No entanto, isso parece improvável porque eles foram presos juntos, e as prisões não têm mulheres encarceradas com homens. Ele diz que eles eram “notáveis entre os apóstolos” (ARA), o que significa que eles eram altamente estimados pelos apóstolos por causa do serviço que prestavam. Não diz que eles foram presos ao mesmo tempo e lugar que Paulo, mas eram companheiros de sofrimento nessa maneira. Esses queridos servos se tornaram Cristãos antes de Paulo, e isso nos leva a pensar se eles haviam orado pela conversão de seu “parente” instruído.

Vs. 8-10 – “Amplias”, “Urbano”, “Estáquis” são saudados com pouco comentário. “Apeles” é mencionado como sendo “aprovado” em Cristo. A palavra “aprovado” significa que ele havia sido provado de alguma forma e que ele havia resistido ao teste. Pode ter sido que ele tenha sido pressionado a se retratar em relação à sua fé, mas ele não negaria o Senhor. “Aristóbulo” não é saudado, mas os da sua casa são. Isso significaria que, enquanto o homem mesmo não era salvo, alguns de seus servos eram. Ele era neto de Herodes, o Grande, mas Deus alcançou alguns de seus servos com o evangelho e eles foram salvos. Paulo enviou saudações a eles. A mesma coisa aconteceu com alguns da casa de César (Fp 4:22). Isso mostra o poder da graça de Deus.

V. 11 – “Herodiano”, supomos ser judeu, já que ele era “parente” de Paulo. Tendo sido dado esse nome a ele sugere que era (ou tinha sido) um servo na casa de Herodes.

Tal como acontece com Aristóbulo, “Narciso” não é saudado, mas os da sua casa são. Novamente, isso significaria que, embora o homem não fosse salvo, alguns dos seus familiares eram. A história registra um grande homem de posses com este nome que viveu na época, e que foi influente com Cláudio César. Ele pode ter sido esse próprio homem.

V. 12 – “Trifena e Trifosa” são saudadas como aquelas que estavam trabalhando no Senhor. A julgar pela semelhança de seus nomes, muitos pensaram que provavelmente eram irmãs na carne, assim como irmãs no Senhor. “Pérsida” é mencionada como tendo “trabalhado” muito no Senhor. O fato de que é indicado no tempo passado indica que esta irmã era agora mais velha e incapaz de continuar como ela fez uma vez. No entanto, o serviço que prestou é lembrado pelo apóstolo. (É improvável que ela não fosse capaz de continuar servindo porque estava doente, porque, nesse caso, Paulo teria enviado sua condolência à ela. Também não é provável que ela tivesse deixado de trabalhar porque sua alma havia esfriado. Nesse caso, ele não a teria saudado com saudações tão calorosas). Como regra, Paulo não chamava as irmãs de “amadas” porque isso poderia ser visto como uma demonstração inapropriada de afeição pelo sexo oposto (1 Tm 5:2). Mas neste caso, sendo que Pérsida era provavelmente mais velha, ele a chamava de amada.

V. 13 – “Rufo” é saudado. Os expositores parecem concordar que ele é a mesma pessoa mencionada em Marcos 15:21. Diz que “Simão Cireneu” foi compelido pelos soldados romanos a levar a parte de trás da cruz do nosso Senhor “após [atrás de – JND] d’Ele (Lc 23:26). Em seguida, segue-se um comentário que parece ser uma observação casual – “o pai de Alexandre e de Rufo” (Mc 15:21). Pelo modo como Marcos insere isso, parece que o relacionamento era tão conhecido entre os santos que Paulo não precisou se estender sobre isso. A conclusão pode ser tirada de que este evento deixou uma impressão indelével na família de Simão, e mais tarde eles foram salvos. A esposa de Simão também foi salva, a quem Paulo menciona aqui como “mãe” de Rufo. Ele acrescenta que ela também foi mãe de Paulo – no sentido de que ela desempenhou o papel de mãe para com ele.

V. 14 – Há cinco pessoas mencionadas neste versículo que não são mencionadas em nenhum outro lugar nas Escrituras – “Asíncrito”, “Flegonte”, “Hermas”, “Pátrobas” e “Hermes”. Ao acrescentar: “E aos irmãos que estão com eles”, parece indicar que eles não se reuniam com aqueles na casa de Áquila e Priscila, mas em outras partes da cidade. Eles são saudados junto com os outros no capítulo, indicando que eles não estavam agindo em independência, mas foram considerados como estando no mesmo terreno de comunhão.

V. 15 – Outras cinco pessoas são mencionadas neste versículo – “Filólogo”, “Júlia”, “Nereu”, “sua irmã” e “Olímpia”. Novamente, esses crentes não são mencionados em nenhum outro lugar nas Escrituras. Ao acrescentar: “E todos os santos que com eles estão”, Paulo parece indicar que esses irmãos também estavam reunidos em uma casa diferente naquela vasta cidade. Eles também, como aqueles no versículo 14, estavam em comunhão com os outros santos da cidade como estando no mesmo terreno de comunhão.

V. 16 – Saudações calorosas entre os santos romanos foram encorajadas na forma de “um santo ósculo”. Seu desejo é que eles mostrassem amor e cuidado genuíno uns pelos outros. Ele envia saudações da parte de “todas as assembleias de Cristo” (JND).

Uma Nota de Advertência

Vs. 17-18 – Antes de encerrar a carta, Paulo emite uma advertência aos santos romanos sobre pessoas que causam divisão. Ele diz: “E rogo-vos, irmãos, que noteis os que promovem dissensões e escândalos contra a doutrina que aprendestes; desviai-vos deles”. Paulo deu uma advertência semelhante aos anciãos de Éfeso em Atos 20:29-30. Isso mostra que precisamos estar atentos contra aqueles que têm a tendência de reunir pessoas em torno de si mesmos. Essas pessoas muitas vezes têm uma queixa sobre alguma fraqueza entre seus irmãos, especialmente contra os que lideram, e usarão isso como ponto de apoio para sua causa. Muitas vezes terá a aparência de preocupação piedosa, e pessoas inocentes serão tomadas por isso.

Toda essa atividade é, naturalmente, da carne (Gl 5:20) e “em desacordo com a doutrina” (ARA) que aprendemos – a qual diz que todos os Cristãos devem andar juntos em unidade prática sem “divisões” entre eles (1 Co 1:10 – ARA). Uma “divisão [cisma] é uma divisão interna ou uma partição entre os irmãos (1 Co 11:18), ao passo que uma “heresia [seita] é uma divisão exterior entre irmãos, quando parte se rompe e não mais se encontra em comunhão prática com os outros (1 Co 11:19). Como 1 Coríntios 11:18-19 fala de uma “heresia [seita – JND] depois de mencionar uma “divisão [cisma], indica que uma levará à outra, se não for julgada.

A obra maligna aludida aqui em Romanos 16 é aquela que um criador de divisões faz na comunhão dos santos. Os irmãos não são instruídos a excomungá-lo (formalmente colocá-lo fora de comunhão), mas Paulo diz: “afastai-vos” (ARA) dele. Note que Paulo diz: “aqueles que provocam divisões”; ele não diz: “aqueles que seguem uma divisão”. Aprendemos com isso que devemos distinguir entre os líderes e os liderados nesses tipos de rupturas. Devemos, portanto, evitar o líder (ou líderes), mas estender a mão e tentar ajudar aqueles que estão sendo atraídos pelo movimento de divisão. Paulo diz: “Porque os tais não servem a nosso Senhor Jesus Cristo, mas ao seu ventre” Assim, eles não têm a glória do Senhor diante deles, mas seus próprios interesses egoístas. Os meios pelos quais eles obtêm seguidores são por meio de “suaves palavras e lisonjas”, e o tipo de pessoas que são enganadas por esses causadores de divisão são aquelas que são “simples” e “desavisadas”.

Absalão é um tipo de homem que causa divisão na assembleia (2 Sm 15-18). Ele atraiu alguns após si mesmo, que “na sua simplicidade”, “nada sabiam” (2 Sm 15:11). Seu método era concordar com aqueles que tinham alguma queixa e beijá-los. O resultado foi que ele “furtava o coração dos homens de Israel” (2 Sm 15:1-6 – ARA). A formação de seu partido não aconteceu da noite para o dia; demorou “quatro anos” (2 Sm 15:7 – ARA). (A KJV diz “quarenta”, mas aparentemente é um erro do copista hebreu.) Vagarosa, mas seguramente, Absalão agitou muitos a seguirem após si mesmo. Sejamos, então, cautelosos com homens de boa aparência exterior que nos bajulam; eles poderiam estar preparando uma armadilha para nossos pés.

Vs. 19-20 – Paulo louva os santos romanos por sua “obediência” (foi um testemunho para os homens em todos os lugares) e ele acreditava que eles agiriam com a mesma obediência em suas instruções em relação às pessoas que causavam divisões. Seria um meio de se preservarem. Paulo deu esse aviso porque, embora tivessem começado bem, ele temia que eles pudessem se desviar de alguma forma. E assim, ele os encorajou a manter o foco nas coisas corretas e integras. Ele desejava que eles fossem “sábios no bem, mas símplices no mal”. Isto é porque a ocupação com o mal (ou com os erros do mundo ou com as falhas dos irmãos) pode nos absorver e nos desviar. G. Davison advertiu: “Aqueles que estão ocupados com o fracasso se tornarão um fracasso!”

Paulo lembrou-lhes de que chegaria um tempo “em breve”, quando Deus “esmagará a Satanás” (AIBB), que está por trás de todos esses malignos movimentos entre o povo do Senhor. Até lá, temos que estar em guarda. A morte final de Satanás ocorrerá quando ele for lançado no lago de fogo (Ap 20:10). Paulo acrescenta: “debaixo dos vossos pés”. Assim, os nascidos de Deus vão triunfar por meio de Cristo no final! Até então, Paulo encomenda os santos em Roma à “graça de nosso Senhor Jesus Cristo”.

Saudações de Encerramento

Vs. 21-24 – No encerramento, Paulo envia aos crentes romanos as saudações daqueles que estavam com ele. Oito pessoas são nomeadas – “Timóteo” (cooperador de Paulo), “Lúcio”, “Jasom” e “Sosípatro” (parentes de Paulo), “Tércio” (o efetivo escritor da epístola), “Gaio”. (em cuja casa Paulo se hospedou), “Erasto” (o tesoureiro da cidade de Corinto) e “Quarto”.

Esses irmãos juntamente encomendaram os santos em Roma à “graça de nosso Senhor Jesus Cristo”.

Os Dois Temas do Ministério de Paulo – Os Meios pelos Quais um Crente é Estabelecido

Vs. 25-27 – Paulo expressa um último desejo que ele tinha pelos santos romanos (na verdade, pelos santos em todo lugar) – que Deus os “confirmasse [estabelecesse – JND] na verdade. Ele menciona que isso envolvia duas coisas – ter um entendimento de seu “evangelho” e ter um entendimento do “mistério”. Esses constituem os dois grandes temas de seu ministério (Ef 3:8-9; Cl 1:23-28) e são declarados pela palavra “conforme” no versículo 25.

- **“**Conforme [segundo] o meu evangelho e a pregação de Jesus Cristo.” - **“**Conforme revelação do mistério.”

Note que Paulo não considerou uma pessoa estabelecida na verdade até que ele não apenas abraçasse a verdade do evangelho, mas também abraçasse a verdade do Mistério. Hoje, os Cristãos, em sua maioria, são gratos por saber que são salvos por crerem no evangelho, mas eles parecem ter pouca preocupação com a revelação do Mistério.

O evangelho de Paulo fala da glória de Deus em atender a nossa necessidade como pecadores, e que por crer em sua mensagem, somos trazidos à possessão de muitas bênçãos espirituais no Cristo ressuscitado e elevado ao céu. O Mistério, por outro lado, fala da glória de Deus em Cristo, a Cabeça da Igreja. Ele revela nossos relacionamentos como um corpo e privilégios comuns em conexão com o chamado e o destino da Igreja. Isso incluiria as ordenações práticas concernentes à atual função da Igreja na Terra, dando expressão à verdade de que é um só corpo. Ignorância ao que o Mistério revela forma a base de grande parte da confusão na Igreja hoje. W. Kelly disse: “Um dos sinais e provas melancólicos de onde a Igreja está agora, é que mesmo nos mais zelosos filhos de Deus há pouca preocupação em refrescar o coração dos santos. O zelo está preocupado na simples conversão dos pecadores. A glória de Deus na Igreja não é considerada, e o amor de Cristo por Seu corpo e por cada membro é ignorado em sua maior parte” (The Epistle to Philemon, pág. 148).

O Mistério não é algo enigmático; é um segredo santo que esteve “oculto” no coração de Deus desde antes da fundação do mundo (Ef 3:9). Tem a ver com o grande propósito de Deus em glorificar o Seu Filho em duas esferas (no céu e na Terra) no reino milenar vindouro (“a Dispensação da plenitude dos Tempos” – Ef 1:8-10), por meio de um vaso de testemunho especialmente formado – a Igreja, que é o corpo e a noiva de Cristo (Ef 1:22-23, 5:25-32; Ap 21:9-22:5). Efésios destaca o chamado e o destino da Igreja em sua associação pública com Cristo, enquanto Colossenses e 1 Coríntios revelam o caráter presente e o funcionamento prático da Igreja enquanto está aqui na Terra.

V. 26 – Paulo diz que, embora esta verdade era oculta, agora é manifestada “pelas Escrituras proféticas” (ARA). Estes não são os escritos dos profetas no Velho Testamento, porque a revelação da Igreja não foi dada a eles; era desconhecida por aqueles “noutros séculos” (Ef 3:5). Paulo está falando dos profetas do Novo Testamento aos quais foi dada a verdade do Mistério para comunicarem à Igreja. Essas seriam as epístolas em geral. (Notes and Jottings of J. N. Darby, pág. 328). W. Kelly disse que essas Escrituras seriam “os escritos inspirados em geral do Novo Testamento, pois a Igreja é edificada sobre o fundamento dos apóstolos e profetas” (The Bible Treasury, vol. 13, pág. 352). Paulo deve ter falado antecipadamente, porque muitas das epístolas ainda não haviam sido escritas na época em que escreveu aos romanos.

A razão de Paulo ao declarar seu desejo pelo estabelecimento de santos romanos era que eles não seriam apenas inteligentes quanto ao propósito de Deus, mas também seriam menos propensos a serem influenciados por aqueles que trabalhavam para dividir o rebanho.

Vs. 27 – Paulo dá uma bênção final: “Ao único Deus, sábio, seja dada glória por Jesus Cristo para todo o sempre. Amém.”

CONTRACAPA

O propósito do apóstolo Paulo ao escrever esta epístola foi o de fazer conhecido aos santos em Roma o evangelho que pregou entre os gentios. Na época em que a escreveu, ele não havia estado em Roma e, portanto, não conhecia todos os crentes de lá – embora mencione no capítulo 16 alguns nomes que conhecia. Sendo assim, Paulo tinha motivos para acreditar que os santos de Roma talvez não tivessem conhecimento completo do evangelho que pregava – o qual chama de “meu evangelho” (capítulos 2:16, 16:25). Portanto, ele se compromete a sistematicamente estabelecer o comprimento e largura do evangelho, com o objetivo de firmar os santos romanos nos fundamentos da fé Cristã.

Já que o evangelho que Paulo pregou é, de um modo geral, pobremente entendido pelos Cristãos atualmente, há uma real necessidade desta epístola. Muitos crentes não têm paz real, não tendo entendimento da aceitação e segurança que têm em Cristo; nem conhecem os caminhos de Deus de santidade (santificação prática) por meio da identificação deles com a morte de Cristo. Consequentemente, muitos crentes carecem de estabilidade em suas almas. Absorver a verdade do evangelho delineada nesta epístola dará ao crente o sólido alicerce de que necessita para descansar em sua fé. Tópicos nesta epístola, tais como: redenção, perdão dos pecados, justificação, reconciliação, libertação do pecado, nossa glorificação vindoura, e muito mais, são explicados em detalhes.

Notas

[←1]

N. do T.: Há parênteses nas versões inglesas King James e John Nelson Darby e não nas versões em português.

[←2]

N. do T.: Há parênteses nas versões JND e TB.

[←3]

Nota de Rodapé da tradução de JND: “Isto não se refere a uma viagem próspera, mas à esperança de que Deus poderia favorecer ou prosperá-lo de maneira que ele pudesse ir; ele havia há muito esperado por isso e desejava que afinal fosse concedido a ele.”

[←4]

N. do T: Nota de Rodapé “a” em 1 Coríntios 8:1da tradução de JND: “Duas palavras gregas são usadas para “conhecer” no Novo Testamento – ‘ginosko’ e ‘oida’. Ginosko significa conhecimento objetivo, aquilo que um homem aprendeu ou adquiriu. A expressão “estar familiarizado com” talvez transmita o significado. Oida transmite o pensamento daquilo que é interior, a consciência interior da mente, conhecimento intuitivo não diretamente derivado do que é externo.

A diferença entre as duas palavras é ilustrada em João 8:55: “E vós não o conheceis (ginosko), mas Eu conheço-O (oida); em João 13:7: “O que Eu faço não o sabes (oida) tu agora, mas tu o saberás (ginosko) depois”; e em Hebreus 8:11: “E não ensinará … dizendo: conhece (ginosko) o Senhor; porque todos Me conhecerão (oida).

A palavra oida é usada em relação a Cristo como conhecendo o Pai e como conhecendo a hipocrisia dos escribas e fariseus, e em relação ao conhecimento de Paulo de “um homem em Cristo” e ao conhecimento do Cristão de que tem a vida eterna. “porque eu sei em Quem tenho crido” 2 Tm 1:12 – Eu tenho o conhecimento consciente interno de Quem a Pessoa é: veja também 1 Coríntios. 16:15; 2 Tim. 3:14 e 15 – todas elas se referem ao conhecimento consciente interno.

A diferença entre o significado das duas palavras é muitas vezes tênue e um conhecimento objetivo pode se tornar um conhecimento consciente, mas não o contrário.

A palavra grega para consciência é derivada de oida: ver 1 Co 4:4 – ARA: “Porque de nada me argui [culpa] a consciência”, isto é, não consciente de qualquer falha. Na passagem atual, “sabemos que o ídolo nada é” é um conhecimento consciente: “sabemos que todos temos ciência [conhecimento] e “a ciência [o conhecimento] incha” é conhecimento objetivo. “se alguém cuida saber (conhecimento consciente) alguma coisa, ainda não sabe (objetivamente) como convém saber (objetivamente). “Esse é conhecido (objetivamente) d’Ele”, e assim “conhecimento” em 1 Co 8:10”

[←5]

N. do T.: Retórica é uma palavra com origem no termo grego rhetorike, que significa a arte de falar bem, de se comunicar de forma clara e conseguir transmitir ideias com convicção.

[←6]

N. do T.: Há duas palavras distintas no grego,“uiós” e “teknon”, que são indistintamente traduzidas em nossas versões bíblicas para o português como “filhos”. Segundo o site wikidiff.com “Como substantivos, a diferença entre filho (uiós) e criança (teknon) é que o filho é um menino ou homem em relação aos seus pais; um descendente masculino, enquanto criança é um descendente, filho ou filha”.

[←7]

Rm 3:4, 6, 31, 6:2, 15, 7:7, 13, 9:14, 11:1, 11.

[←8]

N. do T.: J. N. Darby traduz “logizomai” como reckon e significa considerar, ter em conta, contar como sendo, pensar em alguém como sendo algo específico A palavra grega aparece neste capítulo nos versículos 3, 4, 5, 6, 8, 9, 10, 11, 22, 23, 24. Na maioria das ocorrências nas versões em português, encontramos a tradução de “logizomai”, como imputar, que significa conferir ou atribuir algo a alguém.

[←9]

N. do T.: J. N. Darby traduz esse versículo como: “Ora, isso não foi escrito a seu respeito apenas de que ela foi considerada a ele, mas a nosso respeito também, aos que cremos naqu’Ele que ressuscitou dentre os mortos, Jesus nosso Senhor”.

[←10]

N. do T.: Significa aquele que age em prol de todos que estão sob seu domínio.

[←11]

N. do T.: Anímico provém da palavra latina “anima” que significa aquilo que é relativo ou pertencente à alma.

[←12]

N. do T.: Paulo estava usando a palavra “pecado” para representar a própria pessoa. Então Deus olha para um crente e não o vê mais como sendo dominado pela natureza do pecado; somos vistos em uma nova posição, em uma nova vida, tendo a vida de Cristo e uma nova natureza. Deus não vê a “natureza pecaminosa” como sendo “nós”. Ele vê o verdadeiro “nós” como sendo a vida que está em uma “nova” posição diante dele que não é capaz de pecar. Nossa nova natureza não quer pecar e não pode pecar.

[←13]

N. do T.: H. P. Barker deu a seguinte conveniente ilustração sobre o princípio do deslocamento, dizendo: “Suponha que eu tenha em minha mão um copo, aparentemente vazio. Na verdade, ele está cheio de ar. Como posso esvaziá-lo do ar? Não por agitá-lo freneticamente com a boca para baixo, nem limpando-o com um pano. Ele é esvaziado por simplesmente estar parado em uma mesa enquanto é enchido com água. Eu o esvazio de ar enchendo-o com água.” (The Holy Spirit Here Today, pág. 78).

[←14]

N. do T.: Conjunto de rígidas normas disciplinares de conduta, pautadas pela austeridade e pela renúncia aos prazeres corporais e desejos mundanos, como forma de atingir a iluminação espiritual e a perfeição moral e religiosa.

[←15]

N. do T.: Ortodoxo provém da palavra grega orthos que significa “reto” e doxa que significa “fé”. É o que está conforme com a doutrina tida como verdadeira.

[←16]

N. do T.: Provém do grego doxologia, (doxa “glória” + logia “palavra” se referindo à expressão oral ou escrita. Portanto, “doxologia” é uma expressão oral ou escrita de louvor e glorificação.

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