Bruce Anstey

A Epístola de Paulo aos FILIPENSES

A Epístola da Devoção e Gozo Cristãos

Bruce Anstey

A EPÍSTOLA DE PAULO AOS FILIPENSES

A Epístola da Devoção e Gozo Cristãos

Bruce Anstey

Originalmente publicado por:

CHRISTIAN TRUTH PUBLISHING

12048 – 59th Ave.

Surrey, BC V3X 3L3

CANADÁ

Título do original em inglês: THE EPISTLE OF PAUL TO PHILIPPIANS

The Epistle of Christian Devotedness and Joy

Primeira edição em inglês – novembro 2017 – versão 1.0

Traduzido, publicado e distribuído no Brasil com autorização do autor por:

ASSOCIAÇÃO VERDADES VIVAS, uma associação sem fins lucrativos, cujo objetivo é divulgar o evangelho e a sã doutrina de nosso Senhor Jesus Cristo.

atendimento@verdadesvivas.com.br

Primeira edição em português – outubro 2018

E-book v.1.1

Abreviatura utilizadas:

ARC – João Ferreira de Almeida – Corrigida e Revisada – SBB 1969

ARA – João Ferreira de Almeida – Corrigida e Atualizada – SBB 1993

TB – Tradução Brasileira - 1917

ACF – João Ferreira de Almeida – Corrigida Fiel – SBTB 1994

AIBB – João Ferreira de Almeida – Imprensa Bíblica Brasileira - 1967

JND – Tradução inglesa de John Nelson Darby

KJV – Tradução inglesa King James

Todas as citações das Escrituras são da versão ARC, a não ser que outra esteja indicada.

A EPÍSTOLA DE PAULO AOS

FILIPENSES

INTRODUÇÃO

A Ocasião da Epístola

Esta epístola é uma carta de agradecimento do apóstolo Paulo aos filipenses por sua comunhão prática (suprimentos e talvez uma oferta monetária – cap. 4:18) que haviam lhe enviado quando estava cativo em Roma. Ao escrever aos santos em Filipos, Paulo aproveitou a oportunidade para contar a eles sobre suas circunstâncias pessoais e relatar como a obra do Senhor estava progredindo em Roma. Além disso, estando ciente da perseguição que os filipenses estavam sofrendo diariamente, incluiu uma palavra encorajadora para permanecerem firmes em seu testemunho e continuarem no caminho da fé, apesar da adversidade. Também lhes deu alguns conselhos práticos sobre como a assembleia poderia ser salva da tentativa do inimigo de destruí-la por meio de conflitos internos.

Os filipenses foram os primeiros convertidos de Paulo na Europa. Sabemos pelo livro dos Atos que ele fez pelo menos três visitas àquela localidade (At 16:12-40, 20:1, 3-6) – e, a partir de então, toda vez que pensava neles sentia gozo em seu coração (Fp 1:4). É claro, a partir de suas observações na epístola, que existia grande afeição entre ele e os filipenses (cap. 1:7 – JND). É sem dúvida a epístola mais pessoal e afetiva que Paulo escreveu a uma assembleia.

É interessante que, ao escrever aos filipenses, Paulo não cita as Escrituras do Velho Testamento. Isso pode ter acontecido porque eram em sua maioria gentios convertidos que não estavam familiarizados com as Escrituras. É também de se observar que há pouca doutrina na epístola, se é que há alguma. Ele não toca no assunto de pecado nem de expiação. Em vez disso, estando profundamente comovido por seu amor e cuidado, a quase 1.300 quilômetros deles e preso a uma corrente, ele escreve da plenitude de seu coração para agradecer-lhes por sua oferta e encorajá-los em questões práticas relativas a andar com o Senhor. Vemos disto que, embora Paulo estivesse em cativeiro e não mais livre para continuar seu ministério apostólico entre as assembleias, aproveitava todas as oportunidades para ministrar a seus irmãos por carta. A vinda de Epafrodito com a oferta dos filipenses proporcionou-lhe tal oportunidade. Ele deu a Epafrodito esta carta para levar a eles em sua viagem de volta a Filipos.

Esta, assim chamada, epístola da “prisão” é um complemento de duas outras epístolas da “prisão” (Efésios e Colossenses) que Paulo escreveu sob inspiração divina enquanto estava encarcerado em Roma. Esta epístola em nossas Bíblias, fica entre Efésios e Colossenses que revelam a verdade do Mistério, em seus aspectos presente e futuro. Ao passo que, em Filipenses, vemos um homem andando no bem da verdade do Mistério e falando de seu regozijo pessoal nisso. Assim, a epístola aos Filipenses nos dá uma imagem do estado de alma que deve marcar alguém que conhece a verdade do Mistério e vive no bem dela.

A Vida Interior de Paulo Revelada**

Exibindo uma Experiência Cristã Normal**

Esta epístola é única na medida em que nos dá uma visão extraordinária da vida interior de Paulo, de uma forma que nenhuma outra epístola faz. Em quatro capítulos curtos, ele faz referência a si mesmo cerca de 90 vezes! A partir disso, vemos que ele se sentia à vontade para falar de si mesmo aos filipenses de uma maneira que faria somente com aqueles que eram seus amigos mais íntimos. Paulo sabia que eles o tinham em seus corações (Fp 1:7), em suas orações (Fp 1:19) e que haviam provado seu amor para com ele, dando-lhe da sua profunda pobreza – e isso mais do que uma vez (2 Co 8:1-2; Fp 4:15-16). Tendo esse vínculo com os filipenses, Paulo teve a liberdade de revelar seus sentimentos e desejos interiores de uma maneira extremamente aberta e de uma forma que não fez com qualquer outra companhia de crentes. Ele escreve espontânea e informalmente, como um amigo derramando seu coração para aqueles que o amam. Ao fazer isso, vemos a experiência de um homem em Cristo vivendo em comunhão com Deus e no gozo de suas bênçãos celestiais.

Assim, a epístola nos dá a oportunidade de examinar os pensamentos e sentimentos interiores de Paulo e ver em primeira mão o que deve caracterizar a vida Cristã normal. Sendo permitido sondar sua alma, como esta epístola nos proporciona, descobrimos que há apenas uma coisa nela – Cristo! Cristo e Seus interesses eram o resumo e a essência de sua vida, como ele diz tão bem no capítulo 1:21 – “Porque para mim o viver é Cristo, e o morrer é ganho”. J. N. Darby disse que nesta epístola “o Cristão é visto como em uma corrida, e nela está inteiramente sob o poder do Espírito de Deus; a carne não é vista agindo” (Practical Thoughts on Philippians, pág. 21). Ele também disse: “A epístola aos Filipenses é um padrão da experiência Cristã, como ela deveria ser” (Miscellaneous Writings of J. N. Darby , vol. 4, pág. 209). Assim, a epístola é a expressão de um coração que percebeu Cristo ser “tudo” (Cl 3:11).

Cristo – “Pedra de Toque” de Deus

Cristo em glória é a Pedra de Toque de Deus; Ele olha para tudo a partir desse único ponto de vista. Ele mede, avalia e prova tudo o que fazemos na Terra em relação ao Seu Filho. Diariamente Deus, por assim dizer, vem examinar nossas vidas. Ele procura uma coisa – a medida na qual as coisas são feitas em relação a Cristo. Se as coisas que fazemos são feitas por Ele e para Sua glória (1 Co 10:31; Cl 3:17, 23), elas serão aprovadas por Deus e serão recompensadas em um dia vindouro (2 Co 5:9-10). Mas se as coisas que fazemos não alcançam a Sua aprovação, serão rejeitadas e queimadas e o crente sofrerá perda (1 Co 3:12-15). A grande lição que o tribunal de Cristo nos ensina é que tudo o que é feito para Ele é precioso para Deus, tanto é que levaremos esses feitos para a eternidade – e tudo mais é sem valor. Saber disso deve fazer com que todo Cristão sóbrio seja seriamente exercitado sobre o uso correto de seu tempo e energia e a orar nesse sentido: “Ensina-nos a contar os nossos dias, de tal maneira que alcancemos corações sábios” (Sl 90:12). Nesta epístola, vemos um homem que fez exatamente isso. Ele pesou as coisas em relação à Pedra de Toque de Deus e, consequentemente, está vivendo com as prioridades corretas.

Uma Epístola de Gozo

Com uma ocupação tão singular e gloriosa envolvendo o coração e a mente de Paulo, o vemos regozijando-se em espírito – embora estivesse vivendo em condições muito desfavoráveis! Estando em tal estado de alma, não o encontramos reclamando de sua porção na vida, nem o vemos pedindo uma mudança em suas circunstâncias. Pelo contrário, ele é visto vivendo com Deus acima de tudo. E, sendo absorvido por seu Objeto, está cheio de gozo. Uma rápida pesquisa na epístola indicará que o gozo é o tema implícito do início ao fim. De fato, as palavras “gozo”, “alegria” e “regozijo” são mencionadas 14 vezes! Por isso, foi justamente chamada de “A Epístola da Devoção e Gozo Cristãos”.

Aprendemos com isso que o segredo para se ter uma vida Cristã feliz e frutífera é fazer de Cristo o nosso único objetivo e nos dedicar a promovermos Seus interesses na Terra. É triste, mas parece que relativamente poucos Cristãos descobriram esse segredo. (Não queremos dizer que a pessoa que faz de Cristo o seu tudo nunca terá um problema ou uma tristeza, mas que O terá como seu mais querido Amigo para caminhar entre os altos e baixos da vida – e assim tornar possível ter gozo mesmo no meio da provação). A epístola, portanto, apresenta uma exposição prática da caminhada Cristã, movida pelo Espírito Santo. Quando percebemos que esses escritos eram a experiência de um prisioneiro vivendo em condições desvantajosas, isso torna a epístola muito mais convincente.

Uma Epístola do Deserto

Esta epístola é uma das assim chamadas epístolas do “deserto” – 1 Coríntios, Filipenses, Hebreus e 1 Pedro. Isto é, o crente é visto na Terra sendo testado, caminhando na senda da fé, com Cristo no céu, diante de si como seu objetivo. Um traço característico das epístolas do “deserto” é a presença de vários “se” no texto. Na verdade, existem dois tipos de “se” na Escritura que são bem diferentes – o “se” da condição e o “se” do argumento. Um “se” de condição supõe que há uma possibilidade de falha ocorrer no caminho, resultante de uma pessoa não ser um verdadeiro crente, ou da fé nos justos que falham de alguma forma. Um “se” de argumento, por outro lado, tem a ver com o fato de o escritor estabelecer certos fatos em sua apresentação e, em seguida, basear-se nesses fatos para defender certo ponto. Quando este é o caso, a palavra “desde” pode ser substituída por “se”.

Tem sido dito frequentemente que em Efésios não há “se” de condição. Naquela epístola, os santos não são vistos como sendo testados na Terra, mas sim sentados juntos nos lugares celestiais em Cristo (Ef 2:6). Em Colossenses, por outro lado, há os dois “se”: um “se” de condição no capítulo 1:23 e vários “se” de argumentação nos capítulos 2:20 e 3:1. Hebreus também tem os dois tipos de “se”. Sendo Filipenses uma epístola do deserto, Paulo não considera que tenha alcançado alguma coisa (Fp 3:12). Ele se vê na estrada, mas não está lá ainda. Cristo tomou conta dele e ele está trilhando a senda com esse objetivo, que é estar com e ser como Cristo.

De certas expressões na epístola, em geral é percebido que Paulo estava chegando ao fim de seus dois anos em cativeiro em Roma (At 28:30). (Ele tinha sido mantido em cativeiro em Cesaréia por dois anos antes disso, totalizando quatro anos – At 24:27). Seu futuro neste momento estava em uma de duas coisas – ele poderia ser absolvido diante do imperador Nero e libertado, ou ele seria martirizado. Estudiosos dizem que esta foi a última epístola inspirada de Paulo que ele escreveu a uma assembleia.

O Tema dos Capítulos

Capítulo 1 - Cristo, o propósito da vida Cristã (v. 21).

Capítulo 2 - Cristo, o padrão para a vida Cristã (vs. 5-8).

Capítulo 3 - Cristo, o prêmio da vida Cristã (v. 14).

Capítulo 4 - Cristo, o poder da vida Cristã (v. 13).

Capítulo 1 - Cristo, o motivo para viver (v. 21).

Capítulo 2 - Cristo, o modelo para viver (vs. 5-8).

Capítulo 3 - Cristo, a marca para viver (v. 14).

Capítulo 4 - Cristo, o manancial para viver (v. 13).

CRISTO – O PROPÓSITO DA VIDA CRISTÃ

Capítulo 1

Como mencionado na Introdução, nas muitas referências de Paulo a si mesmo, vemos um homem absorto em seu Objeto e regozijando-se em suas circunstâncias. Isso é Cristianismo normal. É o que deveria ser a experiência de todo Cristão. Neste primeiro capítulo, vemos Cristo diante da alma de Paulo como aqu’Ele que é todo o seu propósito de viver.

A Saudação

Vs. 1-2 – Ao dirigir-se aos santos em Filipos, Paulo não usa um título oficial, mas, em vez disso, apresenta a si mesmo e a Timóteo simplesmente como “servos de Cristo Jesus”. Portanto, não devemos considerar a experiência que ele relata na epístola como sendo algo apostólico. Ou seja, uma pessoa não precisa ser apóstolo para ter a experiência que Paulo teve. Pelo contrário, ele fala de si mesmo como um servo. Isso significa que essas coisas estão ao alcance de todo Cristão, pois todos os crentes podem se entregar a Cristo como o Senhor de suas vidas e serem servos em Seu serviço.

O Senhor nunca, em momento algum, ordenou que alguém fosse Seu servo; é algo que o crente voluntariamente escolhe ser quando percebe que foi “comprado por um bom preço” (1 Co 6:20, 7:23). O processo de exercício que leva o crente a essa entrega vem primeiro do entendimento do que a obra de Cristo na cruz fez por nós. Isso torna o crente “liberto do Senhor” (1 Co 7:22a). Assim, fomos libertados do julgamento de nossos pecados, do pecado como um mestre, de Satanás e do mundo. Mas quando o custo de nossa liberdade chega ao íntimo de nossas almas e percebemos o que Cristo pagou para nos redimir, resolveremos não mais usar nossa liberdade para nossos próprios interesses, mas para a promoção de Seus interesses. Nós, portanto, nos alistaremos voluntariamente em Seu serviço como “servos de Cristo” (1 Co 7:22b). Assim, a obra do Senhor na cruz recebida pela fé nos torna libertos, mas nós, por nossa própria escolha, nos tornamos Seus servos. Isto é puramente um exercício individual e uma decisão que uma pessoa só pode fazer por si mesma – ninguém pode fazer isso por nós. Ao declarar que ele e Timóteo eram “servos”, Paulo estava indicando que ambos tinham passado por esse exercício e estavam com regozijo se colocando à disposição do Senhor em Seu serviço. E, ao fazê-lo, descobriram o segredo do verdadeiro gozo e felicidade na vida!

Paulo então se dirige aos filipenses como “santos em Cristo Jesus”. Um santo é um “santificado”. Refere-se ao crente sendo separado (o significado de santificação) por Deus e colocado em um lugar de bênção. A expressão “Cristo Jesus” (o título do Senhor colocado antes de Seu nome humano) refere-se a Ele como tendo completado a redenção e retornado ao céu como um Homem glorificado. Sua aceitação lá diante de Deus tornou-se a medida da aceitação do crente, pois é dito que estamos “em Cristo Jesus!”. Simplificando, estar “em Cristo” é estar no lugar de Cristo diante de Deus. Esta é a posição de todos os Cristãos. Os santos do Velho Testamento foram abençoados por Deus e agora estão no céu, mas não é dito que estejam “em Cristo”. Os crentes de outras eras são aceitos “com” Ele (At 10:35 – KJV), enquanto apenas Cristãos são ditos aceitos “n’Ele” (Ef 1:6). Estar “em” Cristo denota nossa conexão com Ele como um Homem glorificado à destra de Deus por meio da habitação do Espírito Santo. Assim, os Cristãos têm um lugar especial de favor na família de Deus que todos os outros não têm.

Paulo inclui “os bispos e diáconos” em sua saudação. Esses homens, que cuidavam do rebanho localmente, provavelmente foram os que tomaram a iniciativa de organizar a coleta e escolheram Epafrodito para levá-la a Paulo. Talvez seja por isso que é feita uma menção especial a eles. Uma assembleia que reconhece seus líderes e atua em feliz comunhão com eles é geralmente uma assembleia forte.

Paulo então diz que “graça” e “paz” estavam sobre eles “da parte de Deus nosso Pai e da do Senhor Jesus Cristo” (v. 2). Assim, uma provisão sempre nova de ajuda divina estava sobre os filipenses (como está sobre todos os Cristãos), e assim eles podiam contar com a ajuda de Deus para caminharem juntos como uma assembleia. Esta é a primeira menção de “Senhor” na epístola; Ele é mencionado mais de 50 vezes! Isso é significativo; sua menção frequente aponta para o fato de que, se a autoridade do Senhorio de Cristo é possuída na vida prática do crente, ele experimentará o mesmo tipo de felicidade e frutificação que Paulo teve em sua vida.

Agradecimentos de Paulo

Vs. 3-8 – Paulo começa agradecendo a Deus pelos filipenses. Ele diz: “Dou graças ao meu Deus todas as vezes que me lembro de vós”. Eles tinham sido uma fonte de encorajamento para ele, e ele queria que soubessem disso. Sua conversão do judaísmo ao Cristianismo rompera muitos laços ternos e fortes que mantinha com seus compatriotas, e ele sentiu essa perda profundamente; mas o amor e companheirismo dos filipenses ajudaram a preencher aquele vazio. Eles se tornaram queridos e ele era grato pelo amor e cuidado que tinham para com ele. Também queria que soubessem que estava orando por eles, e assim diz: “Fazendo sempre com alegria [gozo – JND] oração por vós em todas as minhas súplicas”. Acrescentar as palavras “com alegria” significava que ele tinha boas lembranças do tempo que ficou com eles.

Mais particularmente, Paulo agradeceu a Deus por sua “cooperação no evangelho desde o primeiro dia até agora”. Isso se refere ao apoio monetário deles aos servos do Senhor que saíram para pregar a Palavra em outras regiões. Isto é bastante notável porque era uma assembleia muito pobre. Eles davam à obra do Senhor da sua “profunda pobreza”, indo “acima de seu poder” para fazê-lo – e o fizeram “com gozo” (2 Co 8:1-3). Paulo foi o destinatário desta graça pelas mãos de Epafrodito (Fp 4:18), enquanto ele estava encarcerado em Roma e agora estava escrevendo para agradecer-lhes por sua bondade. Seu interesse e apoio ao evangelho não haviam diminuído “desde o primeiro dia” (veja Atos 16), “até agora”. Esse foi um período de cerca de dez anos – aproximadamente de 51 d.C. a 61 d.C. Os filipenses realmente haviam ministrado a Paulo desta maneira em mais de uma ocasião (Fp 4:14-15; 2 Co 11:9). Isso mostra que seus corações estavam no lugar certo e que era uma assembleia espiritualmente saudável. É sempre uma marca de declínio espiritual quando uma assembleia perde interesse no evangelho. Tal não foi o caso com os filipenses.

Note que Paulo não fala deles pregando o evangelho, mas sim da comunhão deles com o evangelho. Os próprios filipenses não saíam por regiões afora para pregar – eles tinham responsabilidades seculares a cumprir e não estavam livres para sair no trabalho missionário. Mas o coração deles estava com esse trabalho e ministravam àqueles que saíam dessa maneira para o evangelho. Paulo diz que, ao fazer isso, eles eram “participantes” naquela obra da graça, e Deus certamente Se lembraria do sacrifício deles pelo nome de Cristo (v. 7). Isso mostra que, se não formos capazes de romper com nossas responsabilidades seculares para nos dedicarmos a tal obra, ainda podemos fazer parte desse trabalho apoiando monetariamente aqueles que estão, por assim dizer, nas “linhas de frente”. Aqueles que assim o fazem compartilharão as recompensas no dia vindouro.

Barzilai, Sobi e Maquir são exemplos desse ministério no Velho Testamento. Eles proveram a Davi e a seus homens que participavam da batalha, mas eles mesmos não estavam diretamente envolvidos no conflito (2 Sm 17:27-29, 19:32). Davi apreciou a bondade deles e lhes escreveu um Salmo de agradecimento, que às vezes é chamado de “O Salmo de Barzilai” (Sl 41). Em Lucas 19:11-27, o Senhor falou do valor desta obra nos bastidores. Ele mostrou que se não pudermos entrar diretamente no trabalho e “negociar” nossa “mina”, podemos pelo menos colocá-la “no banco” e retirar a remuneração dos juros quando Ele voltar (v. 23). É significativo que a palavra traduzida do grego como “banco” em Lucas 19:23 tenha também um sentido semelhante à palavra traduzida como “comunhão” aqui em Filipenses 1:5. Os filipenses foram exemplares neste trabalho de auxílio. Uma pergunta que podemos nos fazer a respeito disso é: “Que comunhão tenho eu com o evangelho?”

V. 6 – A condição espiritual saudável dos filipenses deu a Paulo a confiança de que continuariam no caminho Cristão até o fim. Ao fazer tal sacrifício como fizeram, Paulo percebeu que Deus “começou a boa obra” neles e tinha certeza de que isso levaria ao seu triunfo final no “dia de Jesus Cristo”. Como regra, Deus olha para Seu povo tendo em vista o que serão quando Seu trabalho neles estiver completo. Assim, ao olhar para o triunfo final deles, como Paulo faz aqui, vemos que tinha a perspectiva de Deus para com os filipenses. O início da obra de Deus nos crentes é o novo nascimento e sua conclusão não é quando recebem a Cristo como seu Salvador e são selados com o Espírito, mas quando forem glorificados como Cristo (Fp 3:20-21) e manifestados em glória no dia vindouro (2 Ts 1:10).

“O dia de Jesus Cristo” (cap. 1:6, 10, 2:16) é aquele tempo quando Deus mostrará publicamente os santos com Cristo em glória – o Milênio. Os galardões que os santos receberão no tribunal de Cristo serão então manifestos (1 Co 3:13; 2 Tm 1:12; Fp 2:16). Assim, o dia de Cristo começará na Aparição de Cristo e continuará durante todo o Milênio (1 Co 1:8, 3:13, 5:5; 2 Co 1:14). Ele é abreviado como “aquele dia” em alguns lugares nas epístolas de Paulo (2 Ts 1:10; 2 Tm 1:12, 18, 4:8). “O dia de Cristo” não é o dia do qual o Senhor falou no cenáculo quando disse: “Naquele dia …” (Jo 14:20, 16:23, 26). O Senhor estava falando dos dias atuais, quando o Espírito viria morar na Terra, na Igreja. Nem é do mesmo dia que os profetas do Velho Testamento falaram quando disseram: “Naquele dia …” (Zc 12:3, 4, 6, 8, 9, 11; 13:1, 2, 4 , etc.) – que é o dia do Messias na Terra em relação a Israel. Em contraste com o que os profetas falaram, o dia de Cristo tem a ver com a Sua glória celestial com a Igreja sendo manifestada.

Aprendemos deste versículo 6 que todos somos uma obra em progresso. Assim sendo, precisamos ter a perspectiva de Deus quando olhamos uns para os outros; caso contrário, é provável que nos tornemos críticos em relação às particularidades e falhas de caráter nos outros. Temos a tendência de ver a imperfeição presente uns nos outros em vez de ver o que a futura glorificação fará. Isso pode ter sido o que, no fundo a razão dos desentendimentos entre as duas irmãs na assembleia em Filipos (cap. 4:2). O remédio do Sr. Darby para isso era: “Se você não pode ver Cristo em seu irmão, então veja seu irmão em Cristo”. Ele também disse: “Eu vejo a carne em mim e Cristo em meu irmão” (Miscellaneous Writings of J. N. Darby, vol. 4, pág. 214). Olhar o povo de Deus dessa maneira nos livrará de conflitos e disputas. Isso é algo que Paulo abordará no segundo capítulo.

V. 7 – Mantendo este princípio de olhar para os santos sob a perspectiva de Deus – o que eles serão como um produto acabado – Paulo disse: “Como tenho por justo sentir isto de vós todos” (v. 7). Ele sabia (provavelmente por meio de Epafrodito) que as coisas não eram perfeitas em Filipos, mas escolheu olhar para eles como o que seriam quando a obra de Deus neles estivesse completa. Sua confiança nesse resultado foi baseada no fato de que eles o tinham em seus corações. (A KJV diz: “Eu tenho vocês em meu coração” – o que certamente é verdade, mas não é o ponto dele aqui. Deveria ser traduzido de outra maneira – “Vós me tendes em vossos corações” – JND) A afeição deles por Paulo era uma clara evidência de que foram nascidos de Deus, pois todo aquele que é nascido de novo ama aqueles que também são nascidos de Deus (1 Jo 5:1).

Paulo lhes diz que por meio de sua comunhão prática com a obra do Senhor, eles se tornaram “participantes” nos sofrimentos relacionados ao evangelho que Paulo estava suportando em “prisões”. E, por meio desse ato de bondade e consequente identificação, também se tornaram “participantes” com ele na “defesa e confirmação do evangelho”. O evangelho é defendido por nossa insistência verbal em sua verdade, e isso é confirmado por nosso andar e caminhos. Isso significa que Paulo não apenas falou do evangelho, mas também o mostrou com sua vida. O inimigo está sempre procurando falsificar as boas novas, seja corrompendo sua mensagem introduzindo erro ou tentando denegrir o caráter de seus mensageiros. Uma defesa verbal da verdade do evangelho, bem como uma demonstração adequada dele exibido no caráter Cristão são, portanto, necessárias. Essas duas coisas andam juntas. Os homens de Gideão que tinham uma “buzina [trombeta – ARA] em uma mão e uma “tocha” na outra ilustram esse importante equilíbrio (Jz 7:16). É inútil tentar uma defesa verbal do evangelho se o que ensinamos não for confirmado por um sólido caráter Cristão. Como podemos esperar que as pessoas aceitem o que pregamos e ensinamos quando seguimos os caminhos do mundo como qualquer outra pessoa que não tem fé?

V. 8 – Paulo clamava por Deus como testemunha do fato de que amava os filipenses tanto quanto eles o amavam. Ele diz: “Deus me é testemunha das saudades que de todos vós tenho, em entranhável afeição de Jesus Cristo”. “Entranhas” é uma antiga palavra que descreve nossos mais profundos sentimentos e afeições. Assim, Paulo verdadeiramente os amava. É interessante que diz que era “entranhável afeição de Jesus Cristo”. Isso significa que ele os amou com o mesmo caráter de amor divino que o Próprio Senhor tinha por eles.

A Oração de Paulo

Vs. 9-11 – Tendo confirmado seu amor aos filipenses, Paulo passa a demonstrar suas preocupações de oração por eles. Ao fazê-lo, ficaram cientes do que Paulo desejava para eles. Já foi dito que não há maior serviço que possamos fazer pelos santos de Deus do que orar por eles. Epafras é um maravilhoso exemplo disso. Ele trabalhou “fervorosamente” (KJV) em oração para que os santos fossem “perfeitos e consumados [completos – JND] em toda a vontade de Deus” (Cl 4:12). Isso, é claro, não deveria ser o único serviço que fazemos para os santos, mas é por onde devemos começar.

Note que Paulo não pede melhores condições de vida para esses pobres santos, nem pede por sua saúde física, mas ora por um aumento em sua inteligência espiritual e discernimento moral, para que pudessem viver irrepreensivelmente e sem ofensa neste mundo e, assim, prestarem um bom testemunho diante de todos. Ele diz: “E peço isto: que a vossa caridade abunde mais e mais em ciência e em todo o conhecimento; Para que aproveis as coisas excelentes, para que sejais sinceros, e sem escândalo algum até ao dia de Cristo; Cheios de frutos de justiça, que são por Jesus Cristo, para glória e louvor de Deus”. Em Efésios 1:16-23, a oração de Paulo tinha a ver com a inteligência espiritual dos santos em assuntos doutrinais em conexão com o Mistério, mas aqui ele ora por sua inteligência espiritual em conexão com o discernimento moral em questões práticas.

Essa série de coisas que Paulo pede pelos os filipenses começa com o crescimento deles em “amor” (AIBB). Isso ocorre porque o amor é o solo no qual o discernimento moral cresce. Quando nosso amor pelo Senhor, por Seu povo e pelos perdidos arder intensamente como deveria, estaremos em um estado correto de alma. E quando isto está conectado com “conhecimento” e “inteligência” (JND) dos princípios divinos, seremos capazes de “julgar e aprovar as coisas que são mais excelentes” (JND) em questões práticas que nos confrontam na vida. J. G. Bellett citou alguns exemplos de se ter esse tipo de discernimento moral em questões práticas que se diferem. Ele apontou para Daniel, que aconselharia o rei da Babilônia em assuntos concernentes ao império, mas não comeria de seu manjar (Dn 1:8-16, 2:27-45). E Zorobabel aceitaria a ajuda do rei da Pérsia na reconstrução do templo (Ed 1:4), mas recusaria a ajuda dos Samaritanos (Ed 4:1-4). E novamente, os cativos judeus na Babilônia orariam pela cidade da Babilônia e seus habitantes (Jr 29:7), mas não cantariam as canções de Sião para eles (Sl 137:1-4) (The Moral Glory of the Lord Jesus, pág. 35). Podemos nos perguntar por que em uma ocasião se associariam aos gentios e, em outra, recusariam associar-se a eles. A resposta é o discernimento moral.

O grande propósito de se ter esse discernimento moral e espiritual é ajudar os santos a andar de um modo que glorifique a Cristo. Assim, Paulo diz que o funcionamento prático dessas coisas faria o crente “puro e sem ofensa” (Fp 1:10 – JND) neste mundo. “Puro” é o que seremos para com Deus (1 Pe 1:16) e “sem ofensa” é o que seremos diante de nossos semelhantes (2 Co 6:3). Isso certamente teria um efeito positivo no presente testemunho do evangelho, mas Paulo estava pensando além do tempo presente, para o “dia de Cristo”, quando Deus vai mostrar em público o que Ele tem formado nos santos. Como mencionado, o dia de Cristo começa na Sua Aparição, e se estende por todo o Milênio (2 Ts 1:10). O resultado de se ter esse discernimento moral é que o mundo verá “frutos de justiça” em nós, não apenas agora, mas também naquele dia, e redundará para “glória e louvor de Deus”.

Uma Atualização de Suas Circunstâncias Pessoais em Roma

Vs. 12-20a – Paulo falou de ter “comunhão com o evangelho” (v. 5 – JND) e da importância da “defesa e confirmação do evangelho” (v. 7); agora ele fala do “maior proveito do evangelho” (v. 12). Os filipenses estavam cheios de preocupação por Paulo e estavam ansiosos para ouvir sobre o seu bem-estar. Sabendo da preocupação deles, Paulo aproveitou a oportunidade para lhes aliviar a ansiedade, atualizando-os sobre suas circunstâncias pessoais. É notável que, ao fazê-lo, ele não os ocupa com suas dificuldades, que eram consideráveis, mas com o que o Senhor estava fazendo em Roma.

Havia muito em torno de Paulo que poderia causar tristeza e depressão. Ele estava diariamente acorrentado a um soldado Romano, aguardando seu julgamento. Seu futuro, quanto à vida e morte, era sombrio e cheio de incertezas; Martírio era uma possibilidade muito real. Ele estava sem o conforto de amigos Cristãos, pois a maioria tinha medo de ser identificada com ele (2 Tm 1:15). (Mais tarde, quando foi encarcerado novamente, Onesíforo o visitou, mas Paulo fala dele como uma exceção – 2 Tm 1:16-18). Com tudo isso pairando sobre a cabeça de Paulo, não o encontramos reclamando ou em tristeza. Ele não pede aos filipenses que orem por seu livramento, ou para que tivesse melhores condições no cativeiro. Ele poderia repreender-se a si mesmo por ter ido a Jerusalém, o que levou ao seu cativeiro, mas ele elevou-se acima de sua falha e não se ocupou com isto.

Em vez de estar cheio de tristeza e pesar, vemos um homem vivendo com Deus acima de suas circunstâncias, em um estado de satisfação. Isso é notável; Paulo está contente com quem ele é e onde está, pois sabe que Deus está acima de todas as circunstâncias, e “o caminho de Deus é perfeito” (Sl 18:30). Longe de estar abatido com desânimo – estava se regozijando! Ele estava preso com uma corrente, mas seu espírito permaneceu livre. Isso mostra que a fé não pode ser impedida pelas circunstâncias. Também nos mostra que as circunstâncias não fazem o estado de alma de uma pessoa – elas apenas a manifestam.

Por meio do exemplo de Paulo, as lições aqui são abundantes sobre o que é o estado Cristão normal. Vemos que quem anda com Deus no poder do Espírito não ocupa os outros consigo mesmo, seja nas coisas boas ou nas ruins. Ele se submete à mão de Deus em sua vida e está contente em suas circunstâncias. Ele não se lamenta sobre seus fracassos, mas, tendo julgado tudo, continua com o coração voltado para Cristo e Seus interesses.

A Propagação do Evangelho

Mais do que apenas relatar seu estado pessoal, Paulo deu aos filipenses um breve resumo sobre a propagação do evangelho naquela área. Ele queria que soubessem que sua prisão não havia sido um obstáculo para o evangelho seguir adiante. Com o maior arauto das boas novas impossibilitado de sair para pregar, poderíamos pensar que tal coisa teria sido desastrosa para o testemunho do evangelho. Mas, na verdade, foi exatamente o oposto – seu cativeiro havia sido realmente para “maior proveito do evangelho!” (v. 12). Deus, que está acima de todas as circunstâncias, ordenou as coisas de tal modo que resultou em uma nova e mais ampla esfera de pregação. É um exemplo maravilhoso de como Deus pode providencialmente anular os planos dos ímpios e fazer com que as coisas resultem para maior proveito de Seus próprios interesses. Asafe declarou este princípio da ação providencial de Deus no Salmo 76:10. Ele disse: “Certamente a cólera do homem redundará em Teu louvor; o restante da cólera Tu o restringirás”.

O cativeiro de Paulo ilustra o fato de que Deus não precisa de nenhum de nós em Seu serviço – nem mesmo um apóstolo! Somos gratos pelos dons espirituais que Cristo, a Cabeça da Igreja, deu para ajudar os membros de Seu corpo a crescer (Ef 4:11-15), mas o êxito da obra de Deus entre os santos não depende desses dons. Ele tem o prazer em nos usar em Sua vinha, e somos gratos quando o faz, mas devemos sempre nos lembrar de que Ele não precisa de nós. Podemos não gostar de ouvir isso, mas nenhum servo do Senhor é indispensável. Entender isso nos livrará da importância própria no trabalho do Senhor.

Dois Resultados Positivos do Cativeiro de Paulo

Vs. 13-18 – Paulo prossegue declarando dois efeitos positivos que resultaram de seu aprisionamento. A primeira coisa foi que se tornou amplamente conhecido (“manifesto”) que ele não estava em cativeiro por conta de atividade criminosa, mas sim pelo seu testemunho por Cristo. Por isso, ele fala de sua prisão como sendo “prisões em Cristo” (v. 13).

Naquela época, Paulo estava em prisão domiciliar e morava em sua “própria habitação que alugara” (At 28:30). Um soldado romano estava acorrentado a ele todos os dias por um período de tempo estabelecido, e um após o outro, esses soldados tiveram uma experiência que jamais esqueceriam. Eles testemunharam em primeira mão um homem vivendo em constante gozo celestial. Cada um certamente ouviu o evangelho, e alguns provavelmente se converteram por meio da experiência, embora a Escritura seja silente quanto a isso. Visível por esse silêncio, aprendemos outra coisa sobre o correto caráter Cristão: o servo do Senhor, que anda com Deus no poder do Espírito, não conta seus convertidos nem se gloria do seu sucesso no evangelho (Mt 6:3). Tal coisa apenas chama a atenção para si mesmo. Em vez disso, ele continua silenciosamente em humilde serviço e deixa os resultados para Ele (Lc 17:10). (O capítulo 4:22 afirma que alguns da “casa de César” foram salvos! Como, ou por meio de quem foram salvos Paulo não diz.)

Não demorou muito para que a notícia a respeito deste notável prisioneiro se espalhasse por “toda a guarda pretoriana”. Essa era a Guarda Imperial, o quartel-general militar romano, que tinha um quartel que abrigava dez mil soldados. (Ver a nota de rodapé da Tradução de J. N. Darby.)1 Paulo olhou para cada um desses soldados, não apenas como futuros convertidos, mas como futuros mensageiros do evangelho. Independentemente se alguns soldados foram salvos ou não, as notícias de Paulo e das boas-novas que pregou se espalharam pelos quartéis e além deles por “todos os demais lugares” em Roma! Nem todos creram no evangelho, mas estava sendo falado sobre ele em toda a cidade, e isso era uma coisa boa.

V. 14 – O segundo resultado positivo da reclusão de Paulo foi que mais irmãos estavam sendo estimulados a pregar a Palavra. Ele disse que: “Muitos dos irmãos no Senhor” estavam “tomando ânimo com as minhas prisões” e “ousam falar a palavra mais confiadamente, sem temor”. Isso também era bom.

V. 15 – Paulo relata que entre esses, havia dois grupos de pregadores. Alguns pregavam a Cristo “por inveja e porfia” – isto é, com motivos errados e impuros, e havia outros que pregavam “de boa mente” ou com boas intenções.

V. 16 – Aqueles que pregaram a Cristo “por contenção” (ACF) e “não puramente” (ACF) estavam fazendo isso com o propósito de acrescentar “aflição” às “prisões” de Paulo. Eles queriam aumentar seus sofrimentos, se possível. É evidente a partir disso que esses pregadores do evangelho não gostavam de Paulo. Qual era exatamente o problema deles, ele não revela. Pode ter sido pelo que Paulo ensinou sobre o fim do primeiro homem diante de Deus (Rm 6:6; Fp 3:3). Talvez eles considerassem o seu ensinamento muito severo, e que isso tenha tornado o Cristianismo impopular entre as massas, e para contra-atacar, apresentavam um novo modelo de evangelho que não condenava diretamente o homem na carne nem insistia na separação do mundo. Pode ser que esses pregadores tenham visto o evangelho como um meio de obter lucro financeiro, como foi o caso de alguns em Corinto (2 Co 2:17 – que fizeram “um comércio da Palavra de Deus” – JND). Isso, é claro, foi algo que Paulo condenou, e essas coisas se tornaram a causa da antipatia por ele. Com Paulo estando encarcerado, procuraram tirar proveito da situação – mas os motivos deles tinham encobertos objetivos futuros.

Certos aspectos da doutrina de Paulo ainda são impopulares entre os Cristãos de hoje. A Cristandade rejeita categoricamente muito do seu ensinamento sobre doutrina e prática da Igreja. Por exemplo, a massa na profissão Cristã não aceita o que Paulo ensina sobre a condução soberana do Espírito Santo na assembleia em adoração e ministério, e introduziu o clericalismo (o sistema clero/leigo) em seu lugar. Além disso, a Cristandade em geral rejeita o que ele ensina sobre a adoração Cristã, onde não é necessária a prática judaica do uso de instrumentos musicais, corais, etc. E ainda, o que Paulo ensina sobre o lugar da irmã na Igreja – que não permite pregação pública, ensino e administração – também é rejeitado pela massa. E também, seu ensino sobre o uso de cobertura de cabeça, etc. O espaço nos impede de fornecer uma lista completa aqui.

Os maus motivos desses pregadores servem para nos mostrar que o serviço Cristão pode ser realizado na energia da carne, motivado pela ganância, inveja e busca de glória. Uma vez que existe essa triste possibilidade com cada um de nós, devemos julgar a nós mesmos e nos manter humildes no serviço do Senhor, porque nossos motivos serão um dia revistos no tribunal de Cristo (1 Co 4:5).

V. 17 – No lado feliz, muitos irmãos foram devidamente despertados pelo cativeiro de Paulo. Eles pregaram a Cristo “por amor”, que é o motivo correto para ter-se relativamente a Deus e às almas perdidas. Ouvindo o exemplo de Paulo de ter sido “posto para a defesa do evangelho”, eles tiveram coragem e foram movidos para uma confiança mais completa no Senhor e, consequentemente, saíram destemidamente para pregar o evangelho. Isso deve ter sido encorajador e inspirador para os filipenses ouvirem.

V. 18 – Paulo diz: “Mas que importa? contanto que Cristo seja anunciado de toda a maneira, ou com fingimento ou em verdade, nisto me regozijo, e me regozijarei ainda”. Motivos impuros e métodos carnais podem ter sido utilizados por alguns que estavam pregando o evangelho, mas Paulo estava contente em deixar tudo isso com o Senhor. O testemunho do evangelho estava abundando; essa era a coisa importante. O evangelho pode não ter estado em seus corações, mas estava em seus lábios, e desde que Cristo estava sendo pregado, Paulo podia se regozijar. Percebemos a partir disso que ele não tinha animosidade em relação a esses pregadores. Longe de ter ciúmes ou de criticar esses homens que tinham a intenção de provocar-lhe problema, ele é gracioso; não há vestígio de irritação ou amargura em seu espírito. Quer os motivos da pregação fossem falsos ou puros, Cristo estava sendo proclamado e seu coração estava cheio de gozo. Ele diz: “nisto me regozijo, e me regozijarei ainda”.

Precisamos ter essa mesma atitude em relação àqueles da Cristandade que pregam com aparentes motivos impuros. Pode ser que eles trabalhem com motivos de cobiça, inveja e busca de glória – ou talvez, eles anunciem uma mensagem falha ou incompleta do evangelho. Podemos sentir que não devemos nos unir a eles em seu trabalho, mas podemos orar para que a Palavra pregada seja multiplicada nas mãos de Deus e frutifique nas almas sendo salvas. Vamos, assim como Paulo, regozijar-nos, pois Cristo está sendo pregado e as almas estão sendo abençoadas.

Salvação Prática Resultando em Glória Vindoura

V. 19 – Paulo diz: “Porque sei que disto me resultará salvação, pela vossa oração e pelo socorro do Espírito de Jesus Cristo”. Por meio das orações dos santos e da ajuda do Espírito Santo, ele estava confiante de que alcançaria “salvação**”**. Ele não poderia estar se referindo à salvação de sua alma da pena de seus pecados (At 16:31; 2 Tm 1:9; 1 Pe 1:9, etc.), porque ele já havia sido salvo eternamente. Além disso, a salvação de nossas almas não depende das orações dos santos ou de alguma obra do Espírito a ser feita para nós no futuro – é uma possessão presente do crente.

A que salvação Paulo poderia estar se referindo aqui? Para responder, precisamos entender que a salvação é um termo amplo e abrangente na Escritura que inclui muitos aspectos de livramento – desde a salvação da pena de nossos pecados até a nossa glorificação, quando o Senhor vier. É um erro, portanto, pensar que quando as palavras “salvo” ou “salvação” aparecem na Escritura, estejam sempre se referindo à libertação do juízo eterno conforme anunciado no evangelho. Como há muitos aspectos da salvação, é igualmente verdade dizer: “Eu fui salvo, estou sendo salvo e serei salvo”. W. Kelly comentou: “Se você tentar supor que existe apenas um significado de salvação no Novo Testamento, você está realmente em dificuldade; e descobrirá que não há possibilidade de conciliar essas passagens. De fato, nada é mais certo e fácil de determinar, de que a salvação no Novo Testamento é mais frequentemente citada como um processo ainda incompleto, não terminado, do que algo totalmente finalizado” (Lectures on Philippians, pág. 43). Este comentário do Sr. Kelly é significativo. Quer dizer que quando nos deparamos com as palavras “salvo” e “salvação” no Novo Testamento, na maioria das vezes, não está se referindo à salvação de nossas almas da pena de nossos pecados! Tal é o caso em toda a epístola aos Filipenses.

Como Paulo já tinha a alma salva por ter recebido a Cristo como seu Salvador (At 9), estava obviamente se referindo aqui a um aspecto diferente da salvação. Comentando sobre este versículo, W. Potter disse: “Então temos a palavra ‘salvação’. Nós a temos várias vezes nesta epístola. Está sempre em conexão com nossas circunstâncias e não com nossas almas” (Gathering up the Fragments, pág. 155). O contexto sugere que “disto” no versículo 19 se refere à contenda da carne daqueles que se opunham a Paulo, mencionada nos versículos anteriores. Ele esperava ser salvo em um sentido prático dos desígnios malignos deles para difamá-lo e feri-lo, e contava com as orações dos santos e o poder do Espírito para esse livramento. Assim, a salvação que tinha diante dele era o livramento completo de tudo o que pudesse encontrar na vida que impedisse que Cristo fosse engrandecido em seu corpo.

Alguns pensaram que a “salvação” da qual Paulo estava falando era sua libertação do cativeiro. Mas não poderia ser assim porque ele fala de salvação como algo que certamente obteria, ao passo que nos próximos versículos ele fala de sua libertação como sendo algo do qual estava incerto. Havia uma possibilidade muito real de ele morrer como um mártir nas mãos dos romanos. Além disso, no estado de alma em que Paulo é visto nesta epístola, seria fora de seu feitio querer uma mudança em suas circunstâncias. Ao longo da epístola, ele é visto em um estado de contentamento sobre o que Deus havia permitido em sua vida (cap. 4:11).

V. 20 – Essa “salvação” prática incluiria a vitória sobre a tentativa do inimigo de causar em Paulo a perda e fracasso da fé quando testada. Por isso, ele acrescenta: “Segundo a minha intensa expectação e esperança, de que em nada serei confundido” Teria sido um grande triunfo para Satanás se conseguisse que o maior defensor do evangelho Cristão se rendesse quando viesse seu teste final diante do tribunal romano. Por isso, a expectativa sincera e a esperança de Paulo eram que, quando esse teste viesse, ele teria a graça de não renunciar a Cristo. E que, se isso significasse ser morto por seu testemunho de Cristo, morreria fielmente para a glória de Deus como um mártir justo. Estêvão (o primeiro mártir Cristão), cujo testemunho inabalável Paulo havia testemunhado em primeira mão, foi seu grande exemplo (At 7). Se ele recuasse naquele momento crucial, certamente ficaria “envergonhado” (JND) no dia vindouro de manifestação, quando os resultados de nossas vidas serão expostos.

Ele conclui dizendo: “com toda a confiança, Cristo será, tanto agora como sempre, engrandecido no meu corpo, seja pela vida, seja pela morte”. Assim ele desejou, como Deus lhe deu a graça, continuar até o fim de sua vida com um testemunho ousado e firme por Cristo. Quer fosse libertado ou morresse como um mártir realmente não importava para ele. O que importava, e com o que se preocupava, era que Cristo fosse “engrandecido” em seu corpo. Engrandecer Cristo “pela vida” é fazer com que Ele seja apreciado e louvado pelos outros por meio do nosso testemunho d’Ele em nossa vida. Engrandecer Cristo “pela morte” é fazer com que Ele seja apreciado e louvado por outros, permanecendo firmes em nossa confissão de fé e não O renegando quando ameaçados com a espada. As pessoas que testemunharem tal confissão verão que Cristo é verdadeiramente precioso para nós (1 Pe 2:7) – suficientemente precioso mesmo para morrermos por Ele! Este testemunho, sob o poder do Espírito Santo, converterá pecadores a Cristo porque eles desejarão o que temos.

V. 21 – Paulo então declara o grande princípio de sua existência: “Porque para mim o viver é Cristo, e o morrer é ganho”. Ele não viveu por dinheiro, fama ou prazer; essas coisas não eram seu objetivo. Ele tinha apenas uma ambição – que Cristo fosse engrandecido em seu corpo quer fosse pela vida ou pela morte. Ao falar da vida e da morte dessa maneira, vemos que Paulo aprendeu a ver as coisas sob a perspectiva de Deus. Ele entendeu que o que pertencia à glória de Deus em Cristo era a coisa importante na vida. O que o preocupava não era o que seria melhor para Paulo, mas o que seria melhor para os interesses de Cristo – isso era o que importava para ele. Vemos nisso a absoluta ausência de egocentrismo. Ele era um homem que havia colocado um fim em si mesmo. O “eu” e suas ambições egoístas haviam sido julgados e estavam fora de cena (cap. 3:4-8), e ele estava feliz por isso! Com o ego fora do caminho, ele viu as coisas na vida claramente – tudo deve estar centrado em Cristo. Que estado maravilhoso de se alcançar na experiência Cristã! Vamos nos lembrar de que isso é Cristianismo normal.

Afirmar que a morte para um Cristão é um “ganho” prova que a doutrina do “sono da alma”, ensinada em alguns círculos, não poderia estar correta. É dito que as almas e os espíritos do falecido entram imediatamente num estado de inconsciência, no qual não sabem nem sentem nada. Jó 14:21, Salmo 115:17 e Eclesiastes 9:5 são usados erroneamente para sustentar essa falsa ideia. (Essas Escrituras falam dos mortos não estando conscientes das coisas que acontecem na Terra depois de morrerem, simplesmente porque eles não estão aqui para considerá-las; não se referem a um estado de inconsciência) Se um estado de inconsciência fosse a porção dos mortos, então a morte não poderia ser chamada de ganho. Paulo, por exemplo, vivia em feliz comunhão com o Senhor; se a morte o levasse, e ele passasse para um estado de inconsciência, isso lhe seria uma grande perda. Ele perderia seu feliz gozo da comunhão com o Senhor! Muito pelo contrário, Paulo diz que a morte leva o crente a um novo patamar de gozo da comunhão com o Senhor, do qual ele diz ser “ainda muito melhor” do que qualquer coisa que pudesse experimentar enquanto estava aqui na Terra em seu corpo (v. 23).

Vs. 22-23 – Paulo então volta a falar de seu futuro. Como já mencionado, ele enfrentou dois desfechos – ser libertado do cativeiro ou morrer como mártir pelas mãos dos romanos. Ele diz: “Mas, se o viver na carne me der fruto da minha obra, não sei então o que deva escolher. Mas de ambos os lados estou em aperto [apertado entre dois], tendo desejo de partir, e estar com Cristo, porque isto é ainda muito melhor”. (Tradução de W. Kelly). Assim, Paulo estava em meio a um dilema; ele queria as duas coisas. Mas estando em tal estado de abnegação, ele estava sem uma decisão no assunto, e assim se contentou em deixar a escolha para o Senhor. Sua vida podia ser resumida como tendo sido cheia do serviço do Senhor, e a morte era simplesmente aquilo que o levaria a um desfrutar mais pleno do Senhor. Permanecer vivo significava viver para Cristo, morrer significava estar com Cristo.

Há quatro passagens principais no Novo Testamento que se referem ao estado feliz dos crentes que partiram. (Ver Collected Writings of J. N. Darby, vol. 2, pág. 293). Esses são:

- Lucas 23:43 – “Comigo no paraíso”. - Atos 7:59 – o espírito e a alma são “recebidos” pelo Senhor. - 2 Coríntios 5:8 – “presentes com o Senhor” (AIBB). - Filipenses 1:23 – “com Cristo… é ainda muito melhor.”

Note que em conexão com este estado feliz de crentes que partiram, Paulo não diz apenas que é “bem melhor”, como traduzido na KJV, mas **“**muito melhor”, como na Tradução de W. Kelly, ou **“**muitíssimo melhor”, como na Tradução J. N. Darby. Note também que ao estabelecer o fato de que o estado dos crentes que partiram é melhor do que qualquer coisa que pudéssemos experimentar enquanto estivermos aqui na Terra em nossos corpos, ele é cuidadoso em não dizer que é o melhor. Isto é porque é de fato melhor, mas não é o melhor. Há algo esperando o crente que é ainda maior do que partir para estar com Cristo por meio da morte – é estar com e como Cristo no estado glorificado (Fp 3:21). Isto é o melhor de tudo! Isto, como sabemos, não ocorrerá até que o Senhor nos chame ao lar no Arrebatamento, quando os mortos em Cristo e os santos vivos serão glorificados juntamente (1 Ts 4:16-17; Hb 11:40).

“Partir para estar com Cristo” é uma afirmação que se refere ao estado intermediário ou “despido” dos crentes que partiram (2 Co 5:4); não está falando de sua condição final de glória. Muitos entenderam mal isso e pensaram estar se referindo à partida do crente para estar com o Senhor em Sua vinda (o Arrebatamento). Mas o assunto aqui é claramente o de estar com o Senhor por meio da morte, não do Arrebatamento. Assim, os santos que partiram estão presentemente “com Cristo”, mas ainda não estão em glória. Isso pode soar estranho para alguns que têm a ideia errônea de que a glória é sinônima de céu – uma antiga ideia dos Reformadores. Para eles, parece que estamos dizendo que os santos falecidos não estão no céu. Contudo, a glória em referência aos crentes é uma condição (1 Co 15:43, etc.), não um lugar no céu onde os crentes vão quando morrem. Os santos que partiram estão com Cristo no paraíso, no céu, em um estado de felicidade indescritível, mas eles não estão em glória – isto é, ainda não estão glorificados. Essa condição aguarda a ressurreição deles. J. N. Darby disse: “O estado intermediário, então, não é glória (pois devemos esperar pelo corpo. Ele será ressuscitado em glória; O Senhor mudará nossos corpos e os tornará como Seu corpo glorioso)” (Collected Writings of J. N. Darby, vol. 31, pág. 185).

Vs. 24-26 – Paulo reconheceu que permanecer na Terra seria mais benéfico para o progresso espiritual dos santos e, da maneira não egoísta, diz: “Mas julgo mais necessário, por amor de vós, ficar na carne; E, tendo esta confiança, sei que ficarei, e permanecerei com todos vós para proveito vosso e gozo da fé; Para que a vossa glória [regozijo] abunde por mim em Cristo Jesus, pela minha nova ida a vós”. Não podemos deixar de ficar impressionados com isto. Ele não pensou em seu próprio conforto e no que preferiria, mas no que seria melhor para a causa de Cristo neste mundo e do progresso espiritual dos santos. Este, novamente, é um estado Cristão normal.

Exortações de Paulo à Unidade no Testemunho do Evangelho

Vs. 27-28 – Chegamos agora às exortações de Paulo. Ele tinha preocupações especiais quanto aos perigos que os filipenses estavam correndo e os exorta sobre isso. Em primeiro lugar, e acima de tudo, ele insiste em que eles se conduzam de maneira digna que recomendaria o evangelho aos perdidos. Não há melhor maneira de fazer isso do que ter crentes andando juntos em feliz comunhão. Ele diz: “Somente deveis portar-vos dignamente conforme o evangelho de Cristo, para que, quer vá e vos veja, quer esteja ausente, ouça acerca de vós que estais num mesmo espírito, combatendo juntamente com o mesmo ânimo pela fé do evangelho” (v. 27). Assim, era imperativo que ficassem juntos, ombro a ombro, em feliz unidade perante o mundo.

Paulo desejou conhecer os afazeres dos filipenses, e disse-lhes que o relato que esperava ouvir era que estivessem permanecendo “juntos” no evangelho com “um mesmo espírito” e “o mesmo ânimo”. Ele menciona isso porque sabia que havia dissensão crescendo no meio deles, girando em torno de duas irmãs que não estavam se dando bem (cap. 4:2). Ele também sabia que Satanás faria uso de algo tão simples como este para dividir a assembleia em Filipos, se pudesse. E isso, por sua vez, prejudicaria o testemunho do evangelho naquela área. Dificilmente poderia haver algo mais prejudicial ao testemunho do evangelho para com os que estão de fora do que contenda e disputa entre aqueles que estão no meio Cristão. Se o mundo vê que não podemos concordar sobre as coisas entre nós, como podemos esperar que recebam as coisas que pregamos?

Paulo também sabia que caminhar juntos em um testemunho em unidade atrairia feroz oposição ao evangelho, e resultaria em perseguição. Ele diz, portanto, que esperava que o relato que aguardava ouvir deles incluísse o fato de que, apesar da oposição, permaneciam sem medo de seus adversários e, consequentemente, continuavam com uma ousada confissão de Cristo. Ele diz: “e que em nada estais atemorizados pelos adversários, o que para eles é indício de perdição [destruição – JND], mas para vós de salvação, e isso da parte de Deus” (v. 28 – AIBB). O próprio fato de que Paulo chama os opositores do evangelho de “adversários” (AIBB) é uma prova de que a “destruição” (JND) será sua porção merecida quando o juízo for proferido pelo Senhor. Mas para os crentes, será exatamente o oposto; a intervenção do Senhor será para a nossa “salvação”. Este é um aspecto futuro da salvação que os crentes aguardam ansiosamente, quando serão tirados deste mundo no Arrebatamento. Novamente, como no versículo 19, Paulo não poderia estar se referindo à salvação de nossas almas da pena de nossos pecados aqui, porque já o tivemos quando recebemos a Cristo como nosso Salvador.

Sofrendo por Cristo

V. 29 – É uma antiga tática do inimigo desencorajar os crentes de testemunharem por Cristo por meio de ameaças de violência. Paulo lembra aos filipenses que, se a perseguição fosse a porção deles, precisavam se lembrar de que todo esse sofrimento é realmente um privilégio que nos foi “concedido” para suportar por Cristo, e deveria ser visto como uma honra. Ele disse: “Porque a vós vos foi concedido, em relação a Cristo, não somente crer n’Ele, como também padecer por Ele”. Nosso exemplo são os próprios apóstolos (At 5:40-41). Todo Cristão precisa entender que sofrer reprovação e perseguição é normal para o Cristianismo. Nós não podemos realmente escapar disso e ainda permanecer fiéis ao Senhor (2 Tm 3:12).

Sofrer “por” Cristo tem a ver com suportar reprovação e perseguição por causa da confissão de Cristo entre os homens. Há um tipo dessa espécie de sofrimento na história de Davi e Jônatas. Davi é um tipo de Cristo e Jônatas é um tipo do crente. Quando Jônatas se identificou publicamente com Davi, Saul e os que o seguiram se enfureceram, e Saul atirou uma lança em Jônatas – seu próprio filho! (1 Sm 20:30-34) O sofrimento por Cristo é uma coisa facultativa. Ou seja, podemos optar por evitá-lo, se desejarmos, simplesmente recusando-nos a confessar a Cristo diante dos homens.

Sofrer “com” Cristo é algo diferente (Rm 8:17). Isso é inevitável. Tem a ver com o crente tendo uma natureza divina por meio de um novo nascimento e da habitação do “Espírito de Cristo” (Rm 8:9). O Espírito de Cristo é uma função especial do Espírito Santo que forma os sentimentos e compaixões de Cristo no crente. Quando o Senhor olha para essa cena em que o pecado teve seus tristes efeitos, Ele sofre em empatia por Suas criaturas que estão sofrendo sob a escravidão da corrupção. Como “filhos de Deus” (Rm 8:14) e “crianças de Deus” (Rm 8:16 – JND)2, somos vasos da compaixão de Deus (Rm 8:14-18). Tendo um vínculo em nossos corpos com a criação sofredora e tendo o Espírito em nós, quando vemos uma das criaturas de Deus sofrer, em nossa pequena medida, sofremos “com” Cristo em empatia. Visto que todos os crentes têm o Espírito de Cristo neles, todos os crentes, mais ou menos, sofrem desse modo.

V. 30 – Enquanto esperamos o Senhor vir, é nosso privilégio servi-Lo, testemunhando por Ele e divulgando a revelação Cristã da verdade a todos os que a receberem. Ao usar as palavras “combatendo” e “conflito” nessa conexão, Paulo não estava sugerindo que deveríamos discutir e lutar com aqueles que se opõem à verdade. Nosso conflito é uma coisa espiritual, em que combatemos inimigos espirituais que confundem as mentes dos homens com ideias falsas, ensinando pacientemente a verdade a eles (2 Co 10:4-5; Cl 1:29, 2:1). Simplesmente não há lugar para argumentos carnais na obra do Senhor (2 Tm 2:14). Toda essa atividade apenas estraga o testemunho do evangelho. Mas quando servimos corretamente sob o senhorio de Cristo, estaremos engajados no mesmo conflito espiritual em que Paulo estava, e compartilharemos as mesmas recompensas em um dia vindouro.

Em resumo do capítulo 1, vimos um homem (Paulo) que pesou a vida na balança de Deus, e concluiu corretamente que viver para a causa de Cristo é a única coisa pela qual vale a pena viver – e vivendo para Cristo, descobriu que isso é a chave para uma vida feliz e frutífera.

CRISTO – O PADRÃO PARA A VIDA CRISTÃ

Capítulo 2

O inimigo (Satanás) não estava apenas tentando destruir o testemunho dos filipenses naquela região por meio da perseguição de adversários de fora do círculo Cristão (cap. 1), mas também estava tentando destruir seu testemunho instigando dissensão dentro do círculo Cristão. (cap. 2) Nosso adversário teve grande sucesso nessas linhas de ação ao longo da história da Igreja. O que a perseguição não causou a dissensão interna certamente realizou.

Como resultado do trabalho do inimigo dentro do círculo Cristão, a Igreja se dividiu em tudo, em princípio e prática – até o ponto em que seu testemunho público foi destruído em milhares de pedaços! Existe agora uma vasta variedade de denominações e comunhões não-denominacionais Cristãs que são tão diferentes como “água é do vinho”. Não é preciso dizer que isto absolutamente não é o que Deus pretendia para a Igreja durante o tempo da ausência de Cristo. O Senhor orou para que vivêssemos e andássemos juntos como “um” (Jo 17:11, 21, 23). Ele quer que os Cristãos caminhem juntos em unidade prática, mesmo que estejam espalhados por todo o mundo, e assim expressem a verdade do “um só corpo” de Cristo (Ef 4:2-4). É triste dizer que nosso estado dividido rendeu ao mundo uma visão distorcida do evangelho e da revelação Cristã da verdade. Os incrédulos olham para a Igreja como ela está hoje e ficam totalmente confusos.

Podemos perguntar: “Como tudo isso começou?” Em muitos casos, resultou de Cristãos não estando em “um espírito” e em “uma mente”, como Paulo insiste nesta epístola (cap. 1:27, 2:2, 3:16, 4:2). Satanás fez uso de divergências aparentemente pequenas e instigou a carne nos crentes a tomar posições opostas em questões de doutrina e prática, e essas diferenças tornaram-se tão profundamente abrigadas em cada um deles que se tornaram irreconciliáveis. O estado atual da Igreja com todas as suas muitas divisões tem sido o resultado. O triste é que Satanás ainda está trabalhando para dividir ainda mais a Igreja. Ele tem planos em todas as comunhões Cristãs, desde a enorme igreja de uma grande metrópole até o aparentemente insignificante pequeno salão ou capela evangélica numa área rural. Seu objetivo é fazer em pedaços todos os testemunhos para Cristo. Estando ciente dos ataques de Satanás (2 Co 2:11), Paulo dá aos filipenses, neste segundo capítulo, o remédio divino para a salvação da assembleia contra as investidas do inimigo. Como Satanás ainda está trabalhando para esse fim, o que está exposto aqui tem uma aplicação importante para as assembleias Cristãs de hoje em dia.

Paulo abordou a necessidade de unidade nos meios Cristãos no capítulo 1:27, mas agora inicia uma longa dissertação sobre a causa e cura para a contenda entre os Cristãos. Se as coisas que ele está prestes a apresentar fossem levadas a sério e aplicadas na prática, o inimigo seria frustrado em sua tentativa de destruir as assembleias Cristãs hoje.

Uma Exortação à Unidade na Vida da Assembleia

Vs. 1-2 – Neste capítulo, Paulo está prestes a exortar os filipenses a caminhar em unidade prática (v. 2). Ele também vai dizer-lhes que isso só pode ser alcançado por meio de cada um tendo uma mente humilde (vs. 3-4). Além disso, lhes mostrará que aquilo que produz sujeição e humildade de mente nos crentes é ter nossa atenção voltada para o sentimento de Cristo, que é o padrão para a graça humilde (vs. 5-8). Mas antes de Paulo falar dessas coisas, ele aponta para o fato de que a graça necessária para caminhar em unidade prática já havia sido produzida nos filipenses (v. 1). A evidência disso era o amor e a bondade que tinham livremente derramado sobre ele, ao pensar nele em sua necessidade e enviar uma oferta de tão longe. Paulo se refere a essa demonstração de graça e bondade ao mencionar seu “conforto em Cristo”, sua “consolação de amor”, sua “comunhão no Espírito” e seus “entranháveis afetos”. Tudo isso lhe havia sido dispensado (v. 1).

O “se” usado no versículo de abertura é um “se” de argumento, não um “se” de condição. (Veja a página 11) Os “se” não implicam que pode não ter havido consolo em Cristo, etc. A palavra é usada aqui no sentido de “desde que”, “já que”. Paulo estava construindo um argumento; estava dizendo que “desde que” DEUS produziu esses maravilhosos sentimentos e compaixões neles para com ele, então sabia que eram capazes de mostrá-los aos outros – e particularmente, uns aos outros, que é o que realmente tinha em mente. Sendo assim, ele diz: “Completai o meu gozo, para que sintais o mesmo, tendo o mesmo amor, o mesmo ânimo, sentindo uma mesma coisa” (v. 2). É como se ele estivesse dizendo: “Vocês demonstraram muita bondade, amor e compaixão por mim, e eu realmente agradeço. Mas se vocês realmente querem me fazer feliz e completar meu gozo, mostrem uns aos outros a mesma graça que têm me dado”. Quando tal condição é existente entre os crentes, haverá uma unidade feliz e coesa que o inimigo não será capaz de estragar.

Parece que, embora os filipenses estivessem bastante abertos e dispostos a mostrar graça e bondade a Paulo, não foram tão diligentes em expressá-la uns aos os outros. Não testemunhamos isto nas assembleias Cristãs em nossos dias? Um irmão que viaja (“que trabalha na obra”) vem à cidade, e os santos se mobilizam em uma notável demonstração de amor e bondade para com ele – em tudo, desde comida deliciosa a uma oferta monetária. Mas quando se trata de uns para com outros, não manifestam o mesmo grau de amor e hospitalidade.

Podemos ver pelo que Paulo diz no versículo 2: “sintais o mesmo [penseis a mesma coisa – ARA] e “sentindo uma mesma coisa [penseis uma coisa – JND] que disputa geralmente começa com irmãos tendo pensamentos e opiniões diferentes sobre os assuntos (1 Co 1:10-11). Muitas vezes, isso vem de crentes que não têm um entendimento adequado de certos princípios relacionados a um assunto em questão e, por meio da ignorância, tomam uma posição sobre o assunto que outros, com um entendimento mais completo dos princípios divinos, percebem ser um erro. Então, quando o orgulho está envolvido, as pessoas tendem a “se entrincheirar” e manter suas posições com persistência e isso resulta em um impasse.

A Fórmula da Unidade

Vs. 3-4 – Isso poderia ser evitado se cada pessoa na assembleia seguisse a palavra de Paulo aqui: “Nada façais por [no espírito de] contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada um considere os outros superiores [mais excelentes – JND] a si mesmo”. Nesta declaração, ele menciona duas grandes coisas que destroem as assembleias a partir de dentro – “contenda” e “vanglória”. A contenda é discutir e disputar e a vangloria é importância própria, ou nos considerarmos mais do que deveríamos. O orgulho está por trás de ambos (Pv 28:25; Rm 12:3). Paulo lida com contendas no capítulo 2 e vanglória no capítulo 3. Enquanto podemos esperar ver tal atividade da carne por todos os círculos mundanos, não sejamos tão ingênuos a ponto de pensar que tal coisa somente lá seria encontrada. Ela também pode estar presente entre os Cristãos – até mesmo os servos do Senhor, como o capítulo 1:15-16 indica. De fato, no reino espiritual, essas coisas assumem as formas mais sutis. Podemos disfarçar nossa malícia em algo que pareça ser uma piedosa preocupação.

Paulo diz que a grande segurança contra essas coisas é que cada um na assembleia ande em “humildade” e genuinamente considere seus irmãos como sendo “superiores [mais excelentes] a si mesmo. (Isto não está se referindo à esfera do dom, mas à excelência moral. Ou seja, não está sendo pedido a um evangelista talentoso que considere um irmão – que claramente não tem o dom para pregar – ser um pregador “melhor” do que ele. Isso simplesmente não seria verdade: Paulo está falando das “qualidades” [v. 4 – JND] morais que Deus formou em Seu povo.)

O uso repetido das palavras “cada” (JND) e “todo homem” (KJV) nos versículos 3-4 indicam que deve haver participação da parte de cada pessoa na assembleia – tanto os irmãos quanto as irmãs. Se há apenas uma pessoa que não está andando em julgamento próprio e humildade, ela pode ser o canal que Satanás está procurando para provocar contenda. Um irmão uma vez disse: “Em toda assembleia há o ‘nitro’ e há a ‘glicerina’; é preciso apenas uma faísca voar entre os dois e haverá uma explosão!” Já que todos temos a carne em nós, somos todos capazes de fazer aquela faísca fatal voar. O tipo de unidade que Paulo está encorajando aqui não é um mero arranjo humano pelo qual certas coisas são combinadas para manter a paz. Vemos isso no mundo – nos negócios, na política, etc. A unidade divina, por outro lado, resulta da verdadeira humildade de mente.

Acrescentando a sua observação anterior, Paulo diz: “Não atente cada um para o que é propriamente seu [vantagens], mas cada qual também para o que é [vantagens] dos outros” (Nota de rodapé – JND). Isso mostra que precisamos ter a mentalidade que não considera o que seria mais vantajoso para nós, mas o que seria mais vantajoso para os outros. Ter uma atitude egoísta do “eu primeiro” na assembleia certamente causará atrito e problemas (3 Jo 9). Isto certamente não é seguir as coisas que servem para a paz (Rm 14:19).

Vs. 5-8 – Paulo prossegue dizendo-nos como a verdadeira humildade de mente é produzida – é meditando sobre a humildade de Cristo Jesus. Ele diz: “De sorte que haja em [encontrado entre] vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus. Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação [não estimou apoderar-Se para] ser igual a Deus. Mas aniquilou-Se [esvaziou-Se] a Si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-Se [tomando Seu lugar] semelhante aos homens; E, achado na forma [na figura como] de homem, humilhou-Se a Si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz” (ARC [JND]). Nestes versículos temos todo o curso da vida do Senhor Jesus, desde as alturas de glória celestial até às profundezas da vergonha do Calvário.

O grande ponto a se ver nesta passagem é que o Senhor Se humilhou e tomou este caminho voluntariamente! É verdade que Ele veio em obediência a Deus que O enviou, mas esse não é o lado das coisas que está sendo enfatizado aqui. É, antes, Sua disposição Pessoal de descer em humilde serviço aos outros. Ele é o Exemplo supremo de humildade e abnegação. O próprio Senhor disse: “e aprendei de Mim, que Sou manso e humilde de coração” (Mt 11:29).

Ao dizer: “De sorte que haja em [encontrado entre] vós o mesmo sentimento”, Paulo está dizendo que, se essa mesma atitude (ou todo o modo de pensar) que estava em Cristo, estivesse “entre” os santos, curaria qualquer tendência à contenda e disputa. A palavra “permita”4 é uma palavra característica nas epístolas usada em conexão com exortações Cristãs. Ela implica que possuímos uma nova natureza (recebida por meio do novo nascimento) que deseja fazer a vontade de Deus, e também que temos o Espírito Santo em nós que nos guia a buscar esses desejos. Nossa parte é “permitir” a nova vida e o Espírito que habita em nós, fazerem a vontade de Deus por nosso intermédio, e não impedir essa atividade espiritual.

Note que Paulo não começa falando de ações, mas da fonte de todas as ações – nosso pensamento. É aqui que as coisas precisam estar certas; todas as ações corretas fluem de pensamento correto. Como então devemos pensar? Precisamos pensar como Cristo, imitando Sua “mente” humilde.

Sete Passos para Baixo

Paulo traça sete passos para baixo que o Senhor deu em Sua grande condescendência.

  1. Ele, “Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus”. Esta é uma declaração da verdadeira Deidade de Cristo. A palavra “forma” é usada nesta passagem no seu sentido antigo que se refere à matéria ou substância integral de algo. O sentido e o uso moderno da palavra transmitem uma ideia diferente. Uma pessoa pode ser levada a pensar que o Senhor Jesus era um mero esboço de Deus, ou que Ele Se parecia com Deus. Isso absolutamente não é o que Paulo está dizendo. O Senhor Jesus não Se parece com Deus – Ele é Deus! (Jo 1:1) O argumento de Paulo aqui é que, visto que Cristo é Deus e tendo igual parte na Divindade, Ele não “estima” (considera) que a glória disso seja “um objeto de rapina” (JND) – algo a ser agarrado e segurado a todo custo. Assim, Ele estava disposto a abrir mão do que legitimamente Lhe pertencia como Deus para descer para ser nosso Salvador. Este é um fato de admirável humildade.

  2. Ele “esvaziou-Se” (TB) – Ele não estava apenas disposto a descer para nos alcançar em nossa necessidade, mas Ele provou isso esvaziando-Se. De que Ele Se esvaziou? Certamente não era da Sua “forma” de Deus – Sua Deidade. (Se Ele Se esvaziasse de Sua Deidade, deixaria de ser Deus, o que é impossível!) Todos os confiáveis mestres bíblicos concordam que o Senhor Se despojou de Sua glória exterior como Deus – a divina insígnia externa de Sua Deidade. Por exemplo, J. N. Darby disse: “Cristo… esvaziou-Se por meio do amor, de toda a Sua glória exterior” (Synopsis of the Books of the Bible, edição de Loizeaux, em Filipenses 2, pág. 501).

É importante entender que, ao esvaziar-Se de Sua glória exterior, Ele não deixou de ser tudo o que era como Deus. Da mesma forma, um general cinco estrelas pode ir para casa ao final do dia e tirar o uniforme, que o identifica como tal, e colocá-lo em uma cadeira. Ao fazê-lo, ele removeu a insígnia externa daquela distinta posição – mas ainda é um general cinco estrelas! Assim, o Senhor Se despojou da Sua glória, mas não da Sua Deidade. Foi da glória de Sua igualdade posicional com Deus que Ele Se esvaziou, não Sua igualdade pessoal com Deus. Ele “vendeu tudo quanto tinha” (Mt 13:46). Isso envolvia abrir mão dos direitos de Sua Divindade e prerrogativa de agir como Deus, embora Ele fosse Deus. Esta é uma maravilhosa demonstração de humildade.

  1. Tomando a forma de servo” – Ao tomar a humanidade e uni-la à Sua pessoa tornando-Se um Homem (Sua encarnação), o Senhor desceu ao lugar de Suas criaturas, embora Ele mesmo não fosse uma criatura. Ao fazê-lo, ocultou Sua Deidade em carne humana (Jo 1:14; 1 Tm 3:16; Hb 10:20). Como no versículo 6, aqui a palavra “forma” não significa um mero esboço, mas a parte integral e a substância de algo. Assim, enquanto permaneceu sendo Deus plenamente, Ele Se tornou um Homem real – e de um modo completo, tendo um espírito humano, uma alma humana e um corpo humano. Essa união de Sua natureza divina e Sua natureza humana é inescrutável (Mt 11:27).

Este passo para abaixo envolveu aceitar limitações de criatura que acompanham a humanidade. Como tal, Ele Se colocou sob a autoridade de Deus como um “Servo”. Isso era algo novo para Ele, pois nunca estivera em uma posição de sujeição antes; na eternidade passada, Ele era o Comandante de tudo no universo! Assim, nunca soube o que era ser obediente e, portanto, “aprendeu obediência” por Sua experiência em sendo Homem (Hb 5:8). Isso não significa que Ele passou por um processo de tentativa e erro em Sua experiência de aprendizado, mas sim que aprendeu por experiência como era o obedecer. Ao contrário de outros homens, Sua obediência foi perfeita; não houve nela tentativa e erro.

Sendo Quem Ele era, quando o Senhor Se tornou um Homem, poderia ter trilhado qualquer caminho da vida que escolhesse. Ele poderia ter tomado a forma de um grande rei ou de um imperador, e cercado a Si mesmo de riqueza e opulência, mas não, por Seu próprio ato de humildade, Ele tomou o lugar de um servo! Assim, não veio para que outros O servissem; Ele veio para servir aos outros (Mt 20:28). Estava aqui inteiramente para fazer a vontade de Seu Pai (Sl 40:8; Mt 26:39). Alguém uma vez disse: “O egoísmo gosta de ser servido, mas o amor gosta de servir”. Isso é o que caracterizou a vida do Senhor (At 20:35). Mais uma vez, que inapreensível humildade de uma Pessoa tão grande!

  1. Fazendo-Se semelhante aos homens” – Isso não significa que o Senhor apenas parecia um homem. Ele era “semelhante aos homens” porque era um Homem real. Externamente não parecia diferente de qualquer outro homem. Ele não Se destacou entre Seus discípulos. De fato, quando vieram prendê-Lo, Judas teve de identificá-Lo com um beijo – uma prova de que não tinha uma auréola. No entanto, enquanto era como qualquer outro homem fisicamente, Ele não era como qualquer outro homem moralmente, porque não tinha uma natureza pecaminosa caída que todos os outros homens têm. Sua natureza era santa (Lc 1:35). Portanto, Ele “não conheceu pecado”, “não cometeu pecado” e “n’Ele não há pecado” (2 Co 5:21; 1 Pe 2:22; 1 Jo 3:5).

  2. E, achado na forma [figura] de homem, humilhou-Se a Si mesmo” – Como Deus, Ele Se esvaziou, mas como Homem, Se humilhou. “Humilhou” está no tempo aoristo no grego, o que significa que foi uma coisa de uma vez por todas em Sua vida. Assim, esta declaração não está se referindo a nenhum ato em particular de humildade, mas sim, está descrevendo a soma de toda a Sua vida como um Homem. Quanto mais Se humilhou, mais foi pisado. Sua reação era simplesmente descer mais. Sua mente sempre foi a de abnegação própria

  3. “Sendo obediente até à morte” – Isto mostra que não havia profundidade à qual o Senhor não descesse em Sua condescendência. Não é que Ele tenha obedecido à morte; esta não tinha domínio sobre Ele, pois era imortal. Ele obedeceu a Deus e Sua obediência levou-O até o ponto da morte. Ele preferiria morrer a desobedecer (Hb 12:4).

Note que Paulo não está falando aqui do que o Senhor realizou na morte para fazer expiação pelos nossos pecados. Ele está colocando Cristo diante de nós como nosso grande Exemplo a seguir; nunca poderíamos segui-Lo no que fez como o Emissário do pecado ao fazer expiação pelo pecado. É Sua humilhação que está diante de nós, não Sua obra de expiação.

  1. E morte de cruz” – Este passo levou Cristo ao mais baixo ponto de Sua condescendência. Podemos pensar que teria sido suficiente que Ele morresse, mas padecer uma morte de vergonha na cruz é realmente inconcebível. Ele foi injustamente acusado de praticar o mal e condenado à morte (Mt 26:59-66). Foi então despido (Sl 22:17-18), pregado a uma cruz romana (Sl 22:16), e deixado para morrer (Sl 22:19-21a). Não poderia haver nada mais humilhante.

O Senhor poderia ter morrido de alguma outra forma em que Sua dignidade tivesse sido preservada, e haveria, diante do mundo, honra e glória conectadas a ela. Mas não, Ele morreu em “fraqueza” (2 Co 13:4) e em “vergonha” (Hb 12:2 - JND) no lugar de um criminoso! (Lc 23:32-33) Esse é o melhor exemplo de humildade. Ele estava disposto a Se rebaixar a tal ponto que morreria despido em uma cruz, e isso para que Ele pudesse ser uma bênção para os outros!

Perguntamo-nos em Tua mente humilde,

E dispostos gostaríamos de Contigo estar,

E todo o nosso descanso e prazer encontrar

Ao aprender, Senhor, de Ti.

Hinário “Little Flock” nº 230

Novamente, o grande ponto a ser visto nesses versículos é que o Senhor desceu esses passos por vontade própria. Ele o fez voluntariamente! Paulo O colocou diante de nós como nosso grande Padrão de humildade. No exemplo de Cristo, temos o segredo do livramento de todo egocentrismo e disputas carnais que causam desunião na assembleia. Se o mesmo sentimento desprendido do Senhor estivesse “entre” os santos, e cada um não pensasse tanto em si próprio e em manter seu lugar ou posição na assembleia a qualquer custo, mas voluntariamente assumisse o lugar abaixo, a contenda e a disputa nunca se iniciariam. O “sentimento [A mente]” (atitude) de Cristo está em direto contraste com o espírito de importância própria que é evidente entre os homens em todos os lugares. Ele desceu mais, mais e mais. Estamos dispostos a fazer isso? Colocando isso no contexto do que está diante de nós no exemplo de Cristo, se estivéssemos dispostos a ir tão longe como morrer por nossos irmãos, é improvável que fôssemos achados brigando com eles!

Lembro-me de ter ouvido falar de um homem que estava viajando em um desfiladeiro nos Andes com sua mula totalmente carregada. A estrada era extremamente estreita, o suficiente para apenas um viajante de cada vez. A estrada era esculpida na montanha com um precipício íngreme do lado. Ele seguiu em frente, uma curva após outra. Quando chegou a uma curva, o que você acha que ele viu? Outro homem com sua mula totalmente carregada olhando para ele! O que eles iam fazer? Os dois homens discutiram as possibilidades. Perguntaram um ao outro se podiam se lembrar da distância de algum lugar onde o caminho se alargava para que dois pudessem passar. Talvez eles pudessem conduzir os animais até aquele ponto. Outra ideia era descarregar os animais. Mas enquanto os homens discutiam, as duas mulas resolveram o problema. Uma ficou de joelhos e chegou o mais perto possível da montanha, então a outra passou por cima dela! Resolver um impasse entre os irmãos é simples assim. Se ocorrer, precisamos ser os primeiros a descer e ocupar o lugar abaixo, deixando os outros passarem por cima de nós.

A Exaltação de Cristo

Vs. 9-11 – Agora temos a resposta de Deus à grande condescendência de Cristo – Sua exaltação. Parece que Paulo estava com pressa para chegar a isso. Ele não queria terminar com a triste passagem da morte de vergonha de Cristo e, portanto, se apressa em completar o assunto com a gloriosa exaltação de Deus de Seu Filho. Ele diz: “Pelo que também Deus O exaltou soberanamente, e Lhe deu um nome que é sobre todo o nome; Para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na Terra, e debaixo da Terra [seres do inferno - JND], E toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai”. Assim, temos dois extremos – extrema humilhação respondida por extrema exaltação. A exaltação de Cristo é o cumprimento do Salmo 110:1: “Assenta-Te à Minha mão direita, até que ponha os Teus inimigos por escabelo dos Teus pés”. Filipenses 2:9-11 não tem em vista o Senhor exaltado àquela posição pelo que realizou na expiação, porque isso não é o assunto da passagem. Hebreus 10:12-13 concentra-se nesse lado da Sua exaltação. Antes, Cristo é visto aqui exaltado no alto como sinal de aprovação de Deus de Sua grande humildade e obediência até a morte. Cristo está ali sentado justamente por causa de Sua igualdade com Deus. Seu nome na Humanidade (“Jesus”) é usado para enfatizar o fato de que Ele está lá como um Homem glorificado. “Um nome que é sobre todo o nome” não se refere a nenhum nome em particular do Senhor, mas sim significa ter-Lhe sido dado o lugar mais alto no céu.

Paulo fala de três esferas de seres que reconhecerão a autoridade de Cristo – “dos que estão nos céus, e na Terra, e debaixo da Terra [seres do inferno]”. Aqueles “debaixo da Terra” não são uma raça de seres subterrâneos, mas “seres do inferno”. Estes são homens impenitentes e anjos caídos condenados. Eles não eram seres infernais quando Deus os criou, mas tornaram-se por causa de rebelião (Apocalipse 5:13 fala de criaturas “debaixo da Terra”, mas isso se refere a criaturas que vivem abaixo da crosta da Terra, como toupeiras, vermes, etc.). O que Paulo está apontando ao mencionar essas três esferas de seres é que Cristo, cuja autoridade foi desprezada pelos homens quando Ele estava na Terra, um dia fará com que todas as criaturas dobrem o joelho a Ele (Is 45:23). Haverá uma inversão completa. Eles se curvarão a Ele como um Homem glorificado!

Ao dizer “se dobre todo o joelho” e “toda língua confesse”, Paulo não quis dizer que finalmente todas as criaturas de Deus serão salvas. Esta é uma doutrina errônea conhecida como Universalismo. A subjugação é uma coisa e a reconciliação é outra. Quando a reconciliação está em vista, ele fala de duas esferas apenas – céu e Terra (Cl 1:20). Mas quando é a subjugação que está em vista, três são mencionadas – a terceira esfera refere-se aos “seres do inferno”. Essas almas perdidas nunca serão reconciliadas.

A grande coisa que devemos aprender dessa passagem que tem a ver com a exaltação de Cristo é que a verdadeira humildade terá uma compensação divina. O próprio Senhor ensinou: “Porque qualquer que a si mesmo se exalta será humilhado, e qualquer que a si mesmo se humilha será exaltado” (Lc 18:14). Deus toma nota de tudo o que o Seu povo faz ao humilhar-se em favor dos outros. Isso não será esquecido, e todos esses terão uma recompensa “naquele dia” da manifestação vindoura (2 Tm 1:12). O apóstolo Pedro disse: “Humilhai-vos pois debaixo da potente mão de Deus, para que a Seu tempo vos exalte” (1 Pe 5:6).

A Salvação Prática da Assembleia

Vs. 12-14 – Paulo então se volta para a aplicação prática dessas coisas entre os filipenses. Como mencionado, o inimigo (Satanás) havia mirado aquela assembleia e estava decidido a destruí-la por meio de conflitos internos. Paulo, portanto, diz: “De sorte que, meus amados, assim como sempre obedecestes, não só na minha presença, mas muito mais agora na minha ausência, assim também operai a vossa salvação com temor e tremor; Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a Sua boa vontade. Fazei todas as coisas sem murmurações nem contendas”. A assembleia em Filipos precisava ser salva dos desígnios malignos do inimigo. Paulo lhes dera o remédio – a condescendência de Cristo. Agora, com a ajuda de Deus, cada um deles deveria imitar o exemplo de humildade de Cristo e, assim, “operar” uma “salvação” prática das lutas internas que estavam enfrentando. Como Paulo estava longe na prisão, não poderia estar lá para ajudá-los, e isso significava que não poderiam procurar por ele para libertação. Eles tinham que olhar para o Senhor e encontrar uma solução piedosa entre eles para o que estava ameaçando a unidade da assembleia. Isso era algo que deveriam fazer como uma assembleia, pois o pronome “vós” é coletivo. Paulo estava confiante que fariam isso porque sabia que Deus estava trabalhando neles tanto “o querer como o efetuar” o que era agradável aos Seus olhos.

Podemos estar inclinados a pensar que era uma pena que Paulo não estivesse lá para ajudar. Mas aqui está a sabedoria de Deus. Os santos tendem a se inclinar demais para líderes e homens dotados de dons. Como resultado, se tornam dependentes deles, e isso pode se tornar prejudicial ao seu desenvolvimento espiritual. Esta pode ser uma das razões pela qual Deus ocasionalmente leva um homem dotado, seja por meio de sua morte ou por mudar-se para uma localidade diferente. Sem Paulo lá em Filipos, os irmãos se voltaram para o Senhor. Este é sempre um exercício saudável. Ter um apóstolo presente certamente era um benefício para os santos (cap. 1:24), mas Deus pretendia que essas posições oficiais na Igreja fossem eliminadas gradualmente após o primeiro século. Depois que a Igreja recebeu as Escrituras do Novo Testamento, esperava-se que os santos se desenvolvessem espiritualmente, o suficiente para que olhassem diretamente para o Cabeça da Igreja, em vez de apoiarem-se em apóstolos, anciãos ordenados, etc.

Em relação à “salvação” em vista aqui, é comumente pensado que Paulo estava dizendo aos filipenses que precisavam obter a salvação de suas almas da pena de seus pecados (a qual receberam por crer no Senhor Jesus) operada em suas vidas na prática como uma evidência de que foram verdadeiramente salvos. Então as pessoas veriam que eram Cristãos verdadeiros. Embora isso seja certamente uma coisa a ser desejada, não é o que Paulo estava dizendo aqui. Esse mal-entendido vem de pessoas tentando forçar um significado de salvação em cada passagem da Escritura que menciona a salvação. Conforme observado no capítulo 1:19, o Sr. Kelly disse que a maioria das referências relacionadas à salvação no Novo Testamento não se refere ao seu aspecto eterno apresentado no evangelho. O aspecto da salvação em vista em cada passagem, portanto, deve ser determinado pelo seu contexto.

Um artigo no periódico, Precious Things, explica o significado de “salvação” neste versículo 12: “Este versículo tem sido mal interpretado como se dissesse, operai para a salvação, enquanto o que ele diz é ‘operai a vossa salvação’. Penso que o versículo se refere às dificuldades que estavam presentes no grupo em Filipos, em vez de ser algo individual. Tem sido apontado que o verbo está no plural, e quando ele diz ‘vossa’ aparentemente tem em mente as dificuldades na assembleia localmente… Salvação como referido nesta passagem não é a salvação da alma, que é obtida por meio da fé em nosso Senhor Jesus Cristo, é a salvação diária em relação às muitas dificuldades que nos cercam em nosso caminho. Está se tornando mais óbvio, à medida que seguimos essa epístola, que a desunião os estava marcando, e é disso que precisavam ser salvos. Isto parece sugerir que o caminho da salvação para sair das dificuldades consistia em a parte contenciosa decrescer em relação ao ego” (Precious Things, vol. 5, págs. 263-264).

H. A. Ironside disse: “Não há assembleia de santos na Terra que, mais cedo ou mais tarde, não venha ter suas dificuldades internas, e o conselho ou mandamento aqui dado [em Filipenses 2] se aplica exatamente a esses casos. É a maneira de Deus para que assembleias sejam corrigidas a partir de dentro, por julgamento próprio em Sua presença e submissão à Sua Palavra… Nos versículos 12-16 vemos este operar da salvação da assembleia demonstrada praticamente” (Notes on Philippians, págs. 50-52) .

W. MacDonald disse: “Eles foram afligidos por disputas e conflitos. O apóstolo lhes dera o remédio que era cada um ter a mente de Cristo. Assim, eles poderiam ‘operar’ sua ‘própria’ salvação ou a solução de suas dificuldades. A ‘salvação’ dita aqui não é a da alma, mas o livramento das ciladas que impediria o Cristão de fazer a vontade de Deus… A salvação tem muitos significados diferentes no Novo Testamento. O significado em qualquer caso particular deve ser determinado em parte, pelo menos, pelo contexto. Nós acreditamos que nesta passagem ‘salvação’ significa a solução do problema que estava conturbando os filipenses, isto é, suas contendas” (Believer’s Bible Commentary, pág. 1.968).

F. B. Hole disse: “Os perigos de fora os ameaçavam, e havia esta sutil dissensão interna os ameaçando. Deixe-os procurar ter e manifestar, com energia redobrada, a mente que estava em Cristo Jesus. Assim eles estariam operando sua própria salvação de tudo o que os ameaçava” (Philippians, pág. 74).

A. M. Gooding disse: “Opere sua própria salvação com ‘temor e tremor’. Salvação de que? Salvação de contenda, porque o avanço do evangelho é impedido quando vem a contenda” (The 13 Judges, pág. 95).

S. Maxwell disse: “O apóstolo está como que dizendo aqui, eu estou ciente de seus problemas internos e eu lhes dei um exemplo a seguir (2:5-7); agora operem sua própria salvação como uma assembleia. A palavra claramente indica que eles precisavam ser salvos daquilo que, no final, seria destrutivo para o testemunho, se não se movessem para acabar com a sua contenda” (Philippians, pág. 210).

Enquanto os filipenses estavam indo bem em geral, é evidente que o inimigo esteve plantando sementes de discórdia entre eles, e Paulo ligou isso a duas irmãs que não estavam se dando bem (cap. 4:2). Se isso não fosse resolvido, o problema cresceria e a paz e o bem-estar daquela assembleia seriam comprometidos. É como se Paulo dissesse: “Eu os exortei a serem de uma mente, cada um estimando o outro melhor do que a si mesmo, e também lhes dei o exemplo perfeito na humildade do Senhor Jesus. Assim, vocês têm o remédio para o problema em seu meio, agora ‘operai a vossa salvação com temor e tremor’ entre vocês”. Podemos perguntar: “Como exatamente devemos fazer isso?” Um bom lugar para começar é orar pelo bem e pela bênção de cada irmão e irmã na assembleia – e especialmente por aqueles com os quais é difícil de se conviver. Se um impasse ocorrer na assembleia, seja o primeiro a descer e a consentir. Se a consciência nos diz que ofendemos, seja rápido em pedir desculpas apropriadamente.

Devemos fazer essas coisas com “temor”, porque sabemos que há um inimigo sempre presente à espreita, procurando uma posição em algum lugar. E também, deve ser feito com “tremor”, porque todos temos a carne em nós, e isso significa que podemos ser aquele que o inimigo pode usar para destruir a assembleia. (Certamente não é “tremor” na esperança que temos da salvação eterna de nossas almas, porque esse aspecto da salvação não é o assunto aqui.) Visto que o coração humano é tão enganoso (Jr 17:9), muitas vezes, aqueles que são usados pelo inimigo desta maneira, pensam que estão fazendo a coisa certa para a glória de Deus! Estando em tal estado confuso, é difícil convencê-los do contrário.

O Castiçal Queima Mais Brilhantemente

Vs. 15-16 – Isso nos leva à conclusão da exortação de Paulo a respeito da salvação prática da assembleia. Ele diz: “Para que sejais irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis no meio duma geração corrompida e perversa, entre a qual resplandeceis como astros no mundo; Retendo a palavra da vida, para que no dia de Cristo possa gloriar-me de não ter corrido nem trabalhado em vão”. Isto mostra que se o problema interno entre os filipenses fosse corrigido, o inimigo seria derrotado em sua tentativa de desunir aquela assembleia. Como resultado, o testemunho Cristão naquela região brilharia mais intensamente. A assembleia de Filipos se tornaria um testemunho vivo e brilhante naquela comunidade, e o evangelho soaria de maneira mais distinta e eficaz. Assim, julgar o que está impedindo a unidade dentro de uma assembleia faz com que o castiçal queime com mais intensidade. Isso é ilustrado em tipo, na responsabilidade dos sacerdotes de avivar regularmente o castiçal no tabernáculo com “seus espevitadores e os seus apagadores” (Êx 25:38). Estes instrumentos eram usados para remover os pedaços queimados de pavio, etc., que impediam a chama de queimar como deveria. Assim, usar os espevitadores e apagadores fala de julgamento próprio.

Se quisermos bênção no evangelho e pessoas acrescentadas à assembleia local, isso começa tendo-se um testemunho unificado em relação àqueles na comunidade. G. Davison disse: “O caráter do grupo baseia-se na manutenção da Palavra da vida. Embora a pregação do evangelho em nossas salas de reuniões seja um exercício individual, pois a assembleia não prega (embora deva ser feita em comunhão com os irmãos), o pregador não terá muita liberdade ou bênção se estiver pregando no meio de um grupo desunificado. Devemos lembrar que aqueles a quem pregamos são bastante sensíveis para verem se há um caráter correto no grupo ou naqueles que pregam o evangelho” (Precious Things, vol. 5, pág. 267).

Paulo não lhes disse para tentar endireitar este pobre mundo tortuoso e deixá-lo certo, mas para “resplandecer como astros” nele. Nós temos as duas partes do testemunho do Cristão aqui. Há o nosso resplendor como “astros”, que é o testemunho prestado por nossas vidas (Mt 5:14-16), e existe o “Retendo a palavra da vida”, que é o testemunho de que falamos no evangelho. Quanto mais escuro o mundo fica, moral e espiritualmente, mais brilhante deve ser o nosso testemunho. “Astros” está no plural, mostrando que cada um de nós tem uma responsabilidade neste testemunho.

Paulo então fala de sua parte no crescimento e progresso dos filipenses, e antecipou o regozijo no “dia de Cristo” (o Milênio), quando os resultados da fé deles seriam manifestados diante de todos, e seu trabalho seria mostrado como não tendo sido em vão. Claramente, Paulo viu o progresso deles como um reflexo de seu trabalho com eles.

Três Exemplos de Abnegação Própria Semelhantes a Cristo

Vs. 17-30 – Na segunda metade do capítulo 2, o Espírito de Deus dirige nossa atenção para três homens (Paulo, Timóteo e Epafrodito) que exibem a mente humilde de Cristo nas circunstâncias de suas vidas. É oportuno que esses três servos sejam trazidos aqui, pois alguns podem olhar para o exemplo perfeito de Cristo em Sua abnegação própria e inclinar-se a pensar que isto é um padrão inatingível, visto que Ele é Deus manifesto em carne e nós somos nada, senão meros mortais. O Espírito de Deus parece antecipar isso e volta nossa atenção para “homens.. sujeitos às mesmas paixões” como nós mesmos (At 14:15) e mostra que isso certamente pode ser feito, se houver um exercício piedoso.

O Exemplo de Paulo (vs. 17-18)

Com Paulo, vemos uma demonstração viva de sua afirmação: “Cada um considere os outros superiores [mais excelente do que] a si mesmo” (v. 3). Ele usa a figura de uma oferta de bebida, que empresta do sistema Levítico do Velho Testamento, para ilustrá-lo. Uma oferta de bebida era uma libação que era acrescentada a um sacrifício que um ofertante levava a Deus (Êx 29:40-41). Ele diz: “E, ainda que seja oferecido por libação sobre o sacrifício e serviço da vossa fé, folgo e me regozijo com todos vós. E vós também regozijai-vos e alegrai-vos comigo por isto mesmo”. Paulo fala de seu serviço para o Senhor como uma oferta de bebida sendo “derramada” (JND) sobre “o sacrifício” dos filipenses – uma alusão à comunhão deles com o evangelho, expressada na oferta que eles lhe enviaram. Na verdadeira humildade e graça modesta, ele vê sua vida e serviço como sendo um mínimo acréscimo ao sacrifício deles para o Senhor. Ele maximiza o serviço deles e minimiza o seu próprio, e assim estima sacrifício e serviço deles como sendo “melhor” (KJV) e “mais excelente” (JND) do que o seu.

Gideão fez o mesmo com os Efraimitas na vitória de Israel sobre os Midianitas (Jz 8:1-3). Ele falou da parte dos Efraimitas na batalha que foi tal como um recolher de uvas após a colheita (quando catam quaisquer sobras de uvas das videiras) como sendo maior do que toda a colheita de Abiezer – a vindima de Gideão. Ao fazer isso, sua “resposta branda” desviou o furor deles (Pv 15:1).

Como Paulo não sabia como sua vida terminaria, ele usa a palavra “se” (JND). Ela poderia muito bem acabar em martírio; ele não sabia. Se este fosse seu destino, ficaria feliz, e se “regozijaria”, porque partiria para estar com Cristo. Ele não queria que os filipenses olhassem para isso como uma tragédia se tivesse de acontecer, mas queria que eles se “regozijassem” com ele.

O Exemplo de Timóteo (vs. 19-24)

Com Timóteo, vemos a exemplificação da exortação de Paulo a ser de um “mesmo ânimo, sentindo uma mesma coisa” (v. 2). Ele tinha “igual sentimento” que Paulo no serviço do Senhor (v. 20). Igual sentimento significa estar unido em alma, tendo os mesmos desejos. Quando se tratava de todas as coisas que pertencem à glória do Senhor, Paulo e Timóteo eram um. Isso é maravilhoso de se ver, pois nem sempre é assim (At 15:36-41). Ele diz: “E espero no Senhor Jesus que em breve vos mandarei Timóteo, para que também eu esteja de bom ânimo, sabendo dos vossos negócios. Porque a ninguém tenho de igual sentimento, que sinceramente cuide do vosso estado. Porque todos buscam o que é seu, e não o que é de Cristo Jesus”.

Timóteo era uma pessoa singular e valiosa na obra do Senhor. Ele se importava com o estado do povo de Deus e estava disposto a dar sua vida para ajudá-los. Esta é uma marca de um verdadeiro pastor de ovelhas. Paulo pretendia enviar Timóteo aos filipenses e esperava que ele fosse capaz de unir os corações dos santos naquela assembleia e, assim, ajudá-los a dissipar a crescente dissensão. Paulo deu aos filipenses sua recomendação de Timóteo, afirmando que eles mesmos haviam conhecido “a prova dele” (JND) em seu ministério, pois havia servido com Paulo no evangelho por cerca de 10 anos naquela época (v. 22). Paulo não tinha outro servo com ele, a quem pudesse enviar para fazer esse trabalho, pois os santos em geral tornaram-se ocupados com seus próprios interesses na vida. Paulo relatou: “Porque todos buscam o que é seu, e não o que é de Cristo Jesus”. O Senhor falou disso como “os cuidados, e riquezas e deleites da vida” (Lc 8:14). Essas coisas podem ser usadas pelo inimigo para desviar nosso foco do serviço ao Senhor. Timóteo foi uma exceção à ordem do dia.

Paulo estava esperando pelo resultado de seu apelo a César, e então enviaria Timóteo aos filipenses (v. 23). Nesse meio tempo, Epafrodito seria enviado com a carta de Paulo.

O Exemplo de Epafrodito (v. 25-30)

Com Epafrodito, temos uma demonstração viva da exortação de Paulo: “Não atente cada um para o que é propriamente seu, mas cada qual também para o que é dos outros” (v. 4). Nós vemos a sabedoria de Deus em mencionar Epafrodito aqui. Os filipenses poderiam ter dito: “Paulo, é compreensível que você possa imitar a graça de Cristo – você é um apóstolo e Timóteo é um vaso especial levantado por Deus. Mas nós somos apenas Cristãos normais; pedir que imitemos a Cristo dessa maneira é um padrão muito elevado”. Se alguém estava inclinado a pensar isso, o Espírito de Deus traz aqui Epafrodito como outro exemplo de alguém que tinha a mente de Cristo. Ele era um filipense a quem conheciam bem. Ele era um homem sem um dom extraordinário, mas ainda assim exibia claramente a mente humilde de Cristo. Isso nos mostra que um Cristão mediano – até mesmo um bebê em Cristo – pode fazê-lo. Uma pessoa não precisa ter dons ou ser especialmente bem ensinada nas Escrituras para ser semelhante a Cristo.

Epafrodito foi o “enviado” que levou a oferta dos filipenses a Paulo (v. 25). Ele ficou doente no caminho. De fato, ele quase morreu, mas Deus teve misericórdia dele e o restaurou em boa saúde novamente (v. 27). Ao realizar este serviço simples, vemos que estava mais interessado em ajudar os outros do que em agradar a si mesmo. Nisto, ele imitou o Senhor Jesus, pois as Escrituras dizem que “Cristo não agradou a Si mesmo” (Rm 15:3).

Tendo chegado a Roma com a oferta dos filipenses, Epafrodito foi de ajuda a Paulo atendendo suas necessidades (v. 25). Essas seriam atividades simples que um ajudante faria em relação às coisas temporais. Temos a tendência de considerar esse serviço como insignificante, mas é impressionante e instrutivo ver como Paulo fala desse humilde mensageiro. Paulo o coloca na condição de igualdade a si mesmo, chamando-o de “irmão” na fé, de “cooperador” no evangelho e de “companheiro nos combates” deles com inimigos espirituais. Isso mostra que Paulo não se considerava melhor ou mais importante que Epafrodito. Isso demonstra como devemos nos ver uns aos outros. Se houvesse mais dessa graça em nossas interações uns com os outros, haveria menos atrito para iniciar disputas.

Sendo um indivíduo tão abnegado, Epafrodito estava mais preocupado com a tristeza dos filipenses por ele do que com sua própria doença! Ele estava “muito angustiado”, não porque tinha estado doente, mas porque ouvira dizer que estavam tristes por ele (v. 26). Ele não queria que estivessem ocupados com ele; toda essa ansiedade só distrairia os santos de sua ocupação com o Senhor. Muitas vezes, quando estamos doentes, tudo em que podemos pensar é sobre nós mesmos, mas não Epafrodito; ele estava pensando neles, não em si mesmo! Ele era verdadeiramente alguém que não olhava para o que era “propriamente seu”, mas para o que era “dos outros” (v. 4). Estando pronto para retornar à sua assembleia em Filipos, Paulo enviou esta carta de agradecimento com ele.

CRISTO – O PRÊMIO DA VIDA CRISTÃ

Capítulo 3

O capítulo 3 é um parêntese (J. N. Darby, Notes and Jottings, pág. 209). Antes de continuar suas exortações em conexão com a unidade na assembleia no capítulo 4, Paulo desvia-se um pouco para falar da força motivadora que leva o Cristão ao longo do caminho da fé. Ele explica neste terceiro capítulo que o que dá ao Cristão a energia para andar nesse caminho e fazer a vontade de Deus é ter Cristo em glória como nosso único Objeto na vida.

É interessante que Paulo não exorta exatamente os filipenses a buscarem a Cristo em glória, mas fala disso a partir da perspectiva de sua própria experiência. Ele lhes diz o que ter Cristo como seu Objeto fez em sua vida e que isso continuava fazendo em seu dia a dia. Assim, todos os que leem esta epístola têm a oportunidade de ver o que o motivou a viver pela causa de Cristo. Ele também nos diz que essa mesma energia será encontrada em nós se “sentirmos o mesmo” que ele na busca de Cristo (v. 15).

Paulo nos deu o Padrão para a vida Cristã no capítulo 2 – o caminho humilde de Cristo neste mundo. Agora, no capítulo 3, ele nos aponta para o Objeto da vida Cristã – Cristo exaltado em glória. Ambas as coisas são necessárias se quisermos derrotar o inimigo em sua tentativa de destruir a assembleia a partir de dentro. No capítulo 2:3, Paulo declarou que as assembleias são destruídas por “contenda” e “vanglória”. No capítulo 2, nos mostrou como a contenda pode ser vencida – cada um na assembleia tendo uma mente mirando para baixo. Agora, no capítulo 3, ele nos mostra como a vaidade (importância própria) pode ser vencida – cada um na assembleia tendo uma mente mirando para o alto. Fixar nosso olhar na grandeza de Cristo em glória livra a alma de todo pensamento de importância própria. Olhando para a Sua grandeza e glória, vemos quão pequenos realmente somos! Já que nenhuma carne pode se gloriar em Sua presença (1 Co 1:29), aqueles que despendem lá seu tempo não estarão pensando em si mesmos mais do que deveriam pensar (Rm 12:3).

Cristo em humilhação e Cristo em exaltação é ilustrado tipicamente no Velho Testamento em dois alimentos que Deus deu aos filhos de Israel – o “maná” (Êx 16) e “trigo da terra do ano antecedente” (Jz 5:12). O maná desceu do céu e repousou no orvalho que caiu no deserto; as pessoas o recolheram e o comeram. Isto tipifica a condescendência de Cristo como um Homem humilde neste mundo, como visto no capítulo 2 (Jo 6:31-35, 47-51). Ao meditar em Seu caminho humilde, assimilamos Sua perfeição moral e isso produz semelhança moral em nós. O trigo da terra do ano antecedente é o que Israel comeu depois que atravessaram o rio Jordão e entraram na terra de Canaã. Cruzar o Jordão tipifica a identificação do crente com a morte e ressurreição de Cristo. Canaã tipifica os lugares celestiais onde Cristo está agora, tendo sido ressuscitado por Deus de entre os mortos e estando sentado à Sua direita (Jo 12:24; Ef 1:20). Assim, comer trigo da terra fala de se alimentar de Cristo em meditação, pois Ele está agora no alto como um Homem glorificado. Cristo como o Maná é encontrado nos quatro Evangelhos e Cristo como Trigo é encontrado nas Epístolas. (Há algumas exceções, como Filipenses 2).

Neste terceiro capítulo, demonstrado na própria experiência de Paulo, vemos a energia que conduz o Cristão por este mundo. A nova vida em nós precisa de um Objeto, e Deus o providenciou em Cristo, no alto em glória (2 Co 3:18; Hb 2:9, 12:2). A pessoa que entende isso, e que faz d’Ele o seu único Objeto, não será apenas cheia de gozo, mas também cheia de energia espiritual. De tempos em tempos, ouvimos sobre Cristãos a serviço do Senhor falando que estão “esgotados”. Com o que está diante de nós neste capítulo, isso nunca deveria acontecer. Se um Cristão perde sua energia no caminho da fé e do serviço, é porque tirou os olhos do Senhor em glória. Ele perdeu seu foco em Cristo, e com isso vem uma perda de energia e uma perda de gozo na alma – e o desânimo não estará muito distante.

Regozijando-se no Senhor

V. 1 – No capítulo 2, Paulo antecipou que os santos de Filipos se “regozijariam” na feliz circunstância de Epafrodito haver se recuperado de sua doença, quando as notícias chegassem até eles (cap. 2:28-29). Isso é adequado e bom, pois certamente não há nada de errado em regozijar-se em nossas circunstâncias quando coisas felizes e favoráveis ocorrem. Mas Paulo agora lhes aponta um tipo mais elevado de gozo – gozo “no Senhor!” Ele diz: “Resta, irmãos meus, que vos regozijeis no Senhor”. Esse tipo de gozo não é resultado de se estar em circunstâncias favoráveis, mas é nosso, por meio da comunhão com o Senhor e comprometimento com os Seus interesses. Se nosso gozo deriva do que temos em Cristo, seremos capazes de nos regozijar mesmo em circunstâncias difíceis e de provações, porque nosso gozo se baseia em coisas que são mais elevadas que as coisas desta vida. É por isso que os Cristãos podem passar por profundas provações e ainda manter seu equilíbrio espiritual, e realmente ter paz em tais ocasiões. Assim, estes são dois tipos diferentes de regozijo – regozijando-se em nossas circunstâncias e regozijando-nos nas coisas acima de nossas circunstâncias. Nem sempre podemos ter circunstâncias favoráveis para nos regozijarmos – porque algumas coisas na vida são tristes e ruins – mas podemos sempre “nos regozijar no Senhor”.

Paulo então diz: “Não me aborreço [não me é incômodo – JND] de escrever-vos as mesmas coisas, e é segurança para vós”. Ele não daria desculpas por despender tempo lembrando os filipenses do fato de que há perigos espirituais no caminho, porque sabia quão traiçoeiros eram os ataques do inimigo. Era em vista da segurança deles que repetiria o que já lhes ensinara sobre esses perigos. Eles precisavam ser avisados dos esforços dos mestres judaizantes que estavam se movendo, procurando levar os santos à servidão. Vemos a partir disto que Paulo não estava interessado apenas na salvação deles (cap. 2), mas também em sua segurança (cap. 3). O culpado no capítulo 2 que impediria a salvação prática era a disputa interna. O culpado no capítulo 3, que rouba dos santos o gozo de buscar a Cristo em glória, é o ensino subversivo que encoraja a busca de coisas terrenas. Isso mostra que o servo do Senhor nunca deve ter medo de ser repetitivo em seu ministério, se necessário.

Um Triplo Aviso Contra Mestres Judaizantes

Vs. 2-3 – Paulo então adverte os filipenses de uma linha de falso ensino que havia chegado que, se ouvida, impediria a busca dos santos por Cristo em glória e seu regozijo n’Ele. Aqueles que estavam propondo este ensinamento maligno eram judeus não convertidos que haviam se infiltrado na profissão Cristã. J. N. Darby disse que o ensino deles era uma “mistura de princípios judaizantes com a doutrina de um Cristo glorificado. Foi de fato para destruir esta última e restabelecer a carne (isto é, pecado e alienação de Deus) em seu lugar” (Synopsis of the Books of the Bible, edição de Loizeaux, vol. 4, pág. 510). Isso era um falso ensino embrulhado de tal maneira que uma pessoa desavisada poderia pensar que era a verdadeira doutrina Cristã. Mas seu grande efeito foi afastar de Cristo no alto, o foco dos santos, e assim tirar o chamado e o caráter celestiais do Cristianismo e torná-lo uma mera religião terrena. Tendo vindo de uma origem judaica, esses homens tiveram uma vantagem inicial sobre os gentios recém-convertidos. Eles estavam familiarizados com as Escrituras do Velho Testamento às quais os gentios não haviam sido expostos. Essas pessoas falsas se aproveitaram disso e assumiram o papel de mestres, e assim introduziram suas doutrinas errôneas.

Paulo descreve esses mestres judaizantes de três maneiras. Todas as três coisas se referem ao mesmo grupo de homens. Ele diz:

1) “Guardai-vos dos cães” (v. 2a) – Refere-se à verdadeira posição desses homens em relação a Deus. Eles nunca tinham nascido de novo nem foram selados com o Espírito Santo, e assim, não sendo convertidos, estavam fora da companhia Cristã. O termo “cão” foi usado entre os judeus para descrever os gentios impuros que estavam fora da nação favorecida de Israel, que estava num relacionamento de aliança com Deus (Sl 22:16, 20, 59:6, 14, 68:23; Mt 7:6; 15:26-27; Ap 22:15). Mas Paulo inverte o termo aqui e o usa para descrever judeus não convertidos que eram impuros por não terem seus pecados lavados no sangue de Cristo. No Cristianismo, eles é que eram os “cães” e que estavam fora da comunhão dos santos. Paulo não foi o primeiro a usar o termo para descrever os israelitas; o profeta Isaías falou do atalaia sem fé em Israel como tal (Is 56:10-11).

2) “Guardai-vos dos maus obreiros” (v. 2b) – descreve o trabalho desses mestres judaizantes. Seus esforços eram para doutrinar os santos com seus falsos ensinos.

3) “Guardai-vos da circuncisão” (v. 2c) – “Concisão” é um termo de escárnio (provavelmente criado pelo próprio Paulo) para descrever o verdadeiro caráter e efeito do ensino desses judaizantes. Esses homens se gloriavam de ter a marca externa da circuncisão em sua carne, mas rejeitaram o que simbolizava internamente o corte completo da carne diante de Deus na morte de Cristo (Cl 2:11). A palavra significa literalmente “contra o cortar fora”. (“Con” significa “contra” e “cisão” significa “cortar fora”). É um corte na carne, mas não vai tão fundo a ponto de cortar fora a carne em um sentido prático. Está em contraste com o que fala a “circuncisão”, que é um corte completo da carne. Por isso, “a concisão” eram os mestres judaizantes que se opunham ao corte da carne na prática. Por isso, esses judaizantes acreditavam no cortar fora das formas mais grosseiras da carne, mas ainda encorajavam a busca de coisas carnais – tais como: grandeza religiosa, fama mundana, ganho monetário, etc.

O ensino judaizante é um problema na Igreja hoje? Definitivamente é; ele permeou a profissão Cristã em geral. H. Smith disse: “As palavras do apóstolo têm, certamente, uma advertência especial para nós nestes últimos dias, quando este ensinamento judaizante, que era um perigo para a Igreja primitiva, se desenvolveu na Cristandade tornando-se uma mistura corrupta de judaísmo e Cristianismo. O resultado é que surgiu uma vasta profissão em que formas e cerimônias tomaram o lugar de adoração pelo Espírito… tendo se formado a partir do padrão judaico, a Cristandade tornou-se uma imitação do arraial judaico (Hb 13:13)” (The Epistle to the Philippians, pág. 17). Assim, o ensino que instrui os Cristãos a adorar a Deus segundo os princípios da ordem judaica, que encoraja a busca de coisas do mundo e o ganho terrenal, é um ensino judaizante.

Uma Tripla Descrição do Verdadeiro Cristianismo

V. 3 – Em contraste com o que os mestres judaizantes estavam apresentando, Paulo descreve o que é o verdadeiro Cristianismo. Ele dá a sua essência em três declarações distintas. Se nos perguntassem o que realmente é o Cristianismo, esse terceiro versículo daria a resposta. Paulo diz: “Porque a circuncisão somos nós, que servimos a Deus em [pelo – JND] Espírito, e nos gloriamos em Jesus Cristo, e não confiamos na carne”. Cada Pessoa na Divindade é mencionada aqui como tendo uma parte integral nesta nova ordem espiritual de coisas. Assim, o verdadeiro Cristianismo envolve a revelação da Trindade – o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

Paulo diz: “a circuncisão somos nós**”**. Ao afirmar isso, estava falando de forma representativa de toda a companhia Cristã como está diante de Deus. Esta foi uma nova maneira de usar a palavra **“circuncisão”**, pois é geralmente usada nas Escrituras para significar a nação de Israel (At 10:45, 11:2; Rm 15:8; Gl 2:7-9, 12; Cl 4:11; Tt 1:10) como separada dos gentios, que são denominados **“a incircuncisão”** (Gl 2:7; Ef 2:11). Paulo não está se referindo ao rito externo da circuncisão aqui, mas está usando a palavra em um sentido simbólico. Sendo que a circuncisão literalmente significa _“cortar fora completamente”_, Paulo estava usando isso para indicar o que os crentes no Senhor Jesus Cristo, pela fé em Sua morte, tinham aceitado o corte completo e, portanto, o completo fim do homem na carne diante de Deus. (Rm 8:3; Cl 2:11). Isto também significa uma vida que é separada da atividade da carne para Deus na prática.

Três coisas que descrevem o Cristianismo em sua essência são:

1) Nós “servimos a Deus em [pelo – JND] Espírito” – a aproximação Cristã a Deus é algo espiritual – “em espírito e em verdade” (Jo 4:24). É um “novo e vivo caminho” que não requer os rituais da religião terrena, como encontrado no judaísmo (Hb 10:19-22). É “novo” porque não é uma versão atualizada ou um complemento do judaísmo e é “vivo” porque a pessoa deve ter uma nova vida (por meio do novo nascimento) para participar dele.

2) “Nos regozijamos [gloriamos – ARC] em Cristo Jesus” (KJV) – o uso por Paulo da expressão “em Cristo Jesus” não deve ser menosprezado aqui. Como mencionado em nossas observações no capítulo 1:1, quando as Escrituras dizem “Jesus Cristo” (Seu nome de Humanidade antes de Seu título), geralmente se refere ao Senhor como tendo vindo do céu para cumprir a vontade de Deus na morte e ressurreição (Rm 15:8, etc.). Mas quando se diz “Cristo Jesus” (seu título antes de seu nome de Humanidade), está se referindo ao Senhor como tendo completado a obra de redenção e voltado ao céu como um Homem glorificado. Visto que a posição do Cristão diante de Deus é “em Cristo Jesus” (Rm 8:1, etc.), e tudo o que ele tem está naqu’Ele Homem glorificado à direita de Deus (Cl 3:1-3), entendemos que o Cristianismo é algo inteiramente celestial. As escrituras indicam que o caráter do Cristão (1 Co 15:48), a habitação (2 Co 5:2), as bênçãos (Ef 1:3), o assento (Ef 2:6), o conflito (Ef 6:10-12), a cidadania (Fp 3:20), a esperança (Cl 1:5), a vocação (Hb 3:1), a possessão (Hb 10:34), o lugar (Hb 12:23), a herança (1 Pe 1:4) e o destino final (2 Co 5:1) são todos celestiais. Isto está em contraste com o judaísmo, que é uma religião terrena. No Cristianismo, não nos gloriamos em Moisés – “nos gloriamos em Cristo Jesus”. Isto é, tudo o que somos e tudo o que temos está no céu e é encontrado naqu’Ele Homem celestial à destra de Deus.

3) “Não confiamos na carne” – Como resultado da aceitação da sentença da condenação de Deus sobre o homem na carne lá na cruz (Rm 6:6, 8:3; Cl 2:11), os crentes no Senhor Jesus Cristo recusam a carne em suas vidas – tanto em um contexto secular quanto em um contexto religioso. Assim, os Cristãos não se envolvem em buscas mundanas que favorecem as inclinações da carne nem perseguem realizações pessoais em religião terrena.

Em resumo, o verdadeiro Cristianismo tem a ver com crentes no Senhor Jesus aceitando a sentença de condenação de Deus sobre a carne e encontrando tudo em Cristo no alto, e tendo o Espírito habitando em si, adoram a Deus espiritualmente, em vez de ser por meio das ordenanças externas e rituais de religião terrena.

O Cristianismo puro, como Paulo estabeleceu no versículo 3, era algo ao qual os mestres judaizantes se opunham. Sendo incrédulos, não tinham uma visão clara do mundo e da carne, e do julgamento de Deus sobre eles. Também não tiveram fé para entender e apreciar a posição do crente diante de Deus “em Cristo Jesus” e nossas bênçãos a Ele associadas, estando Ele ali assentado. Eles viram o Cristianismo como uma oportunidade para “fazer um negócio da Palavra de Deus” (2 Co 2:17 – JND) – isto é, como um empreendimento do qual alguém poderia tirar seu sustento! Eles imaginavam que o Cristianismo era uma religião terrena e era uma mera extensão do judaísmo. Com essa visão falsa do Cristianismo, esses judaizantes encorajaram os crentes a perseguirem as “coisas melhores” da carne, tanto na religião quanto no mundo. A força propulsora de seu ensinamento, em essência, era encorajar os crentes a colocarem sua “confiança na carne”. Eles estavam claramente contra um corte completo da carne na prática, o que a verdadeira circuncisão significa. Assim, esses falsos mestres eram um obstáculo à prática do verdadeiro Cristianismo, e é por isso que Paulo usou essa oportunidade para advertir os santos.

Circuncisão Verdadeira – O Corte Completo da Carne

Vs. 4-7 – Para ilustrar a verdadeira circuncisão, Paulo menciona sua história pessoal. Ele diz: “Ainda que também podia confiar na carne: se algum outro cuida que pode confiar na carne, ainda mais eu, circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus, segundo a lei, fui fariseu, segundo o zelo, perseguidor da igreja, segundo a justiça que há na lei, irrepreensível. Mas o que para mim era ganho reputei-o perda por Cristo”. Ao ouvir isso, os acusadores de Paulo podem tê-lo acusado de estar orgulhoso do que havia desistido pelo Senhor. Mas não foi por isso que Paulo mencionou sua história pessoal. Ele a mencionou por duas razões importantes:

Em primeiro lugar, foi para mostrar que a verdadeira circuncisão envolve um corte completo da carne, o que sua vida demonstra claramente. Deus julgou a carne em sua totalidade na cruz (Rm 6:6, 8:3; Cl. 2:11). Isso incluía as chamadas “boas” coisas que a carne poderia fazer, assim como as coisas “ruins”. Sendo assim, Paulo recusou a carne em todos os aspectos de sua vida, não apenas em suas formas mais grosseiras.

Se houvesse um caso em que se pudesse confiar na carne de uma pessoa para fazer coisas “boas” e agradar a Deus, teria sido em Saulo de Tarso. Sua vida exibia “o melhor da carne”. Sua carne esteva sob cultivo divino desde o nascimento. Ele nasceu sob a lei e foi criado em um relacionamento de aliança com Jeová, e na mais rigorosa seita do judaísmo – os fariseus. No que dizia respeito à sua consciência, ele achava que havia guardado os justos requisitos da Lei de maneira irrepreensível. Em busca de uma vida na religião, ele se esforçou para ser um homem proeminente no judaísmo e ter a aclamação e notoriedade que o acompanhavam. Outros poderiam gloriar-se de realizações nessa religião, mas ele poderia dizer “ainda mais eu”. Falando em vanglória (importância própria), este homem estava cheio dela em seus dias anteriores à sua conversão! Ele era um “homem arrogante e insolente” (1 Tm 1:13 – JND).

Assim, as credenciais de Paulo, no que diz respeito à carne, eram tão boas quanto possíveis. Mas, na realidade, diante de Deus, ele era um fanático religioso que estava cheio de orgulho hipócrita. Certamente ele não viu isso desta forma naquela época. Ele realmente achou que estava agradando a Deus! Mas isso apenas nos mostra quão indigna de confiança e enganosa é a carne. A vida de Paulo prova que a carne pode estar envolta em atividades religiosas e ainda assim ser muito enganadora. De fato, o orgulho espiritual que leva uma pessoa a buscar um lugar de importância entre os homens em um contexto religioso é geralmente o tipo mais difícil de orgulho de se identificar em si mesmo. Outros verão isso em nós, mas, infelizmente, nós geralmente não conseguimos detectá-lo. Paulo dá uma lista de algumas coisas religiosas das quais orgulhosamente se gloriava antes de se converter, as quais o cegavam quanto ao seu verdadeiro estado:

- “Circuncidado ao oitavo dia” – O rito exterior da circuncisão literal era o sinal de uma pessoa estar em um relacionamento de aliança com Deus. Esse é o orgulho do relacionamento. - “Da linhagem de Israel” – Esse o é orgulho racial. - “Da tribo de Benjamim” – Essa é uma referência à fidelidade desta tribo por ficar com Judá no tempo em que a nação se dividiu em dois reinos sob Roboão e Jeroboão. É orgulho da fidelidade. - “Hebreu de Hebreus” – Esse é o orgulho da linhagem familiar. - “Segundo a Lei, Fariseu” – Esse é o orgulho da ortodoxia (conformidade religiosa). - “Segundo o zelo, perseguidor da igreja” – Esse é o orgulho do zelo religioso. - “Segundo a justiça que há na lei, irrepreensível” – Esse é o orgulho da moralidade.

Saulo de Tarso era um bom exemplo de retidão religiosa, mas, como mencionado acima, tudo era apenas orgulho. O que ele precisava aprender (e o que precisamos aprender também) era que “todo o homem, por mais firme que esteja, é totalmente vaidade” (Sl 39:5b), e que todas aquelas chamadas “boas” coisas que havia feito com exatidão religiosa tinham sido julgadas por Deus na cruz, e eram totalmente inúteis aos Seus olhos. Pela soberana graça de Deus, isso aconteceu de maneira dramática quando ele foi a Damasco (At 9).

E assim os conselhos eternos correram,

“Amor Onipotente, prenda aquele homem!”

Hinário “Echoes of Grace” nº 88

Duas coisas aconteceram naquele dia notável: “uma luz” do céu brilhou sobre Paulo e ele ouviu “uma voz” do céu o chamando. De uma só vez, ele fez uma dupla descoberta: a luz fez com que se visse como Deus o via – como pecador! A voz que o chamava tornou-o consciente de que Jesus de Nazaré era de fato Cristo, o Salvador dos pecadores! Assim, o chefe dos pecadores encontrou o Salvador dos pecadores e, imediatamente, confessou-O como seu “Senhor!”.

Paulo ficou três dias sem visão. Durante esse tempo, antes de receber o Espírito Santo, ele passou pela experiência descrita em Romanos 7:7-25. Naqueles três dias, ele aprendeu na presença de Deus que toda a carne é irremediavelmente má e totalmente indigna de confiança. Ele emergiu dessa experiência dizendo: “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum” (Rm 7:18). Ele aprendeu que não havia uma coisa sequer em sua carne que fosse boa. Seja a vileza da carne ou a carne em um contexto religioso, todos os aspectos dela são incuravelmente maus e, portanto, devem ser recusados em todos os sentidos na vida Cristã prática. Esse é o verdadeiro significado da “circuncisão” da qual Paulo fala no versículo 3.

A segunda razão pela qual Paulo menciona sua história pessoal foi para mostrar que aprender a “não confiar na carne” não precisa necessariamente levar muito tempo. Não precisa ser algo longo e demorado. O caso do próprio Paulo mostra que isso pode ser aprendido de uma forma muito profunda em um período muito curto de tempo. Ele aprendeu esta grande lição em três dias! Tal é a experiência do Cristianismo normal. Embora isso seja um fato, a maioria de nós demora a acreditar no testemunho de Deus a respeito da carne, e muitas vezes leva algum tempo e experiência antes que estejamos dispostos a aceitar o que Deus disse sobre a carne e não depositar mais confiança nela. Isso mostra que uma coisa é concordar mentalmente com essas coisas como questão de doutrina, e outra bem diferente é conhecer essa verdade na prática.

F. B. Hole disse: “Mas muito tempo é normalmente gasto em aprender a não confiar na carne e não dar a ela um ‘voto de confiança’. Que experiências muitas vezes se têm de passar! Os tipos de experiências a que nos referimos estão detalhados para nós em Romanos 7, e a lição é uma, que não pode ser aprendida meramente em teoria, deve ser aprendida por experiência. Não é necessário que demoremos muito tempo para aprender a lição, mas, na verdade, geralmente o fazemos…. Assim que terminaram os três dias de sua cegueira [de Paulo], ele começou a se gloriar em Cristo Jesus. Nesses três dias esta grande lição foi aprendida” (Philippians, págs. 78-79).

Um Novo Objeto – Cristo

Vs. 8-14 – Nos versículos anteriores, Paulo nos disse o que fez ao renunciar a tudo por Cristo, mas não nos disse exatamente o que o levou a fazê-lo. Sabemos, como observamos na história de sua conversão em Atos 9, que foi porque ele teve uma visão de Cristo em glória. Imediatamente, Cristo Se tornou seu novo Objeto na vida. Quando recobrou a visão, todo o seu pensamento e propósito de vida tinham sido revolucionados.

Ele menciona duas coisas que trabalharam para mudar o curso de sua vida: Ele diz: “E, na verdade, tenho também por perda todas as coisas**, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo Qual sofri a perda de todas estas coisas, e as considero como esterco, para que possa ganhar a Cristo**”. Primeiramente, ele viu na luz de Deus (quando cegado por três dias) que aquelas coisas sobre as quais havia construído suas esperanças para a eternidade eram completamente inúteis. Consequentemente, ele reputou tudo como “perda”. Em segundo lugar, ele tinha uma nova aspiração – queria “**a excelência do conhecimento de Cristo Jesus**”. Assim, houve uma reavaliação de tudo em sua vida, que o reiniciou em um curso completamente novo. Logo em seguida, ele pregou a Cristo nas sinagogas de Damasco (At 9:20).

Nem por um momento ele voltou atrás nessa grande renúncia. De fato, enquanto continuava no caminho Cristão de fé e serviço, só ficou mais convencido de sua decisão de renunciar a essas coisas. No versículo 7, ele disse: “considerei…” (ARA), mas no versículo 8, ele diz: “considero…” (ARA). Isso abrange um período de sua vida de cerca de 30 anos. Ele considerou todas as coisas como perda quando se converteu em Damasco, mas agora, ao escrever esta epístola aos filipenses uns 30 anos depois, ele ainda as considerava como tal! Há, no entanto, essa diferença: o que ele viu então naquelas coisas como “perda”, agora via como “refugo!” (TB). A KJV diz “esterco”, mas deveria ser traduzida como “refugo”. O esterco pode ser útil para algumas coisas (combustível, fertilizante, etc.), mas o refugo não serve para nada. Tendo andado em comunhão com o Senhor por muitos anos, Paulo viu mais claramente do que nunca a inutilidade daquelas coisas e apropriadamente as rotulou como tais. Além disso, no início de sua experiência Cristã, falou daquelas coisas as quais havia abandonado como “o que [coisas] para mim”, mas agora, tendo trilhado o caminho por algum tempo, ele diz que estava contando “todas as coisas” como perda por Cristo. Isso mostra que, ao andar com o Senhor, houve progresso no exercício de sua alma.

O que o fortaleceu nesse caminho? Não era simplesmente que tivesse mudado de religião; ele havia sido conquistado por uma Pessoa – Cristo, o Filho de Deus! Ele podia dizer: “a vida que agora vivo na carne vivo-a na fé do Filho de Deus, O qual me amou, e Se entregou a Si mesmo por mim” (Gl 2:20). Foi o constrangedor “amor de Cristo” que o motivou (2 Co 5:14).

Sete Novos Desejos

Tendo este novo Objeto em sua vida, vemos pelo exemplo de Paulo em que resulta ter essa meta, naqueles com ela ocupados. Ele tinha desejos completamente novos – todos centrados em Cristo. Estar ocupado com esse novo Objeto produziu uma provisão infinita de energia que o manteve ativo na carreira Cristã. De acordo com o caráter da epístola, ele não diz aos filipenses para perseguirem Cristo em glória, mas sim, fala disso como uma questão de sua própria experiência. Assim, fala da perspectiva do que isso produziu em sua vida, sabendo que reiterar sua experiência faria com que eles desejassem o mesmo (Ct 6:1).

Nesta próxima série de versículos, Paulo fala de sete novos desejos em sua vida, todos os quais resultaram em ele tendo este novo Objeto. Estas eram coisas que ele estava insistindo na carreira Cristã:

1) “Para que possa ganhar a Cristo” (v. 8) – Ao afirmar isso, Paulo não estava dizendo que esperava ganhar a Cristo como seu Salvador, renunciando à sua vida passada; Cristo tinha sido seu Salvador por 30 anos! Essa é uma ideia católica; eles erroneamente ensinam que uma pessoa ganha a Cristo e a salvação eterna por meio de obras. Eles encorajam as pessoas a renunciarem a todas as coisas da vida e a se retirarem para um mosteiro ou convento, onde se engajam em um regime de boas obras na esperança de assegurar a salvação de suas almas.

O versículo estando no tempo presente, indica que o fato de Paulo ter Cristo como seu ganho era um exercício presente, bem como o que tinha n’Ele ao recebê-lo como seu Salvador muitos anos antes. Paulo viu aquelas coisas que uma vez perseguiu como um obstáculo aos imensuráveis benefícios que havia em conhecer e seguir a Cristo. Ele percebeu que para “ganhar” na prática em sua experiência com Cristo, precisava manter as satisfações carnais, como aquelas que tinha renunciado, no monturo – e isso é exatamente o que ele fez pelo o resto de seus dias na Terra.

  1. Ser “achado n’Ele, não tendo a minha justiça” (v. 9) – Esta afirmação não significa que Paulo não era considerado justo diante de Deus, e estava, portanto, esforçando-se diligentemente para isso, esperando que um dia, no final de seu caminho, fosse declarado justo. Novamente, o catolicismo romano ensinaria assim, mas não as Escrituras. Paulo já era considerado justo diante de Deus como resultado de ter sido justificado pela fé (Rm 4:5, 5:1). Em vez disso, Paulo estava se referindo a tê-la como um homem glorificado no dia de Cristo. Ele não queria estar lá com uma justiça legal que resultasse de suas próprias obras (se isso fosse possível), mas na justiça que está em Cristo (2 Co 5:21). Assim, queria estar com Cristo em glória sem ter nada que pudesse apontar que desse a ele crédito por estar lá, de modo que Cristo recebesse todo o crédito, e toda a glória e louvor fossem para Ele.

  2. Para conhecê-Lo” (v. 10a) – Enquanto isso, no caminho, estando com Cristo no estado glorificado, o grande e ardente desejo de Paulo era conhecer a Cristo mais intimamente. Note que ele não disse que queria saber coisas sobre Ele, em relação a fatos, mas sim que ele pudesse conhecer a Cristo. Isto se refere a um conhecimento pessoal de Cristo que só vem por meio da experiência de andar com Ele nas circunstâncias da vida.

  3. E à virtude [poder – TB] da Sua ressurreição” (v. 10b) – Tem havido algum debate entre os expositores sobre se isso está se referindo à ressurreição literal ou ao poder da vida de ressurreição trabalhando em um crente de uma maneira prática. Visto que é mencionado no texto antes de Paulo falar da possibilidade de morrer por Cristo, consideramos que ele está falando do poder espiritual da vida ressurreta sendo manifestada na vida dele. J. N. Darby concorda com isso: “Pergunta. O que é ‘o poder da ressurreição’ em Filipenses? Resposta… para que eu possa agir e andar por este mundo no poder da ressurreição, o que faz da morte e de todas as outras coisas nada para mim” (Notes and Jottings, pág. 441).

Em Efésios 1:19-21, Paulo menciona que o poder de Deus que ressuscitou Cristo dos mortos está agora “sobre nós, os que cremos”. Isto é, ele é eficaz na vida dos crentes que andam em Espírito, e assim, manifestam a vida ressurreta em seus corpos mortais. Paulo queria experimentar esse poder prático da vida ressurreta como algo vivo presente em sua vida (Gl 2:20). Isso é ilustrado como tipo em Eliseu assumindo o manto de Elias no Jordão, indo adiante nesse poder e sendo uma bênção para os outros (2 Rs 2:9-15).

  1. E à comunhão dos Seus sofrimentos” (ARA), “sendo feito conforme à Sua morte” (v. 10c) – Viver no poder da vida ressurreta e manifestar essa vida em nosso andar e caminhos, naturalmente atrairá a perseguição dos incrédulos. Paulo fala dessa oposição que os Cristãos têm no caminho como “comunhão” com os “sofrimentos” de Cristo. Isto é porque quando sofremos por Cristo, estamos realmente experimentando o mesmo caráter de sofrimentos que Ele enfrentou de homens iníquos (2 Co1:5, 4:10; Gl 6:17; Cl 1:24). Esses sofrimentos não são Seus sofrimentos expiatórios, pois nenhuma criatura pode participar da obra expiatória de Cristo (Mc 10:38). Como regra, quando a Escritura fala do “sofrimento” (singular) de Cristo, tem a ver com expiação (Hb 2:9), mas quando fala dos “sofrimentos” de Cristo (plural), são os sofrimentos do martírio (Hb 2:10), em que os crentes participam quando sofrem por Ele.

Todo o desejo de Paulo era ser como Cristo de todas as maneiras possíveis. Isso era sua paixão. (Novamente, isso é Cristianismo normal.) Ele queria alcançar Cristo em glória e, com esse fim em vista, estava preparado para se “conformar” à “morte” de Cristo e morrer como um mártir para alcançar esse destino. Vivendo uma vida de devoção a Cristo como Paulo fez, havia uma possibilidade muito real de isso acontecer. É como ele disse: “Se eu morrer nas mãos de homens maus, então serei muito mais parecido com Cristo, pois Ele foi morto por homens maus também! Nada me agradaria mais do que alcançar a Cristo em glória pelo mesmo caminho que Ele tomou para chegar lá!”

  1. Para ver se de alguma maneira posso chegar à ressurreição dos mortos” (v. 11) – Se realmente fosse a vontade de Deus que Paulo morresse por causa seu testemunho por Cristo, ele estava disposto a isso (2 Co 5:8), porque então experimentaria o poder literal da ressurreição, como Cristo fez quando ressuscitou de entre os mortos. Isso só o tornaria um tanto mais parecido com Cristo!

As escrituras indicam que há duas ressurreições que ocorrerão com cerca de mil anos entre elas (Jo 5:29). Estas são as ressurreições dos “justos e injustos” (At 24:15). Isso é algo que os santos do Velho Testamento não sabiam; eles só conheciam a ressurreição de um modo geral (Jo 11:24). O evangelho lançou luz sobre este assunto (2 Tm 1:10), e agora sabemos que existem duas ressurreições:

A primeira ressurreição, que tem a ver com a ressurreição dos justos, é mencionada como sendo uma ressurreição “de entre os mortos” na tradução de J. N. Darby. Assim, é algo seletivo; os justos mortos serão selecionados de entre os iníquos mortos e ressuscitados para a vida. Essa “ressurreição seletiva” como às vezes é chamada, foi ensinada primeiro pelo Senhor Jesus Cristo (Mt 17:9) e depois pelos apóstolos (Rm 6:4; 1 Co 15:20; Ef 1:20; Fp 3:11; Cl 1:18, etc.). Tem três fases:

- “Cristo, as primícias” (1 Co 15:23a). Isso ocorreu quando o Senhor ressuscitou de entre os mortos (Mt 28:1-6). O caráter de Sua ressurreição é uma amostra daquilo que virá depois para os justos. Por isso, Ele é “as primícias” dessa ressurreição. - “Os que são de Cristo, na Sua vinda” (1 Co 15:23b). Isso se refere aos santos do Velho Testamento e do Novo Testamento sendo ressuscitados no Arrebatamento (1 Ts 4:15-18; Hb 11:40). - “[Eles] viveram, e reinaram com Cristo” (Ap 20:4). judeus e gentios fiéis que morrerem durante a septuagésima semana de Daniel serão ressuscitados ao final da grande tribulação, completando assim a primeira ressurreição (Ap 14:13).

A segunda ressurreição (do injusto) ocorrerá no final do Milênio, que é o final do tempo (Ap 20:5, 11-15). Naquele momento, os ímpios mortos serão ressuscitados e julgados perante o grande trono branco, e depois designados para uma eternidade perdida no lago de fogo (inferno).

  1. Como Paulo andou pelo caminho da fé, procurou crescer em sua apreensão sobre o fim glorioso para o qual ele foi destinado pela graça de Deus. O “prêmio” que ele perseguiu era estar com e ser como Cristo em glória. Isso é algo que todos os santos obterão quando o Senhor vier (2 Ts 2:14). Paulo reconheceu que, naquele ponto de sua experiência Cristã, ele ainda não tinha a “posse” (JND) do prêmio – “Não que já a tenha alcançado [o prêmio], ou que seja perfeito” (Perfeição, na maneira como fala dela aqui, é ter plena conformidade com Cristo no estado glorificado – v. 21.) Mas Paulo queria um conhecimento mais profundo do por que ele foi preso por Cristo, e assim disse: “Para que eu saiba apreender [alcançar] aquilo pelo qual sou também preso de [alcançado por] Cristo Jesus” (v. 12 – Tradução W. Kelly).

A revelação do Mistério em Efésios e Colossenses manifesta o “propósito dos séculos” (TB) de Deus (Ef 3:11). Ele é apresentado nessas epístolas principalmente como uma questão de doutrina, então Paulo estava ciente dessas coisas, tendo sido o escritor delas. Mas ele queria mais; queria conhecer o coração daqu’Ele que o escolheu para aquele lugar que terá com Cristo no dia vindouro de manifestação. Não tendo alcançado o fim divino para o qual fora chamado, ele seguiu em frente no caminho da fé em sua busca por um entendimento mais profundo disso.

Vs. 13-14 – A busca de Paulo pelo seu objetivo de alcançar Cristo em glória foi o foco singular de sua vida. Ele havia removido todas as coisas estranhas dela para poder dar toda a sua atenção à busca desse objetivo único. Ele disse: “Irmãos, quanto a mim, não julgo que o haja alcançado; mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim, Prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação [do chamado ao alto – JND] de Deus em Cristo Jesus”. Novamente, ter um foco tão singular é o Cristianismo normal – todos deveríamos ter esse tipo de foco em Cristo!

Paulo sabia que o maior obstáculo para seguir Cristo em glória era colocar “confiança na carne”, numa busca terrena ou qualquer outra busca (v. 4). Isso era exatamente o que os mestres judaizantes estavam promovendo e, assim, eram uma praga para o Cristianismo. Eles precisavam ser identificados como maus obreiros e tratados como tais (Gl 5:7-10). A mensagem de Paulo foi exatamente o oposto; tinha a ver com “esquecendo-me das coisas que atrás ficam…”. Isso se refere à ambição que ele uma vez teve de ser um grande homem no mundo religioso. Esta afirmação é frequentemente retirada do contexto e aplicada a coisas ruins que uma pessoa pode ter feito, ou a coisas tristes que ela possa ter experimentado em sua vida. Para consolar-se sobre essas coisas, a pessoa vai citar essa afirmação sobre o esquecimento. No entanto, Paulo não está falando de esquecer coisas tristes e ruins; ele está falando em deixar atrás as chamadas coisas “boas” que uma vez perseguiu e que o distinguiram entre seus pares – coisas de que a carne podia se orgulhar e que o mundo admiraria.

Nós vemos aqui uma progressão do exercício em relação às coisas anteriores que Paulo tinha perseguido. Quando se converteu, ele tratou essas coisas como “perda”; então, ao seguir adiante em sua experiência Cristã, ele as viu como realmente eram – como “refugo”. Agora ele fala dessas coisas como algo que ele estava “esquecendo” completamente. Note que “esquecendo” e “avançando para” são indicados no tempo presente. Isso mostra que foi um exercício contínuo em sua vida. Isso nos ensina que não há tempo para ficar ociosos em nossas vidas Cristãs, porque se pararmos em nossa busca por Cristo, mesmo por um pouco, provavelmente voltaremos às coisas que outrora buscávamos.

Paulo prossegue “para o alvo, pelo prêmio”. Isso não significa que estivesse tentando apressar o dia de alcançar Cristo em glória antes do tempo designado por Deus; isso acontecerá para todos os crentes ao mesmo tempo – no arrebatamento. O objetivo era ter total conformidade com Cristo. Insistir nessa direção é buscar agora, de todas as formas possíveis, ser como Ele, moral e espiritualmente. E, uma vez que naquele dia nós “conheceremos”, como também somos “conhecidos” (1 Co 13:12), quanto mais crescemos agora em apreensão daquele conhecimento, nesse sentido, estamos chegando mais perto desse dia quando teremos então o conhecimento completo.

A frase: “o alto chamado de Deus em Cristo Jesus” (traduzido como tal na KJV) pode levar a erro. Uma pessoa poderia pensar que Paulo estava falando em tentar ganhar o prêmio mais alto que será dado no céu ao mais dedicado servo do Senhor. Se fosse isso a que ele estava se referindo, então ele realmente não havia julgado seus antigos desejos da carne em ser o melhor e ter o mais elevado lugar de honra no judaísmo – mas é que agora ele perseguia o prêmio no Cristianismo. Contudo, essa tradução na KJV não é a melhor. O versículo deveria ser lido: “o chamado ao alto” (JND). Refere-se ao chamado celestial do Cristão estando com e como Cristo, onde Ele está, no alto. É a porção de todos os crentes, não apenas para uma pessoa que se destacou acima de seus irmãos na fé e boas obras. “Alto” significa simplesmente “acima”, no céu. O sentido em que Paulo usa a palavra “prêmio” refere-se ao que todos os Cristãos receberão no dia vindouro.

Assim, vemos a partir desses sete novos desejos de Paulo que houve uma renovação completa em todo o seu propósito de viver. Essas coisas não são exercícios extraordinários que só seriam encontrados em um apóstolo, mas é o que caracterizam o Cristianismo normal. Assim, todos devemos ter esses desejos!

Três Estados de Espírito em Relação ao Buscar Cristo em Glória

Vs. 15-21 – Nos versículos finais do capítulo 3, Paulo menciona o fato de que em toda companhia Cristã haverá diferentes estágios de crescimento espiritual e de progresso entre os santos. Alguns terão sido salvos recentemente e outros estarão no caminho já há muitos anos. Em condições normais, a mentalidade de cada um concernente à busca de Cristo em glória será respectivamente variada. Mas este nem sempre é o caso; às vezes, aqueles que têm estado no caminho já há algum tempo são bastante elementares em sua apreensão da revelação Cristã e são subdesenvolvidos espiritualmente, e consequentemente, isso será refletido na intensidade de sua busca de Cristo em glória. Paulo mostra aqui que, embora essa variação possa existir, não há razão para que todos na assembleia não possam caminhar juntos em feliz unidade, e cada um aceitar ao outro onde quer que esteja em seu progresso espiritual. Se não formos cuidadosos quanto a isso, Satanás usará essas diferenças para dividir os santos.

Paulo fala de três estados mentais que refletem essa diferença entre os santos e exorta cada um de acordo:

Sentir o Mesmo (v. 15a)

Ele diz: “Pelo que todos quantos já somos perfeitos sintamos isto mesmo”. O modo pelo qual Paulo usa a palavra “perfeito” nesta passagem pode parecer confuso. No versículo 12, ele havia acabado de falar que os santos ainda não estavam “aperfeiçoados” – inclusive ele mesmo. Agora, no versículo 15, ele alude aos santos que são “perfeitos” e inclui a si mesmo. Isso pode parecer contraditório, mas ele está realmente falando de dois aspectos diferentes da perfeição. No versículo 12, está em conexão com alcançar o estado glorificado em que os santos terão plena conformidade com Cristo. Isso ocorrerá no Arrebatamento (v. 21). No versículo 15, é algo presente em conexão com o ser adulto ou maduro em coisas divinas.

O ponto de Paulo aqui é que os crentes espiritualmente maduros manifestarão sua maturidade por sentirem “o mesmo” que ele. Eles terão a mesma singularidade de foco em suas vidas, porque eles, assim como ele, terão deixado de lado coisas estranhas e estarão buscando a Cristo em glória como seu único objetivo. Se não somos “perfeitos” nesse sentido, não é um problema de capacidade, mas de desejo. Se tivermos o desejo, o Espírito Santo formará a capacidade em nossos corações e estaremos sedentos por mais de Cristo e de Suas coisas, e isso, por sua vez, resultará em maturidade espiritual. A capacidade para as coisas divinas não depende de habilidade natural – como ter recursos intelectuais. Há muitos no caminho Cristão que possuem consideráveis recursos intelectuais, porém são bastante elementares. Eles não se desenvolveram espiritualmente como poderiam se tivessem sido mais dedicados. Consequentemente, eles não estão no estado de sentirem o mesmo, como Paulo, na vida Cristã prática. No sentido em que Paulo fala aqui de ser perfeito, até mesmo novos convertidos podem sentir o mesmo. Não é uma questão de conhecimento, mas de coração.

Sentir de Modo Diverso (v. 15b-17)

Paulo continua e diz: “se sentis alguma coisa de modo diverso, Deus também vo-lo revelará” (TB). Isso mostra que ele percebeu que nem todos os crentes estão no mesmo nível de progresso e resultados em sua experiência Cristã. Há muitos que estão verdadeiramente seguindo a Cristo, mas não têm a mesma singularidade de foco em Cristo em glória que Paulo tinha. Ele diz que esses sentem “de modo diverso”. A maioria dos Cristãos de hoje provavelmente se enquadra nessa categoria. Tais não passaram pelos exercícios da alma que levam a ter Cristo como o único Objeto de suas vidas. Assim, eles têm em suas vidas uma mistura de coisas e buscas terrenas juntamente com genuína afeição por Cristo. Paulo estava confiante de que, ao andarem no caminho da fé com Deus, e amadurecerem de acordo, o Senhor iria lhes “revelar” que essas buscas terrenas são apenas distrações que atrapalham a alma na busca de Cristo em glória – e eles as deixariam de lado, como ele o fez. Satanás sabe disso, e faz tudo o que pode para embaraçar o crente em todo tipo de buscas e empreendimentos dos quais não é fácil se desvencilhar.

É maravilhoso ver como Paulo é gracioso em relação àqueles que sentiam de modo diverso. Ele não os repreende com palavras depreciativas, ou despreza-os por sua falta de exercício em coisas divinas. Em vez disso, fala-lhes graciosamente e os encoraja a viver de acordo com o que alcançaram. Ele diz: “Mas, naquilo a que já chegamos, andemos [nos mesmos passos – JND] segundo a mesma regra”. (A declaração que segue, “e sintamos o mesmo”, é encontrada na KJV [e na ARC], mas não tem muita, se é que tem alguma, autoridade como manuscrito e, consequentemente, é deixada fora da Tradução de J. N. Darby.) O argumento de Paulo aqui é que apesar de estarmos todos em níveis diferentes de realização espiritual, todos podemos andar juntos em feliz unidade se todos tivermos uma mente voltada para Cristo em glória.

Este espírito gracioso é algo necessário enquanto caminhamos com nossos irmãos, porque há uma tendência a se pressionar aqueles de menor progresso espiritual e forçá-los a um molde que exteriormente os conforma com o que achamos que um Cristão deveria ser. Mas se tal coisa não é produzida pelo coração da pessoa sendo movida pela graça e pelo exercício pessoal, isso resultará em viverem acima de onde realmente estão em suas almas. A vida Cristã se tornará algo legalista para eles. Em nosso zelo para vê-los seguir em frente e sentir o mesmo com Paulo, podemos inadvertidamente colocá-los em um lugar de perigo onde poderiam ter um naufrágio espiritual. Em vez de colocar cargas sobre eles e exortá-los a viver coisas além de onde realmente estão em suas almas, precisamos seguir o exemplo de Paulo. Ele encorajou todos os tais a andarem com o Senhor naquilo que eles “já haviam alcançado”, e deixou para Deus “revelar” a eles o caminho mais excelente, à medida que cresciam na graça. O espírito de graça de Paulo para crentes que sentem de modo diverso exemplifica como os santos mais avançados espiritualmente devem tratar os que têm menos conhecimento que eles. Se isso fosse seguido em nossas interações diárias entre um e outro, isso desarmaria muitas lutas e contendas internas em nossa vida de assembleia.

O exemplo de Eliseu em seu tratar com Naamã ilustra a sabedoria que devemos ter em tratar com aqueles que pensam de modo diverso (2 Rs 5:18-19). Quando Naamã ponderou sobre a questão de entrar na casa de Rimom, Eliseu disse a ele: “Vai em paz”. Ele não disse sim ou não, mas deixou Naamã com o Senhor, que deixaria claro a ele qual era a coisa certa a se fazer.

O conselho de Paulo para todos os crentes que sentem de modo diverso foi: “Sede também meus imitadores, irmãos, e tende cuidado, segundo o exemplo [modelo] que tendes em nós, pelos que assim andam” (v. 17). Cristo deveria ser o Objeto deles, mas eles também tinham Paulo e àqueles que sentiam o mesmo com ele como seu “modelo” para a vida Cristã. Isso mostra que a coisa mais útil que podemos fazer pelos santos é continuarmos com o Senhor. O exemplo é uma influência poderosa para os outros (At 20:20, 35).

Pensar nas Coisas Terrenas (vs. 18-19)

Paulo fala de um terceiro estado mental – aqueles que “pensam nas coisas terrenas”. Ele diz: (“Porque muitos há, dos quais muitas vezes vos disse, e agora também digo, chorando, que são inimigos da cruz de Cristo. Cujo fim é a perdição; cujo Deus é o ventre, e cuja glória é para confusão deles, que só pensam nas coisas terrenas”.) Paulo fala desse grupo entre parênteses (JND e KJV) porque eles não são verdadeiros crentes, como aqueles das outras duas classes. Isto pode ser visto pelo fato de que ele diz que seu “fim é a perdição”. Eles eram crentes meramente professantes se movendo no círculo Cristão. Se eles não fossem salvos enquanto tinham a oportunidade de fazê-lo, passariam para uma eternidade perdida.

Tão solenes e sérios eram os movimentos daqueles que pensavam nas coisas terrenas que Paulo diz aos filipenses que, apenas por ter de lembrá-los dessas pessoas, ele chorou. É surpreendente que nesta epístola a qual tem um forte tema fundamental de gozo e regozijo ao longo dela, que Paulo fosse encontrado “chorando”. Mas tal era o caso com aqueles a quem ele chama, “inimigos da cruz de Cristo”. Essas pessoas eram os professantes sem vida que absorveram a doutrina dos mestres judaizantes mencionados no versículo 2. Eles odiaram e rejeitaram o julgamento de Deus na cruz, sobre a primeira ordem do homem sob Adão e tinham como objeto a busca das coisas terrenas. Sobre eles Paulo disse “cuja glória é para confusão [vergonha] deles” (JND). Isto é, eles falam livremente do seu passado sem pesar ou vergonha. Assim, esses de mente terrena não mostraram nenhum sinal de arrependimento. (Paulo falou de suas buscas passadas, mas o fez para mostrar que havia julgado tudo isso).

Enquanto que essas pessoas eram crentes meramente professantes, e não reais, os verdadeiros crentes podem ser influenciados por seus caminhos e se tornarem completamente mundanos. Todos esses não perderão, é claro, a salvação eterna de suas almas, mas, ao adotarem tais condutas, devem ser advertidos e repreendidos.

F. G. Patterson mencionou um tipo desses três estados mentais na profissão Cristã em seu livro Lectures on the Church of God (págs. 50-52). Em conexão com a posse da terra de Canaã, as várias tribos de Israel caíram em três categorias, de acordo com o desejo delas. Havia duas tribos e meia (Judá, Efraim e meia tribo de Manassés) que queriam o que lhes fora dado pelo Senhor, e subiram diretamente e tomaram sua herança (Js 15-17). Esses corresponderiam aos Cristãos que “sentem o mesmo”. E também, havia sete tribos (Benjamim, Simeão, Zebulom, Issacar, Aser, Naftali e Dã) que demoraram a subir para tomar a sua parte na terra. Esses correspondem aos Cristãos que “sentem de modo diverso”. Eles precisavam de algum estímulo, o que Josué fez enviando 21 homens (três de cada tribo) para irem à terra e descreverem as coisas boas que viram num livro. Quando eles voltaram, leram o livro diante do povo e isso os animou a desejarem a terra agradável. Esta é uma figura do que o bom ministério fará pelos santos. As sete tribos então se levantaram e entraram e possuíram sua herança (Js 18-19). Por último, havia duas tribos e meia (Rúben, Gade e a outra meia tribo de Manassés) que não queriam Canaã como sua herança, mas escolheram as planícies de Moabe, do outro lado do Jordão (Js 22). Esses correspondem àqueles que “pensam nas coisas terrenas”.

O Desfecho Divino do Caminho Cristão – Glorificação

Vs. 20-21 – O capítulo termina com Paulo observando dois fins distintos daqueles na profissão Cristã. No versículo 19, ele falou do destino daqueles que eram professantes, de mente terrenal, afirmando que seu “fim é a perdição” (v. 19). Sendo que eles não têm fé, são corruptores da casa de Deus, e como tal, eles serão julgados (1 Co 3:17). Agora nos versículos 20-21, ele fala do destino dos verdadeiros crentes. Ele diz: “Mas a nossa cidade está nos céus, donde também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo. Que transformará o nosso corpo abatido, para ser conforme o Seu corpo glorioso, segundo o Seu eficaz poder de sujeitar também a Si todas as coisas”. Não poderia haver um contraste maior. O professante sem vida terá sua porção sob condenação no inferno, e o crente terá sua porção com e como Cristo no céu! Este é o prêmio que espera cada santo de Deus.

Nós podemos ser cidadãos de algum país da Terra, mas nossa verdadeira “cidade” [pátria – TB] está no céu. É nossa pátria e nosso lar. Estamos simplesmente esperando o “Salvador” vir e nos levar até lá. Este é um aspecto futuro da salvação que todos os crentes experimentarão quando acontecer o Arrebatamento (Rm 13:11; Hb 9:28; 1 Pe 1:5). Paulo explica que não iremos para casa no céu na condição em que nossos corpos estão atualmente. Deve haver necessariamente uma transformação física pela qual nosso “corpo de humilhação” (JND) será “transformado” à semelhança do “Seu corpo glorioso” (1 Co 15:51-56). Isso tem a ver com os corpos dos santos tendo Sua semelhança em essência; cada um de nós conservará a aparência individual e, assim, será reconhecido como tal – como os discípulos reconheceram Moisés e Elias no monte da transfiguração (Lc 9:30).

A KJV diz: “Nosso corpo vil [abatido – ARC], mas isso poderia ser enganoso. Embora “vil” pudesse ter sido uma palavra aceitável de ser usar 400 anos atrás (quando a tradução foi feita), hoje a palavra transmite um pensamento diferente. Uma tradução melhor é: “corpo de humilhação” (ARA). Nossos corpos se tornaram assim por causa da queda de Adão e dos efeitos resultantes do pecado na criação. Consequentemente, nossos corpos estão sujeitos a doenças, decadência e morte (Ec 12:1-7). No sentido moderno da palavra, não há nada vil ou mal em relação ao corpo humano; o mal está no emprego incorreto ao qual o corpo é submetido. Assim, nunca se diz que o corpo humano é pecaminoso. (Romanos 6:6 fala do “corpo do pecado”, mas não está se referindo ao corpo humano, mas sim à totalidade do pecado como um sistema na criação. Usando a palavra “corpo” como Paulo faz em Romanos 6:6, poderíamos dizer da mesma forma: “O corpo de um rio”, ou “O corpo do conhecimento científico”, etc.) Nossos corpos humanos estiveram envolvidos em muitos atos pecaminosos (pelos quais somos responsáveis), mas não é dito que eles sejam pecadores em si mesmos. Se nossos corpos fossem pecadores, não poderiam ser apresentados a Deus para serem usados no serviço do Senhor (Rm 12:1).

Os Cristãos frequentemente falam de receber um “novo” corpo quando o Senhor vier, mas isso poderia transmitir a ideia de que obteremos outro corpo, o que não é verdade. As Escrituras não dizem que os santos obterão “novos” corpos, mas sim que seus corpos serão “transformados” (Jó 14:14; 1 Co 15:51-52; Fp 3:21). O mesmo corpo que foi enterrado será ressuscitado, mas em uma condição completamente diferente de glorificação. 1 Coríntios 15:42-44 afirma isso claramente. Diz que o mesmo corpo que é “semeado” na terra em sepultamento se levantará novamente. (Note que apesar de o sujeito no v. 44 ser indeterminado, ele está se referindo tanto ao sepultar quanto ao ressuscitar do mesmo corpo). Se os santos receberem um novo, ou outro corpo, quando o Senhor vier, então, por conclusão lógica, Ele realmente não ressuscitará os corpos que uma vez viveram. Isso nega a ressurreição. Para evitar qualquer ideia como essa, as Escrituras têm o cuidado de nunca dizer que teremos “novos” corpos.

Quando o Senhor andou nesta Terra, Seu corpo humano não era o de “humilhação”, nem era um “corpo de glória”. Seu corpo era santo e imortal (Lc 1:35). Seu corpo não foi glorificado até que ressuscitasse de entre os mortos. As escrituras dizem que Ele foi “recebido acima em glória – JND**”** (1 Tm 3:16). Isto é, Ele subiu ao céu em um estado glorificado.

A atitude correta para o crente é “esperar o Salvador” que está por vir. Nosso próximo passo é sermos chamados a qualquer momento para longe desta Terra.

CRISTO – O PODER DA VIDA CRISTÃ

Capítulo 4

Neste capítulo, Paulo fala de Cristo como aqu’Ele que fortalece o crente e o capacita a elevar-se acima das inúmeras adversidades que enfrenta no caminho da fé (v. 13). Assim, o Cristão que fez de Cristo, em glória, o seu Objeto, como mostrado no capítulo 3, é visto no capítulo 4 como sendo superior às suas circunstâncias. Estando em um estado de “sentir o mesmo”, o Espírito Santo tem a liberdade de aumentar a capacidade do crente para as coisas divinas. E quando o crente é tomado por essas coisas, seu espírito é elevado acima das difíceis circunstâncias da vida e fortalecido no caminho. Vivendo com tal apoio divino, o crente é liberto dos cuidados desta vida e fica em paz e, portanto, contente em suas circunstâncias – não importando quais sejam. O que os homens podem fazer com alguém assim? Podem tirar seu dinheiro, suas posses terrenas, até mesmo sua liberdade, mas nenhuma dessas coisas perturba sua paz e gozo – ele continua se regozijando no Senhor! Não é que seja insensível às suas necessidades terrenas, mas que seu gozo não depende de suas circunstâncias. E, se os homens o matassem, eles só o mandariam para onde ele queria ir! Assim, vivendo em tal estado, o crente é superior às suas circunstâncias. Novamente, isso é apresentado a partir da perspectiva da experiência do próprio Paulo com o Senhor, mas também pode ser a experiência de todos os Cristãos que sentem o mesmo.

Paz entre Irmãos

Vs. 1-3 – Antes de falar sobre isso, Paulo retoma e conclui aqui suas exortações aos filipenses no capítulo 2 sobre a crescente dissensão em seu meio. Como observado anteriormente, o capítulo 3 é um parêntese e, portanto, os três primeiros versículos do capítulo 4 são uma conclusão apropriada para o assunto.

Ao abordar o problema da cisão em seu meio, Paulo primeiro assegura aos filipenses o lugar que tinham em suas afeições, e então passa a rogar-lhes com “a mansidão e benignidade de Cristo” (2 Co 10:1). Isso é sabedoria; ele prepararia os filipenses para receber o que estava prestes a dizer. Assim, prossegue com expressões de profunda afeição: “Portanto, meus amados e mui queridos irmãos, minha alegria [gozo – JND] e coroa, estai assim firmes no Senhor, amados”. Ele “ansiava” (JND) ver os filipenses e fala deles como seu presente “gozo”, e no tribunal de Cristo, sua futura “coroa”. Assim, o servo do Senhor olha para o tribunal e vê o fruto de seus labores e seus convertidos lá (1 Ts 2:19).

Em vista da perseguição que estavam experimentando de homens descrentes de fora (cap. 1:28) e do ensino subversivo dos judaizantes de dentro do rol Cristão (cap. 3:2), Paulo exortou os filipenses a “estar assim firmes no Senhor”. Ele não lhes pediu que permanecessem firmes em suas próprias forças, mas no Senhor. Quando na prática nos colocamos sob Seu Senhorio, podemos esperar ter o Seu apoio na busca de sermos fiéis. Paulo desejou que fizessem exatamente isso e se valessem da ajuda divina para permanecer em pé. Note que ele não disse: “Permaneçam firmes na reunião!” – fazendo assim da participação nas reuniões da assembleia o objetivo. Embora a participação regular nas reuniões da assembleia seja importante (Hb 10:25), se a nossa firmeza não estiver “no Senhor” e ser resultante do poder constrangedor de Seu amor (2 Co 5:14-15), tal comentário colocaria a participação nas reuniões à frente do Senhor. Isso tende a tornar a participação nas reuniões uma coisa legalista, e se fosse esse o caso, nossas convicções a respeito de assistirmos às reuniões poderiam falhar a qualquer momento.

Nos capítulos anteriores da epístola, Paulo não apontou seu dedo para o problema da dissensão diretamente, mas tocou em coisas que, se consideradas, produziriam unidade na assembleia. Esses princípios que têm a ver com a unidade foram a base para sua palavra final de exortação aqui. Paulo conhecia a situação em Filipos e tinha em seu coração desde o início, as duas irmãs que estavam por trás do problema, mas agora se dirige a elas diretamente pelos nomes. Ele exorta: “Rogo a Evódia, e rogo a Síntique, que sintam o mesmo no Senhor”. Essas irmãs de alguma forma se desentenderam. Elas provavelmente tiveram uma diferença de opinião sobre algum assunto e isso as dividiu. Paulo insistiu em que resolvessem isso, não por meio de algum arranjo humano, mas “no Senhor”. Assim, deveriam se submeter à autoridade do Senhor quando a mente d’Ele se fizesse conhecida no assunto. Para ajudá-las a alcançar esse fim, Paulo roga a seu “verdadeiro companheiro” que “ajude” no assunto, dando seu piedoso conselho. A maioria dos expositores diz que Paulo estava provavelmente se referindo a Epafrodito. Vemos a sabedoria de Deus em mencionar o envolvimento do companheiro. Ao pedir-lhe para intervir, e incluindo-o na carta, as duas irmãs não poderiam acusá-lo de se intrometer no problema delas – ele fora solicitado pelo apóstolo a fazê-lo! Parece que Paulo sabia que seu companheiro tinha exata ciência do problema e podia contar com ele para ajudá-las a resolver o assunto.

Paulo disse que aquelas irmãs “trabalharam” com ele “no evangelho”. Isso não significa que elas subiram ao púlpito e pregaram para um público, como Paulo talvez tenha feito. Tal conduta é contrária ao que ensinou em 1 Coríntios 14:34-35 e 1 Timóteo 2:12. O ensino público e a pregação não são uma obra que Deus deu às irmãs no serviço Cristão, mas as irmãs certamente têm um papel importante no trabalho do evangelho. Elas têm acesso a situações que os homens não têm e podem compartilhar as boas notícias em um nível pessoal, o que geralmente é o meio mais eficaz.

Paulo menciona que os nomes de seus “cooperadores” estavam no “livro da vida” – na verdade, os nomes de todos os santos estão lá! Crentes meramente professos, em certo sentido, escrevem seus nomes lá também ao professarem ter vida – mas como não são crentes verdadeiros, seus nomes serão apagados. Quando o Senhor estava na cruz, orou para que Deus riscasse do livro os nomes daqueles que são infiéis (Sl 69:28). No momento em que o julgamento do grande trono branco ocorrer, todos esses nomes terão sido removidos, e apenas os nomes dos verdadeiros estarão lá. Se Deus escreveu o nome de uma pessoa no livro da vida, é porque ela é um verdadeiro crente, e seu nome nunca será apagado (Ap 3:5). (Ver Collected Writings of J. N. Darby, vol. 26, págs. 243-244.)

Não temos registro de que essa disputa em Filipos tenha sido resolvida. No entanto, o propósito de ser registrada nas Escrituras é dar à Igreja, como um todo, o remédio de Deus para conflitos internos e disputas dentro de uma assembleia.

Paz nas Circunstâncias Presentes

Vs. 4-9 – O assunto de Cristo sendo o poder ou força para a vida Cristã começa propriamente no versículo 4. Paulo agora oferece um afetuoso adendo às suas observações sobre a união entre os irmãos. Esta próxima série de versículos têm a ver com ter paz em nossas circunstâncias atuais. À primeira vista, pode parecer que está mudando de assunto, mas o que ele acrescenta aqui está relacionado ao que foi acima mencionado.

Todos concordarão que há muitas coisas que testam e provam nossos espíritos na vida cotidiana no planeta Terra. Mas Deus não quer que vivamos com apreensão e ansiedade, como os outros homens, e nos proveu um meio pelo qual podemos viver livres das tensões da vida, e assim sermos capazes de cuidar das coisas do Senhor sem distração. Quando um crente não está em paz consigo mesmo e com suas circunstâncias pessoais, é provável que leve consigo sua ansiedade, impaciência e frustração aonde quer que vá – em sua vida doméstica, no local de trabalho e na assembleia. E se for assim, ele provavelmente será uma fonte de agitação entre seus irmãos e poderá perturbar a paz na assembleia. Deus antecipou este problema e nesta próxima série de versículo Paulo nos dá a maneira pela qual podemos viver livres de ansiedade.

A Cura para a Ansiedade

Paulo passa a apresentar uma série de coisas que poderiam ser chamadas de “A cura para a ansiedade”. Primeiramente, ele diz: “Regozijai-vos sempre no Senhor; outra vez digo, regozijai-vos” (v. 4). Assim, devemos manter um espírito de regozijo em todos os momentos. Esse deveria ser o estado normal da nossa vida diária e isso acontecerá quando andarmos em comunhão com o Senhor. Isso é importante porque, quando as dificuldades e as provações da vida surgirem, estaremos em um estado de alma correto para lidar com elas. Podemos desculpar nossa falta de regozijo e dizer: “Não posso evitar isso por causa de todas as coisas negativas que continuam acontecendo comigo”. O Senhor entende nossa fragilidade humana e, quando nos desanimamos no caminho, Ele derrama o conforto de Deus em nossas almas. Mas, ao mesmo tempo, a exortação de Paulo aqui mostra que somos responsáveis em fazer um esforço para manter um estado feliz de alma. Ele coloca sobre nós o dever de nos regozijarmos “sempre”. É o estado Cristão normal. Isso não significa que devemos ser insensíveis à tristeza e aflição, mas que em tempos de tristeza e aflição, essas coisas não nos farão perder a confiança em Deus (Lc 22:32). Assim, independentemente de quão sombrias nossas circunstâncias possam ser, podemos sempre nos regozijar no Senhor.

Em segundo lugar, Paulo diz: “Seja a vossa moderação [bondade – JND] conhecida de todos os homens. Perto está o Senhor” (v. 5 – ARA). Outras traduções trazem a palavra “moderação” como “equidade” (ARC) ou “mansidão” (TB). Isso indica que devemos viver num espírito de equidade ou mansidão que aceita nossas circunstâncias vindas de Deus sem resistência e rebelião. Saber que “todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus” nos ajuda a nos submetermos ao que o Senhor permitiu em nossa vida (Rm 8:28).

A nota de rodapé da Tradução do J. N. Darby diz que uma leitura alternativa para “moderação” poderia ser “não insistindo em seus direitos”. Isso sugere que podemos estar em uma situação na qual sentimos que alguém levou vantagem sobre nós e sermos tentados a reivindicarmos nossos direitos e contra-atacar. Paulo explica que não precisamos ficar agitados em tais circunstâncias, e sentirmos que temos de fazer algo a respeito – porque “perto está o Senhor!” Ele está prestes a voltar a qualquer momento, e sabendo disso, podemos deixar tudo para Ele resolver corretamente. H. Smith disse: “Em Seu próprio tempo, o Senhor tratará com todo o mal e trará toda a bênção; Sua vinda está próxima. Não é para os crentes, então, interferir no governo do mundo, nem reivindicar seus direitos e lutar por eles” (The Epistle to the Philippians, pág. 23).

“Perto está o Senhor” foi uma palavra de ordem usada entre os Cristãos do primeiro século para animar um ao outro no caminho. Era-lhes um lembrete bem-vindo de que a vinda do Senhor estava próxima. Paulo usou em 1 Coríntios 16:22 uma transliteração grega da sua forma aramaica, quando disse: “Maranata”. Isto significa “Ó vem Senhor”. Seu ponto em usá-la aqui em Filipenses 4 é mostrar que podemos nos permitir ceder nas situações difíceis da vida – mesmo que algumas pessoas tenham sido injustas conosco – porque o Senhor está vindo, e então Ele acertará tudo. Em vista da proximidade da vinda do Senhor, nossas diferenças e disputas são insignificantes e triviais. Além disso, a pessoa que é caracterizada pela brandura e complacência de que Paulo fala aqui, não é capaz de provocar conflitos entre seus irmãos. Um espírito manso promove a unidade e a paz. Por outro lado, uma pessoa com um espírito inflexível, que está sempre insistindo em seus direitos (reais ou imaginários), será uma pessoa de difícil convivência na assembleia. Esta pode ter sido a raiz do problema em Filipos.

Vs. 6-9 – Em terceiro lugar, devemos levar tudo a Deus em oração em nossas vidas – e particularmente aquelas coisas que nos são problemáticas e perturbadoras. Ele diz: “Não estejais inquietos [ansiosos – ARA] por coisa alguma; antes as vossas petições sejam em tudo conhecidas diante de Deus pela oração e súplica, com ação de graças” (v. 6). Assim, Deus quer que estejamos livres de cuidados. Isso não significa que podemos ser descuidados em nossas responsabilidades na vida; Paulo está falando sobre ser livre de agitação, aflição e preocupação. Deus quer que sejamos despreocupados, não descuidados. Devemos entregar nossos fardos e cuidados ao Senhor em oração. Ele quer que os lancemos todos sobre Ele (1 Pe 5:7; Sl 55:22). A palavra “tudo” neste versículo quer dizer tanto coisas grandes, quanto pequenas. Não há nada muito pequeno para se levar ao Senhor em oração.

Que amigo temos em Jesus,

Todos os nossos pecados e tristezas a suportar:

Que privilégio levar

Tudo a Deus em oração!

Oh, que paz muitas vezes perdemos;

Oh, que dor desnecessária suportamos!

Tudo porque não carregamos

Todas as coisas a Deus em oração.

Hinário “Echoes of Grace” nº 282

“Oração” é uma declaração formal das coisas para Deus, enquanto que “súplica” é o contínuo apelo a Ele em relação a um assunto. Assim, oração é geral; súplica é específica. Em súplica, “derramamos” nossos corações diante d’Ele com rogos sinceros (Sl 62:8; Tg 5:16). Então deve haver também “ação de graças”. Agradecer ao Senhor no problema, mesmo antes que Ele tenha respondido, manifesta fé – e Deus honra a fé (1 Ts 5:18; Hb 11:6).

Além disso, Paulo nos encoraja a tornar nossas “petições” conhecidas de Deus concernentes a essas coisas. Nossas petições na oração podem não ser respondidas da maneira que queríamos que fossem – pois podemos pedir “mal” (Tiago 4: 3) e elas podem não ser “segundo a Sua vontade” (1 Jo 5:14- 15). Mas há certo consolo em apenas nos aliviar diante do Senhor e fazer nossas petições serem conhecidas por Ele. Ele prometeu levar Seu povo pelas “águas” profundas da vida (Is 43:2, 63:9) e acalmar nossos espíritos em tempos difíceis – “Multiplicando-se dentro de mim os meus cuidados, as Tuas consolações recrearam a minha alma” (Sl 94:19). W. Kelly disse: “Próximo está o Senhor’. Ele ainda não veio, mas você pode ir até Ele agora e colocar todas as suas petições diante d’Ele, certo de que está próximo; de que Ele está vindo” (Lectures on Philippians pág. 69). Um resumo do versículo 6 é:

- Ansioso por nada. - Orando em tudo. - Grato por qualquer coisa.

O próprio Senhor disse: “Não andeis inquietos [em ansiedade – JND] (Lc 12:29). Preocupar-se e estar aflito sobre algo problemático em nossas vidas é pecado, porque nega o amor de Deus, a sabedoria de Deus e o poder de Deus. Isso questiona se Ele, afinal, realmente nos ama, e questiona se realmente sabe o que está fazendo em nossas vidas, implicando assim que Ele não é capaz de cuidar de nós, como prometeu fazer.

Vs. 7 – Como mencionado, Deus não promete conceder tudo o que pedimos, mas promete nos dar Sua paz. Paulo diz: “E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e os vossos sentimentos em Cristo Jesus”. O tipo de paz a que Paulo se refere aqui é algo prático. Não é o mesmo que “paz com Deus”, que tem a ver com a nossa aceitação diante de Deus por sermos justificados pela fé (Rm 5:1). Como crentes no Senhor Jesus Cristo nunca poderemos perder nossa paz com Deus, pois ela está inseparavelmente ligada à salvação eterna de nossas almas, que nunca poderá ser perdida. Mas um crente no Senhor Jesus pode não viver com a paz de Deus em sua alma e, como Marta, estará “ansiosa e afadigada com muitas coisas” (Lc 10:41). Isso ocorre porque ele não entrega seus fardos ao Senhor em oração, como Paulo ordena aqui.

A paz de Deus é o estado de tranquilidade no qual o próprio Deus habita. Nada perturba a paz que rodeia Seu trono. Ele descansa em perfeita calma e em um estado de serenidade imutável. Nenhuma circunstância na Terra O pode abalar, pois Ele está acima de tudo. Ele vê e conhece todo o sofrimento, tristeza, violência, etc., que acontece neste mundo e não é indiferente a isso. Ele intervirá para colocar tudo em ordem um dia, na Aparição de Cristo. E enquanto esperamos o nosso chamado para o céu (o Arrebatamento), Deus quer que vivamos na mesma paz em que Ele mesmo habita, para que nossos corações e mentes não sejam perturbados pelas coisas problemáticas que surgem em nosso caminho na Terra.

Paulo diz que a paz de Deus “guardará vossos corações e vossos sentimentos [pensamentos – TB]”. Note que guardar nossos “corações” é colocado antes de guardar nossos “sentimentos”. Isso mostra que se nossas afeições estão corretas – centradas em Cristo – nossos pensamentos estarão corretos também (Pv 4:23). Assim, ele diz que é “por meio de Cristo Jesus” (KJV). Se nossas mentes “permanecerem” n’Ele e em Suas coisas, as tempestades da vida podem soprar, mas seremos sustentados em meio a elas (Is 26:3). É uma paz inexplicável que “excede todo o entendimento” e é conhecida apenas por aqueles que a experimentam fazendo essas coisas que Paulo exorta.

“A paz de Cristo” (Jo 14:27; Cl 3:15) é um aspecto ligeiramente diferente da paz prática. Refere-se à paz em que o próprio Senhor viveu quando andou por este mundo. Ninguém viu problemas como Ele viu e ninguém sofreu como Ele. A animosidade que Ele sofreu devido ao ódio e à rejeição dos homens pesou sobre o Seu coração. No entanto, Ele tomou tudo em perfeita calma, sem ser indiferente. Essa calma veio de Sua aceitação dessas circunstâncias vindas da mão de Seu Pai em perfeita submissão (Mt 11:26). Ao deixar este mundo, Ele prometeu dar esta paz aos Seus seguidores (Jo 14:27) porque eles teriam de passar pelo mesmo mundo hostil. A diferença entre “a paz de Cristo” e “a paz de Deus” é que a paz de Deus resulta de levarmos nossos problemas e dificuldades para Deus em oração; enquanto a paz de Cristo resulta de aceitarmos nossos problemas e dificuldades vindos de Deus em submissão.

V. 8 – Em quarto lugar, depois de entregarmos nossos problemas ao Senhor em oração, devemos conscientemente voltar nossos pensamentos para coisas melhores e mais excelentes, e pensar nelas. Paulo diz: “Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto [nobre – JND], tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável [agradável – JND], tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai”. “Nisso” que Paulo nos exorta a pensar não são exatamente os gozos naturais da Terra para os quais devamos voltar nossos pensamentos para nos regozijar, mas as excelências morais de Cristo. Todas estas coisas foram encontradas n’Ele em perfeição quando andou aqui na Terra. No entanto, o contexto da epístola – que tem muito a ver com a paz e a unidade entre os santos – sugere que é para estarmos pensando nessas qualidades morais, não tanto como são encontradas em Cristo pessoalmente, mas como são encontradas em nossos irmãos. Assim, não devemos nos remoer sobre as imperfeições e particularidades pessoais de nossos irmãos que podem nos irritar, mas sim “pensar” nas características de Cristo que Deus está formando neles. Seja qual for a excelência moral que neles exista e qualquer “louvor” que mereça, devemos pensar nessas coisas. Tendo em vista o fato de termos mentes errantes que geralmente tendem para coisas negativas, C. H. Brown disse que talvez tenhamos de recompor nossos pensamentos 50 vezes por dia.

V. 9 – Por fim, devemos seguir o exemplo de Paulo e estarmos ocupados usando nosso tempo e energia no serviço do Senhor. Ele diz: “O que também aprendestes, e recebestes, e ouvistes, e vistes em mim, isso fazei**; e o Deus de paz será convosco**”. Estar ocupado no serviço do Senhor é importante porque a ociosidade só dá oportunidade para os nossos pensamentos voltarem às nossas dificuldades e problemas. Talvez todos já tenhamos dito uma vez ou outra: “Eu tentei pensar em coisas boas e felizes, mas as coisas perturbadoras que me incomodam continuam voltando à minha mente”. Isso geralmente é dito por alguém que não está ocupado o suficiente. A resposta é manter-se ocupado nas coisas do Senhor. Há muito que se fazer. O próprio Senhor disse: “**Levantai os vossos olhos, e vede as terras, que já estão brancas para a ceifa**”. (Jo 4:35).

A promessa aqui é que teremos também “o Deus de paz” conosco em nossas circunstâncias. Isto é, Ele nos concederá um sentido especial de Sua presença e nos manterá indo adiante – mesmo nos momentos mais difíceis. Compare Daniel 3:24-25. W. Scott disse: “Oh! Ter a Ele como seu companheiro de viagem; constantemente ao seu lado; seu Guia; Guardião e Amigo – o Deus de paz!” (Young Christian, vol. 5, pág. 128). Quando vivemos na presença consciente do “Deus de paz”, quem ou o que pode nos incomodar? Esta é a receita de Deus para a paz em nossas presentes circunstâncias.

Resumo da Cura para a Ansiedade

- Regozije-se nas coisas que você tem no Senhor. - Mantenha um espírito de benevolência em todas as circunstâncias e em relação a todas as pessoas. - Leve ao Senhor em oração tudo o que o incomoda. - Pense nas características de Cristo em seus irmãos. - Seja ocupado com as coisas do Senhor.

O Reconhecimento de Paulo e o Agradecimento pela Oferta

Vs. 10-23 – Paulo conclui sua carta fazendo uma referência direta à oferta deles e sua gratidão por isso. Ele havia citado a oferta algumas vezes mais cedo na epístola (caps. 1:5, 2:1, 17, 25), mas agora ele formalmente lhes agradece. Ele diz: “Ora muito me regozijei no Senhor por finalmente reviver a vossa lembrança de mim [cuidado para comigo – TB]; pois já vos tínheis lembrado, mas não tínheis tido oportunidade”. É interessante notar que Paulo esperou até o final para mencionar sua gratidão pela oferta. Isso não foi assim por ser ele indiferente ao fato, mas porque considerava as coisas que abordou anteriormente na epístola referentes ao bem-estar espiritual deles, mais importantes do que seu próprio conforto físico. Isso mostra que Paulo se importava mais com eles do que consigo mesmo!

Ele se “regozijou” não porque tivesse recebido uma oferta dos filipenses, mas porque o amor deles por ele havia “florescido” (KJV) e sido manifesto. Ele valorizava a oferta, mas valorizava mais a empatia e amor que estavam por trás disso. Seu gozo não foi tanto porque havia tido um alívio em suas circunstâncias, mas porque o amor deles por si tinha “revivido”. Paulo sabia que eles de alguma forma haviam se esquecido dele, e isto está implicado ao dizer: “Agora por fim… (KJV)” – isto é, que finalmente vieram ao seu apoio. Ele gentilmente os reprova nisso, mas então os desculpa rapidamente, acrescentando: “mas não tínheis tido oportunidade…”.

O Segredo do Contentamento

Vs. 11-13 – Nestas palavras finais da epístola, vemos em Paulo alguém que era superior às suas circunstâncias. Ele diz: [Eu] Não digo isto como por necessidade [privação – KJV], porque já aprendi a contentar-me com o que tenho. Sei estar abatido, e sei também ter abundância; em toda a maneira, e em todas as coisas estou instruído, tanto a ter fartura, como a ter fome; tanto a ter abundância, como a padecer necessidade”. Ao longo de toda esta passagem, Paulo fala no singular. Ele diz: “eu”, não “nós”. Ele provou por si mesmo a bondade de Deus. A infalível fidelidade de Deus tinha sido sua porção diária. Mesmo que outros o tivessem esquecido e o tivessem negligenciado, ele havia aprendido por experiência que Deus é fiel. Paulo aprendeu a “contentar-se” com qualquer que fosse sua porção na vida. Isso não era algo natural para ele mais do que é para nós – ele havia “aprendido” isso sob a mão de Deus na escola de Deus. Ele havia provado por experiência que Deus era capaz de sustentá-lo em todas as circunstâncias.

Ter “escassez” (JND) (ter pouco) ou “abundar” não é a medida do cuidado de Deus, porque Ele sempre ama e cuida do Seu povo. Se Deus detém Sua mão hoje, é apenas para dar o dobro amanhã. A jornada no deserto e suas experiências apenas provam a fidelidade de Deus para levar Seu povo pelas provações da vida. Em nossas tristezas e dificuldades, aprendemos a extrair os recursos que temos n’Ele – isto é, Seus consolos, Sua bondade, Sua misericórdia, etc. Assim, aprendemos por experiência que Ele é suficiente para todas as coisas na vida, e descobrimos, realmente, quão bom Deus é. O desafio na vida Cristã não é tentar eliminar todas as coisas incômodas de nossas vidas, mas buscar glorificar a Deus nas circunstâncias em que Sua sabedoria nos colocou. As provações e tristezas do deserto não são dadas para nos roubar o nosso gozo no Senhor, mas para provar a Sua fidelidade no meio delas.

Apropriadamente, Paulo conclui dizendo: “Posso todas as coisas naquele que me fortalece” (v. 13). Ele não estava se gloriando aqui; estava simplesmente afirmando que, o que quer que a vida lançasse sobre ele, com a fidelidade de Deus trabalhando em seu favor, ele era superior a isso e poderia lidar com tais questões por meio da graça de Deus. Assim, a paz e o gozo de Paulo não dependiam de bens materiais e confortos humanos. Como esse “poder” que lhe permitia viver acima de suas circunstâncias não era dele próprio, mas algo dado a ele, toda a glória iria para aqu’Ele que o dava – “Cristo”.

Vs. 14-20 – Paulo, então, reconhece a graça e bondade deles para com ele: “Todavia fizestes bem em tomar parte [comunicar – KJV] na minha aflição”. (v. 14). Toda essa beneficência será lembrada por Deus e recompensada adequadamente como a simples questão de semear e ceifar (Gl 6:9). Mas Paulo vai mais longe. Ele não apenas reconhece a graça e gentileza deles, ele os louva, dizendo-lhes que se destacaram acima das outras assembleias a esse respeito. “E bem sabeis também vós, ó filipenses, que, no princípio do evangelho, quando parti da Macedônia, nenhuma igreja [assembleia – JND] comunicou (qualquer coisa – JND) comigo com respeito a dar e a receber, senão vós somente. Porque também uma e outra vez me mandastes o necessário a Tessalônica” (vs. 15-16). Esta última afirmação é bastante notável. Paulo esteve em Tessalônica somente por três Sábados (At 17:2), mas enquanto estava lá, eles lhe enviaram oferta duas vezes! E isso fizeram de sua profunda pobreza! (2 Co 8:2). Isso mostra a sinceridade deles. Os comentários de Paulo aos filipenses aqui certamente os encorajariam a continuar nessa boa obra.

A oferta deles é uma das duas maneiras pelas quais os Cristãos podem contribuir monetariamente. Existe a oferta coletiva da assembleia, como foi o caso aqui (Fp 4:15-18), e a oferta individual (Gl 6:6). A oferta da assembleia viria da “coleta” feita pelos santos no primeiro dia da semana (1 Co 16:1-3).

Vs. 17-18 – Paulo assegura-lhes que ele não os estava bajulando pela oferta, mas estava desejando que os frutos fossem acumulados na conta deles. Ele diz: “Não que procure dádivas, mas procuro o fruto que abunde para a vossa conta”. Assim, Paulo estava pensando no ganho espiritual deles, não em seu ganho monetário. É preciso fé por parte de quem dá, para acreditar que Deus levará a sua oferta em conta no céu (Lc 12:33). Mas quando a fé simples está ativa, e acreditamos no que Deus diz sobre recompensar quem dá, faremos isso com prazer. Hudson Taylor disse que o problema que está por trás da falta de apoio da Igreja ao trabalho do Senhor, não é fundos insuficientes, mas fundos não consagrados!

Paulo acrescenta: “Mas bastante tenho recebido, e tenho abundância: cheio estou, depois que recebi de Epafrodito o que da vossa parte me foi enviado, como cheiro de suavidade e sacrifício agradável e aprazível a Deus”. Ao afirmar isso, deixou claro que a oferta deles havia atendido sua necessidade, e não precisava de mais nada deles. Essa observação foi importante porque depois do que ele havia dito sobre dar e receber poderia parecer que estava querendo mais ofertas deles – mas nessa declaração deixou claro que não era necessário. Parece estranho no atual mundo moderno do ministério Cristão encontrar um servo que não suplique aos santos para que lhe deem mais – mas esse era o estado de Paulo. Ele tinha o suficiente e estava contente com isso. Os servos de hoje em dia poderiam tirar daqui uma lição.

Ao fazer referência a “o que” eles enviaram sugere que lhes deram mais do que dinheiro. Sua oferta foi um “sacrifício agradável” a Deus e também algo “aprazível” a Deus. É um dos três tipos de sacrifícios no Cristianismo:

- DAR LOUVOR – “Portanto ofereçamos sempre por Ele a Deus sacrifício de louvor, isto é, o fruto dos lábios que confessam o Seu nome” (Hb 13:15; 1 Pedro 2:5). - DAR MATERIALMENTE – “E não vos esqueçais da beneficência e comunicação, porque com tais sacrifícios Deus Se agrada” (Hb 13:16; Fp 4:18). - DAR NOSSAS VIDAS (nosso tempo e energia) – “Apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional [inteligente – JND]” (Rm 12:1).

Vs. 19-20 – Para encorajar os filipenses no que haviam feito para apoio à obra do Senhor, Paulo não apenas assegurou-lhes que Deus os recompensaria em um dia vindouro, mas que Deus também lhes compensaria o que haviam sacrificado materialmente para apoiá-lo em seu trabalho. Ele disse: “O meu Deus, segundo as Suas riquezas, suprirá todas as vossas necessidades em glória, por [em – TB] Cristo Jesus”. Isso mostra que o velho provérbio “Deus não é devedor do homem” é realmente verdadeiro. Como tem sido frequentemente assinalado, Paulo não disse que Deus supriria todos os seus desejos carnais (se tivessem algum), mas que Ele supriria todas as suas necessidades. E isso seria “segundo as Suas riquezas em glória”, e não de acordo com os desejos terrenos deles, ou com os desejos de Paulo para eles. Ao declarar isso, Paulo reconheceu que Deus sabia o que era melhor para os filipenses e, portanto, ficaria feliz em deixar tudo em Sua mão para supri-los materialmente de acordo com o que Sua perfeita sabedoria julgasse melhor. Paulo diz: “Meu Deus”, não “seu Deus”, porque estava falando da perspectiva da experiência pessoal. Ele havia provado pessoalmente a verdade do versículo 19.

Uma pequena doxologia5 de louvor estava em ordem aqui, e Paulo, portanto, apropriadamente acrescenta: “Ora a nosso Deus e Pai seja dada glória para todo o sempre. Amém” (v. 20).

Saudações Finais de Paulo

Vs. 21-23 – No encerramento, Paulo enviou suas saudações a “todos os santos” em Filipos, e também lhes transmitiu os cumprimentos dos santos de Roma – e com menção “especialmente os da casa de César!” O evangelho de algum modo alcançou os servos na casa do imperador e eles foram salvos! Tal é a graça de Deus! Assim, precisamos da misericórdia de Deus para suprir nossas necessidades corporais e “a graça de nosso Senhor Jesus Cristo” para manter nossos espíritos.

CONTRACAPA

Esta epístola é única na medida em que nos dá uma visão extraordinária da vida interior de Paulo, de uma forma que nenhuma outra epístola faz. Em quatro capítulos curtos, ele faz referência a si mesmo cerca de 90 vezes! A partir disso, vemos que ele se sentia à vontade para falar de si mesmo aos filipenses de uma maneira que faria somente com aqueles que eram seus amigos mais íntimos. Paulo sabia que eles o tinham em seus corações (Fp 1:7), em suas orações (Fp 1:19) e que haviam provado seu amor para com ele, dando-lhe da sua profunda pobreza – e isso mais do que uma vez (2 Co 8:1-2; Fp 4:15-16). Tendo esse vínculo com os filipenses, Paulo teve a liberdade de revelar seus sentimentos e desejos interiores de uma maneira extremamente aberta.

Ele escreve espontânea e informalmente, como um amigo derramando seu coração para aqueles que o amam. Ao fazer isso, vemos a experiência de um homem em Cristo vivendo em comunhão com Deus e no gozo de suas bênçãos celestiais.

Assim, a epístola nos dá a oportunidade de examinar os pensamentos e sentimentos interiores de Paulo e ver em primeira mão o que deve caracterizar a vida Cristã normal. Sendo permitido sondar sua alma, como esta epístola nos proporciona, descobrimos que há apenas uma coisa nela – Cristo! Cristo e Seus interesses eram o resumo e a essência de sua vida, como ele diz tão bem no capítulo 1:21 – “Porque para mim o viver é Cristo, e o morrer é ganho”.

Com uma ocupação tão singular e gloriosa envolvendo o coração e a mente de Paulo, o vemos regozijando-se em espírito – embora estivesse vivendo em condições muito desfavoráveis.

Aprendemos com isso que o segredo para se ter uma vida Cristã feliz e frutífera é fazer de Cristo o nosso único objetivo e nos dedicar a promovermos Seus interesses na Terra.

Notas

[←1]

k Ou “em todos os outros [lugares]”. O Pretório era a Guarda Imperial ou os seus quarteis generais

[←2]

N. do T.: no grego a palavra “uihos” do v. 14 e a palavra “teknon” do v. 16 são indistintamente traduzidas nas versões de Almeida em português como “filhos”

[←3]

Qualidade daquele que voluntariamente cede à vontade de outro.

[←4]

N. do T.: A palavra “let” (permita) é incluída nas versões inglesas KJV e JND. O versículo 5 seria, numa tradução livre, “permitam que esta mente esteja em vós”.

[←5]

Provém do latim doxologia, que por sua vez vem do termo grego doxa, que significa “opinião” ou “glória”, com o sufixo -logia, que se refere à expressão oral ou escrita. Portanto, “doxologia” é uma expressão oral ou escrita de louvor e glorificação.

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