CAPÍTULO 9 - A ELEIÇÃO DIVINA POR MEIO DE UMA NAÇÃO

(Romanos 9)

COMO se pode perceber, há agora uma mudança na epístola. Os próximos três capítulos formam um parêntese. A justiça de Deus já foi completamente revelada e explicada em Seu proceder, tanto para com os judeus como para com os gentios, por meio da qual ambos têm acesso a Deus. Ambos igualmente culpados, e agora ambos igualmente justificados; de modo que não há mais condenação, e nem separação do amor de Deus em Cristo Jesus nosso Senhor. Todavia, se isto é assim, como ficam as promessas especiais feitas a Israel por meio dos profetas? Este é o assunto tratado nestes três capítulos.

Teria o apóstolo, que com tanta clareza trouxe à tona esta verdade de que agora não há diferença no modo de Deus tratar a ambos, deixado de amar a nação de Israel? Não, seu amor por eles era tão intenso que, como Moisés na Antiguidade (veja Êxodo 32:32), ele, por assim dizer, ficara fora de si. Ele diz: "Tenho grande tristeza e contínua dor no meu coração. Porque eu mesmo poderia desejar ser separado de Cristo, por amor de meus irmãos, que são meus parentes segundo a carne". (Rm 9:2,3) Em alguns casos, aquele amor tão intenso levou-o a agir fora da direção do Espírito Santo, como em Atos 20.22 e 21.4. Não há dúvida de que o Senhor suportou Seu devoto servo, e transformou tudo em bem -- ao menos para nós -- apesar de Paulo haver sofrido a prisão e a morte. O quanto deve ter isto acrescentado à sua dor de coração -- ser odiado e perseguido em cada cidade por aqueles que ele amou tão profundamente. Que semelhança com seu Senhor, ao Qual ele serviu com tanta devoção.

Paulo reconhece a totalidade dos privilégios que eles tinham como nação. "Que são israelitas, dos quais é a adoção de filhos, e a glória, e os concertos, e a lei, e o culto, e as promessas; dos quais são os pais, e dos quais é Cristo segundo a carne, O qual é sobre todos, Deus bendito eternamente: Amém." (Rm 9:4,5)

Que privilégios! A nação adotada, com a qual Deus havia habitado no tabernáculo. Esses privilégios nunca haviam sido dados a nenhuma outra nação. O Deus eterno havia Se encarnado, vindo como Um daquela nação. Tudo isto é plenamente reconhecido. Ele que é sobre tudo, Deus bendito para sempre, no que concerne à carne, ao corpo, nasceu de Maria, da descendência real daquela nação.

Mas um outro princípio é agora apresentado. Deus havia, sem dúvida alguma, feito diferença, ainda na própria descendência de Abraão. Os da descendência de Abraão não eram todos os eleitos, filhos adotivos da promessa. "Em Isaque será chamada a tua descendência." (Rm 9:7) "Os filhos da promessa são contados como descendência." (Rm 9:8) Uma multidão brotou de Abraão; mas Ismael foi rejeitado, e foi só em Isaque que foi escolhida a descendência.

O mesmo propósito de Deus havia na eleição de Jacó. A Sara foi dito, "O maior servirá o menor". (Rm 9:12) Também foi escrito, embora muitas centenas de anos depois, por Malaquias, "Amei Jacó, e aborreci Esaú". (Rm 9:13) Este assunto do livre e soberano favor de Deus é o grande momento da explanação de Paulo; e nenhum dos que crêem nas Escrituras poderia duvidar disso nos casos a que nos referimos acima. E Deus disse a Moisés: "Compadecer-me-ei de quem Me compadecer, e terei misericórdia de quem Eu tiver misericórdia". (Rm 9:15) Portanto, Deus certamente tinha o soberano direito de demonstrar misericórdia para com os gentios, sendo justamente isto que ofendeu tanto os judeus. É notável o fato de que todos os que dizem ser judeus agora, ou que colocam-se no terreno do judaísmo, estejam sempre disputando a soberana graça de Deus.

Muitos homens ilustres negam a soberania divina, mas Deus é mais sábio que os homens. Não podemos nos esquecer de que, pela cruz, ficou comprovado que o homem encontra-se em inimizade para com Deus. O homem não tem nada, na sua natureza, que o leve a desejar Deus. "Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que Se compadece." (Rm 9:16) Isto é algo extremamente humilhante, mas certamente é verdadeiro. Faraó é dado como uma amostra da impiedade do homem, e do justo juízo de Deus sobre ele. Por muito tempo Deus suportou sua ousada infidelidade e rebelião, até que, no justo governo de Deus, Faraó foi endurecido e abandonado à sua própria destruição. Que todo rebelde contra Deus fique bem atento, caso contrário a maldição de Faraó cairá também sobre ele. Faraó disse: "Quem é o Senhor, cuja voz eu ouvirei, para deixar ir Israel? Não conheço o Senhor, nem tão pouco deixarei ir Israel". (Êx 5:2) O escarnecedor de nossos dias que se cuide, caso contrário seu coração poderá ser endurecido contra o Senhor, levando-o à eterna destruição.

"Logo pois compadece-Se de quem quer, e endurece a quem quer." (Rm 9:18) Os homens podem dizer: Se é isto o que acontece, "por que Se queixa Ele ainda? Porquanto, quem resiste à Sua vontade?" (Rm 9:19) Não resistiu Faraó a Deus?

Não tem você resistido e recusado Deus? "Quem és tu, que a Deus replicas?" (Rm 9:20) Será que a mera criatura, a coisa formada, tem o direito de perguntar: "Por que me fizeste assim?" Jamais! Acaso Deus me formou assim? Muito pelo contrário. Seria Ele o Autor de toda a rebelião e pecado do homem? Veja que esta não é uma afirmação, mas uma pergunta -- "Não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra?" (Rm 9:21) Não é Deus soberano? Aqui não está afirmando que Ele tenha feito alguém para desonra. Sua ira contra toda a impiedade é conhecida, mas por quanto tempo Ele suportou, com muita paciência, os vasos de ira preparados para destruição? Acaso não foi Faraó quem se preparou a si próprio para destruição? O mesmo pode ser dito de cada pecador.

Trata-se, no entanto, de uma verdade das mais benditas que Ele preparou de antemão os vasos de misericórdia para a glória. No que diz respeito a estes, é tudo o soberano favor em conformidade com as riquezas da Sua glória. "Para que também desse a conhecer as riquezas da Sua glória nos vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou." (Rm 9:23) O homem prepara a si próprio para a destruição, como os judeus estavam fazendo. Deus prepara os vasos de misericórdia para a glória.

"Os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios" (Rm 9:24), citando Oséias para comprovar isto: "Chamarei Meu povo ao que não era Meu povo; e amada à que não era amada". (Rm 9:25) Ele prova, assim, por meio do profeta do próprio povo de Israel, que a misericórdia seria demonstrada aos gentios.

Então ele cita Isaías, e demonstra que é somente um remanescente de Israel que deverá ser salvo. Sim, "se o Senhor dos Exércitos nos não deixara descendência, teríamos sido feitos como Sodoma, e seríamos semelhantes a Gomorra." (Rm 9:29) Certamente, o fato de haverem rejeitado Jesus, O qual Deus fez Senhor e Cristo, provou que a culpa deles nunca poderia ter sido maior. Mas a perversidade humana conseguiu chegar mais além: eles mataram o Justo e Santo de Deus, e, com tudo isso, ainda apegaram-se à lei para justiça.

"Que diremos pois? Que os gentios, que não buscavam a justiça, alcançaram a justiça? Sim, mas a justiça que é pela fé. Mas Israel, que buscava a lei da justiça, não chegou à lei da justiça." (Rm 9:30,31) Os judeus buscavam justiça pela guarda da lei, mas nunca a alcançaram. Não acontece o mesmo até hoje? Todos os que se colocam em terreno judaico, e buscam ser justos pela guarda da lei -- não importa qual lei -- nunca podem alcançar justiça. Nunca podem estar certos de que estão suficientemente justos para Deus justificá-los, e, portanto, nunca chegam a ter paz com Deus. Quanto mais religião um homem inconverso tiver, mais difícil será para o evangelho alcançá-lo. E por que não chegaram à justiça ou à justificação? "Por quê? Porque não foi pela fé, mas como que pelas obras da lei: tropeçaram na pedra de tropeço." (Rm 9:32) E como foi que os gentios chegaram à justiça, e alcançaram a paz com Deus? Por escutarem as boas novas de misericórdia para com eles, por meio do sangue do Redentor; creram em Deus; foram justificados; tiveram, crendo em Deus, paz com Deus. E não é assim que acontece até hoje? O evangelho é ouvido por uma pessoa que cresceu sob a lei, esperando algum dia poder guardá-la até tornar-se justa, e então espera que, em um outro mundo, depois do dia do juízo, tenha vida eterna e paz com Deus. Tomada, com frequência, por dúvidas sombrias -- e até presságios de uma condenação eterna -- ela tenta todos os expedientes humanos -- um sacerdócio no qual possa depositar, se for uma pessoa sincera, a escuridão de sua alma, o peso de seus pecados, e o pavor de seu futuro. Poderá uma pessoa assim alcançar uma justiça que a torne apta para a presença de Deus? Nunca. Poderia algum outro expediente religioso conceder a bendita paz com Deus? Nenhum.

Quão diferente é quando um pobre, culpado, ignorante e sobrecarregado pecador escuta o evangelho e crê nele, como os gentios da Antiguidade! Não possuíam a lei, e não buscavam justiça pelas obras da lei. Ouviram a doce história do amor de Deus para com pecadores como eles. Ouviram como Deus havia Se apiedado deles -- sim, havia dado Seu Filho amado para morrer por eles; que Ele havia morrido, o Justo pelo injusto; que Deus O ressuscitara de entre os mortos. Ouviram as boas novas do perdão de pecados por meio dEle; ouviram, creram, foram justificados de todas as coisas, tiveram paz com Deus. Querido leitor, será que você também ouviu e creu assim? Estará você já justificado? Se assim for, não tem já paz com Deus? Nosso próximo capítulo revelará isto mais completamente.