Será que “Israel de Deus” em Gálatas 6:16 significa que os cristãos são israelitas?

Gálatas 6:16

“E a todos quantos andarem conforme esta regra, paz e misericórdia sobre eles e sobre o Israel de Deus.” Gálatas 6:16

O termo “Israel de Deus” (Gálatas 6:16) é usado pelos seguidores da Teologia do Pacto como prova de que os cristãos seriam israelitas espirituais. Isso é mais uma vez uma mera menção feita por Paulo que precisa ser colocada no contexto a fim de ser corretamente entendida. Tirar três ou quatro palavras de um versículo e construir em torno delas uma doutrina não passa de uma fraca teologia.

O que então quer dizer esta frase? Ela se refere àqueles da nação de Israel (israelitas de nascença) que foram salvos pela graça de Deus e agora são parte da Igreja (Romanos 11:5). O artigo “e” na frase “e sobre o Israel de Deus” distingue os crentes judeus dos que pertencem à companhia dos cristãos. Paulo faz menção deles no final da epístola porque o cerne de suas observações ao longo da carta tinha sido de reprimenda aos cristãos por estarem adotando a Lei de Moisés e introduzindo princípios legalistas no Cristianismo. Ele queria que fosse demonstrada uma “misericórdia” especial para com seus conterrâneos (judeus convertidos) que tinham antecedente israelita. Se por um lado não havia desculpa para cristãos gentios por natureza adotarem a Lei, Paulo queria que os santos das assembleias da Galácia fossem pacientes com aqueles dentre eles que tinham ascendência judaica e demoravam a abandonar as amarras do Judaísmo. Ele sabia que não era fácil para quem tinha sido criado naquele sistema deixar de lado tudo de uma só vez (Lucas 5:39), e por isso era preciso demonstrar paciência para com eles (Romanos 14:1-6). A epístola aos Hebreus é testemunha disso.

Será que o chamado para abençoar os gentios, prometido no Antigo Testamento, é o Evangelho da Graça de Deus pregado hoje?

Deus prometeu abençoar os gentios por meio de um chamado evangelístico (Isaías 42:1-8; 49:3-8; 52:7; 55:1-5). Os teólogos do Pacto nos dizem que aquela promessa está se cumprindo hoje no chamado do Evangelho da Graça de Deus (Atos 20:24). As passagens do Novo Testamento que usam para tentar provar isso são Atos 13:46-47, 2 Coríntios 6:2 e Romanos 10:15.

Atos 13:46-47 — “Mas Paulo e Barnabé, usando de ousadia, disseram: Era mister que a vós se vos pregasse primeiro a palavra de Deus; mas, visto que a rejeitais, e não vos julgais dignos da vida eterna, eis que nos voltamos para os gentios; porque o Senhor assim no-lo mandou: Eu te pus para luz dos gentios, A fim de que sejas para salvação até os confins da terra.”

Paulo e Barnabé estavam pregando o evangelho da graça de Deus aos judeus e prosélitos gentios em Antioquia da Pisídia. Mas quando os judeus rejeitaram a mensagem, Paulo citou Isaías 49:6, discernindo daquela passagem o que ele e Barnabé deveriam fazer naquela situação — o objetivo era alcançar os gentios com aquela mensagem de graça.

Os teólogos do Pacto nos dizem que Atos 13:47 seria o cumprimento de Isaías 49:6, pois esta passagem é citada em Atos todavia, como já mencionamos, existe uma regra geral de que quando uma profecia do Antigo Testamento se cumpre no tempo do Novo Testamento o texto diz que é isso que está acontecendo. Todavia, não existe tal declaração em Atos 13:47. Dizer que se trata de um cumprimento da profecia quando o Espírito Santo não faz menção a isso é violar um dos princípios básicos de interpretação bíblica. Além disso, Isaías 49:6 não está falando de evangelistas cristãos recebendo um chamado para pregar o Evangelho da Graça de Deus aos gentios, e nem está falando do remanescente de judeus fiéis que no futuro receberão um chamado para pregar o Evangelho do Reino aos gentios. Um exame atento da passagem mostrará que ela tem a ver com uma palavra de encorajamento ao Senhor Jesus quando Ele foi rejeitado por ocasião de Sua primeira vinda (Isaías 49:4-5). Quando os judeus O rejeitaram, Deus prometeu a Jesus que em um dia futuro Ele não apenas seria recebido pelos “preservados”, que constituirão o remanescente de judeus, mas também pelas dez “tribos de Jacó”. E mais que isso, o Senhor seria uma bênção para milhões de “gentios” que seriam introduzidos no reino nessa ocasião. (Apocalipse 7:9). A passagem em Isaías indica que os judeus e as dez tribos devem ser restauradas ao Senhor antes que a bênção à qual Isaías estava se referindo em conexão com os gentios fosse realizada por eles. Isso obviamente ainda não aconteceu. Isso mostra que o que Isaías estava dizendo não poderia ser a mesma coisa que está acontecendo hoje na pregação do Evangelho da Graça de Deus. O chamado atual é algo diferente, ainda que esteja alinhado com o modo de proceder de Deus. É por isso que Isaías é citado aqui em Atos 13.

Paulo estava apenas fazendo uso de Isaías 49:6 (que textualmente se refere ao Senhor Jesus) para sua própria senda de serviço. Da passagem ele extraiu o ensino de que ele e Barnabé deveriam ir aos gentios com o Evangelho da Graça de Deus porque os judeus haviam voltado suas costas para sua mensagem. Paulo acreditava que o Senhor lhe havia enviado neste sentido, considerando o princípio que está envolvido naquele versículo.

2 Coríntios 6:2 — “Porque ele diz: Eu te ouvi no tempo da oportunidade e te socorri no dia da salvação; eis, agora, o tempo sobremodo oportuno, eis, agora, o dia da salvação”.

Os teólogos do Pacto nos dizem que, por Paulo haver citado Isaías 49:8 em 2 Coríntios 6:2 em conexão com a pregação do evangelho nestes tempos da era cristã, isso provaria (para eles) que Isaías 49 estaria se cumprindo hoje, e que a bênção prometida para os gentios em Isaías 49 estaria sendo realizada em nossos dias em algum sentido espiritual por aqueles que creem.

Volto a repetir que o Espírito de Deus não diz que este versículo é um cumprimento, portanto aventurar-se a dizer que é não passa de uma afirmação infundada. A passagem em Isaías 49:9 não está falando do chamado de Deus para obreiros cristãos pregarem o evangelho. Isaías estava falando profeticamente do encorajamento dado por Deus ao Messias de Israel (o Senhor Jesus) quando Ele foi rejeitado em Sua primeira vinda (Isaías 49:4; João 1:11). Deus prometeu a Ele naquela ocasião que Sua oração concernente à salvação de Israel seria ouvida em “tempo aceitável” (Isaías 49:8) — o que ocorrerá em Sua segunda vinda — na Manifestação de Cristo (Salmos 110:3). Aquele dia será um “dia da salvação” para o remanescente de Israel. Deus irá operar para sua bênção e prometeu assistir o Senhor nessa realização. Paulo faz uma aplicação a partir de Isaías 49:8 para encorajar cristãos a se ocuparem em servir no tempo presente quando o Evangelho da Graça de Deus está sendo pregado. O ponto que Paulo quer ressaltar é que podemos contar com a assistência de Deus nesta obra de modo similar (compare com Marcos 16:20). Ele coloca diante dos olhos dos coríntios a passagem como um encorajamento para eles se envolverem no “ministério da reconciliação” (2 Coríntios 5:18-20) “na qualidade de cooperadores” (2 Timóteo 6:1 ARA) com ele e Timóteo.

Portanto, o “dia da salvação” ao qual Isaías estava se referindo não é este presente dia da salvação, mas um tempo futuro em conexão com a bênção de Israel. Todavia, o princípio contido no versículo é válido para todas as épocas, pois Deus está profundamente interessado em alcançar os gentios com o evangelho, tanto agora como num dia vindouro. Por esta razão a passagem é mencionada em 2 Coríntios 6.

Romanos 10:15 — “E como pregarão, se não forem enviados? Como está escrito: Quão formosos os pés dos que anunciam o evangelho de paz; dos que trazem alegres novas de boas coisas”.

Os teólogos do Pacto dizem que, uma vez que Isaías 52:7 (que tem a ver com a salvação e bênção de Israel) é citado neste versículo de Romanos 10 em conexão com a pregação do evangelho hoje, então isso provaria que aqueles que creem no evangelho hoje se tornam israelitas espirituais.

Volto a repetir que Romanos 10 não declara que Isaías 52:7 estaria se cumprindo nos dias de hoje. Paulo citou o versículo do Antigo Testamento para mostrar que é um privilégio anunciar “o evangelho” e trazer “alegres novas” de salvação para o povo. As boas novas mencionadas em Isaías 52:7 são aquelas que os arautos judeus irão anunciar em um tempo futuro ao povo que tiver sido deixado na terra de Israel após o Rei do Norte a ter devastado (Daniel 11:40-42). Sua mensagem será que o Messias voltou e está prestes a estabelecer Seu reino em justiça, e assim salvar Seu povo de seus inimigos que terão destruído sua terra. Paulo estava fazendo uma aplicação daquele versículo de Isaías, pois, independente de ser cristã a mensagem que anuncia as boas novas da obra consumada de Cristo na cruz ou, no caso dos judeus, as boas novas de que Cristo terá voltado para estabelecer Seu reino, em ambos os casos deve ser considerado um privilégio poder anunciá-las.