UMA PALAVRA AO EVANGELISTA

CREMOS que não será considerado inoportuno se nos aventurarmos a oferecer uma palavra de conselho e encorajamento a todos aqueles que estão engajados na bendita obra de pregar o evangelho da graça de Deus. Estamos, até certo ponto, conscientes das dificuldades e dos desencorajamentos que costumam frequentar a senda de todo evangelista, seja em sua esfera de trabalho ou na medida de seu dom; e é nosso desejo animar os corações e manter erguidas as mãos de todos os que possam estar em perigo de cair sob o poder desanimador dessas coisas. Sentimos cada vez mais a imensa importância de um testemunho sincero e fervoroso do evangelho em todo lugar; e tememos ao extremo qualquer deserção neste campo. Somos imperativamente chamados a fazer "a obra dum evangelista" (2 Tm 4:5), e a não abandonarmos essa obra sob quaisquer pretextos ou desculpas que possam surgir.

Ao escrevermos assim, é bom que ninguém pense que estamos querendo diminuir, mesmo que um pouco, o valor do ensino, da pregação para crentes e da exortação. Nada poderia estar mais longe de nossos pensamentos. "Deveis, porém, fazer estas coisas, e não omitir aquelas." (Mt 23:23) Não temos a intenção de comparar a obra do evangelista com a do mestre ou doutor, ou exaltarmos aquela à custa desta. Cada uma tem seu próprio lugar, seu próprio interesse e sua importância peculiar.

Mas, por outro lado, será que não há o perigo do evangelista abandonar sua própria obra, tão preciosa, a fim de se entregar à obra do ensino e da pregação para crentes? Será que não existe o perigo do evangelista acabar mesclando-se em mestre ou doutor? Tememos que exista tal perigo; e é sob a influência deste temor que escrevemos estas poucas linhas. É com profunda preocupação que observamos que alguns, que outrora eram reconhecidos entre nós como evangelistas fervorosos e eminentemente bem-sucedidos, agora quase que abandonaram completamente sua obra, tornando-se mestres e pregadores para crentes.

Isto é extremamente deplorável. Nós verdadeiramente desejamos evangelistas. Um verdadeiro evangelista é quase uma raridade tão grande quanto um verdadeiro pastor. Oh! como ambos são raros! E ambos estão intimamente ligados. O evangelista reúne as ovelhas; o pastor as alimenta e cuida delas. A obra de cada um encontra-se bem próxima do coração de Cristo — o Divino Evangelista e Pastor; mas é com o primeiro que queremos tratar agora — para encorajá-lo em seu trabalho, e adverti-lo da tentação de se desviar dele. Não podemos admitir a perda de sequer um embaixador logo agora, e não queremos ver nem mesmo um só pregador em silêncio.

Estamos perfeitamente cônscios do fato de que há, em certos círculos, uma forte tendência de se jogar água fria sobre a obra de evangelização. Existe uma lamentável falta de simpatia para com o pregador do evangelho, e, como consequência, acaba faltando também uma cooperação ativa para com ele em sua obra. Além do mais, há um modo de se falar da pregação do evangelho que não está muito em sintonia com o coração daquele que chorou sobre pecadores impenitentes, e que pôde dizer, bem no início de Seu bendito ministério, "o Espírito do Senhor é sobre Mim, pois que Me ungiu para evangelizar os pobres". (Lc 4:18; Isaías 61:1) E também, "Vamos às aldeias vizinhas, para que Eu ali também pregue; porque para isso vim". (Mc 1:38) Nosso bendito Senhor foi um infatigável pregador do evangelho, e todos os que estão imbuídos de Sua vontade e de Seu espírito tomarão um vívido interesse na obra de todos aqueles que estejam buscando, cada um em sua fraca medida, fazer o mesmo que Ele fez. Esse interesse ficará evidenciado, não só pela sincera oração por bênção divina sobre a obra, mas também por esforços diligentes e constantes para que almas imortais sejam expostas ao som do evangelho.

É esta a maneira de se ajudar o evangelista, e isto compete a cada membro da Igreja de Deus — seja homem, mulher ou criança. Dessa forma todos podem ajudar no desenvolvimento da gloriosa obra de evangelização. Se cada membro da assembleia trabalhasse diligentemente e em oração neste sentido, quão diferentes as coisas seriam para os queridos servos do Senhor que estão procurando tornar conhecidas as inescrutáveis riquezas de Cristo.

Mas, oh! com que frequência dá-se o oposto. Com que frequência escutamos, até mesmo partindo daqueles que têm alguma reputação de possuírem inteligência e espiritualidade, ao se referirem às reuniões de pregação do evangelho, frases como: — Ah!, não vou; vai ser só o evangelho.

Pense nisto! "Só o evangelho". Se colocassem a mesma ideia em outras palavras, estariam dizendo: É só o coração de Deus — só o precioso sangue de Cristo — só o glorioso registro do Espírito Santo!

É assim quando colocamos as coisas claramente. Não há nada mais triste do que ouvir cristãos professos falando dessa maneira. Isto prova, com toda a clareza, que suas almas estão bem longe do coração de Jesus. Temos visto, invariavelmente, que aqueles que pensam e falam levianamente da obra do evangelista são pessoas de muito pouca espiritualidade.

Por outro lado, os mais devotos, os mais sinceros, os mais bem esclarecidos santos de Deus, procuram ter sempre um profundo interesse nesta obra. E como poderia ser diferente? Acaso a voz das Sagradas Escrituras não dá o mais claro testemunho acerca do interesse que a Trindade tem na obra do evangelho? Certamente que sim. Quem foi que pregou o evangelho pela primeira vez? Quem foi o primeiro arauto da salvação? Quem anunciou pela primeira vez as boas novas da ferida Semente da mulher? O próprio Senhor Deus, no jardim do Éden. Trata-se de um fato convincente que está ligado ao nosso tema. E, indo mais longe, deixe-nos perguntar quem foi o mais fervoroso, o mais trabalhador e fiel Pregador que já pisou nesta terra? O Filho de Deus. E Quem tem estado a pregar o evangelho nos últimos dezoito séculos?* O Espírito Santo enviado do céu.

[Nota do Tradutor: O autor viveu no século dezenove.]

Temos, assim, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, todos verdadeiramente engajados na obra de evangelização; e se assim é, quem somos nós para ousarmos falar levianamente de tal obra? Oh, que todo nosso ser moral seja revolvido pelo Espírito de Deus para sermos capazes de acrescentar nosso fervoroso e profundo Amém a estas preciosas palavras inspiradas: “Quão formosos os pés dos que anunciam a paz, dos que anunciam coisas boas!" (Rm 10:15; Isaías 52:7).

Todavia, pode ser que estas linhas estejam sendo perscrutadas por alguém que, tendo estado engajado na obra da pregação do evangelho, comece a sentir-se um pouco desencorajado. Pode ser que tenha sido chamado a pregar no mesmo lugar durante anos e se sinta oprimido pelo pensamento de ter que se dirigir à mesma audiência, sobre o mesmo assunto, semana após semana, mês após mês, ano após ano. Talvez se sinta como se estivesse deixando de experimentar algo de novo, algo mais vivo, diferente. Talvez tenha o desejo de atuar numa nova esfera, onde os assuntos que lhe são familiares sejam novidade para as outras pessoas. Ou, se não puder fazê-lo, pode ser que se sinta guiado a substituir palestras e explicações de passagens pela pregação fervorosa, direta e sincera do evangelho.

Se, em qualquer medida, conseguirmos despertar os sentimentos do leitor para este assunto, cremos que lhe será de grande ajuda em seu trabalho ter em mente que o principal grande tema do verdadeiro evangelista é Cristo. O poder para desenvolver este tema é o Espírito Santo. Aquele a quem este tema deve ser apresentado é o pobre pecador perdido. Ora, Cristo é sempre novo; o poder do Espírito Santo é sempre atual; a condição e o destino da alma são sempre de intenso interesse.

Além do mais, seria bom que o evangelista tivesse em mente, em cada nova situação em que se levantasse para pregar, que seus ouvintes inconversos são totalmente ignorantes do evangelho e, portanto, ele deveria pregar como se fosse a primeira vez que eles estivessem escutando a mensagem, e a primeira vez que ele a estivesse pregando. Pois deve ser lembrado que a pregação do evangelho, na divina acepção da palavra, não é uma mera e árida afirmação da doutrina evangélica — uma certa fórmula de palavras repetidas vez após outra em uma enfadonha rotina. Longe disso! O evangelho é realmente o imenso e amoroso coração de Deus transbordando e fluindo em direção ao pobre pecador perdido, em torrentes de vida e salvação. É a apresentação da morte expiatória e da gloriosa ressurreição do Filho de Deus; e tudo na sempre nova, efusiva e fresca energia do Espírito Santo, proveniente da inexaurível mina das Sagradas Escrituras.

Deve ainda ser lembrado que o objetivo principal, no qual deve estar absorvido o pregador, é o de ganhar almas para Cristo, para a glória de Deus. Para isso ele labuta e pleiteia; para isso ele ora, chora e agoniza; para isso ele troveja sua voz, clama e se atraca ao coração e à consciência de seu ouvinte. Seu alvo não é ensinar doutrinas, ainda que doutrinas possam ser ensinadas; seu objetivo não é explicar as Escrituras, embora as Escrituras possam ser explicadas. Estas coisas estão no âmbito do mestre ou do que prega para crentes; mas, e que isto nunca seja esquecido, o objetivo do pregador é colocar o Salvador e o pecador juntos — ganhar almas para Cristo. Que Deus possa, por Seu Espírito, conservar estas coisas diante de nossos corações, a fim de termos um interesse mais profundo na gloriosa obra de evangelização!

Concluindo, gostaríamos apenas de acrescentar uma palavra de exortação a respeito da noite de domingo, o dia do Senhor. Com todo afeto, gostaríamos de dizer aos nossos amados e honrados obreiros: Procurem dedicar aquela hora à grande obra da salvação da alma. Há 168 horas na semana e, certamente, não é muito que devotemos uma delas para esta importante obra. Pode ser que justamente nessa hora venhamos a alcançar o ouvido do pecador que está próximo. Oh, usemo-la para espalhar a doce história do gratuito amor de Deus e da plena e completa salvação de Cristo.