O QUE BUSCA COM SINCERIDADE

O LABORIOSO APÓSTOLO, ao longo de suas jornadas missionárias, chegou a Troas e lá, durante a noite, teve uma visão “em que se apresentou um varão da Macedônia, e lhe rogou, dizendo: Passa à Macedônia, e ajuda-nos. E, logo depois desta visão, procuramos partir para a Macedônia, concluindo que o Senhor nos chamava para lhes anunciarmos o evangelho. E, navegando de Troas, fomos correndo em caminho direito para a Samotrácia, e no dia seguinte para Nápoles; e dali para Filipos, que é a primeira cidade desta parte da Macedônia, e é uma colônia; e estivemos alguns dias nesta cidade. E no dia de sábado saímos fora das portas, para a beira do rio, onde julgávamos ter lugar para oração; e, assentando-nos, falamos às mulheres que ali se ajuntaram. E uma certa mulher, chamada Lídia, vendedora de púrpura, da cidade de Tiatira, e que servia a Deus, nos ouvia, e o Senhor lhe abriu o coração para que estivesse atenta ao que Paulo dizia. E, depois que foi batizada ela e a sua casa, nos rogou, dizendo: Se haveis julgado que eu seja fiel ao Senhor, entrai em minha casa, e ficai ali. E nos constrangeu a isso.” (Atos 16:9-15).

Temos aqui uma cena tocante — algo digno de ser contemplado e ponderado. Trata-se de alguém que, tendo obtido, por graça, uma certa medida de luz, estava vivendo nela e buscando sinceramente mais. Lídia, a vendedora de púrpura, fazia parte da mesma interessante estirpe de fé do eunuco da Etiópia, e do centurião de Cesareia.

Todos os três aparecem na página inspirada como almas vivificadas, mas não emancipadas — não em descanso — não satisfeitas. O eunuco tinha ido da Etiópia a Jerusalém em busca de algo sobre o que pudesse descansar sua alma ansiosa. Havia deixado a cidade ainda insatisfeito, e estava devota e sinceramente apegado à preciosa página inspirada. O olho de Deus estava sobre ele, e enviou Seu servo Filipe com a mensagem necessária para suprir suas necessidades, responder às suas perguntas, e trazer descanso à sua alma. Deus sabe como colocar juntos os "Filipes" e os "eunucos". Ele sabe como preparar o coração para a mensagem, e a mensagem para o coração. O eunuco era um adorador de Deus; mas Filipe foi enviado para ensinar-lhe como enxergar Deus na face de Jesus Cristo. Era exatamente isto que ele queria. Foi como um dilúvio de radiante luz penetrando seu espírito sincero, trazendo repouso à sua consciência e ao seu coração, e fazendo-o seguir o seu caminho radiante de gozo. Ele havia seguido, com sinceridade, a luz que tinha brotado em sua alma, e Deus enviou-lhe mais.

E é sempre assim. “Porque àquele que tem, se dará, e terá em abundância.”

(Mt 13:12) Nunca existiu uma alma que, com sinceridade, tenha andado na luz que possuía e não tenha recebido mais luz. Isto é algo extremamente consolador e encorajador para todos os que buscam com sinceridade. Se o leitor pertence a esta classe, fique encorajado. Se for um daqueles em quem Deus começou uma obra, fique assegurado de que Aquele que começou a boa obra irá completá-la até ao dia de Jesus Cristo. Ele irá, com toda certeza, aperfeiçoar aquilo que concerne ao Seu povo.

Mas que ninguém cruze os braços; que ninguém recolha os remos e diga com frieza: "Devo aguardar por mais luz no tempo de Deus. Não há nada que eu possa fazer — meus esforços de nada valem. Quando chegar a hora de Deus, aí sim; mas, enquanto isso vou ficando como estou" Não eram estes os pensamentos ou os sentimentos do eunuco etíope. Ele era um dos mais sinceros perscrutadores; e todos os que buscam com sinceridade são certamente os que, com alegria, encontrarão. E assim deve ser, pois “Deus... é galardoador dos que O buscam". (Hb 11:6) E assim foi com o centurião de Cesaréia. Ele era um homem da mesma estirpe de fé do eunuco. Viveu em conformidade com a luz que tinha. Jejuou, orou e deu esmolas. Não nos é dito que tenha escutado o sermão da montanha, mas é de se notar que tenha se exercitado nos quatro grandes ramos da justiça prática que nos são apresentados por nosso Senhor no sexto capítulo de Mateus.* Ele estava moldando sua conduta e lapidando seu modo de ser em conformidade com o padrão que Deus tinha colocado diante dele. Sua justiça excedia a justiça dos escribas e fariseus e, portanto, ele entrou no reino. Ele era, pela graça de Deus, um homem genuíno, seguindo com sinceridade a luz à medida que ela era derramada em sua alma, e foi, desse modo, levado ao pleno fulgor do evangelho da graça de Deus. Deus enviou Pedro a Cornélio, assim como enviou Filipe ao eunuco. As orações e esmolas de Cornélio haviam subido como um memorial diante de Deus, e Pedro foi enviado com a mensagem da completa salvação através de um Salvador crucificado e ressuscitado.

[*Nota do Autor: O leitor irá notar que em Mateus 6:1, o correto é: “Guardai-vos de fazer a vossa justiça diante dos homens, para serdes vistos por eles”. Em seguida vêm as três áreas dessa justiça, a saber, esmolas (vers. 2-4), oração (vers. 5-15) e jejum (vers. 16-18). São as mesmas coisas que Cornélio estava fazendo. Em suma, ele temia a Deus, e estava praticando justiça de acordo com a medida de luz que possuía.]

No entanto, é bem possível que existam pessoas que, tendo sido embaladas no berço de uma cômoda profissão de fé evangélica, e educadas no petulante formalismo de uma religião autoindulgente do tipo "é fácil ir para o céu", estejam prontas a condenar a piedosa conduta de Cornélio, e a dizer que aquilo era fruto de ignorância e legalismo. Pessoas assim nunca conheceram o que significa privar-se de uma simples refeição, ou gastar uma hora em verdadeira e sincera oração, ou abrir a mão para dar, em autêntica caridade, para atender às necessidades do pobre. Tais pessoas ouviram e aprenderam, talvez, que a salvação não é para ser obtida por tais meios — que somos justificados pela fé sem obras — e que a salvação é para o que não trabalha, mas crê naquele que justifica o ímpio.

Tudo isso é totalmente verdade; mas que direito temos de supor que Cornélio estava orando, jejuando e dando esmolas a fim de ganhar a salvação? Nenhum — se é que estamos nos deixando guiar pela narrativa inspirada, e não dispomos de nenhuma outra forma de conhecer esta personalidade tão excelente e interessante. Ele foi informado pelo anjo de que suas orações e esmolas haviam subido como um memorial diante de Deus. Acaso não é isto uma clara prova de que aquelas orações e esmolas não eram adornos de justiça-própria, mas frutos de uma justiça baseada no conhecimento que ele tinha de Deus? Com toda a certeza os frutos de justiça-própria e legalismo nunca teriam ascendido como um memorial diante do trono de Deus; tampouco poderia ter Pedro jamais testificado que Cornélio era alguém que temia a Deus e praticava justiça, se tudo não passasse de um mero legalismo.

Ah, não, leitor; Cornélio era um homem íntegro em sua sinceridade. Ele viveu para aquilo que conhecia, e teria errado se tentasse ir mais além. Para ele a salvação de sua alma imortal, o serviço de Deus, e a eternidade, eram realidades grandiosas e interligadas. Ele não era, nem de longe, um desses vãos professos, cheios de discursos loquazes, insípidos e inúteis, mas que nada fazem. Cornélio pertencia a uma estirpe completamente distinta. Ele pertencia à classe de pessoas que praticam, e não que falam. Ele era um homem sobre o qual o olhar de Deus pousava com complacência, e em quem os propósitos celestes estavam profundamente interessados.

E assim era com nossa amiga de Tiatira, Lídia, a vendedora de púrpura. Ela pertencia à mesma escola — estava no mesmo nível do centurião e do eunuco. É verdadeiramente delicioso contemplarmos estas três almas preciosas — pensarmos em um na Etiópia; outro em Cesaréia e a terceira em Tiatira ou Filipos. É algo particularmente animador vermos o contraste daquelas almas, sempre francas e sinceras, com muitos que vivem nestes dias de pretensa luz e conhecimento, que receberam, como se costuma chamar, o "plano da salvação" em suas cabeças, as doutrinas da graça em suas línguas, mas o mundo em seus corações; cuja constante ocupação é “EU”, “EU”, “EU” — este miserável objeto.

Mais adiante, vamos ter oportunidade de nos referir com mais amplitude a estes, mas, no momento, gostaríamos de pensar na sincera Lídia; e devemos confessar que este é um exercício dos mais gratificantes. Está bem claro que Lídia, assim como Cornélio e o eunuco, era uma alma vivificada; uma adoradora de Deus; alguém que se contentava em deixar de lado sua venda de púrpura, e ocupar-se com uma reunião de oração, ou estar em algum lugar onde pudesse ter algum proveito espiritual e onde coisas boas estivessem acontecendo. Há um ditado que diz que pássaros da mesma espécie voam juntos, e assim Lídia logo descobriu onde algumas almas piedosas, alguns poucos espíritos semelhantes, tinham o costume de se reunir para esperar em Deus em oração.

Isso tudo é lindo. Faz bem ao coração ser colocado em contato com essa atmosfera de profundo fervor. Com toda certeza o Espírito Santo escreveu esta narrativa, como toda a Sagrada Escritura, para nosso aprendizado. Trata-se de um caso exemplar, e fazemos bem em ponderarmos sobre ele. Lídia foi achada buscando proveito em toda e qualquer oportunidade, exibindo assim os verdadeiros frutos de vida divina, os genuínos instintos da nova natureza. Ela descobriu onde os santos se reuniam para orar, e juntou-se a eles. Ela não cruzou seus braços e nem se acomodou para esperar, em repreensível indolência e preguiça, por algo indefinível e extraordinário que pudesse chegar até ela, ou algum tipo de transformação misteriosa que lhe pudesse ocorrer. Não; ela foi a uma reunião de oração — o lugar onde se expressa necessidade — o lugar onde se espera bênção: e foi ali que Deus a encontrou, como Ele certamente encontra todo aquele que frequenta tais lugares no espírito de Lídia. Deus nunca falha para com um coração desejoso. Ele disse: "os que confiam em Mim não serão confundidos" (Is 49:23); e, como um brilhante e bendito raio de sol sobre a página inspirada, resplandece a sentença tão cheia, tão plena e tão estimulante à alma: "Deus... é galardoador dos que O buscam”, (ou, como diz a versão inglesa, “dos que diligentemente O buscam" — N. do T.). (Hb 11:6) Ele enviou Filipe ao eunuco no deserto de Gaza. Ele enviou Pedro ao centurião, na cidade de Cesaréia. Ele enviou Paulo a uma vendedora de púrpura, nos subúrbios de Filipos; e Ele irá enviar uma mensagem ao leitor destas linhas, se este for verdadeiramente alguém que busca sinceramente a salvação dada por Deus.

É sempre um momento do mais profundo interesse quando uma alma preparada é colocada em contato com o pleno evangelho da graça de Deus. Pode ser que tal alma tenha estado sob profunda e dolorosa experiência por muitos dias, procurando descanso mas não o encontrando. Por meio do Seu Espírito, o Senhor tem estado a trabalhar e a preparar o terreno para que receba a boa semente. Ele tem aprofundado os sulcos a fim de que a preciosa semente da Sua Palavra possa criar raízes permanentes e produzir fruto para Seu louvor. O Espírito Santo nunca Se precipita. Seu trabalho é profundo, firme e bem arraigado. As plantas que produz não são como a aboboreira de Jonas, crescendo e morrendo na mesma noite. Tudo o que Ele faz permanecerá, bendito seja o Seu nome. "Tudo quanto Deus faz durará eternamente." (Ec 3:14) Quando Ele convence, converte e liberta uma alma, o selo de Sua própria e eterna mão está sobre a obra, em todas as suas etapas.

Voltando à nossa passagem, deve ter sido um momento ímpar quando uma pessoa numa condição de alma como a de Lídia foi colocada em contato com aquele evangelho tão glorioso que Paulo levava (Atos 16:14). Ela estava totalmente preparada para a mensagem pregada por Paulo; e certamente a mensagem deste era totalmente preparada para ela. Paulo levava consigo uma verdade que ela nunca havia escutado e nunca tinha pensado existir. Como já assinalamos, ela tinha vivido em conformidade com a luz que possuía; era uma adoradora de Deus; mas somos obrigados a concordar que ela não tinha nem ideia da gloriosa verdade que estava alojada no coração daquele estranho que se sentou ao seu lado na reunião de oração. Ela havia se aproximado — como mulher sincera e devota que era — para orar e adorar, para obter algum refrigério para seu espírito, após as fadigas da semana. Quão pouco ela imaginava que, naquela reunião, iria escutar o maior pregador que já viveu, com exceção do Senhor, e a mais elevada ordem de verdade que já chegou aos ouvidos dos mortais.

E assim ocorreu; e, oh, quão importante foi para Lídia ter ido àquela inesquecível reunião de oração! Quão bom foi ela não ter agido como muitos em nossos dias, que após uma semana de trabalho árduo na loja, no depósito, na fábrica ou no campo, usam o domingo para ficar dormindo! Quantos há que você pode encontrar em seus postos, da manhã de segunda, até sábado à noite, trabalhando com toda a diligência em sua profissão, mas pelos quais o Senhor procurará em vão na reunião no dia do Senhor. Por que razão acontece assim? Talvez tais pessoas digam a você que estão tão cansadas no sábado à noite que não têm forças para se levantar no domingo e, por esta razão, passam aquele dia em indolência, preguiça e em indulgência própria. Não têm nenhum cuidado para com suas almas, nenhum cuidado para com a eternidade, nenhum cuidado para com Cristo. Elas cuidam de si mesmas, de suas famílias, do mundo, de ganhar dinheiro; e, no entanto, você as encontrará despertas na madrugada de segunda-feira dirigindo-se a seus trabalhos.

Lídia não pertencia, de modo algum, a essa classe de pessoas. Não há dúvida de que ela exercesse seu ofício, como toda pessoa correta deve fazer. Ousamos dizer — e estamos até certos disso — que ela negociava púrpura da melhor qualidade, e era uma comerciante correta e honesta no sentido mais amplo da palavra. Mas ela não passava o sábado dormindo, ou vadiando em sua casa, ou cuidando de si própria, ou fazendo um grande alarde de tudo o que precisou fazer durante a semana. Tampouco cremos que Lídia fosse uma dessas pessoas que vivem tão preocupadas consigo mesmas que, para elas, uma chuva é motivo suficiente para ficarem longe das reuniões. Não; Lídia era de uma classe totalmente diferente. Era uma mulher sincera, que sabia possuir uma alma a ser salva e a eternidade diante de si, além de um Deus vivo para servir e adorar.

Prouvera a Deus que tivéssemos mais "Lídias" em nossos dias! Isso acrescentaria um atrativo, um interesse, uma permanente novidade à obra do evangelista, coisas estas que muitos dos obreiros do Senhor em vão suspiram encontrar. Parece que vivemos numa época de terrível desinteresse em se tomar uma posição para com as coisas divinas e eternas. Homens, mulheres e crianças estão sempre prontos a tomar uma posição quando se trata de ganhar dinheiro, ou de conquistar bens e prazeres; mas, oh, quando se trata das coisas de Deus, das coisas da alma, das coisas da eternidade, as pessoas fazem questão de bocejar de indiferença. Mas o momento se aproxima rapidamente — cada batida do coração, cada tique-taque do relógio nos leva mais perto dele — quando a descarada indiferença será transformada em "pranto e ranger de dentes". (Mt 8:12) Se isso fosse sentido com maior profundidade, teríamos muito mais "Lídias" prontas a dar atenção ao evangelho de Paulo.

Que força e beleza há nestas palavras: "O Senhor lhe abriu o coração para que estivesse atenta ao que Paulo dizia". (At 16:14) Lídia não era como essas pessoas que vão às reuniões para pensar em toda e qualquer coisa, exceto no que está sendo falado pelos mensageiros de Deus. Ela não estava pensando na sua púrpura, ou nos preços, ou nos prováveis lucros ou perdas. Quantos daqueles que enchem nossos salões nas pregações e nos estudos estariam seguindo o exemplo de Lídia? Oh! tememos que sejam bem poucos. Os negócios, as condições do mercado, a quantidade de fundos, o dinheiro, os prazeres, os vestidos, as tolices — mil e uma coisas vêm ao pensamento, permanecem nele e são ali acalentados, até que o pobre, errante e volátil coração acaba ocupado com a terra, ao invés de estar atento às coisas que são faladas.

Isso tudo é muito solene e também muito terrível. É algo que deve ser verdadeiramente investigado e ponderado. As pessoas parecem se esquecer da responsabilidade que envolve escutar o evangelho pregado. Não parecem estar, em medida alguma, impressionadas com a gravidade que há no fato de o evangelho nunca deixar qualquer inconverso na mesma condição em que se encontrava antes. Ou ele é salvo por receber o evangelho, ou torna-se mais culpado por rejeitá-lo. Sendo assim, escutar o evangelho é um assunto sério. As pessoas podem ir às pregações do evangelho por costume ou como um culto religioso, ou ainda por não terem o que fazer e disporem de tempo de sobra; ou podem ir por pensarem que o mero ato de estarem indo tenha, em si, algum tipo de mérito.

Assim, milhares frequentam as pregações nas quais os servos de Cristo, ainda que sem serem "Paulos" em seu dom, poder ou inteligência, revelam a preciosa graça de Deus em enviar Seu Filho Unigênito ao mundo para nos salvar do infortúnio e do tormento eterno. A virtude e eficácia da morte expiatória do divino Salvador — o Cordeiro de Deus — as terríveis realidades da eternidade — os pavorosos horrores do inferno, e os indizíveis gozos do céu — todas elas questões de grande importância, são apresentadas de acordo com a medida de graça conferida a cada mensageiro do Senhor e, ainda assim, quão pequeno é o efeito produzido! Eles tratam "da justiça, e da temperança, e do juízo vindouro”, e no entanto, quão poucos são os que ficam “espavoridos"! (Atos 24:25) E por que razão acontece isso? Será que alguém iria ousar se desculpar por rejeitar a mensagem do evangelho com base na sua incapacidade de crer? Será que você é alguém que iria ler tudo isto e ainda dizer: "O Senhor abriu o coração de Lídia; e se Ele tão somente fizesse o mesmo comigo, eu também aceitaria; mas enquanto Ele não o fizer, não há nada que eu possa fazer".

Respondemos, e isto com profunda seriedade, que tal argumento não poderá livrá-lo no dia do juízo. E estamos até convencidos de que você nem mesmo ousará apresentar tal argumento então. Se pensa assim, está fazendo uma má aplicação da atraente história de Lídia. É verdade, e uma bendita verdade, que o Senhor abriu o coração dela; e Ele está pronto a abrir o seu coração também, se houver nele ainda que um centésimo da sinceridade de Lídia.

Acaso, querido leitor, você não sabe que existem dois lados nesta importante questão, assim como acontece em todo assunto? Pode parecer bem, e soar convincente, quando você diz: "Não há nada que eu possa fazer". Mas quem foi que lhe disse isto? Onde foi que você aprendeu assim? Nós o desafiamos solenemente, na presença de Deus: Poderia você olhar para Ele e dizer, "Não há nada que eu possa fazernão sou responsável"? Seria a salvação de sua alma imortal a única coisa acerca da qual você nada poderia fazer? Você pode fazer muitas coisas a serviço do mundo, do seu ego e de Satanás, mas quando se trata de uma questão de Deus, da alma e da eternidade, você candidamente diz: "Não há nada que eu possa fazer — não sou responsável".

Ah! isto jamais irá resolver a questão. Esse tipo de argumento é fruto de uma teologia parcial. É o resultado do mais pernicioso raciocínio da mente humana sobre certas verdades das Escrituras, as quais são assim distorcidas e tristemente mal aplicadas. É sobre isso que insistimos com o leitor. Não há como argumentar dessa forma. O pecador é responsável; e toda a teologia, todo o raciocínio, todas as falhas e objeções juntas, ainda que plausíveis, jamais conseguirão diminuir a gravidade e seriedade do fato.

Sendo assim, rogamos ao leitor para que, como Lídia, trate com sinceridade a questão da salvação de sua alma — e deixe que qualquer outra questão, qualquer outro ponto, qualquer outro assunto, naufrague em total insignificância em comparação com esta oportuníssima questão — a salvação de sua alma tão preciosa. E então, pode estar certo de que Aquele que enviou Filipe ao eunuco; Pedro ao centurião e Paulo a Lídia, irá enviar, ao leitor, alguém trazendo uma mensagem, e também abrirá seu coração para atendê-la. Nisto não pode haver uma dúvida sequer, já que as Escrituras declaram que Deus não quer "que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se". (2 Pe 3:9) Todos os que perecem, após terem ouvido a mensagem de salvação — a doce história do gratuito amor de Deus e da morte e ressurreição do Salvador — perecerão sem uma sombra sequer de desculpa, e descerão ao inferno com seu próprio sangue sobre suas cabeças culpadas. Seus olhos serão então abertos para enxergar através de todos os débeis argumentos pelos quais tentaram se manter numa falsa posição, deixando-se embalar no sono do pecado e do mundanismo.

Tratemos agora um pouco do "que Paulo dizia". (Atos 16:14) O Espírito de Deus não achou apropriado dar-nos nem mesmo um breve esboço da pregação de Paulo naquela reunião de oração.

Portanto temos que nos valer de outras passagens das Sagradas Escrituras para formar uma ideia do que Lídia escutou dos lábios de Paulo naquela ocasião tão interessante. Vamos tomar, por exemplo, a famosa passagem em que ele recorda aos Coríntios o evangelho que lhes havia pregado. “Também vos notifico, irmãos, o evangelho que já vos tenho anunciado; o qual também recebestes, e no qual também permaneceis. Pelo qual também sois salvos se o retiverdes tal como vo-lo tenho anunciado; se não é que crestes em vão. Porque primeiramente vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado, e que ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras.” (1 Co 15:1-4).

Podemos agora concluir, com toda a segurança, que a passagem acima contém um compêndio das coisas que foram faladas por Paulo na reunião de oração em Filipos. O grande tema da pregação de Paulo era Cristo — Cristo para o pecador — Cristo para o santo — Cristo para a consciência — Cristo para o coração. Ele nunca se permitiu vagar para fora deste grande ponto central, mas fez com que todas as suas pregações e todo o seu ensino circulassem ao redor dele com uma uniformidade admirável. Quando chamava os homens, tanto judeus como gentios, ao arrependimento, a alavanca que usava era Cristo. Quando insistia para que cressem, o objeto que colocava diante deles para nele exercerem fé era Cristo, com a autoridade das Sagradas Escrituras. Quando arrazoava acerca da justiça, da temperança e do julgamento vindouro, Cristo era Aquele que dava a convicção e o poder moral à sua argumentação. Em suma, Cristo era a substância e o cerne, a suma e a essência, o fundamento e a pedra principal da pregação e ensino de Paulo.

Todavia, para nosso propósito aqui, há três grandes assuntos, encontrados na pregação de Paulo, para os quais desejamos chamar a atenção do leitor. São, primeiro, a graça de Deus; segundo, a Pessoa e obra de Cristo; e terceiro, o testemunho do Espírito Santo conforme é dado nas Sagradas Escrituras. Não tentaremos, aqui, nos aprofundar nestes assuntos tão extensos; tão somente faremos menção deles, convidando o leitor a ponderar sobre eles, meditar neles, e procurar se apropriar deles.

A Graça de Deus Primeiramente, a graça de Deus — Seu livre e soberano favor; é a fonte da qual flui a salvação — a salvação em toda a sua extensão, em toda a sua profundidade, no sentido mais amplo desta preciosa palavra — salvação que desce tal qual uma corrente de ouro, vinda do seio de Deus, até alcançar os mais profundos abismos da culpa e da condição arruinada do pecador, subindo então novamente para o trono de Deus — salvação que atende a todas as necessidades do pecador, que envolve toda a história do santo, e que glorifica a Deus da maneira mais elevada possível.

A Pessoa de CristoA Pessoa de Cristo — e Sua obra consumada — é o único canal através do qual a salvação pode fluir para o pecador perdido e culpado. Não a Igreja, com seus sacramentos, nem a religião com seus ritos e cerimônias — nada que provenha do homem ou de seus feitos, seja qual for a sua forma ou aparência, mas a morte e ressurreição de Cristo. "Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras... e foi sepultado, e... ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras." (1 Co 15:3, 4) Era este o evangelho que Paulo pregava, por meio do qual os coríntios foram salvos, e acerca do qual o apóstolo declara com solene ênfase: "Se alguém vos anunciar outro evangelho além do que já recebestes, seja anátema (maldito)". (Gl 1:9) Tremendas palavras para nossos dias!

A Autoridade Finalmente, a autoridade sobre a qual recebemos a salvação é o testemunho do Espírito Santo nas Escrituras. É “segundo as Escrituras”. Trata-se de uma verdade das mais sólidas e confortadoras. Não se trata da questão de nossos sentimentos ou experiências, ou de evidências; é uma simples questão de fé na Palavra de Deus, fé esta produzida no coração pelo Espírito de Deus.

Onde quer que o Espírito de Deus esteja trabalhando, aí Satanás certamente estará também ocupado, e isto é um assunto sério para o evangelista refletir. Devemos nos lembrar disto, e estarmos sempre preparados para isto. O inimigo de Cristo e inimigo de nossas almas está sempre vigiando, sempre rondando para ver o que pode fazer, seja para impedir ou corromper a obra do evangelho. Não é preciso que fiquemos aterrorizados com isto, e nem é algo para desencorajar o obreiro; mas é bom ter isto em mente e manter-se vigilante. Satanás não deixará de virar uma pedra sequer, se isto puder desfigurar ou impedir a bendita obra do Espírito de Deus. Ele já provou ser o inimigo vigilante e incansável daqueles que trabalham, desde os dias do Éden até o presente momento.

Ao traçarmos a história de Satanás, o encontramos atuando em duas formas: como serpente ou como leão — usando de astúcia ou de violência. Ele procurará enganar, e, se não for bem sucedido, então usará de violência. É o que acontece no capítulo 16 de Atos.

O coração do apóstolo havia recebido ânimo e refrigério por aquilo que nossos contemporâneos chamariam de ‘um lindo caso de conversão’. A conversão de Lídia havia sido bem real e decisiva, em todos os seus aspectos. Era algo direto, positivo e inquestionável. Ela havia recebido a Cristo em seu coração e, a partir de então, entrou em terreno cristão ao se submeter ao batismo, esta ordenança de significado tão profundo. Mas ainda não foi tudo. Ela imediatamente abriu sua casa para os mensageiros do Senhor. Não se tratava de uma mera profissão de lábios. Não se tratava de apenas dizer que cria. Ela provou sua fé em Cristo, não somente ao passar sob as águas do batismo, mas também por identificar-se, junto com sua casa, com o nome e com a causa daquele Bendito Ser a Quem ela havia recebido em seu coração pela fé. Tudo isso era claro e satisfatório. Mas iremos agora ver algo bem diferente. A serpente entra em cena na pessoa do enganador.