OBSERVAÇÕES FINAIS

Devemos agora concluir esta série de textos, e é com um forte sentimento de relutância que o fazemos. O tema é por demais interessante, profundamente prático e proveitoso em extremo. Todavia, ele é bastante sugestivo e abre um extenso campo de visão para a mente espiritual explorar com um interesse que nunca termina, pois o assunto é inexaurível.

Todavia, devemos, ao menos por enquanto, finalizar nossas meditações nesta linha de verdade tão maravilhosa, mas ao fazê-lo, estamos ansiosos por chamar a atenção do leitor, da forma mais sucinta, para uma ou duas coisas que mal foram mencionadas ao longo destes textos. Nós as consideramos não só interessante, mas de verdadeiro valor prático para ajudar a esclarecer o entendimento de muitos ramos do grande assunto que tem ocupado nossa atenção. O leitor que viajou conosco ao longo das várias ramificações de nosso assunto irá se lembrar de uma referência rápida àquilo que nos aventuramos a chamar de "um intervalo, pausa ou parêntese despercebido" na relação de Deus com Israel e com a terra. Trata-se de um ponto do mais profundo interesse, e esperamos ser capazes de mostrar ao leitor que não se trata de alguma questão curiosa, de um assunto misterioso e sombrio, ou de uma noção favorita de alguma escola ou interpretação profética em particular. Muito pelo contrário, consideramos isto como um ponto que derrama uma torrente de luz sobre muitas ramificações de nosso assunto como um todo. Foi o que descobrimos para nós mesmos, e é assim que desejamos apresentar aos nossos leitores. Aliás, questionamos com veemência se porventura alguém pode entender corretamente a profecia ou sua verdadeira posição e consequências, sem enxergar o sutil intervalo ou pausa à qual nos referimos acima.

Mas vamos nos voltar diretamente para a Palavra e abrir no capítulo 9 do livro de Daniel. os primeiros versículos desta notável seção nos revelam o amado servo de Deus em um profundo exercício de alma relacionado à triste condição se seu tão amado povo de Israel — uma condição na qual, através do Espírito de Cristo, ele entra com profundidade. Embora ele próprio não tivesse participado pessoalmente dessas ações que trouxeram ruína à nação, mesmo assim ele se identifica, da forma mais completa, com o povo, e toma para si os seus pecados em confissão e juízo-próprio diante de Deus. Não podemos, no momento, tentar citar toda a extraordinária oração e confissão de Daniel, mas o assunto que imediatamente nos diz respeito agora é apresentado no versículo 20.

"Estando eu ainda falando e orando, e confessando o meu pecado, e o pecado do meu povo Israel, e lançando a minha súplica perante a face do Senhor, meu Deus, pelo monte santo do meu Deus, estando eu, digo, ainda falando na oração, o homem Gabriel, que eu tinha visto na minha visão ao princípio, veio, voando rapidamente, e tocou-me, à hora do sacrifício da tarde. Ele me instruiu, e falou comigo, dizendo: Daniel, agora saí para fazer-te entender o sentido. No princípio das tuas súplicas, saiu a ordem, e eu vim, para to declarar, porque és mui amado; considera, pois, a palavra, e entende a visão. Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo, e sobre a tua santa cidade, para cessar a transgressão, e para dar fim aos pecados, e para expiar a iniquidade, e trazer a justiça eterna, e selar a visão e a profecia, e para ungir o Santíssimo" (Daniel 9:20-24).

Em razão de nosso limitado espaço não poderemos entrar em algum argumento mais complexo para provar que as "setenta semanas" da passagem acima significam, na realidade, quatrocentos e noventa anos. Assumimos isto como sendo um fato. Acreditamos que Gabriel tenha sido comissionado a instruir o profeta amado e a informá-lo de que, a partir da ordem para reconstruir Jerusalém, deveria passar um período de quatrocentos e noventa anos, e então Israel seria introduzido na bênção.

Isto é algo tão simples e claro quanto qualquer coisa pode ser. Podemos asseverar, com total confiança, que é menos provável que o sol nasça amanhã na hora esperada, que o povo de Daniel ser introduzido na bênção no final do período acima mencionado pelo mensageiro angelical. Trata-se de algo tão certo quanto o trono de Deus. Nada pode impedir isso. Nem todos os poderes da terra e do inferno juntos são capazes de barrar o total e perfeito cumprimento da Palavra de Deus saída da boca de Gabriel. Quando o último grão de areia do último dos quatrocentos e noventa anos deixar a ampulheta, Israel entrará na posse de toda a preeminência e glória à qual foi destinado. É impossível ler Daniel 9:24 e não enxergar isto.

Mas pode ser que o leitor se sinta disposto a perguntar — e a perguntar com certo espanto — "Porventura os quatrocentos e noventa anos já não passaram há muito tempo?" A resposta é que seguramente não. Se assim fosse, Israel estaria agora em sua própria terra, sob o bendito reinado de seu próprio Messias amado. As Escrituras não podem falhar e tampouco nós podemos tratar suas afirmações de maneira leviana e superficial, como se pudessem significar qualquer coisa, ou tudo, ou coisa alguma. A palavra é precisa. "Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo". Nem mais, nem menos do que setenta semanas. Se isto significar literalmente semanas, a passagem não tem qualquer sentido ou significado. Seria um insulto aos nossos leitores perder tempo combatendo um absurdo deste.

Mas se Gabriel se referiu a setenta semanas de anos, como estamos totalmente persuadidos de que tenha sido o caso, então temos diante de nós um período bem distinto e definido — um período que se estende do momento em que Ciro emitiu a ordem para restaurar Jerusalém, até o momento da restauração de Jerusalém.

Todavia ainda assim o leitor pode querer perguntar, "Como pode ser assim? Passou muito mais que quatrocentos e noventa anos, quatro vezes mais, desde que o rei da Pérsia emitiu sua ordem, e mesmo assim não há sinal da restauração de Israel. Certamente deve existir algum outro modo de interpretar as setenta semanas".

Nada podemos fazer além de repetir nossa afirmação, de que os quatrocentos e noventa anos ainda não se cumpriram. Houve uma pausa — um parêntese, um intervalo longo e despercebido. Que o leitor observe atentamente Daniel 9:25-26: "Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar, e para edificar a Jerusalém, até ao Messias, o Príncipe, haverá sete semanas [49 anos], e sessenta e duas semanas [434 anos]; as ruas e o muro se reedificarão, mas em tempos angustiosos" ou, "tempos apertados", isto é, as ruas e o muro de Jerusalém foram construídos no menor dos dois períodos citados, ou em quarenta e nove anos. "E depois das sessenta e duas semanas será cortado o Messias, mas não para Si mesmo" ou "e não será mais".

É aqui que chegamos a essa marcante, memorável e solene época. O Messias, ao invés de ser recebido, é cortado. No lugar de sua ascensão ao trono de Davi, Ele vai para a cruz. Ao invés de entrar na posse de todas as promessas, Ele nada tem. Sua única porção — no que diz respeito a Israel e à terra — foi a cruz, o vinagre, a lança e o túmulo emprestado.

O Messias foi rejeitado, cortado e nada ganhou. E agora? Deus mostrou Sua intenção suspendendo por um tempo Suas ações dispensacionais relativas a Israel. O curso do tempo é interrompido. Cria-se uma grande lacuna. Quatrocentos e oitenta e três anos se cumprem; restam sete — uma semana cancelada, e todo o tempo desde a morte do Messias passou como um intervalo não percebido — uma pausa ou parêntese, durante o qual Cristo tem estado escondido nos céus, e o Espírito Santo tem trabalhado na terra na formação do corpo de Cristo, a Igreja, a noiva celestial. Quando o último membro tiver sido incorporado a este corpo, o próprio Senhor virá e receberá o Seu povo para Si, para conduzi-lo de volta à casa do Pai, para estar ali com Ele na inefável comunhão daquele bendito lar, enquanto Deus, por meio de Suas ações governamentais, prepara Israel e a terra para a introdução do Primogênito no mundo.

Quanto a este intervalo e tudo o que deveria ocorrer dentro dele, Gabriel mantém um profundo segredo. Se ele entendia ou não isso, não é esta a questão. Fica claro que ele não estava comissionado a falar sobre o assunto, mesmo porque ainda não havia chegado a hora de fazê-lo. Ele passa, com um salto misterioso e maravilhoso, sobre eras e gerações — vai de um cabo a outro da carta marítima profética, e cita em uma ou duas breves sentenças um período extenso de aproximadamente dois mil anos. A tomada de Jerusalém pelos romanos é, assim, rapidamente mencionada: "O povo do príncipe, que há de vir, destruirá a cidade e o santuário". Então é apresentado um período que já dura dezoito séculos da seguinte maneira: "E o seu fim será com uma inundação; e até ao fim haverá guerra; estão determinadas as assolações".

Então, com grande rapidez, somos conduzidos ao tempo do fim, quando a última das setenta semanas, os últimos sete anos dos quatrocentos e noventa, se cumprirão. "E ele [o Príncipe] firmará aliança com muitos [judeus] por uma semana [sete anos]; e na metade da semana fará cessar o sacrifício e a oblação; e sobre a asa das abominações virá o assolador, e isso até à consumação; e o que está determinado será derramado sobre o assolador".

Chegamos aqui ao final dos quatrocentos e noventa anos que foram determinados ou distribuídos para o povo de Daniel. Tentar interpretar este período sem enxergar a pausa e o longo intervalo despercebido, acabará necessariamente lançando a mente em total confusão. É algo impossível de ser feito. Inúmeras teorias já foram divulgadas, especulações e cálculos sem fim foram tentados, mas tudo em vão. os quatrocentos e noventa anos ainda não se cumpriram e tampouco se cumprirão até que a Igreja tenha deixado definitivamente este cenário e subido para estar com seu Senhor em Seu brilhante lar celestial. os capítulos 4 e 5 de Apocalipse nos mostram o lugar que os santos celestiais deverão ocupar durante a última das setenta semanas de Daniel, enquanto encontramos em Apocalipse 6-18 os vários Atos governamentais de Deus, preparando Israel e a terra para a introdução do Primogênito no mundo.*

[* Estamos cientes de que existe um debate entre os expositores, se os eventos de Apocalipse 6-18 devem ocupar uma semana inteira ou apenas metade. Não tentamos oferecer aqui uma opinião. Alguns consideram que os ministérios públicos de João Batista e de nosso Senhor tenham ocupado uma semana, ou sete anos, e que em consequência da rejeição de ambos por Israel, a semana teria sido cancelada e ficado por se cumprir. Trata-se de uma questão interessante, mas que de modo algum afeta os grandes princípios que temos diante de nós ou a interpretação do livro de Apocalipse. Podemos acrescentar que as expressões "quarenta e dois meses" — "mil duzentos e sessenta dias" — "um tempo, e tempos, e a metade de um tempo" indicam o período de meia semana ou três anos e meio.]

Queremos muito esclarecer estas questões para o leitor. Elas nos têm ajudado muito no entendimento da profecia e eliminaram várias dificuldades. Estamos plenamente convencidos de que ninguém pode entender o livro de Daniel, ou mesmo o escopo geral da profecia, se não enxergar que a última das setenta semanas ainda está para ser cumprida. Nem mesmo um jota ou til da Palavra de Deus pode jamais passar, e considerando que Ele declarou que "setenta semanas estão determinadas sobre" o povo de Daniel, e que no final desse período ele será introduzido na bênção, fica claro que o período ainda não se cumpriu. Mas a menos que enxerguemos o intervalo, e a suspensão na contagem do tempo em função da rejeição do Messias, não há como decifrar o cumprimento das setenta semanas de Daniel, ou dos quatrocentos e noventa anos.

Outro fato importante para o leitor ter em mente é este: a Igreja não tem qualquer parte nos procedimentos de Deus para com Israel e a terra. A Igreja não pertence ao tempo, mas à eternidade. Ela não é terrena, mas celestial. Ela é chamada à existência durante um intervalo não registrado — um intervalo ou parêntese resultante do Messias ter sido cortado. Humanamente falando, se Israel tivesse recebido o Messias, então as setenta semanas ou quatrocentos e noventa anos teriam se cumprido. Mas Israel rejeitou seu Rei, e Deus O chamou à Sua presença até que o povo reconheça sua iniquidade. Deus suspendeu seus procedimentos públicos para com Israel e a terra, apesar de estar certamente controlando todas as coisas por Sua providência, e mantendo Seu olhar sobre a semente de Abraão, sempre amada por causa do patriarca.

Enquanto isso Ele está tirando dentre judeus e gentios esse corpo chamado Igreja, para ser uma companhia para Seu Filho na glória celestial — para estar totalmente identificada com Ele em Sua atual rejeição neste mundo, e para aguardar em santa paciência por Seu glorioso advento.

Tudo isso distingue a posição do cristão da forma mais clara possível. Sua porção e expectativas são também definidas com igual clareza. De nada adianta procurar na página profética pela posição da Igreja, sua vocação e esperança. Não está ali. É algo completamente fora de propósito para o cristão ficar ocupado com datas e eventos históricos, como se estas coisas lhe dissessem respeito. Não há dúvida de que todas estas coisas têm seu lugar, seu valor e seu interesse, quando conectadas aos desígnios de Deus para com Israel e a terra. Mas o cristão não deve jamais perder de vista o fato de pertencer ao céu, de estar inseparavelmente ligado a um Cristo que foi rejeitado na terra e aceito no céu, que sua vida está oculta com Cristo em Deus e que é seu santo privilégio aguardar, dia a dia, hora a hora, pela vinda de seu Senhor. Nada deve ofuscar a compreensão dessa bendita esperança por um momento sequer. Nada, senão uma só coisa, pode causar seu atraso, e esta é a paciência de nosso Senhor, que não deseja que alguém pereça, mas que todos venham a arrepender-se — preciosas palavras estas para um mundo culpado e perdido! A salvação está pronta para ser revelada, e Deus está pronto para julgar. Nada há para se esperar além da reunião do último eleito e então — oh! pensamento bendito!

— nosso querido e amável Salvador virá e nos receberá para Si, para estarmos com Ele onde Ele está, e para jamais sairmos de Sua presença.

Então, quando a Igreja partir para estar com seu Senhor no lar celestial, Deus voltará a agir publicamente com Israel. O povo será levado a uma grande tribulação durante a semana à qual já nos referimos. Mas no final daquele período de inigualável pressão e sofrimento, seu Messias há tanto rejeitado aparecerá para seu alívio e libertação. Ele virá como o cavaleiro montado no cavalo branco, acompanhado pelos santos celestiais. Ele executará um julgamento sumário sobre Seus inimigos, e tomará para Si Seu grande reino e poderio. os reinos do mundo se tornarão reinos de nosso Senhor e de Seu Cristo. Satanás será preso por mil anos e todo o universo repousará sob o bendito e benevolente governo do Príncipe da paz. Finalmente, ao término dos mil anos, Satanás será solto e terá permissão para fazer mais um desesperado esforço — um esforço que terminará com sua derrota e confinamento eterno no lago de fogo, para ser ali atormentado juntamente com a besta e o falso profeta por toda a eternidade.

Em seguida vem a ressurreição e o juízo dos ímpios que morreram, quando serão lançados no lago que queima com fogo e enxofre — terrível e tremendo pensamento este! Coração algum jamais será capaz de conceber — língua alguma será capaz de contar — os horrores daquele lago de fogo.

Mas mal temos tempo para tratar dessa imagem horrível e sinistra e eis que diante da visão da alma surgem as indizíveis glórias dos novos céus e da nova terra: a santa cidade é vista descendo do céu, e sons angelicais enchem os ouvidos, "Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens, pois com eles habitará, e eles serão o Seu povo, e o mesmo Deus estará com eles, e será o Seu Deus. E Deus limpará de seus olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas. E o que estava assentado sobre o trono disse: Eis que faço novas todas as coisas".

Oh, amado leitor cristão, que cenas temos diante de nós! Que imensas realidades! Que fulgurantes glórias morais! Possamos nós viver na luz e poder dessas coisas! Possamos acalentar essa bendita esperança de ver Aquele que nos amou e Se entregou a Si mesmo por nós — que não gostaria de desfrutar de Sua glória sozinho, mas suportou a ira de Deus para poder nos ligar Consigo e compartilhar conosco todo o Seu amor e glória para todo o sempre. Oh! viver por Cristo e aguardar por Sua vinda!

Nas alturas do céu, lá na casa do Pai, Ele foi preparar-me lugar Grato de tanto amor, de minha boca hoje sai, Meu louvor e um canto sem par.

Muito em breve estarei lá, de branco, na luz, Onde as trevas jamais vão entrar, Com meus olhos verei o meu terno Jesus, E Suas marcas de amor, contemplar.

Findo todo o pesar e o pecado cruel, Livre, então, para sempre do mal, Pela graça de Deus, na mansão lá no céu, Viverei esse dia eternal.