4-A OCASIÃO E A MANEIRA DE CELEBRAR A CEIA DO SENHOR

Após termos considerado, pela misericórdia do Senhor, a natureza da Ceia do Senhor, as circunstâncias em que ela foi instituída, e as pessoas a quem foi designada, gostaria apenas de acrescentar uma palavra quanto ao que nos ensinam as Escrituras sobre a ocasião e o modo de sua celebração.

Embora a Ceia do Senhor não tivesse sido instituída pela primeira vez no primeiro dia da semana, os capítulos 24 de Lucas e 20 de Atos são suficientes para demonstrar, a todo aquele que se submete à Palavra, que esse é o dia no qual a ceia deveria ser especialmente celebrada. O Senhor partiu o pão com Seus discípulos “no primeiro dia da semana” (Lc 24:1,30); e “no primeiro dia da semana” os discípulos reuniram-se para partir o pão (Atos 20:7). Estas passagens são mais que suficientes para provar que não era uma vez por mês, nem uma vez em três meses, nem tampouco uma vez em seis meses, que os discípulos deveriam reunir-se para o partir do pão, mas uma vez por semana, pelo menos, e essa no primeiro dia da semana. Não temos qualquer dificuldade em ver que há uma característica moral apropriada no primeiro dia da semana para a celebração da Ceia do Senhor: é o dia da ressurreição - o dia da Igreja, em contraste com o sétimo dia, que era o dia de Israel. E da mesma forma que, na instituição da ordenança, o Senhor separou totalmente os Seus discípulos das coisas judaicas (ao recusar-se a beber do fruto da vide - o cálice da páscoa - e então instituindo uma outra ordenança), também, no dia em que esta ordenança deveria ser celebrada, observamos o mesmo contraste entre as coisas celestiais e terrenais. É no poder da ressurreição que podemos anunciar apropriadamente a morte do Senhor. Quando o conflito terminou, Melquisedeque trouxe pão e vinho e abençoou Abraão em nome do Senhor. Assim também, nosso Melquisedeque, quando terminou o conflito e conquistada a vitória, veio da ressurreição com pão e vinho, para fortalecer e animar os corações do Seu povo, e soprar sobre eles aquela paz que Ele comprara com tanto empenho.

Se, portanto, o primeiro dia da semana for o dia indicado nas Escrituras para os discípulos partirem o pão, fica evidente que o homem não tem autoridade para alterar o período para uma vez por mês ou uma vez a cada seis meses. E não duvido que, quando as afeições para com a Pessoa do Senhor são vivas e fervorosas, o cristão desejará anunciar a morte do Senhor tão freqüentemente quanto lhe for possível; na verdade quer-nos parecer, pelo início do livro de Atos que os discípulos partiam o pão diariamente.

Podemos deduzir isto na frase, “e partindo o pão em casa” (Atos 2:46). Contudo não temos necessidade de depender da mera inferência quanto à questão do primeiro dia da semana ser o dia em que os discípulos se reuniam para partir o pão: somos claramente ensinados assim, e vemos a sua beleza e adequação moral.

Isto quanto à ocasião. Quero agora falar algo quanto à maneira de celebrar a Ceia. A principal aspiração dos cristãos deveria ser mostrar que o partir do pão é o objetivo primeiro e mais importante de se reunirem no primeiro dia da semana. Deveriam mostrar que não é para a pregação ou ensino que se reúnem, se bem que o ensino possa ser um complemento feliz, mas que o partir do pão é o assunto principal que têm em vista. É a obra de Cristo que anunciamos na Ceia, pelo que ela deveria ter o primeiro lugar; e, depois de ter sido plenamente anunciada, deveria haver uma plena e desimpedida oportunidade para a obra do Espírito Santo no ministério. A missão do Espírito é expor e exaltar o Nome, a Pessoa e a Obra de Cristo; e se Lhe for permitido orientar a assembléia de cristãos, o que sem dúvida fará, Ele dará sempre o primeiro lugar à obra de Cristo.

Não posso terminar estes comentários sem manifestar meu profundo sentimento da fraqueza e a superficialidade de tudo quanto tenho dito sobre um assunto tão importante. Sinto, na presença do Senhor, perante Quem desejo escrever e falar, que tenho falhado tanto em mostrar toda a verdade acerca deste assunto, que quase me sinto tentado a impedir que estas páginas sejam publicadas. Não é que eu tenha uma sombra de dúvida quanto à verdade que tenho procurado frisar; não: mas sinto que, para escrever sobre um assunto como é o partir do pão, numa época em que há tanta confusão entre os cristãos professos, há a necessidade de afirmações diretas, claras e transparentes, para o que sinto-me pouco capacitado.

Temos apenas uma vaga idéia de como a questão do partir do pão está ligada inteiramente com a posição e testemunho da Igreja na Terra; e conhecemos igualmente muito pouco da maneira como este assunto tem sido inteiramente mal compreendido pela Igreja professa. É preciso que o partir do pão seja a afirmação clara do fato que todos os crentes são um só corpo; porém a Igreja professa, por haver se fragmentado em seitas, e levantado uma mesa para cada seita, tem negado este fato na prática.

Na verdade, o partir do pão tem sido deixado para um segundo plano. A mesa, a qual o Senhor deveria presidir, é quase perdida de vista pela maneira como é posta à sombra do púlpito, no qual o homem preside; esse púlpito que é, oh! muitíssimas vezes o instrumento para criar e perpetuar a desunião, é, para muitos, o objeto preponderante; enquanto a mesa, que, se fosse convenientemente compreendida, perpetuaria o amor e a união, é convertida em algo bem secundário. E até mesmo nos mais louváveis esforços para se recuperar um estado de coisas tão lamentável, que completo fracasso temos testemunhado. Que resultado tem alcançado a Aliança Evangélica? Tem tido este resultado: tem desenvolvido uma existente necessidade entre cristãos professos, necessidade essa que eles são confessadamente incapazes de alcançar. Querem uma união que são incapazes de conseguir. Por quê? Porque não querem abdicar de tudo aquilo que foi acrescentado à verdade e se reunirem em conformidade com a verdade, para partirem o pão como discípulos. Digo, como discípulos, e não como membros de igreja, Independentes, Batistas, etc... Não é que tais pessoas não possam estar de posse de muita verdade preciosa, refiro-me àqueles de entre eles que amam o Senhor Jesus Cristo: certamente que podem; mas não possuem a verdade que iria impedi-los de se reunirem para partir o pão. Como poderia a verdade jamais impedir os crentes de darem expressão à unidade da Igreja? Impossível! A existência de um espírito sectário naqueles que retém a verdade pode fazer isto, mas a verdade nunca. Mas como é que as coisas estão atualmente na Igreja professa? Cristãos de várias comunidades podem reunir-se para leitura, orações e cânticos, durante a semana, mas quando chega o primeiro dia da semana, não têm a mínima idéia de darem a única prova real e eficaz da sua unidade, que o Espírito pode reconhecer, e que consiste no partir do pão. “Nós, sendo muitos, somos um só pão e um só corpo: porque todos participamos do mesmo pão” (1 Co 10:17).

O pecado em Corinto era não esperarem uns pelos outros. Isto é evidente pela exortação com que o apóstolo resume toda a questão em 1 Coríntios 11:33: “Portanto, meus irmãos, quando vos ajuntais para comer, esperai uns pelos outros”. Por que deviam esperar uns pelos outros? Sem dúvida para poderem manifestar melhor a sua unidade. Porém, que teria dito o apóstolo se, ao invés de se reunirem num mesmo lugar, tivessem ido a lugares diferentes, segundo as suas diferentes opiniões acerca da verdade? Nesse caso, ele poderia ter dito, com a maior ênfase possível: “Não podeis comer a Ceia do Senhor”.

Todavia, talvez alguém pergunte: Como poderiam todos os crentes de Londres se reunir num só lugar? Respondo que se não pudessem se reunir num mesmo lugar, poderiam, ao menos, se reunir segundo o mesmo princípio. Como se reuniam os crentes de Jerusalém? A resposta é: “E era um o coração” (Atos 4:32). Sendo assim, tinham pouca dificuldade quanto ao local de reunião. O “alpendre de Salomão” (Atos 5:12), ou qualquer outro lugar, seria adequado ao propósito que tinham. Manifestavam a sua unidade, e isto, também, de um modo inequívoco. Nem a questão de vários lugares, nem os vários graus de conhecimento e realizações, podiam interferir, em qualquer medida, na sua unidade. Havia “um só corpo e um só Espírito” (Ef 4:4).

Para finalizar, eu diria que o Senhor, com toda a certeza, irá honrar aqueles que têm fé para crer e confessar a unidade da Igreja na Terra; e quanto maior for a dificuldade para se agir assim, maior será a honra. Que o Senhor conceda a todo o Seu povo um “olho simples” (Lc 11:34), e um espírito humilde e honesto.

Teu corpo morto, aqui Senhor amado, nós enxergamos neste pão que foi partido; e o vinho, que no cálice é derramado, aponta para o Teu sangue puro, lá, vertido.

E quando, assim, nos reunimos aqui, somos, em Ti, de “um só corpo”, a expressão.

Na cruz - Teu sangue puro derramado ali -

Tua morte, oh Senhor, nos deu a salvação.

Irmãos em Ti, oh quão doce é a união Tua graça vamos sempre celebrar -

é em Teu nome, para Ti é a reunião, pois onde estás, sabemos, é o lugar.

Nós temos uma esperança - que Tu virás; a Ti, nos ares, nós desejamos ver, quando Tu levares Teu povo ao Lar, e nós reinarmos para sempre Contigo.

C. H. Mackintosh 1820-1896